INTRODUÇÃO
A tosse é um reflexo vital responsável pela defesa das vias aéreas, promovendo a eliminação de secreções, substâncias nocivas e agentes infeciosos das vias aéreas e protegendo contra a aspiração de corpos estranhos 1. No entanto, é uma queixa frequente e um dos principais motivos de recurso a cuidados de saúde 2. Quando persistente, pode ter um elevado impacto na qualidade de vida. Num estudo europeu, mais de 80% dos doentes referiram que a tosse crónica afetava a sua qualidade de vida e atividades diárias, que se encontravam deprimidos e que este sintoma perturbava e preocupava os seus familiares 3,4. A heterogeneidade e complexidade dos processos subjacentes à tosse crónica dificultam a identificação de terapêuticas eficazes que possam ser aplicadas transversalmente a todos os doentes 5.
OBJETIVO
Este artigo de revisão tem como objetivo proporcionar uma visão abrangente sobre a tosse crónica, abordando a própria definição, epidemiologia, fisiopatologia e principais etiologias. Adicionalmente, pretende salientar a necessidade de uma abordagem sistemática para o diagnóstico e tratamento da tosse crónica, enfatizando estratégias terapêuticas para a tosse crónica idiopática, com destaque para os avanços farmacológicos emergentes.
MÉTODOS
A presente revisão envolveu uma análise aprofundada da literatura atual sobre tosse crónica em adultos. A pesquisa bibliográfica foi conduzida essencialmente na base de dados PubMed, abrangendo o período de 2010 até maio de 2024. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “chronic cough,” “cough hypersensitivity,” “idiopathic cough,” e “management of chronic cough”. Os estudos foram selecionados com base na sua relevância para a compreensão da epidemiologia, fisiopatologia, abordagens diagnósticas e opções terapêuticas da tosse crónica, com especial atenção para publicações de maior impacto e guidelines internacionais. Adicionalmente, foram incluídos artigos complementares que foram considerados essenciais para esclarecer ou aprofundar tópicos específicos.
DEFINIÇÃO
Em adultos, a tosse define-se como crónica se apresentar uma duração superior a 8 semanas 6. O limite temporal estabelecido é arbitrário, e frequentemente este sintoma persiste muito além das 8 semanas, em média 6,5 anos 7. De acordo com o fenótipo, os doentes podem apresentar um padrão diário com elevado impacto na vida quotidiana ou apresentar queixas intermitentes e recorrentes. Até 46% dos doentes com tosse crónica mantêm este sintoma apesar de efetuarem tratamento prescrito. Esta situação é denominada tosse crónica refratária 8.
EPIDEMIOLOGIA
Estima-se que a prevalência da tosse crónica ronde os 10% da população geral adulta, sendo mais prevalente nos países desenvolvidos, nos fumadores e no sexo feminino, com um ratio descrito de 2:1 9-11. Supõe-se que o desequilíbrio entre géneros possa estar associado a diferenças ao nível do processamento central do reflexo da tosse. O pico de incidência é durante a 6ª década de vida, contudo pode surgir em qualquer idade 11. Diversas comorbilidades, como síndrome do intestino irritável, obesidade e várias neuropatias, coexistem frequentemente em doentes com tosse crónica. A poluição ambiental poderá contribuir para um aumento da prevalência deste sintoma nas várias faixas etárias 6.
FISIOPATOLOGIA
O reflexo da tosse depende de vias aferentes e eferentes mediadas pelo nervo vago. Determinados estímulos químicos ou mecânicos nas vias aéreas desencadeiam a ativação de recetores aferentes periféricos. Os impulsos originados nestes recetores são conduzidos através de vias vagais aferentes até ao centro da tosse no tronco cerebral, que engloba os núcleos do trato solitário e paratrigeminal
e é controlado por centros corticais superiores. Os mecanismos e regiões específicas envolvidas ainda são desconhecidos, contudo está descrita a participação do córtex pré-frontal na iniciação ou supressão voluntária da tosse.
Em seguida, o tronco cerebral gera um sinal eferente coordenado que percorre os nervos vagos, frénico e espinhal até à musculatura para produzir a tosse 12. O mecanismo mecânico da tosse envolve três fases 13:
1. Fase inspiratória: é realizada uma inspiração rápida e profunda.
2. Fase compressiva: ocorre encerramento da glote e aumento da pressão intrapleural pela contração dos músculos expiratórios.
3. Fase expiratória: ocorre a abertura da glote condicionando um fluxo intenso de ar. Este fluxo rápido provoca a expulsão de ar e secreções contidas nas vias respiratórias e gera o som característico da tosse.
Os recetores aferentes periféricos estão presentes em diferentes localizações (vias aéreas, canais auditivos externos, tímpanos, diafragma, pleura, pericárdio e estômago) e são ativados por diferentes estímulos. De acordo com a sua sensibilidade físico-química, adaptação à insuflação pulmonar sustentada, origem e mielinização/velocidade de condução, podem ser identificadas quatro classes de nervos aferentes das vias aéreas. Os mecanorrecetores, fibras A-δ incorporadas no gânglio nodoso do nervo vago, localizam-se nas vias aéreas mais distais, e dividem-se em recetores de adaptação rápida (RAR) e recetores de adaptação lenta (RAL). A sua função principal é proteger as vias aéreas de partículas inaladas ou aspiradas. Estes recetores são relativamente insensíveis a estímulos químicos. Os RAR, com localização maioritariamente a nível intrapulmonar, são estimulados por alterações dinâmicas das propriedades mecânicas do pulmão, nomeadamente ao nível do diâmetro, comprimento e pressões intersticiais. A sua ativação desencadeia broncospasmo, mediada pelo reflexo parassimpático, e produção de muco e edema com potencial obstrução da via aérea associada. Os RAL localizam-se nos bronquíolos e alvéolos e são sensíveis às forças mecânicas no pulmão durante a fase terminal da inspiração. A sua ativação resulta na inibição central da respiração e na inibição do drive colinérgico nas vias aéreas. Através da diminuição da atividade do nervo frénico e diminuição do tónus da musculatura lisa das vias aéreas, termina a inspiração e inicia a expiração quando os pulmões estão adequadamente inflados (reflexo de Hering-Breuer). A maioria dos nervos aferentes que inervam as vias aéreas e os pulmões são fibras C não mielinizadas. Estes recetores, os quimiorrecetores, são ativados por estímulos químicos, como capsaicina, bradicinina e dióxido de enxofre, e podem também atuar como mecanorrecetores com um limiar elevado.
Os quimiorrecetores que incorporam o gânglio jugular têm uma afinidade por nicotina e solução salina hipertónica, ao passo que os do gânglio nodoso são mais facilmente estimulados pela adenosina trifosfato (ATP) e pela serotonina. O recetor de potencial transitório do tipo vaniloide 1 (TRPV1), também conhecido como recetor da capsaicina, e o recetor de potencial transitório anquirina 1 (TRPA1) são os principais quimiorrecetores envolvidos no reflexo da tosse. A ativação dos canais iónicos nociceptivos, por estímulos endógenos (p.e. bradicinina) ou exógenos (p.e. capsaicina), resulta no aumento da atividade nervosa parassimpática das vias aéreas, desencadeando broncoconstrição, tosse e secreção de muco.
Enquanto a estimulação química, via quimiorrecetores, desencadeia a tosse, a estimulação dos mecanorrecetores pode promover ou atenuar esse reflexo (12). Assim, a própria tosse pode, em alguns casos, causar inflamação e irritação das vias aéreas, aumentar a produção de muco e originar mais tosse, criando um feedback positivo e perpetuando o sintoma.
ETIOLOGIA
A tosse crónica pode ter múltiplas etiologias (Tabela 1) 14. As quatro principais causas de tosse crónica são síndrome das vias áreas superiores (SVAS), asma, DRGE e bronquite eosinofílica não asmática (BENA). Outras causas comummente associadas e potencialmente tratáveis incluem iatrogenia (p.e. IECA), exposição ambiental, tabagismo ativo, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS)14,15. Em cerca de 30% dos doentes, a tosse crónica pode ser atribuída a mais do que uma causa 16. Em 40% dos doentes o quadro poderá ser classificado como tosse crónica idiopática 17.
Tabela 1 Etiologias de tosse crónica no adulto.

CAE - canal auditivo externo; DPI - doença pulmonar intersticial; DPOC - doença pulmonar obstrutiva crónica; DRGE - doença do refluxo gastroesofágico; FP - fibrose pulmonar; IECA - inibidores da enzima conversora da angiotensina; MAV - malformação arteriovenosa; SAOS - síndrome apneia obstrutiva do sono; VAS - vias aéreas superiores
Tosse crónica refratária define-se pela persistência da tosse apesar da avaliação clínica e abordagem terapêutica exaustiva, sendo portanto um diagnóstico de exclusão 8.
A asma, a SVAS, a DRGE e a BENA, isoladamente ou em conjunto, são responsáveis pela quase totalidade dos casos em doentes não fumadores, não medicados com IECA e sem alterações radiológicas 18,19, pelo que são de seguida explorados mais detalhadamente.
ASMA
A asma é uma doença inflamatória crónica das vias aéreas inferiores, caracterizada pela ocorrência de dispneia, pieira, tosse e opressão torácica que varia ao longo do tempo em frequência e intensidade e que se associa a limitação variável do débito expiratório. Embora a maioria dos doentes apresente múltiplos sintomas, a tosse pode ser o único ou principal sintoma, especialmente em idade pediátrica (variante de asma com tosse) 20. Os doentes com asma com tosse crónica apresentam maior prevalência de sintomas, maior utilização dos cuidados de saúde, e maior probabilidade de terem asma grave21. A tosse crónica produtiva em doentes com asma foi identificada, no NOVELTY study, como potencial indicador de risco de eventos adversos 22. O diagnóstico de asma é confirmado pela demonstração da variabilidade do fluxo expiratório associado a um padrão obstrutivo, geralmente comprovado pela espirometria com broncodilatação20. Em casos de suspeita diagnóstica, sem comprovação espirométrica, a prova de provocação brônquica com metacolina ou outros irritantes pode auxiliar na exclusão do diagnóstico, especialmente se negativa na presença de sintomas sugestivos 20.
SÍNDROME DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES
O SVAS, previamente designado síndrome de rinorreia posterior, engloba uma diversidade de patologias: faringite, rinite e rinossinusite nos seus vários fenótipos, alterações anatómicas nasossinusais (p.e. desvio do septo nasal), doenças sistémicas (p.e. síndrome de Sjögren), discinesia ciliar primária, patologia do ouvido médio ou externo e, mais raramente, neoplasias 23. Existe ainda alguma controvérsia em considerar esta entidade uma doença ou apenas uma manifestação sintomática. Isto deve-se à heterogeneidade de potenciais patologias associadas e à ausência de medidas objetivas de avaliação e de gestão terapêutica destes doentes. Como consequência desta dificuldade em uniformizar o conceito de SVAS, a sua prevalência é ainda indeterminada 23. Alguns estudos referem que é causa mais frequente de tosse crónica no adulto 24. Contudo, em função da população estudada, a prevalência estimada varia entre 6 a 87% 25. Na SVAS, a tosse é desencadeada pela estimulação mecânica ou química dos recetores aferentes do nervo vago decorrente da rinorreia nasal posterior, da presença de mediadores inflamatórios e de um eventual limiar reduzido para o reflexo da tosse 23. Geralmente associa-se a outros sintomas, como rinorreia anterior, obstrução nasal, disfonia e sensação de corpo estranho na garganta (orofaringe), mas a tosse é o único sintoma em até 20% dos doentes 19. O diagnóstico baseia-se na avaliação global do doente, mas os sintomas e sinais são inespecíficos. É ainda importante excluir asma e/ou DRGE concomitantes, pois estas patologias estão frequentemente associadas.
DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO
A DRGE é responsável pela tosse crónica em 5-41% dos casos 26. A tosse é um sintoma atípico de DRGE, e embora possa surgir isoladamente os doentes geralmente apresentam outros sintomas dispépticos associados, como azia, pirose ou regurgitação. Existem vários mecanismos propostos para explicar o reflexo da tosse na DRGE 27:
1. Microaspiração de conteúdo gástrico para a laringe e/ou árvore brônquica (nervos aferentes laríngeos ou traqueobrônquicos);
2. Reflexo esofágico mediado pelo vago estimulado pelo refluxo ácido ou não ácido (nervos aferentes esofágicos inferiores);
3. Estimulação das interconexões neurais esofago-brônquicas (reflexo esofago-brônquico);
4. Disfunção motora esofágica e redução da clearance esofágica;
5. Ciclo tosse-refluxo.
Em doentes com tosse crónica isolada, além de excluir outras causas, é recomendada a monitorização do refluxo esofágico através de um teste de pHmetria de 24 horas. Caso não sejam observadas alterações, deve-se considerar a realização de uma pHmetria prolongada. Na presença de sintomas típicos de DRGE associados a tosse crónica, deve ser considerada uma prova terapêutica com inibidores da bomba de protões (IBP) 2x/dia durante 12 semanas. Contudo, a sensibilidade da resposta sintomática à terapêutica com IBP está reduzida em doentes com tosse crónica. Na ausência de melhoria, poder-se-á ponderar um estudo semelhante aos doentes com tosse crónica isolada. Adicionalmente, os doentes com disfagia ou sinais de alarme sugestivos de neoplasia gastrointestinal (perda ponderal e hemorragia gastrointestinal) devem realizar endoscopia digestiva alta (EDA) (28). Existem ainda questionários que ajudam a detetar características compatíveis com tosse mediada por refluxo laringo‑faríngeo como o Hull Airway Reflux Questionnaire (HARQ) 29, validado para português do Brasil, e o Reflux Symptom Index (RSI) 30, traduzido e validado para a população portuguesa 31.
BRONQUITE EOSINOFÍLICA NÃO ASMÁTICA
A bronquite eosinofílica não asmática (BENA) tem sido cada vez mais reconhecida como uma causa importante, representando cerca de 5-30% dos casos de tosse crónica 32. Esta patologia caracteriza-se pela presença de tosse seca ou pouco produtiva, acompanhada de eosinofilia nas vias aéreas, na ausência de obstrução das vias aéreas e de hiperreatividade brônquica. A análise citológica do esputo (espontâneo ou induzido) é considerado o gold-standard para a confirmação de eosinofilia das vias aéreas, sendo que a presença de >3% de eosinófilos no esputo é um dos critérios diagnósticos de BENA. Além disso, é fundamental a exclusão de hiperreatividade brônquica através de provas de broncoprovocação inespecífica, como a prova de metacolina. No entanto, dado que a avaliação do esputo induzido nem sempre está disponível, a abordagem inicial geralmente inclui uma prova terapêutica com corticoterapia inalada, já que a maioria dos doentes apresenta melhoria clínica com este tratamento.11,25.
Além das quatro causas mais frequentes que se exploraram, existem ainda outras causas relativamente comuns de tosse crónica que devem também ser consideradas numa primeira abordagem: - IECA: Entre 5-20% dos doentes tratados com IECA desenvolvem tosse seca através de um mecanismo de acumulação de bradicinina que estimula as fibras-C das vias aéreas. Tem início, geralmente, 1 semana a 6 meses após a introdução do fármaco, mas pode iniciar a qualquer momento e é independente da dose. O fármaco deve ser substituído por outra classe farmacológica e é expectável a resolução da tosse entre 1 e 4 semanas 33,34.
- Pós- infeção respiratória: Em contexto pós-infecioso, existe inflamação da mucosa, lesão do epitélio e das terminações nervosas aferentes que condiciona aumento da hiperreatividade do reflexo da tosse (35). A tosse, por sua vez, desencadeia a libertação de mediadores químicos que potenciam a tosse pela inflamação, originando um feedback positivo 8. Outros mecanismos podem estar envolvidos, nomeadamente a upregulation dos recetores TRP (transient receptor potential) pelo rinovírus35. Está descrita na síndrome pós-COVID a presença de tosse prolongada associada a outros sintomas debilitantes, como fadiga crónica, disfunção cognitiva, dispneia e dor 36.
- Neoplasia do pulmão: corresponde a <2% dos casos de tosse crónica. Ocorre principalmente em neoplasias localizadas nas vias aéreas centrais, local onde se encontram os recetores da tosse 37.
- Síndrome de hipersensibilidade à tosse: é um conceito recente, mais frequente em mulheres, que poderá ocorrer devido à hipersensibilidade a estímulos irritantes inócuos, resultante da sobreexpressão dos recetores TRPV1, TRPA1 na mucosa 8,11,25. A capsaicina, um agonista exógeno do TRPV1 derivado do pimento vermelho, tem sido usada experimentalmente para avaliar a sensibilidade do reflexo da tosse. Uma vez que a sensibilidade ao reflexo da tosse apresenta grande variabilidade na população geral e a super expressão pode ocorrer em várias condições inflamatórias e pós-inflamatórias respiratórias, essa avaliação não apresenta valor diagnóstico. No entanto, esse método permite comparar a hipersensibilidade dos recetores aferentes da tosse de um mesmo doente em momentos diferentes, possibilitando a avaliação da resposta a determinada intervenção terapêutica 38.
ABORDAGEM
A abordagem diagnóstica inicial deve focar-se na exclusão de patologias graves e na identificação das etiologias mais frequentes e/ou potencialmente tratáveis (Figura 1). Uma história clínica detalhada é crucial para o diagnóstico diferencial da tosse crónica. As questões essenciais a serem abordadas durante a anamnese devem incluir:
1. características da tosse e da expectoração;
2. tempo de evolução;
3. início gradual ou súbito;
4. medicação habitual, especialmente IECAs;
5. exposição a aeroalergénios/irritantes;
6. tabagismo;
7. antecedentes pessoais;
8. infecção respiratória no início do quadro;
9. sintomas associados, incluindo sintomas constitucionais e hipersudorese noturna;
10. fatores de agravamento (riso, exercício, decúbito);
11. variação diurna;
12. história ocupacional;
13. contexto epidemiológico (p.e. tuberculose, tosse convulsa);
14. antecedentes familiares de atopia.

MCDT meios complementares de diagnóstico; EDA - endoscopia digestiva alta; IECA - inibidor da enzima de conversão da angiotensina; TC - tomografia computorizada)
O exame físico geralmente é inespecífico e deve incluir nasofaringoscopia, sempre que disponível (32). Algumas alterações podem fornecer pistas sobre a etiologia:
- Sinais de dificuldade respiratória, cianose, baqueteamento digital e alterações auscultatórias sugerem doença pulmonar;
- Secreções posteriores na orofaringe, pólipos nasais, aparência da mucosa nasal em pedra da calçada sugere síndrome das vias aéreas superiores.
É fundamental estar atento a sinais de alerta que podem sugerir causas graves subjacentes, como:
1. hemoptises;
2. tabagismo, especialmente se >20 UMA e/ou se fumador com idade > 45 anos com tosse de novo ou alteração do padrão de tosse habitual;
3. dispneia importante, especialmente se durante o repouso;
4. elevada produção de expetoração (> 1 colher de sopa/dia);
5. disfonia;
6. sintomas constitucionais, como febre e perda ponderal;
7. DRGE associada a perda de peso, anemia e hemorragia gastrointestinal;
8. pneumonias de repetição;
9. alterações no exame físico (p.e. baqueteamento digital, cianose, edema dos membros inferiores) (8).
Uma abordagem inicial simples e sequencial baseada nas hipóteses diagnósticas mais prováveis provou ser mais custo/eficaz do que uma investigação diagnóstica exaustiva.
Esta abordagem permite ainda minimizar o impacto na qualidade de vida do doente. Numa primeira avaliação, é recomendado promover a cessação tabágica em doentes fumadores e a suspensão de IECA em doentes medicados com esta classe farmacológica. Adicionalmente, na ausência de meios complementares de diagnóstico que permitam confirmar o diagnóstico num curto espaço temporal, o médico deve iniciar tratamento empírico para a causa mais provável, de acordo com a avaliação clínica e considerando as causas mais comuns de tosse crónica.
A avaliação da resposta ao tratamento deverá ser realizada por volta dos 3 meses de tratamento, desencadeando uma abordagem sequencial na ausência de resposta significativa 6. Paralelamente, e de acordo com o raciocínio clínico, deverão ser selecionados os exames complementares de diagnóstico (Tabela 2). É recomendada a realização de provas funcionais respiratórias e medição da fração exalada de óxido nítrico (FeNO) se apresentarem outros sintomas sugestivos de doença pulmonar obstrutiva, como dispneia de esforço, pieira/sibilância, opressão torácica ou expetoração mucosa, mesmo sem alterações no exame objetivo 6. A radiografia torácica pode ser útil, numa fase inicial, na exclusão de doenças potencialmente graves 14. De acordo com a norma da DGS n.º 044/2011 de 23/12/2011, na ausência de um diagnóstico a radiografia do tórax é mandatória quando a tosse sugere ser um sintoma de doença de maior gravidade (p.e., pneumonia, insuficiência cardíaca), e em doentes com idade superior a 40 anos e queixas torácicas 39.
Tabela 2 Principais etiologias de tosse crónica e respetiva proposta de investigação e terapêutica inicial.

BENA - bronquite eosinofílica não asmática; DPOC - doença pulmonar obstrutiva crónica; DRGE - doença do refluxo gastroesofágico; EDA - endoscopia digestiva alta; IBP - inibidor da bomba de protões; ICS - corticosteroides inalados; IECA - inibidores da enzima conversora da angiotensina; FeNO - fração exalada de óxido nítrico; LABA - agonista dos recetores β de longa ação; LBA - lavado broncoalveolar; SAOS - síndrome de apneia obstrutiva do sono; SVAS - síndrome das vias aéreas superiores; TC - tomografia computorizada
Avaliações diagnósticas mais detalhadas através de exames mais onerosos e/ou invasivos devem ficar reservadas para casos selecionados: ausência de causa identificada na avaliação inicial, suspeita de doença grave ou refratoriedade à terapêutica. A TC do tórax é muito útil na avaliação do parênquima pulmonar e fundamental em situações de quadro clínico grave/agravado ou para documentar a extensão da doença. Outros exames, como prova de broncoprovocação, endoscopia digestiva alta, monitorização ambulatória de refluxo, broncofibroscopia deverão ser realizados se clinicamente apropriado32,40.
A avaliação do doente com tosse crónica deve ainda incluir a avaliação da gravidade do sintoma e o seu impacto na qualidade de vida. Foram desenvolvidos vários questionários de avaliação do impacto na qualidade de vida e da gravidade, sendo os mais utilizados o Leicester Cough Questionnaire (LCQ) 41 e o Cough Severity Index
(CSI) 42, respetivamente.
Devem ser avaliadas potenciais complicações da tosse crónica não tratada, incluindo cansaço/exaustão, cefaleias, tonturas, dor musculoesquelética, hipotensão, síncope,
arritmias, refluxo gastroesofágico, vómito, incontinência urinária e fratura de costelas (geralmente múltiplas da 5.ª à 7.ª costelas), uma vez que durante acessos de tosse vigorosos as pressões intratorácicas podem atingir 300 mmHg e as velocidades expiratórias 500 km/h 43.
TRATAMENTO
Tratamento dirigido à etiologia provável/confirmada
Idealmente a etiologia da tosse crónica deve ser determinada antes de iniciar qualquer tratamento farmacológico. Em muitos casos, a investigação diagnóstica não pode ser realizada em tempo oportuno. Nessas situações, é essencial que o médico implemente um tratamento empírico focado na causa mais provável, a fim de preservar a qualidade de vida do doente e prevenir possíveis complicações (Figura 1). Como cerca de 1/3 dos casos de tosse crónica apresentam múltiplas etiologias, poderá ser necessário iniciar tratamento empírico para mais do que uma causa simultaneamente. Adicionalmente, em doentes com melhoria parcial deverá ser considerada a prescrição adicional de terapêutica dirigida a outra etiologia. Nesses casos, após controlo sintomático, deverá ser ponderada a interrupção sequencial dos tratamentos, mantendo-se a monitorização da evolução clínica 6,15.
A terapêutica das principais causas de tosse crónica deve ser fundamentada nas recomendações internacionais, baseando-se na terapêutica farmacológica e não farmacológica. O tratamento da asma tem como objetivo o controlo sintomático e a minimização do risco futuro, de acordo com as guidelines GINA 20. A avaliação global do doente permite a seleção da terapêutica mais adequada, a nível da terapêutica de manutenção e em crise. Independentemente do degrau de tratamento, é fundamental a prescrição de corticosteroide inalado (ICS), de forma a minimizar o risco de exacerbações 20.
A otimização da patência das vias aéreas superiores no SVAS pode ser conseguida com lavagem/irrigação nasal associada a corticoide tópico nasal, com ou sem anti-histamínico e/ou anticolinérgico tópicos associados. A utilização de anti-histamínico de 2.ª geração oral e de descongestionantes tópicos por um curto período também podem ser utilizados como adjuvantes ao tratamento tópico 44,45. Nos doentes com DRGE está indicado, para além da terapêutica farmacológica, alterações do estilo de vida, nomeadamente perda ponderal em doentes com excesso de peso; elevação da cabeceira da cama; cessação tabágica; evicção de alimentos indutores de refluxo (ex. gorduras, álcool, chocolate) e de bebidas ácidas (ex. vinho, sumo de laranja, refrigerantes) e evicção de refeições 2-3h antes de deitar 28. Nos doentes com sintomas típicos associados, deverá ser realizada uma prova terapêutica com IBP durante 8-12 semanas. Na ausência de sintomas típicos, está recomendada a documentação, através de monitorização ambulatória de refluxo, antes da prescrição de IBP 28,46. Em casos refratários aos IBP, deverá ser otimizada a dose e o princípio ativo desta linha terapêutica, pois não estão recomendados outros fármacos 28. Em doentes com (suspeita de) bronquite eosinofílica não asmática, deverá ser ponderada uma prova terapêutica com ICS durante pelo menos 4 semanas 17,47. Nos casos de tosse após infeções virais foi observado um efeito benéfico de anticolinérgicos tópicos nasais, como o tiotrópio 8. Nestas situações, na presença de rinorreia posterior poderá ser pertinente realizar terapêutica dirigida a SVAS.
A ausência de resposta ao tratamento inicial deverá motivar a realização de uma investigação adicional. Na presença de outro diagnóstico, este deve ser abordado e tratado de acordo com a leges artis. O diagnóstico de tosse crónica idiopática deve ser presumido após a reavaliação da medicação habitual, para exclusão de fármacos
que possam potencialmente desencadear tosse, exclusão de todos os diagnósticos diferenciais (isoladamente ou com contributo de várias patologias), a otimização e adesão à terapêutica prescrita e avaliação psicológica 48.
Tratamento da tosse crónica idiopática
Nos casos de tosse crónica refratária existe evidência a suportar o benefício de terapêuticas não farmacológicas, nomeadamente terapia da fala, com inclusão de técnicas de supressão da tosse, exercícios respiratórios e aconselhamento psicoeducacional 8. As opções terapêuticas farmacológicas são escassas, não consensuais e com baixo nível de evidência, suportada por estudos pequenos e pouco representativos. O tratamento com neuromoduladores de ação central não específicos (p.e. antidepressivos e opioides) apresenta alguma evidência e deve ser ponderado na tosse crónica refratária. Contudo, a ocorrência de efeitos adversos limita a dose máxima, pelo que deve ser realizada, em conjunto com o doente, uma avaliação ponderada do risco/benefício destas terapêuticas 8. Para além disso, estas terapêuticas não têm efeitos sustentados após cessação e, portanto, é pertinente combiná-las com terapêuticas não farmacológicas para minimizar a dose necessária e eventualmente permitir a sua suspensão.
Em relação à terapêutica farmacológica, apenas a gabapentina é recomendada como terapêutica empírica na tosse crónica refratária nas recomendações do American College of Chest Physicians (CHEST guidelines) 17, enquanto as recomendações da European Respiratory Society (ERS guidelines) dão preferência aos opioides 6. A gabapentina foi associada a melhoria da qualidade de vida, diminuição da gravidade e frequência da tosse 49. É importante ponderar os potenciais efeitos adversos descritos, nomeadamente cansaço, tonturas, xerostomia, fadiga, cefaleia, perda de memória e queixas gastrointestinais, sendo que os mesmos podem diminuir com o tempo. A dose inicial recomendada é baixa para reduzir o risco de efeitos adversos: 300 mg diários com aumentos graduais até alívio da tosse ou até aparecimento de sintomas adversos, até um máximo de 1800 mg em duas tomas diárias.
A reavaliação do perfil risco/ benefício deve ser realizada após 6 meses de tratamento, tendo em consideração que o tempo de início de ação pode tardar até 4 semanas e o efeito máximo surge às 8 semanas 17.
A pregabalina, cujo efeito é semelhante à gabapentina, também mostrou melhoria na redução da gravidade da tosse e na melhoria da qualidade de vida na dose de 300 mg diários em associação com a terapia da fala, em comparação com terapia da fala e placebo num estudo com 40 doentes 50. Uma limitação importante na utilização da pregabalina é também a ocorrência de efeitos adversos, nomeadamente tonturas, sonolência, ataxia, amnésia, astenia, alterações gastrointestinais, aumento ponderal e distúrbios psiquiátricos 51.
O recurso a opioides no tratamento da tosse crónica está recomendado pela European Respiratory Society (ERS guidelines), em detrimento dos fármacos referidos por estes últimos apresentarem menor resposta e mais efeitos adversos 6. É sugerido uma prova terapêutica com morfina em baixa dose, 5-10 mg 2x/dia, com reavaliação a curto prazo, e descontinuação do fármaco ao fim de 1-2 semanas na ausência de benefícios. Esta recomendação baseia-se num ensaio clínico randomizado duplamente cego controlado com placebo e com crossover em que este fármaco foi eficaz no controlo da tosse em um terço dos doentes 52. Os efeitos adversos mais comuns são obstipação e sonolência. O risco de dependência deve ser sempre considerado e discutido com o doente. A epidemia dos opioides nos Estados Unidos da América foi considerada aquando da decisão de não recomendar morfina nas CHEST guidelines 17. A codeína, apesar de aprovada pelo INFARMED para o tratamento da tosse crónica irritativa em doentes >12 anos, não é recomendada nas guidelines da ERS pela variabilidade interindividual do metabolismo e consequente imprevisibilidade da resposta à terapêutica 6.
O dextrometorfano é um fármaco de venda livre não-opióide com indicação na tosse não produtiva. Tem um mecanismo de ação central e mostrou reduzir moderadamente a gravidade e intensidade da tosse. A dose habitual é de 60 mg 2x/dia, e doses superiores estão associadas a efeitos alucinogénios 53.
A amitriptilina mostrou superioridade na melhoria da tosse em relação à associação codeína/guaifenesina num estudo com 28 doentes com tosse crónica e neuropatia vagal pós-infeção viral 54. Tendo em conta o elevado potencial de viés de seleção, este fármaco não foi incluído nas CHEST guidelines 17.
O potencial benefício de terapêuticas inaladas também tem sido estudado. Um estudo retrospetivo demonstrou a eficácia da lidocaína inalada na redução da gravidade da tosse, contudo a sua utilização é limitada pelos efeitos adversos locais 55, e atualmente apenas é utilizada em cuidados paliativos 56. O brometo de ipratrópio inalado demonstrou inibir a atividade do TRPV1 através de um mecanismo não relacionado com a sua atividade anticolinérgica, inibindo a tosse induzida pela capsaicina 57.
Um ensaio clínico randomizado aleatorizado duplamente cego e com crossover em 14 doentes com tosse crónica pós-infeção viral, mostrou uma melhoria clínica do grupo sob brometo de tiotrópio 320ug/dia em relação ao placebo, com um bom perfil de segurança 58.
Das terapêuticas em desenvolvimento destacam-se os antagonistas dos recetores P2X3, cuja sensibilidade aumentada nas vias aferentes da tosse são uma potencial causa de tosse crónica refratária.56 Dois ensaios de fase 3 com gefapixant, um antagonista dos recetores P2X3 e P2X2/3, de formulação oral, mostrou eficácia na redução da frequência da tosse na dose de 45 mg, tendo como efeitos laterais principais alterações do paladar, que ,em alguns casos, levaram a suspensão da terapêutica59. Previamente tinham sido testadas terapêuticas dirigidas aos recetores TRPV1, mas falharam em mostrar eficácia 48.
Recentemente, estão sendo investigadas outras moléculas com elevada seletividade para o recetor P2X3, uma vez que os recetores P2X2/3 parecem desempenhar um papel relevante na sinalização do paladar. Estas moléculas antagonistas seletivas do recetor P2X3, como por exemplo, eliapixant, sivopixant, filapixant e quercetina, em estudos com modelos animais, demonstraram eficácia similar ao gefapixant, sem condicionar alterações do paladar 60.
Outros alvos terapêuticos como os recetores purigénicos P2X4 61 e os recetores NK-1 62 estão a ser explorados.
A tosse é um mecanismo muito complexo. Os fármacos disponíveis e em investigação, até ao momento, apresentam uma eficácia aquém do desejado e com variabilidade interindividual. Assim, a gestão da tosse crónica refratária irá exigir uma abordagem multidisciplinar, com recomendação de medidas higieno-dietéticas e, eventualmente, de múltiplos fármacos 61.
CONCLUSÃO
A tosse crónica é uma das queixas mais comuns para a procura de cuidados de saúde, contudo, apesar de apresentar um elevado impacto na qualidade de vida dos doentes, é frequentemente subdiagnosticada e subvalorizada.
Na abordagem ao doente é fundamental uma avaliação clínica exaustiva e detalhada, com particular atenção a sinais de alarme. O diagnóstico deve ter em conta essa avaliação e as causas mais comuns. Na ausência de um diagnóstico definitivo inicial, deve ser efetuada terapêutica empírica de forma sequencial dirigida à causa mais provável dentro das causas mais comuns. Perante a ausência de resposta a várias terapêuticas, num doente aderente, deve ser considerada tosse crónica refratária. Nesses casos, a abordagem conjunta de terapia da fala e tratamento neuromodulador parece promissora apesar de limitada pelos efeitos adversos.
Os antagonistas dos recetores P2X3 podem ser uma alternativa no futuro. A melhor compreensão dos complexos mecanismos fisiopatológicos envolvidos é fundamental para identificar e desenvolver novos alvos terapêuticos para o tratamento da tosse crónica.














