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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer v.20 n.1 Porto mar. 2011
Editorial
Sílvia Álvares
Os progressos da ciência e da tecnologia nas últimas décadas, a melhoria das condições socio-económicas foram factores determinantes na evolução do estado de saúde das populações. A Pediatria beneficiou igualmente destes avanços, estando hoje confrontada com uma população crescente de crianças e adolescentes com doença crónica que exigem uma abordagem pluridisciplinar, abrangendo, não só os cuidados de saúde mas, também, a educação e o serviço social. Também o alargamento da idade pediátrica aos 18 anos abriu novos desafios nas instituições hospitalares cuja estrutura não sofreu, paralelamente, as modificações estruturais fundamentais para receberem esta nova população de doentes com necessidades particulares. A sobrevida de jovens com patologias complexas, consideradas até há algum tempo rapidamente fatais, nomeadamente as doenças metabólicas, cardíacas, neurológicas, entre outras, obriga a uma mudança nos serviços de saúde de modo a preparar a sua transição para os serviços de adultos, sem que haja interrupção na prestação de cuidados. Estão identificadas várias questões fulcrais para o sucesso do processo da transição de um serviço pediátrico, centrado no doente e família, para um serviço de adultos, das quais salientamos a acessibilidade aos cuidados de saúde, o treino dos especialistas de adultos no tratamento de patologias crónicas anteriormente limitadas à idade pediátrica, o estabelecimento de um sistema de comunicação coordenada e envolvente entre os doentes, famílias, pediatras e especialistas de adultos.
Muito embora um programa de transição deva ser individualizado, tendo em conta a situação clínica do doente e o seu desenvolvimento, é importante desenvolver uma estratégia de actuação dos serviços, adequada às condições existentes e simultaneamente flexível. É importante que a preparação deste processo comece cedo (a Academia Americana de Pediatria recomenda o seu início aos 12 anos), proporcionando informação aos pais sobre a doença crónica e preparando a autonomia do adolescente para que ele próprio seja um interveniente activo no processo. A ansiedade dos pais face a uma doença crónica leva muitas vezes a uma sobreprotecção que dificulta a transferência da responsabilidade da gestão da doença para o adolescente. A actividade física, os comportamentos de risco, a sexualidade, o aconselhamento genético e a orientação profissional não podem ser esquecidos na abordagem global do doente.
A falta de experiência dos serviços de adultos em patologias da idade pediátrica, de que são exemplo as doenças metabólicas ou as cardiopatias congénitas, dificulta a transferência para estes serviços, sendo essencial o investimento na formação dos profissionais para que haja continuidade dos cuidados. Acresce que nem sempre o ambiente dos serviços de adultos oferece o apoio social e humano a que estes doentes e famílias se habituaram, o que pode levar ao abandono do seguimento.
A articulação com os cuidados primários de saúde não pode ser esquecida. É frequente nas situações de doença crónica uma ligação muito estreita da família e criança aos serviços pediátricos, deixando de fora o médico de família. Há que melhorar a comunicação entre os cuidados primários e diferenciados, respeitando as competências destas duas vertentes.
Têm-se implementado vários modelos no processo de transição. Este terá que ser adaptado às condições estruturais e de funcionalidade das unidades de saúde. Os nossos objectivos estão bem definidos: manter cuidados de saúde de qualidade e ininterruptos na passagem da adolescência para a vida adulta. A implementação do modo de concretização é mais difícil, exige um esforço empenhado e uma nova cultura organizacional, um diálogo constante entre doente e família e os vários níveis de prestação de cuidados. A estratégia tem de ser conjunta e com base num trabalho de equipa multidisciplinar.