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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer vol.21 no.2 Porto jul. 2012
Urticária crónica numa população pediátrica
Marta Rios1, Rui Silva2, Leonor Cunha3, Eva Gomes3, Helena Falcão3
1 S. Pediatria, H Maria Pia, CH Porto
2 U. Imunoalergologia, CH Trás-os-Montes e Alto Douro
3U. Imunoalergologia, H Maria Pia, CH Porto
RESUMO
Introdução: A urticária crónica (UC) é uma patologia rara na criança e no adolescente.
Objetivo: Caracterizar um grupo de crianças e adolescentes com UC, analisando os subtipos de UC identificados, patologias associadas, tratamento e evolução.
Material e métodos: Estudo retrospetivo baseado na consulta dos processos clínicos de uma amostra consecutiva de 59 crianças e adolescentes seguidos numa consulta de Imunoalergologia pediátrica.
Resultados: Os 59 doentes tinham idades compreendidas entre 16 meses e 17 anos. Destes, 37 (62,7%) eram do sexo masculino. Trinta e cinco (59,3%) casos corresponderam a urticária espontânea crónica, 20 (33,9%) a urticária física (15 factícia, cinco ao frio), e quatro (6,8%) a outro tipo de urticária (dois induzida pelo exercício, um colinérgica, um aquagénica). Foram detetados autoanticorpos em quatro doentes com urticária espontânea e em cinco com urticária física/outro tipo. Diagnosticou-se infecção aguda por CMV num doente com urticária espontânea e infeção por Giardia num doente com urticária induzida pelo exercício.
Em 31 (88,6%) dos 35 casos cuja evolução é conhecida durante os primeiros cinco anos de doença, houve remissão da sintomatologia, em média 24 meses depois (mediana 12 meses).
Conclusões: Para além da UC espontânea, identificada na maioria, a urticária factícia e desencadeada pelo frio são subtipos frequentes neste grupo etário. O rastreio de doenças autoimunes parece ter interesse não só nos casos de urticária espontânea, como nos restantes subtipos. Na maioria dos doentes ocorre resolução espontânea dos sintomas durante os primeiros cinco anos de doença, sobretudo durante o primeiro ano.
Palavras-chave: Adolescentes, crianças, patologia cutânea, urticária crónica.
Chronic urticaria in a pediatric population
ABSTRACT
Introduction: Chronic urticaria (CU) is a rare disease in children and adolescents.
Aim: To characterize a group of children and adolescents with CU, analyzing the subtypes of CU, associated diseases, treatment and evolution.
Material and methods: Retrospective study based on medical records consultation of a consecutive sample of 59 children and adolescents followed in a pediatric Immunoallergology department.
Results: There were 59 patients aged between 16 months and 17 years, 37 of them (62,7%) were male. Thirty five (59,3%) cases corresponded to spontaneous chronic urticaria, 20 (33,9%) to physical urticaria (15 factitious and five cold urticaria), and four (6,8%) to another type of urticaria (two induced by exercise, one cholinergic, one aquagenic). Autoantibodies were detected in four patients with spontaneous urticaria and in five with physical urticaria or other. Acute CMV infection was diagnosed in a patient with spontaneous urticaria, and Giardia infection was found in a patient with exercise-induced urticaria. In 31 (88,6%) of the 35 cases in which evolution during the first five years is known, there was remission of symptoms, after 24 months on average (median 12 months).
Conclusions: In addition to spontaneous CU, identified in most cases, cold and factitious urticaria subtypes are common in this age group. The screening of autoimmune diseases seems to have a role not only in patients with spontaneous urticaria, but also in those with the other types. In the large majority of patients the spontaneous resolution of symptons occurs during the first five years of disease, especially during the first year.
Keywords: Adolescents, children, skin pathology, chronic urticaria.
INTRODUÇÃO
A urticária caracteriza-se pelo aparecimento súbito de lesões cutâneas papuloeritematosas e pruriginosas, que desaparecem ou atenuam à digitopressão e que regridem, espontaneamente ou sob terapêutica, sem lesão residual, num período inferior a 24h (1-4). Em cerca de 50% dos casos acompanha-se de angioedema, que traduz o envolvimento das estruturas mais profundas da derme (1-4). De acordo com a evolução temporal das lesões, classifica-se em aguda ou crónica, conforme ocorram episódios durante um período inferior ou superior a seis semanas, respetivamente (1,4-6).
A incidência de todas as formas de urticária na criança varia entre 2,1 e 6,7%, sendo mais frequente em crianças mais pequenas (2,4-7). A urticária crónica (UC) na criança/adolescente é pouco frequente, ocorrendo em apenas 0,1-0,3%, percentagem inferior à observada em idade adulta (2,5,6,8).
Embora muito do conhecimento sobre UC no adulto possa ser aplicado à criança e ao adolescente, as particularidades inerentes a este grupo etário, sobretudo no que diz respeito à etiologia e evolução, ainda estão pouco estudadas (4-6,9).
Os autores pretendem caracterizar um grupo de 59 crianças/ adolescentes, analisando os subtipos de UC identificados, fatores desencadeantes, patologias associadas, tratamento e evolução.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo retrospetivo e descritivo, baseado na consulta dos processos clínicos de uma amostra consecutiva de crianças/adolescentes seguidos numa consulta de Imunoalergologia pediátrica por UC.
Foram incluídas as crianças com episódios de urticária (agudos recorrentes - pelo menos três episódios de urticária num período mínimo de seis meses ou persistentes - mais do que quatro episódios por semana), durante um período superior a seis semanas, sem ou com etiologia identificada (urticária espontânea, física, de outro tipo específico), e foram excluídas as crianças com episódios de urticária associados a alergia alimentar.
Foi considerada a nova classificação de urticária, de acordo com as recomendações propostas pela Secção de Dermatologia da EAACI, a GA2LEN, a EDF e a WAO no 3rd International Consensus Meeting on Urticaria 2008 (1).
Foram consultados os processos clínicos de todos os doentes e analisados os registos relativos à anamnese e exame físico, assim como o resultado dos exames complementares de diagnóstico efetuados, que incluíram: testes cutâneos a alimentos (leite, ovo, trigo e bacalhau) e inalantes comuns (Dermatophagoides pteronyssinus, pelo de cão e gato e mistura de gramíneas e cereais); testes específicos para confirmação de urticária física nos casos suspeitos (aplicação de pressão sobre a pele, teste com cubo de gelo, contacto com água ou prática de exercício físico); hemograma, função renal, ionograma e enzimas hepáticas; IgE total e específicas (na suspeita clínica); função tiroideia e anticorpos antitiroideos; anticorpos antinucleares (ANA) e estudo do complemento (CH50, C3, C4 e inibidor C1 se angioedema associado); serologias - vírus epstein-barr (EBV), citomegalovírus (CMV), vírus herpes simplex (HSV), parvovírus, Helicobacter pylori; exame sumário de urina e urocultura; exame parasitológico de fezes.
As variáveis analisadas foram as seguintes: sexo, idade, manifestações clínicas, fatores desencadeantes identificados, comorbilidades associadas, exames complementares de diagnóstico, tratamento e evolução.
Os dados obtidos foram analisados através do programa de análise estatística Sigmastat 3.5, utilizando análise descritiva.
RESULTADOS
Dados demográficos
Foram incluídas 59 crianças, 37 (62,7%) do sexo masculino.
A mediana de idade à data de início dos sintomas foi de seis anos (mínimo 16 meses, máximo 17 anos).
Manifestações clínicas, antecedentes e exame físico
Quarenta e uma (69,5%) crianças apresentavam urticária isolada, e 18 (30,5%) urticária com angioedema associado.
A frequência dos sintomas foi bem caracterizada em 45 casos, tendo surgido diariamente em 12 (26,7%) e semanalmente em oito (17,8%). Nos restantes 25 (42,4%) houve referência a surtos mais esporádicos. Metade dos 20 casos com periodicidade diária ou semanal correspondeu a urticária espontânea e os restantes a urticária factícia.
Em dez casos havia a suspeita de um possível fator desencadeante (16,9%): cinco - exposição ao frio, dois - exercício físico, um - exercício físico e banho com água quente, um - contacto com água fria ou quente, um - síndrome febril.
Vinte e duas (37,3%) crianças/adolescentes tinham asma e/ou rinite associada(s), com evidência de sensibilização a aeroalergenos em 17, e um tinha também dermatite atópica. Dois doentes com urticária espontânea apresentavam como patologia concomitante perturbação de hiperatividade e défice de atenção e ambos tinham iniciado tratamento com ritalina vários meses/anos antes do aparecimento de urticária.
Cinco doentes (8,5%) tinham antecedentes familiares de UC, embora alguns com subtipos diferentes (um doente com urticária ao frio tinha familiares com urticária aquagénica; um doente com urticária aquagénica tinha um familiar com angioedema induzido pelo exercício). Deste grupo fazem parte dois irmãos gémeos, ambos incluídos na amostra estudada.
Ao exame físico na primeira avaliação, observou -se dermografismo em 17 doentes.
Exames complementares de diagnóstico
Relativamente à pesquisa de patologia infeciosa associada, numa criança com urticária espontânea detetou-se infeção ativa/recente por CMV (IgM positiva, sem sintomatologia associada) dois meses depois do aparecimento de urticária. Em 11 doentes havia evidência serológica de infeção prévia por Streptococcus do grupo A, CMV, EBV e/ou HSV (dez com urticária espontânea e um com dermografismo). Quatro doentes tinham IgG positiva para Helicobacter pylori (três com urticária espontânea e um com urticária factícia), não havendo referência a sintomatologia digestiva em nenhum, pelo que não foi efetuada endoscopia digestiva alta nestes doentes. Numa criança com urticária desencadeada pelo exercício, o exame parasitológico de fezes foi positivo para Giardia lamblia.
Na investigação efetuada para exclusão de patologia autoimune, identificou-se ANA positivos (título >1/80) em quatro doentes (um com urticária espontânea e três com urticária física). Em quatro crianças/adolescentes (três com urticária espontânea e uma com urticária ao frio) foram detetados anticorpos antitiroideus, todos com função tiroideia normal.
Não se detetou nenhuma alteração quantitativa ou funcional do complemento nos doentes com angioedema.
Verificou-se sensibilização a alergenos alimentares em dois doentes, um com urticária colinérgica e um com urticária factícia. Nenhum referia associação dos episódios de urticária com a ingestão dos alimentos implicados e não se verificou desaparecimento dos mesmos após evicção daqueles alimentos.
Em cinco crianças/adolescentes com suspeita de urticária ao frio foi efetuado o teste de provocação com cubo de gelo, que foi positivo em todos, e doseamento de crioglobulinas, cujo valor estava normal.
Classificação
Trinta e cinco (59,3%) casos foram classificados como urticária espontânea crónica, 20 (33,9%) doentes tinham urticária física (15 factícia e cinco ao frio) e quatro (6,8%) outro tipo específico de urticária (dois induzida pelo exercício, um colinérgica e um aquagénica) Quadro I.
Quadro I Subtipos de urticária identificados na amostra estudada
Tratamento
Todos os doentes efetuaram tratamento com antihistamínicos de segunda geração como primeira opção. Para controlo sintomático, 22 doentes (37,3%) necessitaram de um antihistamínico diário, 11 (18,6%) de dois antihistamínicos em associação e 4 (6,8%) de associação de um antihistamínico com um antagonista dos leucotrienos. Em 22 (37,3%) casos foi aconselhada apenas a utilização de antihistamínico nos períodos de agudização por apresentarem sintomas mais esporádicos.
Evolução
Em 31 (88,6%) dos 35 casos cuja evolução é conhecida durante os primeiros cinco anos de doença, houve remissão dos episódios de urticária (Quadro II). A remissão dos sintomas surgiu em média 24 meses após o início da sintomatologia (mediana 12 meses).
Quadro II Percentagem de remissão durante os cinco anos após o diagnóstico
DISCUSSÃO
Em crianças e adolescentes com UC verificou-se um predomínio do sexo masculino, ao contrário do que é habitual na idade adulta (2,5,10,11).
No grupo estudado, verificou-se uma elevada percentagem de casos com angioedema associado (30,5%), tal como é descrito na literatura. Estudos anteriores referem a ocorrência de urticária isolada em 48,8-78,4% dos casos e de urticária associada a angioedema em 15,0 -50,4% (5,11,12).
Numa percentagem importante de casos (44,4%) os sintomas surgiram com periodicidade diária ou semanal, havendo no entanto séries publicadas que revelam valores superiores a 50% (11).
A maioria dos casos correspondeu a urticária espontânea crónica, previamente denominada urticária crónica idiopática. Este tipo de UC é o mais frequente em idade pediátrica (3). De entre os tipos de urticária física, o mais comum foi a urticária factícia ou dermografismo sintomático, que correspondeu a 25% da amostra estudada. Este subtipo de urticária carateriza-se pelo aparecimento de lesões em zonas de atrito cutâneo (1), o que pode ser facilmente reproduzido durante a consulta através da aplicação de pressão sobre a pele, sendo o diagnóstico efetuado perante o aparecimento poucos minutos depois de lesões cutâneas de urticária. Salienta-se que dois dos 17 casos com evidência de dermografismo ao exame físico, não foram classificados como urticária factícia, mas como urticária ao frio e urticária colinérgica. Como se observou nestes dois casos, podem surgir diferentes tipos de urticária no mesmo doente simultaneamente (1,3,4,6,11). A urticária ao frio, embora muito rara no adulto, é relativamente frequente nas crianças e nos adolescentes, como se observou na amostra analisada, tendo correspondido a cerca de 8,5% do total e a 25,0% dos casos de urticária física. O exercício físico foi apontado como fator desencadeante em três casos, tendo sido dois destes casos classificados como urticária induzida pelo exercício e um como urticária colinérgica. Embora ambas as formas possam ser desencadeadas pelo exercício físico, na urticária colinérgica, os sintomas são também desencadeados por outros fatores que conduzem ao aumento da temperatura corporal, como o banho com água quente e episódios de ansiedade (1). Este tipo de urticária é frequente sobretudo nos adolescentes e adultos jovens (6).
Verificou-se que a anamnese foi fundamental ao permitir identificar fatores desencadeantes em dez casos, tendo orientado o diagnóstico relativamente ao tipo de urticária. A evidência de dermografismo ao exame físico permitiu o diagnóstico de urticária factícia em 15 casos. O teste de provocação com o cubo de gelo, confirmou o diagnóstico de cinco casos suspeitos de urticária ao frio.
As maiores dificuldades surgiram na abordagem dos doentes com urticária espontânea, ou seja sem fator desencadeante identificado. Doenças autoimunes como tiroidite autoimune, doença celíaca, diabetes mellitus tipo 1, doença inflamatória intestinal, artrite idiopática juvenil e lúpus eritematoso sistémico podem surgir previamente, simultaneamente ou posteriormente ao aparecimento dos episódios de urticária (3,5,13,14). De entre os 35 casos de urticária espontânea, identificaram-se fenómenos autoimunes em quatro (11,4%): um com ANA positivos e três com anticorpos antitiroideus positivos, embora todos sem outra sintomatologia e com função tiroideia normal. Num estudo prospetivo com 94 doentes adultos e crianças com UC idiopática houve 2% de positividade para ANA (9). Num estudo canadiano realizado com 624 doentes com UC, foi diagnosticada tiroidite autoimune em 90 (cerca de 14%), valor superior ao encontrado no grupo controlo (3-6%) e semelhante ao encontrado na amostra apresentada (14). Dos 24 casos de urticária com fator desencadeante identificado, em quatro (16,7%) foram identificados autoanticorpos: ANA (padrão mosqueado) em três e anticorpos antitiroideus em um. Investigações anteriores identificaram autoanticorpos IgG contra as cadeias alfa dos recetores IgE dos mastócitos em 25-50% doentes com UC espontânea, o que pode ser demonstrado pela realização de teste cutâneo com soro autólogo (2-6). Este teste, tal como em outros centros de imunoalergologia (3), não é realizado por rotina no serviço onde foi realizado este estudo. As doenças infeciosas que têm sido associadas a UC e que parecem ser fatores desencadeantes/agravantes dos episódios de urticária, incluem infeção do trato urinário por E.coli, infeções respiratórias altas por Streptococcus grupo A, infeções por Chlamydia pneumoniae, Helycobacter pylori, CMV, EBV e infeções parasitárias (ex: Giardia lamblia) (1,3,5,6,15,16). Embora tenha havido evidência serológica de infeção prévia por alguns destes agentes em 11 doentes, em apenas um se demonstrou infeção ativa por CMV, sem sintomatologia ou sinais de doença. Nos adultos, tem sido referida a implicação do Helicobacter pylori na etiologia da UC (1,2,17-20), embora com muita controvérsia (21,22). Apesar da serologia ter sido positiva para IgG em três doentes, nenhum apresentava sintomatologia digestiva, pelo que não tinham indicação para realização de endoscopia digestiva alta. O papel dos alimentos na UC é controverso. A urticária alimentar não está incluída na nova classificação proposta em 2008 e publicada em 2009 (1), mas os alimentos continuam a ser apontados como uma das causas possíveis ou fator agravante (3,5,15). Podem estar envolvidos diferentes mecanismos: reações IgE mediadas (alergia a marisco, peixe, frutos secos...), reações desencadeadas por aminas vasoativas (vinho, cerveja, queijo) e pseudoalergenos (aditivos alimentares, salicilatos naturais e benzoatos) (4). As reações IgE-mediadas estão associadas sobretudo a episódios de urticária aguda (2,4). Nos dois casos em que se verificou sensibilização a alergenos alimentares não se considerou que estes estivessem implicados nos episódios de urticária, quer pela história clínica pouco sugestiva, quer pela persistência dos sintomas após a sua evicção. Doenças psiquiátricas/psicossomáticas são comorbilidades comuns em adultos com UC (3,5). Na amostra estudada, houve dois doentes com perturbação de hiperatividade e défice de atenção, mas esta patologia em particular ainda não foi associada a UC. O aparecimento de urticária é um dos efeitos secundários possíveis da ritalina. No entanto, nestes dois doentes não foi comprovada a implicação deste fármaco, uma vez que não se verificou relação temporal entre o início e a suspensão desta terapêutica e o aparecimento e a remissão dos episódios de urticária, respetivamente. Os fatores genéticos parecem ter algum papel na etiologia da UC, pela evidência de história familiar positiva em 8,5% da amostra, semelhante a outros estudos (10,0%) (15).
A abordagem dos doentes com UC baseia-se sobretudo na realização de uma anamnese e exame físico completos, de forma a caracterizar as manifestações clínicas e identificar possíveis fatores desencadeantes (4,23). As últimas recomendações da EAACI, GA2LEN, EDF e WAO consideram que não é necessária investigação complementar por rotina, para além dos testes de provocação que podem ser realizados nalguns casos, se os dados da história clínica apontarem para o diagnóstico de urticária desencadeada por um fator bem identificado (1,6,23). A exceção deve ser feita nos casos de urticária factícia e nos casos de urticária induzida pelo frio, em que devem ser realizados hemograma e velocidade de sedimentação/proteína C reativa em ambos e doseamento de crioglobulinas no último (1). Nos casos de UC espontânea, deve ser realizado um estudo complementar mais alargado para rastrear algumas patologias (autoimune, infeciosa, alergia alimentar) que podem estar associadas. Neste grupo de exames complementares estão incluídos hemograma, velocidade de sedimentação, desidrogenase láctica, enzimas hepáticas, função renal, exame sumário de urina e urocultura, exame parasitológico de fezes, anticorpos antinucleares, anticorpos antitiroideos e função tiroideia, rastreio de doença celíaca e testes cutâneos se suspeita de alergia alimentar (1,3). Na maioria das vezes, os resultados destes exames estão dentro dos parâmetros da normalidade, como se observou em 20 (57,1%) dos 35 casos de UC espontânea identificados na amostra estudada, percentagem semelhante à demonstrada num estudo com 130 doentes, em que 68% apresentavam estudo normal (24). Embora atualmente não haja indicação para investigação alargada nos casos de urticária física ou com fator desencadeante identificado, verificou-se que neste grupo de doentes também se detetaram fenómenos autoimunes em quatro casos (17%) e giardíase em um. Este facto leva-nos a pensar que ambos os fenómenos, autoimunes e infeciosos, podem ser comuns a todos os tipos de urticária e que poderá ter interesse investigar também os casos de urticária com fator desencadeante identificado. Um grupo de investigadores italiano chegou à mesma conclusão ao verificar que a percentagem de doentes com tiroidite autoimune era semelhante no grupo de doentes com UC de causa identificada (39%) e no grupo de doentes com UC idiopática (42%) (25).
A principal medida a tomar nos casos de urticária com fator desencadeante identificado é evitar a exposição aos mesmos (3,4). Em cerca de 50% dos doentes com urticária ao frio podem ocorrer manifestações sistémicas. A perda de consciência dentro de água acarreta o risco de morte por afogamento, pelo que se desaconselha a prática de desportos que impliquem exposição a temperaturas baixas como a natação e o esqui (6). A aplicação de substâncias oleosas sobre a pele antes ou durante o banho nos doentes com urticária aquagénica permite isolá-la parcialmente do contacto direto com a água, minimizando os sintomas. Os antihistamínicos, idealmente os não sedativos de segunda geração (cetirizina, desloratadina, levocetirizina), constituem o tratamento de primeira linha (3). Nos casos refratários ao tratamento com um antihistamínico, pode ser associado um segundo antihistamínico H1 (sedativo como a hidroxizina ou não sedativo), duplicada a dose do antihistamínico inicialmente proposto ou associado outro fármaco como os antagonistas dos receptores H2 (cimetidina, ranitidina) ou os antileucotrienos (montelucaste) (3). Os corticoides orais podem diminuir a duração dos episódios, mas não são uma boa opção terapêutica, devido aos efeitos secundários associados a este fármaco e ao facto de poderem mascarar outras etiologias/patologias (3). Nos doentes estudados, foi necessário tratamento diário em cerca de um terço da amostra e da associação de dois fármacos em um quarto, o que demonstra a dificuldade no controlo da doença em alguns casos.
Do grupo de 35 doentes cuja evolução durante os primeiros cinco anos após o diagnóstico é conhecida, em cerca de metade (17) houve remissão da sintomatologia um ano após o diagnóstico. Aos cinco anos de doença, em cerca de 89% dos doentes houve remissão dos sintomas, em média 24 meses depois (mediana de 12 meses). Num estudo de 94 crianças com UC (espontânea e induzida pelos estímulos físicos ou outros) foi avaliada a evolução em 52, tendo havido remissão da sintomatologia em 58%, com uma mediana de duração dos sintomas de 16 meses (26). Um trabalho inglês realizado com 53 crianças com urticária física, mostrou que em apenas 11,6% dos casos a doença tinha remitido após um ano e em 38,4% após cinco anos, o que mostra que a urticária física pode ter um prognóstico pior (27). Estes autores ingleses verificaram ainda que antecedentes de alergia e episódios mais frequentes (diários/semanais) se relacionam com um pior prognóstico (menor percentagem de remissão e remissão mais tardia) (27). O número de doentes com urticária física na amostra apresentada não foi suficiente para avaliar estas variáveis. Os autores reconhecem as limitações deste estudo decorrentes do seu carácter descritivo e retrospetivo, não deixando de reforçar a importância de implementação de protocolos de abordagem e investigação bem definidos que permitam a realização de estudos prospetivos e melhor caracterização desta patologia.
CONCLUSÕES
A UC espontânea foi o subtipo identificado na maioria dos casos, seguido da urticária factícia, ao frio, induzida pelo exercício e colinérgica.
A anamnese e o exame físico completos são fundamentais na identificação de eventuais fatores desencadeantes e na classificação dos subtipos de urticária.
O rastreio periódico de doenças autoimunes nas crianças com UC é fundamental e parece ter interesse, não só nos doentes com urticária espontânea, como também naqueles com urticária física ou induzida por outros fatores.
Embora a urticária possa estar associada ou ser desencadeada por processos infeciosos, só num pequeno número de casos se identifica o agente infecioso implicado, que, sendo vírico na maior parte dos casos, não altera a abordagem terapêutica. A infeção por Helicobacter pylori, para além de não parecer ter um papel relevante na etiologia de UC, sobretudo na criança, deve ser pesquisada apenas na presença de sintomas sugestivos daquele diagnóstico.
Na grande maioria dos doentes ocorre resolução espontânea dos sintomas durante os primeiros cinco anos de doença, a maior parte durante o primeiro ano. Apesar disso, é necessária administração de terapêutica diária para controlo dos sintomas num elevado número de casos.
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ABREVIATURAS
ANA - Anticorpos antinucleares; CMV - Citomegalovírus; EAACI - European Academy of Allergology and Clinical Immunology; EBV - Vírus epstein-barr; EDF - European Dermatology Forum; GA2LEN - Global Allergy and Asthma European Network; HSV - Vírus herpes simplex; UC - Urticária crónica; WAO - World Allergy Organization
Marta Rios
E-mail: martariospinho@gmail.com