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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer vol.21 no.3 Porto set. 2012
Hiperhidrose, simpaticectomia toracoscópica e satisfação dos adolescentes
Angélica Osório1, João Moreira-Pinto1, Joana Pereira1, Hernâni Lencastre2, Fátima Carvalho1
1 S. Cirurgia Pediátrica, CH Porto
2 S. Cirurgia Cárdio-Torácica, CH Vila Nova de Gaia-Espinho
RESUMO
Introdução: A hiperhidrose axilar e palmar (HAP) corresponde à sudorese excessiva das axilas e palmas das mãos, em quantidades desmesuradamente maiores que as necessárias para a normal termorregulação. Afecta muitos adolescentes e a sua etiologia ainda não foi totalmente esclarecida. A simpaticectomia toracoscópica (ST) é uma opção terapêutica com resultados excelentes mas associa-se a sudorese compensatória (SC).
Objectivo: Avaliação da interferência da HAP no dia-a-dia dos adolescentes, antes e após a cirurgia, avaliação da presença de SC e avaliação da morbilidade cirúrgica associada.
Material e Métodos: Estudo prospectivo, incluindo quatro doentes, (3♀,1♂; média de 17 anos de idade) submetidos a ST bilateral T2-T4. A HAP foi avaliada recorrendo à Hyperhidrosis Disease Severity Scale(HDSS-International Hyperhidrosis Society®).
Resultados: Pré-operatoriamente, todos os doentes tinham HDSS 4, todos tinham de mudar o vestuário mais de duas vezes/dia e todos consideraram que a HAP interferia muito com a sua auto-estima. No primeiro dia pós-operatório, nenhum apresentava HAP. Uma semana depois, três referiram SC no tórax/ joelhos. Um doente referiu SC gustatória. Na primeira semana de pós-operatório, HDSS mudou para 2 num doente e para 1 nos restantes. Aos seis meses e ao primeiro ano de pós-operatório, a SC diminuiu em todos os doentes e a HDSS manteve-se no mesmo valor que na primeira semana de pós-operatório. Sem registo de complicações cirúrgicas.
Conclusões: A melhoria na HAP e satisfação dos doentes foi imediata, acentuada e mantida no tempo. Apesar da pequena amostra, os resultados demonstram que a HAP é uma condição dramática para os adolescentes. Porém é facilmente tratada e associa-se a uma SC bastante tolerável, devendo merecer mais atenção em idade pediátrica.
Palavras-chave: Adolescentes, hiperhidrose axilar e palmar, simpaticectomia toracoscópica.
Hyperhydrosis, thoracoscopic sympathectomy and adolescents satisfation
ABSTRACT
Introduction: Axillary and palmar hyperhidrosis (APH) affects many adolescents. Thoracoscopic sympathectomy (TS) is a reliable therapeutic option with excellent results but is associated with compensatory sweating (CS).
Aims: Evaluation of adolescents pre and post-operative satisfaction concerning hyperhidrosis severity, surgical morbidity and CS assessment.
Methods: Prospective study including four patients (3♀,1♂;average 17 years-old) who underwent T2-T4 TS for APH.
APH was assessed by Hyperhidrosis Disease Severity Scale (HDSS-International Hyperhidrosis Society®).
Results: Pre-operatively, all patients were HDSS 4, all had to change their clothes more than twice/day and all stated that APH much interfered with their self-esteem. On day one post-op none had hyperhidrosis. One week after, three complained of CS from thorax/knees. One patient complained of facial flushing when eating. At that time, HDSS improved to 2 in one and to 1 in three patients. Six months and one year post-op, CS diminished in all patients, and HDSS was the same as one week post-op. There were no surgical complications.
Conclusion: Hyperhidrosis and patientss satisfaction improvement was prompt, marked and sustained. Despite the small sample, our results strengthen the fact that adolescents hyperhidrosis is a devastating condition easily managed and associated with a bearable CS, hence deserving more attention in paediatrics.
Keywords: Adolescents, axilary and palmar hyperhidrosis, thoracoscopic sympathectomy.
INTRODUÇÃO
Hiperhidrose Focal Primária (HFP) define-se como a sudorese excessiva, em quantidades desmesuradamente maiores que as necessárias para a normal termoregulação corporal. Atinge principalmente as palmas das mãos, axilas, plantas dos pés e região crânio-facial.
Ao contrário do que acontece na Hiperhidrose Secundária que se deve a uma causa bem definida, seja ela infecciosa, endócrina ou neurológica, a etiologia da HFP ainda não se encontra totalmente esclarecida.
Em termos epidemiológicos é uma patologia mais frequentemente descrita nos adultos, notando-se o predomínio das mulheres no grupo submetido a correcção cirúrgica. Ao contrário do que poderia pensar-se, tal não se deve a uma maior incidência no sexo feminino mas sim a um maior grau de insatisfação com essa condição nas mulheres e como tal maior predisposição a tratamento definitivo. A HFP é subvalorizada nas crianças e adolescentes e na maior parte dos casos não é reconhecida como patologia passível de correcção definitiva. Na realidade, estudos publicados em 2004 (1) reportam uma incidência de 1,6% de HFP em indivíduos com idade inferior a 18 anos. Em mais de 70% dos casos, a HFP tem início em idade escolar e em 16-20% na adolescência (2), sendo muito pouco frequente a apresentação inicial desta patologia em idade adulta. A história familiar é positiva em 65% dos casos (1), sugerindo a possibilidade de uma base genética.
Trata-se de uma patologia associada a perturbações emocionais e sociais fortes na medida em que tem grande impacto na vida diária do doente. Tarefas simples do dia-a-dia ficam comprometidas com a presença do excesso de sudorese: o pegar na caneta para escrever, o abrir portas, o aperto de mão para cumprimentar e a prática de alguns desportos. Pode implicar a mudança de vestuário mais que uma vez por dia, a incapacidade de usar certo tipo de calçado e a impossibilidade de estar em locais públicos, como alguns exemplos.
Se o adolescente por si só se encontra numa fase da vida especialmente vulnerável, o adolescente com HFP sente-se ainda mais incapacitado na sua esfera bio-psico-social. A HFP gera ansiedade, fobia social e até mesmo depressão no indivíduo afectado.
Também o risco aumentado de infecções cutâneas não deve ser desvalorizado. A presença de maior humidade da pele facilita o aparecimento de dermatofitoses e verrugas.
Várias opções terapêuticas têm sido descritas para tratar esta condição patológica (1). Em crianças e adolescentes, inclui-se como modalidade de tratamento a aplicação de agentes tópicos, antitranspirantes com o cloreto de alumínio. Estes quando usados em concentrações mais elevadas podem provocar dermatites irritativas que são de tal forma exuberantes que tornam o seu uso intolerável. Quando em concentrações mais baixas não apresentam normalmente a eficácia terapêutica desejável. A toxina botulínica tipo A em injecções intradérmicas promove a diminuição de produção local de suor. Porém, a sua eficácia é apenas transitória, desaparecendo ao final de seis a doze meses. Por outro lado, desenvolve-se resposta imunológica com produção de anticorpos contra a toxina, implicando a sua ineficácia a médio prazo. Está ainda associada a efeitos secundários como fraqueza muscular generalizada e eventual dificuldade respiratória. A iontoforese está descrita como sendo aplicável na HFP palmar e plantar. No entanto, ainda não estão publicados estudos da sua utilização para este efeito em crianças e adolescentes. A medicação sistémica com anti-colinérgicos, bloqueadores dos canais de cálcio, clonidina e benzodiazepinas promove efectivamente a diminuição da sudorese. Para isso terão de ser administradas doses elevadas e como tal associam-se a efeitos secundários indesejados.
A simpaticectomia tem-se revelado como uma boa opção terapêutica. A sua realização por toracoscopia alia todas as vantagens inerentes a uma cirurgia minimamente invasiva a resultados claramente satisfatórios. Na população mais jovem, as premissas associadas à cirurgia minimamente invasiva torácica tornam-se ainda mais relevantes: melhor efeito estético, maior facilidade da técnica cirúrgica, menor probabilidade de complicações e menor tempo de internamento.
No entanto, a realização da simpaticectomia, quer por toracotomia quer por toracoscopia, associa-se ao aparecimento de sudorese compensatória (SC) noutras regiões corporais (3,4,5).
OBJECTIVO
Avaliação da interferência da Hiperhidrose Axilar e Palmar (HAP) no dia-a-dia dos adolescentes, antes e após a cirurgia, avaliação da presença de sudorese compensatória e avaliação da morbilidade cirúrgica associada.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo prospectivo que inclui quatro doentes (três do sexo feminino; um do sexo masculino; idade média 17 anos) submetidos a simpaticectomia toracoscópica no nosso Serviço entre 2008 e 2010.
O procedimento cirúrgico foi realizado no Bloco Operatório sob anestesia geral com entubação selectiva com o doente posicionado em decúbito dorsal com tórax elevado a 60º e membros superiores abduzidos a 90º. Foram colocados dois trocars de 5 mm no quarto espaço intercostal (um na linha médio-axilar e outro na linha axilar anterior). A simpaticectomia foi realizada por secção total de T2 a T4 por electrocoagulação (Figura 1). O pneumotórax é drenado no final da cirurgia, não havendo necessidade de se colocar dreno torácico no pós-operatório. O mesmo procedimento foi repetido bilateralmente. Excepto num caso, a alta foi dada nas primeiras 24h subsequentes à cirurgia.
Figura 1 Interrupção do impulso nervoso em T2 e T3 da cadeia simpática torácica, por electrocoagulação toracoscópica
A informação foi colhida por entrevista pessoal e telefónica. Antes da cirurgia, os doentes foram questionados se tinham de mudar de roupa mais de duas vezes por dia por causa da HAP e se consideravam que esta interferia muito com a sua auto-estima. Também previamente à cirurgia, foi aplicada a Hyperhydrosis Disease Severity Scale(HDSS) (International Hyperhydrosis Society®) (Figura 2).
Figura 2 HDSS (Hyperhydrosis Disease Severity Scale International Hyperhydrosis Society®)
Após a cirurgia, a HDSS foi novamente aplicada na primeira semana, seis meses e um ano de pós-operatório.
RESULTADOS
Pré-operatoriamente, todos os doentes tinham de mudar de roupa mais de duas vezes por dia por causa da hiperhidrose e todos os doentes consideravam que esta interferia muito com a sua auto-estima. Também classificaram a sua HAP no grau máximo da HDSS (A minha sudorese é intolerável e interfere sempre com as minhas actividades diárias), correspondendo a hiperhidrose grave.
Uma semana após a cirurgia, no que diz respeito ao grau de hiperhidrose, este traduziu-se num HDSS 2 em um doente e HDSS 1 nos restantes três. Aos seis meses e um ano de pós-operatório a classificação HDSS foi idêntica (Figura 3). De notar que imediatamente no primeiro dia de pós-operatório, os doentes constataram o desaparecimento da HAP.
Figura 3 Evolução da HDSS antes e após a simpaticectomia toracoscópica (ST)
Quanto à SC, esta manifestou-se desde a primeira semana de pós-operatório. Em dois doentes foi apontada ao tórax, num doente aos joelhos e noutro era do tipo gustatório. Apesar de sempre presente (Figura 4), os doentes referiram que esta foi diminuindo em quantidade ao longo de todo o tempo de seguimento.
Figura 4 Evolução da sudorese compensatória (SC) durante o primeiro ano de pós-operatório
Não houve registos de morbilidade cirúrgica associada.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Pré-operatoriamente, todos os doentes no nosso estudo não só se incluíam no grau máximo de hiperhidrose da HDSS (A minha sudorese é intolerável e interfere sempre com as minhas actividades diárias) como afirmavam que tinham de mudar de roupa mais de duas vezes por dia por causa da HAP e que esta interferia muito com a sua auto-estima, traduzindo um grau elevado de insatisfação com a sua condição. De facto, e em concordância com o descrito na literatura, esta era uma situação dramática na vida dos adolescentes (6).
Após a cirurgia, verificou-se não só a presença constante da SC como também a sua precoce manifestação durante o período de seguimento destes doentes. Não obstante esse facto, em todos houve uma melhoria acentuada no grau de hiperhidrose como revelou a classificação HDSS do pós-operatório. Em três doentes o HDSS 4 do pré-operatório alterou-se para HDSS 1 (A minha sudorese é imperceptível e nunca interfere com as minhas actividades diárias) logo na primeira semana pós-cirurgia. Num doente, no pós-operatório essa classificação foi HDSS 2 (A minha sudorese é tolerável mas às vezes interfere com as minhas actividades diárias). Assim, em todos os doentes houve pelo menos uma melhoria em dois graus na HDSS o que corresponde a uma melhoria de pelo menos de 80% na HAP inicial. Esta melhoria não só foi imediata, como se constatou na primeira semana após a ST, mas também foi mantida ao longo do primeiro ano de seguimento. Assim e apesar da presença da SC, os adolescentes mostraram-se muito satisfeitos com a cirurgia e os seus resultados.
No entanto, o elevado grau de satisfação apresentado no pós-operatório pode ter sido condicionado pela influência negativa de uma grande insatisfação com a condição antes da cirurgia. Independentemente dessa influência, o facto é que objectivamente houve melhoria da HAP. E essa mesma melhoria na HAP e da satisfação dos doentes foi imediata, acentuada e mantida ao longo do tempo.
Apesar da pequena amostra de doentes, os nossos resultados enfatizam o facto de que a HAP é uma condição dramática para os adolescentes. Porém é facilmente tratada com a ST e associa-se a uma SC bastante tolerável, devendo merecer mais atenção em idade pediátrica.
BIBLIOGRAFIA
1. Bellet JS. Diagnosis and treatment of primary focal hyperhidrosis in children and adolescents. Semin Cutan Med Surg 2010; 29:121-6. [ Links ]
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3. Weksler B, Blaine G, Souza Z, Gavina R. Transection of more than one sympathetic chain ganglion for hyperhidrosis increases the severity of compensatory hyperhidrosis and decreases patient satisfaction. J Surg Res 2009; 156:110-5. [ Links ]
4. Steiner Z, Kleiner O, Hershkovitz Y, Mogilner J, Cohen Z. Compensatory sweating after thoracoscopic sympathectomy: an acceptable trade-off. J Pediatr Surg 2007; 42:1238-42. [ Links ]
5. Imhof M, Zacherl J, Plas E, Herbst F, Jakesz R, Fugger R. Long-Term Results of 45 Thoracoscopic Sympathectomies for Primary Hyperhidrosis in Children. J Pediatr Surg 1999; 43:1839-42. [ Links ]
6. Campos J, Kauffman P, Werebe E, Filho L, Kusniek S, Wolosker N, et al. Quality of life, before and after thoracic sympathectomy: report on 378 operated patients. Ann Thorac Surg 2003; 76:886-91. [ Links ]
Angélica Osório
E-mail: angelicosorio@gmail.com