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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer vol.22 no.2 Porto abr. 2013
CASO CLÍNICO / CASO CLÍNICO
Suplementação com leite de fórmula: nem sempre nem nunca...
Supplementation with formula milk: neither always, nor never...
Luís RibeiroI, Andreia OliveiraI, Ana GuedesI, Luísa LopesI, Paula RochaI, Ana Cristina BragaI
IU. Cuidados Intensivos Neonatais, Maternidade Júlio Dinis, CH Porto, 4050-371 Porto, Portugal
RESUMO
O aleitamento materno proporciona benefícios inequívocos para a saúde da criança e da mãe. Contudo, quando efetuado de forma inadequada poderá ter consequências graves para o recém-nascido, tal como situações de desidratação hipernatrémica e respetivas complicações. Apesar da deteção e tratamento precoces serem importantes, é na prevenção que reside a solução do problema. Neste sentido é essencial continuar a fomentar estratégias que acompanhem corretamente o processo de amamentação. Os autores relatam o caso clínico de um recém-nascido com desidratação hipernatrémica secundária a um inadequado processo de aleitamento materno.
Palavras-chave: Desidratação, hipernatremia, aleitamento materno, recém-nascido.
ABSTRACT
Breastfeeding generates clear benefits for child and the mothers health. However, when improperly performed, breastfeeding can cause serious consequences to the newborn, such as severe hypernatraemic dehydration and related complications. Despite the importance of early detection and treatment, prevention is fundamental. For this reason, it is crucial that strategies that support the process of correctly breastfeeding continue to be promoted. The authors describe the case of a newborn with hypernatraemic dehydration resulting from inadequate breastfeeding.
Keywords: Dehydratation, hypernatremia, breastfeeding, newborn.
INTRODUÇÃO
O aleitamento materno proporciona benefícios inequívocos para a saúde da criança e da mãe.1 Contudo, muitos fatores podem interferir no processo de amamentação; quando efetuado de forma inadequada poderá ter consequências graves para o recém-nascido, nomeadamente originar situações de desidratação hipernatrémica.2 Esta, por sua vez, pode levar a complicações potencialmente graves, como convulsões neonatais, hemorragia intracraniana, complicações trombóticas e morte.3 Nos últimos anos tem-se observado um aumento do número de casos relatados de desidratação hipernatrémica secundária a aleitamento materno insuficiente.2,3 Será que este aumento reflete meramente uma incidência crescente de recém-nascidos sob aleitamento materno exclusivo, ou existirão falhas nas estratégias que acompanham este processo? Os autores relatam o caso clínico de um recém-nascido com desidratação hipernatrémica no decurso de amamentação exclusiva. Pretende-se com este caso refletir um pouco sobre esta problemática, e alertar os profissionais de saúde para algumas particularidades na avaliação clínica de recém-nascidos com aleitamento materno exclusivo.
CASO CLÍNICO
Recém-nascido (RN) do sexo masculino, fruto de gestação vigiada, de termo e sem intercorrências. Trata-se de um primeiro filho de um casal jovem, academicamente diferenciado, não consanguíneo, com mãe saudável e pai asmático. Nascido de parto hospitalar, eutócico, índice de Apgar 7/9/10 ao 1º, 5º e 10º minutos respetivamente. Ao nascimento apresentava somatometria adequada à idade gestacional (peso 2965 g [P10-25]; comprimento 48 cm [P10-25]; perímetro cefálico 34 cm [P10-25]). Apresentou icterícia neonatal ao segundo dia de vida (bilirrubina total máxima de 17,2 mg/dL), tendo sido submetido a fototerapia durante 48 horas. Alta ao quarto dia de vida alimentado exclusivamente com leite materno, não havendo referência no boletim de saúde infantil e juvenil ao peso nessa data.
Ao oitavo dia de vida foi observado no Centro de Saúde da área de residência, tendo sido constatada perda ponderal de 515g, correspondente a 17% do peso ao nascimento (PN), tendo indicação para manter aleitamento materno e ser reavaliado em consulta passados oito dias.
Ao 15º dia de vida, o RN foi observado pelo pediatra assistente que ao constatar agravamento da perda ponderal o orientou para a consulta de atendimento referenciado neonatal do nosso hospital.
Este RN com amamentação exclusiva desde o nascimento, adormecia facilmente durante as mamadas. Havia noção de diurese diminuída e apresentava dejeções a cada 48 horas com estimulação. Nos últimos dois dias havia noção da diminuição da atividade geral, pelo que recorreu ao pediatra assistente. Sem outros sintomas.
Na admissão estava letárgico, com aspeto emagrecido, pele e mucosas secas e anictéricas, fontanela anterior deprimida e diminuição franca do turgor cutâneo (Figura 1). Os sinais vitais eram normais. O peso, de 2080g, correspondia a uma perda ponderal 29,8% do PN. Os estudos analíticos efetuados evidenciaram: hemoglobina 18,7g/dL, hematócrito 54,6%, leucócitos 9160/μL, plaquetas 499000/μL, proteína C reativa 0,5 mg/L, equilíbrio ácido-base normal, sódio sérico 153 mmol/L, potássio 5,2 mmol/L, ureia 135 mg/dL e creatinina 1,12 mg/dL; exame sumário de urina normal.
Perante o quadro de desidratação hipernatrémica e insuficiência renal aguda foi iniciada fluidoterapia endovenosa. O débito de fluidos foi calculado com base nas necessidades básicas (100mL/kg/dia para o peso ao nascimento) e no défice estimado (perda ponderal), de modo a efetuar uma correção em 72 horas. Optou-se por iniciar a correção com metade da carga hídrica com solução endovenosa de glicose a 5 % com cloreto de sódio (aproximadamente 20 mEq/L de sódio), e a outra metade através de aporte oral com leite adaptado, já que a mãe não conseguiu fazer a extração de leite por bomba. Numa fase inicial foi monitorizada a concentração sérica de sódio de 4/4 horas com posterior alargamento dos intervalos de acordo com evolução clínica e analítica (Quadro I).
Nas primeiras 24 horas de internamento verificou-se diminuição do sódio sérico de 0,6 mmol/L/h, normalização da função renal e aumento ponderal de 95g. No primeiro dia de internamento surgiu exantema macular disperso pelo tronco e membros (Figura 2) e, perante a suspeita de alergia às proteínas do leite de vaca, foi iniciado leite extensamente hidrolisado, obtendo-se boa resposta.
Ao longo do internamento verificou-se melhoria progressiva do estado geral, da vitalidade, do tónus, da interação com o meio e reversão dos sinais de desidratação. Foi efetuada ecografia transfontanelar, que não evidenciou alterações. A urocultura colhida na admissão foi estéril. O teste de diagnóstico precoce realizado em D4 de vida também foi normal.
O RN teve alta após nove dias de internamento, com peso de 2880g e exame clínico sem alterações, com os diagnósticos de desidratação hipernatrémica, insuficiência renal aguda e suspeita de intolerância às proteínas do leite de vaca. Alimentado com leite materno e leite de fórmula.
Reavaliado em consulta externa com um mês e seis dias de vida (13 dias após alta clínica), apresentava boa evolução ponderal (aumento de 25g/dia), adequado desenvolvimento psicomotor e ótimo aspeto geral (Figura 3).
DISCUSSÃO
Contrariamente ao conceito de que o aleitamento materno é um processo instintivo e inato nos mamíferos, sabe-se hoje que uma parte importante é cultural e tem a ver com a aprendizagem, daí que o ressurgimento do aleitamento materno tenha feito surgir alguns problemas nunca antes relatados, como a desidratação hipernatrémica. Nas últimas duas décadas têm sido publicados diversos trabalhos que sugerem que a incidência desta problemática está a aumentar.2-4 Será que este aumento reflete meramente uma incidência crescente de recém-nascidos sob aleitamento materno exclusivo, ou existirão falhas nas estratégias que acompanham o processo de amamentação? Embora esta questão permaneça sem resposta, conhecem-se alguns fatores que contribuem para o problema. Um estudo canadiano evidenciou que quando se reduziu o tempo médio de internamento hospitalar dos recém-nascidos após o nascimento de 4,2 para 2,7 dias, a taxa de readmissão aumentou de 27 para 38, e que o risco de readmissão por desidratação e icterícia também aumentou consideravelmente.3,5 Além disso é importante realçar que a literatura médica relativamente a esta questão provém predominantemente de países, como a Austrália e da Escandinávia, que apresentam das maiores taxas de aleitamento materno.3 Portanto, apesar do aumento do aleitamento materno, a alta hospitalar precoce, sem um seguimento adequado, parecem ser fatores predisponentes.2,3 Uma vez que é pouco exequível aumentar o tempo de permanência no hospital, é fundamental continuar a fomentar estratégias que acompanhem corretamente o processo da amamentação.
A desidratação hipernatrémica associada ao aleitamento materno surge habitualmente nas primeiras duas semanas de vida. A mãe é frequentemente primigesta, com um bom nível educacional, bastante motivada para o aleitamento materno e não se apercebe dos sinais de desidratação do filho.2 O recém-nascido é muitas vezes descrito como dorminhoco ou sossegado e que não parece ter fome.6 Por estes motivos esta patologia pode ser reconhecida tardiamente. No caso descrito a mãe apresentava o perfil típico destas situações, contudo o diagnóstico tão tardio deveu-se principalmente a um inadequado acompanhamento após a alta.
As últimas recomendações da Academia Americana de Pediatria sobre o aleitamento materno salientam que uma perda ponderal superior a 7% do PN nas primeiras 48 horas de vida, sugere um possível problema no aleitamento materno que requer uma avaliação cuidada da técnica de amamentação.1 Salientam-se ainda outros sinais de alarme que podem ser sugestivos de aporte insuficiente: recém-nascido que não procura ou com sucção débil; mamadas pouco frequentes; icterícia; letargia; dejeções e micções em número reduzido.2 Este recém-nascido teve alta ao quarto dia de vida, não havendo um registo de peso nessa altura; quando foi observado no Centro de Saúde já apresentava uma perda ponderal de 17 % que não foi valorizada. Além disso, o baixo número de micções e dejeções era outro sinal presente sugestivo de aporte inadequado.
O caso apresentado corresponde a uma desidratação hipernatrémica grave com insuficiência renal aguda pré-renal, sem outras complicações. Contudo, em cerca de 1% dos recém-nascidos, podem ocorrer sequelas neurológicas, como convulsões neonatais, hemorragia intracraniana, complicações trombóticas e até morte.3,6
A prevenção da mortalidade e morbilidade relacionadas com o aleitamento materno inadequado deve começar com a educação materna, pré e pós-natal. Os profissionais de saúde devem ser capazes de reconhecer os fatores de risco e as características clínicas associadas a uma amamentação inadequada, podendo assim prestar especial atenção às mães e recém-nascidos de alto risco. A técnica de amamentação deve ser observada antes da alta da maternidade, especialmente em primigestas. Caso se identifiquem problemas a mãe deverá ser observada por um profissional qualificado na área da amamentação e ter um seguimento mais precoce após a alta. Além disso, as mães devem ser informadas de modo a reconhecerem os sinais que podem indicar uma ingestão inadequada e aconselhadas sobre a importância de procurar ajuda atempadamente.1,7
Com este caso os autores pretendem reforçar a importância da implementação de estratégias que acompanhem a puérpera e o RN após a alta hospitalar, de modo a promover o aleitamento materno de forma segura e continuada, e a intervir pontual e atempadamente em casos selecionados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Luís Ribeiro
Centro Hospitalar do Porto
Maternidade Júlio Dinis
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais
Largo da Maternidade Júlio Dinis
4050-371 Porto, Portugal
E-mail: luismartinsribeiro@gmail.com
Recebido a 09/03/2012 | Aceite a 04/09/2012