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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.24 no.4 Porto dez. 2015

 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

 

Herpes Zoster num lactente de três meses de idade

 

Herpes Zoster In A 3-Month-Old Infant

 

 

Duarte MalveiroI, Raquel FirmeII, Sofia DeuchandeII, Ana PinheiroII, Anabela BritoII, Nuno LynceII

I Serviço de Pediatria, Hospital de S ão Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. 1449-005 Lisboa, Portugal. dmalveiro12@gmail.com
II Serviço de Pediatria, Departamento da Mulher e da Criança, HPP Hospital de Cascais Dr. José de Almeida. 2755-009 Alcabideche, Portugal. rakelfirme@gmail.com; sofiamsd@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


ABSTRACT

Introduction: Herpes Zoster (HZ) is rare in infancy and results from reactivation of varicella-zoster virus, latent in the dorsal root ganglia of sensory or cranial nerves after primary infection (chickenpox).

Case Report: We describe the case of an healthy infant, three months old, without previous clinical symptoms of chickenpox, in spite of having contacted with the disease at two weeks of life. She was hospitalized for vesicular-papular rash involving unilaterally dermatomes L4 and L5 and was treated with acyclovir with good clinical outcome.

Conclusion: The immaturity of the immune system and the interference of maternal antibodies contribute to the manifestation of HZ in the first year of life. In a previously healthy child it is not recommended the exclusion of underlying immunodeficiency or malignant disease.

Keywords: Herpes zoster, varicella-zoster virus, infant


RESUMO

Introdução: O Herpes Zoster (HZ) é raro na idade pediátrica e resulta da reativação do vírus varicella-zoster, latente na raiz dorsal dos gânglios sensoriais ou dos nervos cranianos, após infeção primária (varicela).

Caso Clínico: Descreve-se o caso de uma lactente de três meses de idade, previamente saudável, sem manifestações clínicas anteriores de varicela, apesar de contacto com a doença às duas semanas de vida. Internada por exantema papulo-vesicular envolvendo de forma unilateral os dermátomos L4 e L5 e medicada com aciclovir com boa evolução clínica.

Conclusão: A imaturidade do sistema imunitário e a interferência dos anticorpos maternos contribuem para a manifestação do HZ no primeiro ano de vida. Numa criança previamente saudável não está recomendada a exclusão de imunodeficiência ou patologia oncológica subjacente.

Palavras-chave: Herpes zoster, vírus varicella-zoster, lactente


 

 

INTRODUÇÃO

O Herpes Zoster (HZ) resulta da reativação do vírus varicella-zoster (VVZ), latente na raiz dorsal dos gânglios sensoriais ou dos nervos cranianos, após infeção primária (varicela).1-5 Pode surgir em crianças imunocompetentes e saudáveis após exposição ao vírus nos períodos intra-uterino e pós-natal.2,4,6

O HZ é raro na idade pediátrica e cursa habitualmente com menor gravidade que nos adultos.1,4,6 A incidência aumenta com a idade e em estados de imunossupress ão.2,3,7 A incidência ajustada à idade, at é aos 14 anos, é de 0,45/1.000 indivíduos por ano, sendo cerca de dez vezes superior acima dos 75 anos (4,24,5/1.000 indiv íduos por ano). Na idade pedi átrica a incidência é menor até aos cinco anos (0,2/1.000 indiv íduos por ano) com parativamente à adolescência (0,63/1.000 indivíduos por ano).1,2 Verifica-se um ligeira predominância no sexo masculino (1,5:1).2 Clinicamente caracteriza-se por lesões maculo-papulo-vesiculares aglomeradas, envolvendo a forma unilateral um a três dérmatomos contíguos, sendo os torácicos mais frequentemente atingidos. Apesar de menos frequente em crianças, pode acompanhar-se de dor, prurido ou sensação de queimadura.1,3,4,6,7

O aciclovir, quando iniciado precocemente, pode contribuir para a mais r ápida resolução das lesões cutâneas e melhoria das queixas álgicas.1,2,4,6

Dada a raridade desta patologia na infância, descrevemos um caso de HZ numa lactente, discutindo fatores de risco, fisiopatologia, diagnóstico diferencial e terapêutica.

 

CASO CLÍNICO

Lactente de três meses de idade, sexo feminino, no terceiro dia de evolução de doença caracterizada pelo aparecimento de uma lesão maculo-papular eritematosa na face interna do pé esquerdo e que evoluiu para aglomerados de lesões papulo-vesiculares com extensão à perna homolateral. Sem febre ou outra sintomatologia a preceder ou a acompanhar a doença atual. A lactente tinha história de contacto às duas semanas de vida com irmã com varicela, mas sem manifestação clínica da doença. A mãe teve varicela na infância. À observação destaca-se: bom estado geral, aparentava desconforto, manifestado por choro aquando da manipulação e objetivavam-se lesões maculo-papulares e vesiculares com base eritematosa, distribuídas em aglomerados e respeitando o território de inervação dos dérmatomos L4 e L5 (Figura 1). As lesões não apresentavam exsudado purulento.

 

 

Analiticamente não apresentava parâmetros laboratoriais sugestivos de infeção bacteriana e a hemocultura não teve crescimento. O doseamento de imunoglobulinas (Ig) específicas para o VVZ revelou eleva ção de IgG mas não de IgM.

Foi realizada terapêutica com aciclovir (30mg/kg/dia, endovenoso, 4x/dia, cinco dias) com melhoria clínica progressiva e resolução completa em três semanas (Figura 2). Não se registaram complicações ou sequelas.

 

 

Posteriormente fez serologias para o vírus de imunodeficiência humana (VIH) que foram negativas e o estudo das imunoglobulinas e subpopulações linfocitárias foi normal. Após os nove meses de idade repetiu serologias para VVZ mantendo elevação de IgG, sem IgM doseáveis.

 

DISCUSSÃO

O HZ é raro no primeiro ano de vida, podendo surgir em crianças imunocompetentes e saudáveis expostas ao VVZ nos períodos intra-uterino ou pós-natal.2,4,6 A exposição durante o primeiro ano de vida constitui fator de risco para desenvolver HZ durante a infância, sobretudo se varicela materna durante a gestação.1,2,4,6 Neste contexto a incidência de HZ é de 4,1/1.000 indivíduos por ano, comparando com os 0,45/1.000 indivíduos por ano naqueles que têm varicela após o primeiro ano de vida.1,7

Durante a gestação, uma m ãe imune para o VVZ, transfere passivamente os anticorpos IgG maternos, através da placenta, para o feto. Este facto modifica a hist ória natural da infe ção primária e pode condicionar no lactente até aos seis meses de idade uma forma subcl ínica de varicela, sem as típicas les ões cutâneas (2% dos lactentes).1-4 No caso relatado, a lactente manifestou HZ aos três meses, sem clínica pr évia de varicela, apesar do contacto às duas semanas de vida com uma irmã com a doença.

Permanece controversa a importância da imunidade celular e humoral na reativação vírica. Considera-se que a imunidade celular tem um papel preponderante, que poderá estar relacionado com a disseminação intracelular do vírus. Admite-se que uma diminuição transitória da imunidade celular para o VVZ, como a causada por uma infeção viral inaparente, seja necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento de HZ.1,2,6 A imaturidade imunológica do lactente parece constituir um outro fator significativo.1.3

Pacientes imunocomprometidos, nomeadamente com patologia maligna, défices de imunidade celular, transplantados, infetados com VIH e sob corticoterapia em doses elevadas, apresentam risco aumentado de desenvolver HZ, assim como de formas mais graves de doença.6

Neste caso verificou-se, inicialmente, o aparecimento de uma lesão maculo-papular eritematosa na face interna do pé esquerdo. Nesta fase da doença pode ser difícil o diagnóstico diferencial com picada de inseto, eventualmente com sobreinfecção bacteriana (impétigo). Posteriormente surgiu a característica erupção cutânea papulo-vesicular de base eritematosa, formando aglomerados e distribuindo-se, de forma unilateral, ao longo do território de enervação de dois dérmatomos (L4 e L5).1,3,4,6,7 Contrariamente ao caso clínico descrito, os dérmatomos torácicos, cervicais e cranianos são os mais frequentemente atingidos.1-3,6 A gravidade clínica e os sintomas de dor, prurido ou sensação de queimadura são menos frequentes na idade pediátrica comparativamente aos adultos.1,4,6 No nosso caso clínico, a lactente manifestava apenas desconforto à manipulação, embora com um número considerável de lesões.

A sobreinfecção da pele por Staphylococcus aureus ou Streptococcus beta-hemolítico do grupo A constitui a complicação mais frequente do HZ.1,3,6 No caso descrito não se verificou qualquer complicação.

O diagnóstico baseou-se no contexto epidemiológico de contacto com a doença, assim como nas características clínicas descritas acima. O doseamento serológico das IgG para o VVZ estava elevado ao contrário das IgM, o que poderia ser explicado apenas pela transferência dos anticorpos maternos que passivamente atravessaram a placenta para o feto durante a gravidez e que habitualmente são detetáveis apenas nos primeiros meses de idade, habitualmente até aos seis a nove meses de vida.1-4,8,9 No entanto, a repetição das serologias após os nove meses de idade teve um resultado sobreponível, permitindo admitir que terá havido infeção primária, muito provavelmente subclínica, da lactente.

Nos casos duvidosos pode ser realizado o diagnóstico laboratorial por cultura viral e deteção de antigénios virais por imunofluorescência ou por amplificação de ácidos nucleicos do vírus varicella-zoster pela técnica de polymerase chain reaction (PCR). As técnicas referidas são facilitadas pelo fácil acesso ao vírus nas lesões cutâneas.1,6

Dado o curso benigno e autolimitado do HZ, a terapêutica antiviral não está recomendada, por rotina, em crianças saudáveis, devendo limitar-se aos casos com lesões cutâneas moderadas a graves, dor intensa ou envolvimento dos pares cranianos.1,4,6 O início precoce, antes das 72 horas de doença, contribui para diminuição da formação de vesículas, resolução mais rápida das mesmas e melhoria do desconforto, dor e sensação de queimadura.1 Recomenda-se aciclovir oral (40-60mg/ kg/dia) ou endovenoso (30mg/kg/dia) durante 5-10 dias ou até dois dias sem aparecimento de novas lesões cutâneas.1,2,6 A terapêutica instituída neste caso poderá ser questionada, mas a idade da lactente, a sensação de desconforto e o número de lesões cutâneas poderá justificá-lo. Admite-se que o aciclovir tenha contribuído para a rápida melhoria verificada.

Tratando-se do primeiro episódio de HZ numa criança saudável não está recomendada a realização de investigação de imunodeficiência subjacente.1,3

O HZ é raro no lactente, sendo essencial um elevado grau de suspeição perante um exantema papulo-vesicular, principalmente na ausência de história prévia de varicela. A imaturidade do sistema imunitário do lactente e a interferência dos anticorpos maternos contribuem para a manifestação do HZ infantil. Numa criança previamente saudável não está recomendada a exclusão de imunodeficiência ou patologia oncológica subjacente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Duarte Malveiro:
Serviço de Pediatria, Hospital de São Francisco Xavier Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental,
Estrada do Forte do Alto do Duque, 1449-005 Lisboa, Portugal
Telefone: 210431000

E-mail: dmalveiro12@gmail.com

 

Recebido a 02.06.2012 | Aceite a 13.10.2015

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