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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer vol.25 no.3 Porto set. 2016
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Trombose venosa profunda em idade pediátrica estudo retrospetivo de 10 anos
Deep vein thrombosis in children and adolescents ten years retrospective study
Ana Isabel SequeiraI; Mariana BrancoI; Ariana TelesI; Mariana CostaI; Beatriz SousaI; Helena RamalhoI
I S. de Pediatria do Hospital de Santa Luzia, Unidade Local de Saúde do Alto Minho. 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. ana87sequeira@gmail.com; mariana.a.branco@hotmail.com; arianajbt@gmail.com; marianammcosta@hotmail.com; bmgsousa@gmail.com; ramalholena@hotmail.com
RESUMO
Introdução e Objetivos: A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar são os componentes do tromboembolismo venoso (TEV) que, embora infrequente, é uma entidade emergente na pediatria. Apresentamos uma casuística cujo objetivo é a avaliação dos aspetos mais relevantes da TVP em idade pediátrica e da sua abordagem terapêutica.
Metodologia: Revisão retrospetiva descritiva dos processos dos doentes internados na última década com o diagnóstico de TVP no Serviço de Pediatria da ULSAM.
Resultados: Identificaram-se seis doentes, cinco deles do sexo feminino. A mediana de idades foi 17 anos. O edema do membro afetado esteve sempre presente e o segmento venoso mais atingido foi o ileofemoral (2/6). Houve concomitância de pelo menos dois fatores de risco adquiridos em três doentes, sendo o mais frequente o contracetivo oral combinado. Foi excluída trombofilia hereditária em cinco doentes mas ainda aguardamos o resultado do estudo de um doente. O tempo médio de tratamento foi de 9,8 meses.
Discussão e Conclusão: A TVP na criança tem sido reconhecida como uma patologia rara, mas importante causa de morbilidade. A maior incidência de TVP foi documentada na adolescência com compromisso do membro inferior, tal como referido na literatura. Verificamos uma conjugação de fatores de risco que, provavelmente, se potenciaram entre si levando à ocorrência do TEV e colocamos a possibilidade do Pediatra se estar a deparar com uma nova realidade anteriormente excluída do atendimento pediátrico. O aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nos adolescentes do sexo feminino devido à utilização de contracetivos orais combinados. Salientamos a importância de um consenso nacional no diagnóstico, tratamento e prevenção desta entidade em Pediatria.
Palavras-chave trombose venosa; embolismo pulmonar; trombose venosa profunda; adolescente; contraceptivos orais; pediatria
ABSTRACT
Introduction: The venous thromboembolism (VTE), an emerging disease in pediatric age, comprises deep veins thrombosis (DVT) and Pulmonary Embolism. The goal of this case series is the evaluation of the most relevant features as well as the diagnosis, treatment and prevention of DVT in children.
Methods: Descriptive retrospective review of patients records admitted with diagnosis of TVP in the last decade in ULSAMs Pediatric Department.
Results: The study population consisted of six patients, five of whom were female. The median age was 17 years old. The edema was the most frequent symptom and the ileo-femoral venous segment the most affected (2/6). There were at least two concomitant acquired risk factors in three patients, the most common of which being combinated oral contraceptive. There were five patients without thrombophilia, but we are waiting the last patient results. The mean treatment duration was 9,8 months.
Discussion and Conclusion: TVP is a relatively rare event in childhood, but, when present, causes significant morbidity and mortality. As reported in literature, the highest incidence of DVT was documented in adolescents with lower limb impairment. We found a conjunction of several risk factors that are likely to potentiate each other, leading to the occurrence of VTE. It is possible that the pediatrician is facing with a new, previously excluded, pathology of pediatric care. Besides, the incidences increase of this condition may suggest that the use of oral contraceptives by teenage females rises the thrombotic risk. It is important to create a national consensus on the approach and prevention of this illness in pediatric age.
Keywords: Venous thrombosis, Pulmonary Embolism, Deep Venous Thrombosis, Adolescent, Oral Contraceptives, Pediatrics
INTRODUÇÃO
A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) são os componentes de uma entidade que se designa por tromboembolismo venoso (TEV).1 A incidência de TEV na idade pediátrica não é conhecida com exatidão. Os primeiros dados publicados em 1994, baseados no registo Canadian Childhood Thrombophilia, referem uma incidência de 0,07 por 10.000 crianças com idades compreendidas entre um mês e os 18 anos.2 Na Europa estima-se uma incidência de 0,07 a 0,14 por 10.000 crianças, o que é bastante inferior à descrita no adulto (5,6 a 16 por 10.000).2,3 A taxa de mortalidade documentada é de 2,2%.4 O TEV tem uma distribuição etária bimodal com um pico de incidência abaixo do ano de idade e outro na adolescência.5-7
A fisiopatologia subjacente é explicada pela tríade de Virchow que inclui a estase do sangue, a lesão endotelial e a hipercoagulabilidade.4 Enquanto os dois primeiros componentes se relacionam com fatores adquiridos, o último apresenta principalmente causas genéticas que originam mutações nos fatores de coagulação, denominadas trombofilias hereditárias (Tabela 1).3,8 Assim, a história pessoal ou familiar de TEV constitui por si só um fator de risco hereditário para esta entidade. 7,9
Deve suspeitar-se de TVP no doente com dor ou edema unilateral de um membro e alterações da coloração cutânea, entre outros sinais.4 O diagnóstico é habitualmente clínico. O exame complementar de diagnóstico (ECD) mais utilizado é a Ecografia-Doppler por ser económica, inócua e sensível na deteção de TVP dos membros inferiores, embora a sua sensibilidade para deteção nos membros superiores seja reduzida. A Tomografia Axial Computorizada (TC) e a Ressonância Magnética são reservadas para os casos de TVP das veias cava superior e inferior, subclávia, pélvica e intratorácica, ou quando o resultado da Ecografia-Doppler é duvidoso.2,6 Diversos estudos demonstraram uma elevada taxa de falsos negativos e falsos positivos no estudo da trombofilia hereditária realizado na fase aguda da TVP ou durante a terapêutica anticoagulante. Deste modo e apesar do estudo referido continuar a ser efetuado após a admissão na maioria dos doentes, a pesquisa de trombofilia hereditária deverá ser repetida um mês após suspensão da terapêutica hipocoagulante.10,11
O objectivo deste estudo foi a avaliação dos aspetos mais relevantes da TVP em idade pediátrica e da sua abordagem terapêutica.
METODOLOGIA
Efetuou-se uma análise retrospetiva dos doentes internados no Serviço de Pediatria da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM), com idades compreendidas entre um mês e 17 anos e 364 dias, com o diagnóstico de TVP nos últimos dez anos, entre 01 de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2014.
A colheita de dados foi efetuada mediante consulta dos processos clínicos com o diagnóstico de TEV, TVP e TEP com base no sistema de classificação Grupo de Diagnóstico Homogéneo (GDH).
Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, sexo, ano de internamento, proveniência, quadro clínico, fatores de risco, estudo de trombofilia hereditária, segmento venoso afetado, resultados de ECD, terapêutica e sua duração, evolução clínica e complicações.
Foi efetuada Ecografia-Doppler em todos os doentes. Foi realizada TC com contraste em dois doentes.
Do estudo analítico fizeram parte o pedido de hemograma completo, INR, fibrinogénio e tempo de protrombina, de trombina e de tromboplastina parcial ativada.
Para estudo da trombofilia foi solicitado atividade e antigénio da antitrombina e da proteína C; antigénio livre, atividade e antigénio total da proteína S; teste de resistência à proteína C ativada e pesquisa de mutação do fator V Leiden; pesquisa de mutação do gene G20210A da protrombina; homocisteinemia em jejum; lipoproteína (a); ácido fólico, vitaminas B12 e B6; anticoagulante lúpico, anticorpo anticardiolipina; anticorpo β2glicoproteína I e fator VIII. Em cinco dos seis doentes o estudo foi repetido um mês após suspensão da terapêutica anticoagulante. Um doente mantém até à data o tratamento anticoagulante.
RESULTADOS
No período de tempo estudado, foram admitidos seis doentes com o diagnóstico de TVP. A idade esteve compreendida entre os 7 e os 17 anos (mediana de idades: 17 anos). O género mais frequente foi o sexo feminino (cinco doentes). Cinco doentes vieram do exterior sem referenciação e um deles veio transferido duma Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) já com o diagnóstico de TVP (Tabela 2).
A manifestação clínica comum a todos os doentes foi o edema do membro afetado, sendo que a dor surgiu em cinco dos casos e a alteração da coloração cutânea em três doentes. Em nenhum caso ocorreu limitação funcional ou circulação colateral visível.
O local anatómico afetado foi o membro inferior em cinco dos doentes, em quatro deles à esquerda. Em apenas um caso se deu TVP no membro superior, à direita. As veias afetadas foram a ilíaca primitiva e externa esquerdas, ileofemoral direita, ileofemoral esquerda, femoral comum e superficial esquerdas, femuropopliteia esquerda e subclávioaxilar direita (Tabela 2).
Três dos quatro doentes com TVP no segmento venoso proximal do membro inferior esquerdo fizeram TC abdominopélvica com contraste que permitiu excluir Síndrome de May-Thurner. Num desses doentes foi diagnosticado agenesia do segmento infrarrenal da veia cava inferior.
Foram identificados como fatores de risco: utilização de contracetivo oral combinado (COC) nas quatro adolescentes (três delas há menos de um ano e duas há menos de três meses), imobilização do membro superior e malformação do sistema venoso subclávioaxilar num doente (Fig. 1), compressão externa do segmento venoso e, ainda, utilização de cateter venoso central (CVC) associada a sépsis e imobilização prolongada noutro doente. Foi identificada a concomitância de pelo menos dois fatores de risco adquiridos em três dos seis doentes. Em nenhum dos doentes houve antecedentes de TEV, mas houve antecedentes familiares em dois casos.
O estudo analítico inicial e após suspensão da terapêutica anticoagulante não revelou alterações em cinco dos doentes, nomeadamente no estudo da trombofilia hereditária. Aguardamos que a anticoagulação seja suspensa na doente com agenesia do segmento infrarrenal da veia cava inferior para que o estudo de trombofilia hereditária possa ser conclusivo.
O diagnóstico foi confirmado através da Ecografia-Doppler nos seis doentes.
Foi diagnosticado TEP num doente no segundo dia de internamento. As queixas de dor torácica pleurítica esquerda, dispneia e a presença de crepitações audíveis na base do hemitórax esquerdo levantaram a suspeita. O diagnóstico de TEP segmentar foi confirmado por Angiografia por TC (Angio-TC) e teve uma evolução favorável (Fig.2).
O tempo médio de internamento foi de 11,5 dias.
A anticoagulação foi controlada com o apoio do serviço de Imunohemoterapia de acordo com os protocolos em vigor e com base no INR. A enoxaparina foi a opção de tratamento em todos os casos, associada à varfarina em cinco e ao acenocumarol num caso. Um dos doentes efetuou heparina não fracionada (HNF) na fase inicial de tratamento.
O tratamento anticoagulante com varfarina foi mantido durante um período de seis meses em dois doentes (um deles, o caso associado a CVC), nove meses na adolescente com TVP do membro superior, 12 meses em dois doentes e ainda se mantém no caso 6. A hipocoagulação com acenocumarol foi efetuada durante 12 meses no doente com conglomerado adenopático que exercia efeito compressivo. O tempo médio de tratamento foi de 9,8 meses (mediana 11 meses).
Relativamente às medidas terapêuticas associadas, foi promovida a mobilização do membro afetado e utilização de meia de contenção elástica precoces, bem como a deambulação logo que a clínica o permitia. Os COC foram suspensos no internamento.
Na data da alta foi dada indicação, em todos os doentes, de profilaxia em situações de risco nomeadamente gravidez, imobilização prolongada, cirurgia e viagens de longo curso. Na mesma altura, todos foram orientados para consultas de pediatria, imunohemoterapia e cirurgia vascular e, especificamente nas adolescentes, foi pedida consulta de planeamento familiar.
DISCUSSÃO
O TEV tem dois períodos etários de maior incidência, um abaixo do ano de idade e outro na adolescência.5-7 Neste estudo verificamos que a mediana de idades foi 17 anos, tal como referido na literatura.
O TEV tem aumentado nos últimos anos não só devido aos avanços nos cuidados pediátricos, como também à maior sobrevida de crianças com doenças protrombóticas.1-3 Por outro lado, devido ao alargamento da idade de atendimento pediátrico até aos 17 anos e 364 dias, é possível que o médico Pediatra se esteja a deparar com uma nova realidade, anteriormente excluída do atendimento pediátrico.
Existe clara evidência de que o TEV, mais do que resultar de uma causa definida, é o resultado de uma complexa interação entre fatores de risco hereditários e adquiridos.3,8 Neste estudo verificamos a existência de pelo menos dois fatores de risco adquiridos em três dos seis doentes, o que pode sugerir que vários fatores ambientais simultâneos resultam num risco efetivo de fenómenos tromboembólicos superior à soma das contribuições individuais (Tabela 2).
Enquanto cerca de 40% dos casos de TEV no adulto são idiopáticos, na criança 95% são secundários.5,6 Nas idades mais precoces existe uma associação com a utilização de CVC e com os avanços nas medidas de suporte e terapêutica de patologias graves (neoplasias, cardiopatias congénitas, sépsis, prematuridade, entre outras) e, no outro extremo, nos adolescentes do sexo feminino com a utilização de COC, a gravidez e o puerpério (Tabela 1).2,6 Nesta casuística identificamos como fatores de risco adquiridos a sépsis, utilização de CVC, imobilização prolongada, compressão externa das veias e uso de COC, tal como demonstra a literatura (Tabela 2).
A presença de CVC está implicada em mais de 80% dos casos de TVP nos recém-nascidos e em mais de 50% nas crianças.2 No entanto, uma vez que esta análise se refere a doentes internados no Serviço de Pediatria, onde a colocação de CVC não é um procedimento habitual, justifica que este fator tenha sido detetado de forma isolada numa doente transferida de uma UCIP. Este fato impossibilita qualquer conclusão acerca da incidência deste fator de risco na amostra estudada. Esta doente com TVP íleo-femoral direita, em que foi colocado um CVC femoral ipsilateral, apoia a importância do CVC como fator de risco adquirido para TEV para além do contributo da sépsis e da consequente imobilização prolongada.
Dois doentes (caso 2 e 6) apresentaram como fator de risco adquirido para TEV a compressão externa do segmento venoso que, no nosso entender, terá provocado estase sanguínea, um dos componentes da tríade de Virchow. Além disso, no caso 6 esse fator de risco associa-se à utilização de COC.
Os contracetivos orais, principalmente os combinados, que contêm estrogénios e progestagénios, estão associados a um aumento de dois a seis vezes do risco de TVP. O aumento do risco de TEV nas utilizadoras de COC é mais elevado no primeiro ano de utilização e há estudos que referem que o risco associado a COC com progestagénio de terceira geração (gestodeno, acetato de ciproterona, entre outros) tem um máximo de incidência ao fim de três meses de utilização, mantendo-se constante posteriormente.12-14 Os COC com progestagénio de terceira geração estavam presentes nas quatro adolescentes, em duas delas como único fator de risco adquirido. Além disso, duas tinham-no iniciado até três meses antes e três há menos de um ano, o que está de acordo com o especial aumento de risco de TVP neste período.
O aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nas adolescentes do sexo feminino, devido à utilização de COC, o que poderá, eventualmente, ser um fator concorrente para o nascimento desta nova entidade em todos os serviços de Pediatria nacionais. Nesse sentido, será aconselhável utilizar de forma criteriosa estes fármacos, sendo essencial pesquisar a história familiar de TEV.
A prevalência de alteração hereditária de coagulação em crianças que sofreram TEV varia de 10 a 59%, sendo a mutação do fator V de Leiden a trombofilia hereditária mais frequente.4,8 Nos doentes testados (5/6) não verificamos trombofilia hereditária, talvez devido ao limitado número de casos deste estudo. Devido à manutenção do tratamento anticoagulante num doente, neste não foi possível efetuar o despiste de trombofilia hereditária.
Em nenhum dos doentes houve antecedentes de TEV, mas houve antecedentes familiares em dois casos, o que, associado aos fatores de risco adquiridos, pode também ter contribuído para o fenómeno de TEV.
A TVP pode ocorrer em qualquer segmento venoso, mas o mais frequentemente atingido é o dos membros inferiores, nomeadamente as veias ilíaca, femoral e/ou poplítea. Quando relacionado com a colocação preferencial de CVC, passa a ser atingido com maior frequência o sistema venoso superior.2,4-6 Neste estudo, o local anatómico mais afetado foi o membro inferior em cinco dos doentes, sendo que nestes as veias envolvidas foram as ilíacas (primitiva e externa), femorais (comum e superficial) e poplítea, predominantemente à esquerda; o que está de acordo com os relatos de estudos anteriores. Três dos quatro doentes com TVP no segmento venoso proximal do membro inferior esquerdo fizeram TC abdominopélvica com contraste que permitiu excluir Síndrome de May-Thurner. O caso 3 não realizou este ECD, pelo que ficaremos sem saber se houve subdiagnóstico deste Síndrome.
O único caso de TVP no membro superior ocorreu no segmento venoso subclávioaxilar de uma adolescente com duplicidade das veias subclávia e axilar, várias horas diárias de imobilização do braço por treino musical com violino e utilização de COC. Apesar de controverso e pouco claro, os autores levantam a hipótese de que a atuação sinérgica destes três fatores possa ter contribuído para este evento nesta localização pouco habitual.
O diagnóstico foi confirmado através da Ecografia-Doppler em todos os doentes, tal como recomendado na literatura.
No tratamento da TVP, os objetivos são o alívio sintomático, a prevenção da recorrência e da extensão ou embolização do trombo. Este deve ser iniciado logo após o diagnóstico desde que o doente não tenha contraindicações para o uso de anticoagulantes.
A heparina de baixo peso molecular (HBPM), pela sua maior biodisponibilidade, estabilidade sanguínea, utilização subcutânea, ausência de necessidade de monitorização laboratorial, aliado aos seus bons resultados, substituiu a HNF no tratamento da TEV na criança, exceto nos casos de insuficiência renal grave.5,9,15 A mais utilizada e sobre a qual há mais estudos é a enoxaparina, na dose de 1 mg/Kg, via subcutânea, de 12 em 12 horas, durante cinco a dez dias, podendo esta dose ser ajustada para obtenção de níveis de anti-fator Xa entre 0,5 a 1 unidade/ mL. Juntamente com a HBPM é iniciado o anticoagulante oral, usualmente um antagonista da vitamina K (varfarina), sendo a dose atualmente preconizada de 5 mg/dia (toma única diária), com controlo diário de índice internacional normalizado (INR) nos primeiros dias de tratamento e ajuste posterior da dose.9-16
O tratamento simultâneo de HBPM e anticoagulante oral deve permanecer por, pelo menos, quatro a cinco dias, altura em que a heparinização é suspensa, desde que se tenha atingido níveis de INR de 2.0 por 2 dias consecutivos. O tratamento foi efetuado com HBPM (enoxaparina) nos seis doentes deste estudo, constatando-se a sua preferência atual para tratamento desta entidade. Um dos doentes, admitido em 2008, transferido de uma UCIP, iniciou tratamento com HNF, tendo esta sido substituída no nosso hospital por enoxaparina.
Existem poucos estudos acerca do tratamento de TVP nas crianças, sendo que a maioria do conhecimento é extrapolado do de adultos. A duração do tratamento anticoagulante é variável, dependendo de diversos fatores (Tabela 3).9 Os estudos sobre a indicação de profilaxia para TVP na Pediatria são muito escassos, não existindo consenso sobre esta matéria exceto em situações pontuais de elevado risco. Neste estudo, o tempo médio de tratamento foi de 9,8 meses, o que está de acordo com os dados na literatura. Nos casos 1 e 3 o tratamento manteve-se durante 6 meses, uma vez que foram episódios únicos ocorridos em doentes com fatores de risco adquiridos. Nos casos 2 e 4, o tratamento anticoagulante foi mantido por 12 e por 9 meses, respetivamente, por decisão em consulta de Cirurgia Vascular. No caso 5 esse tratamento fez-se por 12 meses dada a complicação de TEP ocorrida no internamento e no caso 6 o tratamento mantém-se após os 12 meses por não haver indicação para tratamento cirúrgico.
Todos os doentes foram tratados com as medidas gerais preconizadas: utilização precoce de meia de contenção elástica até dois anos após o episódio tromboembólico bem como a mobilização do (s) membro (s) afetado (s) logo de inicio no sentido de melhorar o fluxo venoso e, ainda, a deambulação logo que os sintomas o permitam.9
O TEP surge como complicação em cerca de 10,2% das TVP, podendo ser assintomático e, consequentemente, subdiagnosticado.4,17 Foi efetuado o diagnóstico de TEP sintomático numa doente que apresentava TVP femuropoplítea e como fator de risco adquirido a utilização de COC. Devido à reduzida amostra deste estudo, não podemos tirar conclusões acerca da incidência desta complicação.
CONCLUSÃO
Na última década, a TVP na criança começou a ser reconhecida como uma patologia rara, porém causa de morbilidade significativa. Neste estudo, a maior incidência de TVP foi documentada na adolescência com compromisso do membro inferior, tal como referido na literatura.
A caraterização dos fatores de risco para o TEV representa uma etapa fundamental para a compreensão da patogénese desta entidade. Nesta série de casos, verificámos em três deles, uma conjugação de vários fatores de risco que provavelmente se potenciaram entre si, levando à ocorrência do fenómeno de TEV. Por outro lado, o grupo etário observado levanta a possibilidade do médico Pediatra se estar a deparar-se com uma nova realidade anteriormente excluída do atendimento pediátrico. Os COC foram o fator de risco mais frequente (4/6) e o aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nos adolescentes do sexo feminino devido à sua utilização. No entanto, dado o pequeno número de doentes que torna esta casuística limitada, não é possível extrair conclusões significativas do ponto de vista epidemiológico.
Apesar de muito menos frequente na faixa etária pediátrica, a incidência e consequências da TVP devem ser analisadas de modo mais abrangente pelo médico Pediatra, a fim de se formular um consenso a respeito da necessidade de avaliar o seu risco real, incidência, abordagem e ajuste de comportamentos preventivos desta entidade.
Salientamos ainda a importância de um consenso nacional no diagnóstico, tratamento e prevenção desta entidade em Pediatria.
AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer toda a informação fornecida pelo Dr. Carlos Calaza, bem como o seguimento destes doentes.
Os autores gostariam de agradecer todos os esclarecimentos fornecidos pelo Dr. João Baptista Neto.
EM DESTAQUE
A maior incidência de TVP foi documentada na adolescência com compromisso do membro inferior.
Colocamos a possibilidade do Pediatra se estar a deparar com uma nova realidade anteriormente excluída do atendimento pediátrico.
O aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nas adolescentes do sexo feminino devido à utilização de COC.
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ana Isabel Sequeira
Serviço de Pediatria
Unidade Local de Saúde do Alto Minho
Estrada da Santa Luzia,
4901-858 Viana do Castelo
Email: ana87sequeira@gmail.com
Recebido a 16.07.2015 | Aceite a 11.04.2016