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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.25 no.4 Porto dez. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS | ORIGINAL ARTICLES

 

(In)Satisfação com a imagem corporal na adolescência

 

(Dis)Satisfaction with body image during adolescence

 

 

Maria Inês MarquesI; Joana PimentaI; Sofia ReisI; Lígia M. FerreiraI; Lígia PeraltaI; Maria Inês SantosI; Sónia SantosII; Elisabete SantosI

I S. de Pediatria do Centro Hospitalar Tondela-Viseu. 3504-509 Viseu, Portugal. mariainesmarques@gmail.com; joanafmp@gmail.com; reis.carlasofia@gmail.com; ligiamnferreira@gmail.com; ligiasperalta@gmail.com; mines.santos82@gmail.com; elisabete.viseu1@gmail.com
II S. de Pediatria da Unidade Local de Saúde da Guarda. 6300-858 Guarda, Portugal. soniafmuc@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: A perceção e satisfação com a imagem corporal (SIC) são preponderantes na autoaceitação do adolescente.

Objetivos: Analisar a SIC num grupo de adolescentes.

Métodos: Realizou-se um estudo transversal e analítico, com uma amostra de conveniência de jovens dos 12 aos 19 anos de três escolas. Foi aplicado um questionário individual para obtenção de dados demográficos, no qual os jovens assinalaram o número correspondente à imagem que consideravam a sua atual (IA) e a ideal (II), na escala de silhuetas de Stunkard. Avaliou-se a SIC subtraindo o valor da II ao da IA, classificando-se o jovem conforme o resultado: =0 – satisfeito; >0 – insatisfeito por excesso de peso; <0 – insatisfeito por défice de peso. O índice de massa corporal (IMC), calculado pelo peso e estatura aferidos, foi classificado segundo as curvas da Organização Mundial de Saúde. O tratamento estatístico foi realizado pelo SPSS 20.0.

Resultados: Foram analisados 323 jovens, 54,8% do sexo feminino, com idade média 15,8 ± 1,7 anos. A SIC foi verificada em 34,4% dos jovens, 55,0% destes raparigas (p=0,967). Os rapazes insatisfeitos consideravam ter peso a menos e as raparigas peso a mais (p<0,001). Foi verificado um IMC adequado em 75,4%; neste grupo 61,5% estavam inSIC, 56,0% destes raparigas (p=0,700). A insatisfação com a imagem corporal foi mais prevalente nos adolescentes com baixo peso (100%), obesidade (78,6%) e excesso de peso (77,4%) (p=0,038).

Conclusões: Os resultados sugerem insatisfação com a imagem corporal, mesmo em indivíduos normoponderais. É imprescindível a atenção clínica a este resultado para que se desenvolvam estratégias de intervenção, prevenindo perturbações nestes jovens.

Palavras-chave: adolescência; imagem corporal; satisfação


ABSTRACT

Introduction: Perception and satisfaction with body image (SBI) are important in adolescent self-acceptance.

Objectives: Assess SBI in a group of teens.

Methods: Cross-sectional analytical study, with a convenience sample of adolescents between 12 and 19 years old, from three schools. A self-report questionnaire to obtain demographic data and SBI, applying Stunkard Silhouettes scale, was made. Teens selected the number corresponding to the image that they considered their current (CA) and ideal appearance (IA). The assessment of SBI was obtained by subtracting the amount of the CA to the IA and the degree assessed depending on the result (= 0 satisfied ;> 0 dissatisfied by overweight; <0 dissatisfied by underweight). Body mass index (BMI) was calculated by measuring weight and height, and adolescents were sorted according to the curves of the World Health Organization. SPSS 20.0 was used to statistical data analysis.

Results: Three hundred and twenty three youths were interviewed, 54.8% were female and the average age was 15.8± 1.7 years old. SBI was present in 34.4%, 55.0% of those were women (p = 0.967). Dissatisfied boys would like to have more weight and girls the reverse (p <0.001). Most adolescents had an adequate BMI (75.4%), whom 61.5% were dissatisfaction with body image, most notably for females (56.0%) (p = 0.700). DisSBI was most prevalent in adolescents with low weight (100%), obesity (78.6%) and overweight (77.4%) (p = 0.038).

Conclusions: Results suggest dissatisfaction with body image even in normal weight adolescents, which shows that SBI should be implicated in intervention strategies to prevent future disorders.

Keywords: adolescence; body image; satisfaction


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é um período com características únicas no ciclo de vida e no qual ocorrem transformações biopsicossociais importantes que são determinantes para que se desenvolva a autonomia e se construa a identidade.1-4

Preocupações com o peso, forma do corpo e dieta com o objetivo de perder peso são comuns entre os adolescentes e têm vindo a ser apontados como fatores de risco para o desenvolvimento de perturbações do comportamento alimentar.5-10 Embora a preocupação com o peso seja menos comum no sexo masculino, parece estar a tornar-se mais prevalente. Na cultura ocidental, verifica-se a presença, no sexo feminino, da exaltação da magreza como a imagem ideal a atingir, resultando em insatisfação com o peso e forma corporal.11 Na atualidade, o aumento da preocupação com a imagem corporal também parece dever-se ao aumento de algumas doenças, como a obesidade e as perturbações do comportamento alimentar, e às mudanças nos hábitos e estilos de vida.5-9

A imagem corporal é um conceito multidimensional, com várias definições defendidas por diferentes autores.3,5 Pode ser definida como a figura mental relacionada com o tamanho e forma do corpo, assim como dos sentimentos, atitudes e experiências relacionadas com essas mesmas características.4,5,9 Existem vários estudos que avaliam a imagem corporal, aplicando diversos instrumentos na sua mensuração, sendo que os mais utilizados são os questionários e as escalas de silhueta, devido ao seu modo prático de aplicação e correção.3,5,9 Em Portugal, o estudo da satisfação com a imagem corporal na população adolescente é escasso. Desta forma, os autores propuseram-se a analisar a satisfação com a imagem corporal num grupo de adolescentes e relacionar com o sexo e com os seus dados biométricos.

 

METODOLOGIA

Realizou-se um estudo transversal e analítico, com uma amostra de conveniência composta por adolescentes entre os 12 e os 19 anos de idade de três escolas da cidade de Viseu, após aprovação pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar Tondela-Viseu, EPE e obtenção do consentimento informado (no caso dos menores através dos pais ou encarregados de educação).

Depois de efetuada a seleção das escolas, estas foram contactadas telefonicamente no sentido de confirmar a sua disponibilidade para colaborar no estudo. A recolha de dados foi realizada através de um questionário, na aula de educação física. O preenchimento dos questionários foi voluntário e o anonimato assegurado. Os estudantes completaram os questionários individualmente, sem a presença de um interlocutor, para que não existisse qualquer interferência nas respostas.

A primeira parte do questionário incluiu uma avaliação dos dados demográficos (sexo, idade e escolaridade).

A segunda parte incluiu a avaliação da satisfação com a imagem corporal através da escala de Stunkard (Figura 1). Os jovens assinalaram a imagem que consideraram a sua aparência atual e a ideal. Para a avaliação da satisfação com a imagem corporal subtraiu-se o número correspondente à imagem atual pelo número correspondente à imagem ideal, sendo o grau avaliado consoante o resultado: se igual a zero, o jovem era classificado como satisfeito; se superior a zero, estava insatisfeito por excesso de peso, se inferior a zero, insatisfeito por défice de peso.

 

 

Para a avaliação da biometria, foram ainda avaliadas as medidas antropométricas (peso e estatura), sempre com a mesma balança com talímetro validada e calibrada, calculado o índice de massa corporal (IMC) e os jovens classificados segundo as curvas de IMC da Organização Mundial de Saúde.12 Consideraram-se de baixo peso os adolescentes cujos valores de IMC foram inferiores ao percentil 3; peso adequado quando esses valores estavam entre os percentis 3 (inclusive) e 85; excesso de peso entre os percentis 85 (inclusive) e 97, e obesos se igual ou acima do percentil 97.

Estes dados foram posteriormente transferidos para uma base de dados e submetidos a tratamento estatístico no programa Statistical Package for Social Sciences, versão 20.0 para Windows®. A análise descritiva consistiu na distribuição de frequências para variáveis qualitativas e média ± desvio padrão para variáveis contínuas. A associação entre variáveis categóricas foi testada com os testes χ2 ou Fisher e foi utilizado o teste Mann-Whitney para comparar a satisfação com a imagem corporal entre sexos. Consideraram-se resultados estatisticamente significativos os valores de p<0,05.

 

RESULTADOS

O questionário foi proposto a 776 adolescentes, sendo que 453 foram excluídos: um devido à idade (superior a 19 anos), três por apresentarem o questionário indevidamente preenchido, e 449 por não apresentarem consentimento assinado.

Dos 323 jovens incluídos no estudo, 54,8% eram do sexo feminino e 45,2% do sexo masculino. A idade média foi de 15,8 + 1,7 anos. Relativamente à distribuição por IMC, a maioria dos adolescentes tinha um peso adequado (75,5%). Na tabela 1 estão descritas as características demográficas e clínicas da amostra.

 

 

A silhueta 3 foi selecionada por 48,6% das raparigas como a ideal, seguindo-se a silhueta 4 por 39,0% e a 2 com 10,7% (Figura 2). A maioria dos rapazes (52,1%) apontou a silhueta 4 como a ideal, seguindo-se a silhueta 5 por 24,7% e a 3 por 19,2% (Figura 3). Nestes resultados verificaram-se diferenças estatisticamente significativas (p<0,001).

 

 

 

 

Relativamente à satisfação com a imagem corporal, 64,6% estavam insatisfeitos com a mesma, com uma maior prevalência para o sexo feminino, sem diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo (p=0,967) – Figura 4.

 

 

Analisando o grau de satisfação com a imagem corporal entre os sexos, verificou-se uma associação significativa (p<0,001). Os rapazes geralmente estavam insatisfeitos por défice de peso, enquanto as raparigas estavam insatisfeitas por excesso de peso – tabela 2.

Avaliando a relação entre o IMC e a satisfação com a imagem corporal, obtiveram-se resultados estatisticamente significativos (p=0,038). A insatisfação com a imagem corporal foi total nos adolescentes com baixo peso (100,0%) e bastante elevada nos jovens com obesidade (78,6%) e excesso de peso (77,4%), mas também presente na maioria dos jovens com peso adequado (61,5%) – tabela 3.

Analisando o grau de satisfação da imagem corporal com o sexo em duas classes de IMC distintas também se obtiveram resultados estatisticamente significativos. No grupo de jovens com peso adequado, verificou-se que a maioria dos insatisfeitos normoponderais resulta dos insatisfeitos por défice de peso, com maior destaque para o sexo masculino (p<0,001). Nos adolescentes com excesso de peso, a maioria da insatisfação resulta do excesso ponderal, existindo mais raparigas com insatisfação por excesso de peso (p=0,025) – tabela 3.

As classes de obesidade e baixo peso não foram avaliadas por serem amostras muito pequenas e com pouco resultado estatístico.

 

DISCUSSÃO

Os resultados sugerem uma prevalência elevada de jovens insatisfeitos com a sua imagem corporal, como relatado em estudos semelhantes nos quais a prevalência varia entre 32,2% e 83% (com média ponderada de 60,8%).3-5,13,14 Esta prevalência foi superior no sexo feminino, embora sem valor estatisticamente significativo, tal como descrito na literatura.5,6,13

Ao analisar o grau de satisfação com a imagem corporal entre os sexos, verificou-se que os rapazes, geralmente estavam insatisfeitos porque gostariam de ter mais peso e as raparigas o inverso, facto concordante com a bibliografia consultada. Sabe-se que as jovens revelam uma maior insatisfação, com preferência por corpos magros e esguios, enquanto os adolescentes mostram a sua insatisfação revelando a preferência por corpos grandes e musculados. Pela perspetiva sociocultural, esta diferença justifica-se pelos diferentes estímulos culturais e sociais, os quais influenciam diretamente os valores e comportamentos individuais.3,4,9,13,14 Os padrões socioculturais e o estigma social fazem com que os adolescentes procurem um estereótipo de beleza, gerando aumento da insatisfação corporal e colocando-os em risco para desenvolvimento de perturbações alimentares, com eventual compromisso do bem-estar.5,7-10

Os mais insatisfeitos foram os indivíduos que apresentaram excesso de peso e obesidade, mas mesmo nos jovens normoponderais, manteve-se uma prevalência elevada de insatisfação com a imagem corporal, com valores semelhantes ao encontrado na bibliografia consultada.5,7,13 Este resultado é preocupante, dado que aumenta a probabilidade de adoção de sucessivos planos de dieta ou restrição alimentar, o que constitui por si só, um fator de risco para perturbações do comportamento alimentar. No grupo de jovens normoponderais, verificou-se que a maioria da insatisfação resulta do défice de peso, com maior destaque para o sexo masculino. Nos adolescentes com excesso de peso, verificou-se que a maioria estava insatisfeita por excesso ponderal. Embora a maioria dos jovens fosse do sexo masculino, existiam mais raparigas com insatisfação por excesso de peso.

 

Tabela 4

 

Existem algumas limitações no presente estudo. Apesar de facilitar a logística da colheita dos dados, a aplicação de questionários em escolas está sujeita às influências do ambiente e dos pares. Os estudos com amostras aleatórias realizadas no domicílio evidenciariam um processo amostral e metodológico criterioso, além de poderem incluir adolescentes que, por algum motivo, não estivessem a frequentar a escola. Além disso, o elevado número de adolescentes que se recusou a responder ao questionário poderá subestimar a insatisfação com a imagem corporal.

Perante a crescente preocupação com a imagem corporal, aliada ao aumento da obesidade e das perturbações do comportamento alimentar, uma opção a considerar é o uso de escalas com maior número de silhuetas. Esses instrumentos propiciam mais opções aos entrevistados, permitindo a identificação de diferentes graus de insatisfação, podendo fornecer maior compreensão do tema a fim de se subsidiarem práticas públicas. Contudo, as escalas de silhuetas são bidimensionais e parecem não permitir a representação do indivíduo como um todo, nem a perceção da distribuição da sua massa de gordura subcutânea e de outros aspetos antropométricos importantes na formação da imagem corporal.5,9

 

CONCLUSÃO

Este é o primeiro estudo do conhecimento dos autores, que avalia a satisfação com a imagem corporal numa população escolar em Portugal. Os resultados sugerem insatisfação com a imagem corporal nos adolescentes portugueses, mesmo em jovens com peso adequado, como descrito em vários estudos internacionais. Sabe-se que a perceção e satisfação com a imagem corporal são fatores chave na autoaceitação do adolescente que podem gerar atitudes inadequadas que prejudicam o seu crescimento, comprometendo assim a saúde do indivíduo. Perante isto, parece-nos imprescindível que a perceção corporal dos adolescentes seja tema de debate entre as várias entidades (saúde e ensino) com o intuito de se desenvolverem estratégias de intervenção a fim de prevenir perturbações futuras nos nossos jovens.

 

AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS

Os autores agradecem às escolas de Viseu envolvidas no estudo, ao Serviço de Pediatria pela disponibilidade demonstrada nas visitas a essas mesmas escolas e apoio logístico, bem como aos Internos do Ano Comum do Centro Hospitalar Tondela-Viseu de 2014 pela contribuição na recolha dos dados. Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse ou fontes externas de financiamento para a realização deste estudo.

 

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Maria Inês Marques
Serviço de Pediatria
Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Av. Rei Dom Duarte,
3504-509 Viseu
Email: mariainesmarques@gmail.com

Recebido a 22.12.2015 | Aceite a 06.06.2016

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