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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417
Nascer e Crescer vol.26 no.2 Porto jun. 2017
CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS
Tumefação craniana de novo um desafio diagnóstico
Cranial swelling a diagnostic challenge abstract
Ana Maria FerreiraI; Joana SilvaI; Virginia MonteiroI; Susana TavaresI; Ricardo AraújoI; Cristina RochaI
I Department of Pediatrics, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga. 4520-211 Santa Maria da Feira, Portugal. anamariaf.88@gmail.com; nessajoana@gmail.com; virginiacostamonteiro@gmail.com; susanamrtavares@gmail.com; ricardo.araujo@chedv.min-saude.pt; cristinamsrocha@gmail.com
RESUMO
A Coleção Líquida Subaponevrótica (CLS) é uma tumefação craniana benigna e, provavelmente, subdiagnosticada, que surge poucas semanas após o nascimento.
Descreve-se o caso de uma lactente com antecedentes de parto distócico por ventosa e cefalohematoma occipitoparietal reabsorvido no período neonatal. Aos dois meses de idade, desenvolve, de novo, uma tumefação occipitoparietal direita de consistência mole e móvel nos planos superficiais, transluzente, indolor e sem sinais inflamatórios. Manteve-se clinicamente estável, sem outras alterações ao exame físico e no estudo analítico sumário. A ressonância magnética nuclear cranioencefálica evidenciou uma coleção líquida subgaleal. Foi postulado o diagnóstico de CLS e, com atitude conservadora expectante verificou-se reabsorção total após dois meses.
Apesar do impacto da sua apresentação clínica, trata-se de uma entidade benigna que os prestadores de cuidados de saúde devem estar aptos a identificar e orientar.
Palavras-chave: Coleção Líquida Subaponevrótica; lactente; tumefação craniana
ABSTRACT
Subaponeurotic fluid collection (SFC) is a benign cranial swelling and, probably, underdiagnosed, which arises a few weeks after birth.
We describe a case of an infant with a history of a vacuum delivery and a posterior cephalohematoma reabsorbed during the neonatal period. At two months of age, develops a soft, non-tender, translucent and painless right posterior swelling without any inflammatory signs. The infant remained clinically stable, without other changes on physical examination and summary analytical study. Cranial nuclear magnetic resonance showed a subgaleal fluid collection. The diagnosis of SFC was suported and a conservative attitude was decided, with full reversal two months after.
Despite the impact of their clinical presentation, it is a benign entity that health care providers should be able to identify and manage.
Keywords: Infant; scalp swelling; subaponeurotic fluid collection
INTRODUÇÃO
A Coleção Líquida Subaponevrótica (CLS) é uma entidade clinica pouco reconhecida.1,2 Trata-se de uma colecção localizada no espaço subaponevrótico condicionando uma tumefação craniana que surge, de novo, em recém-nascidos e lactentes previamente saudáveis. São tumefações moles e depressíveis, que ultrapassam as linhas de suturas, indolores e sem sinais inflamatórios.3
As crianças apresentam-se clinicamente assintomáticas. A etiologia permanece desconhecida, embora se postule a hipótese de associação com parto traumático.4-6 Nos exames de imagem é evidenciada a presença de colecção líquida, sem sinais de fratura, extensão intracraniana ou hemorragia. Apesar de o diagnóstico ser clínico, é fundamental excluir a presença de trauma e distingui-la de outros possíveis diagnósticos.1,7 O tratamento conservador é consensual, já que na maioria dos casos ocorre resolução completa.8
Trata-se de uma manifestação que proporciona algum grau de preocupação parental e por isso torna-se fundamental que os prestadores de cuidados de saúde reconheçam a CLS como uma entidade benigna e de resolução espontânea, evitando a investigação clínica exaustiva e desnecessária.
CASO CLÍNICO
Descreve-se o caso de uma lactente do sexo feminino, com dois meses idade. Observada no serviço de urgência por tumefação craniana de novo, objetivada pelos pais, com seis dias de evolução, sem história de traumatismo e sem outros sinto- mas associados nomeadamente febre, vómitos ou hemorragia. Antecedentes familiares e gestacionais irrelevantes. Referência a antecedente de cefalohematoma occipitoparietal direito com escoriação superficial e reabsorção espontânea após parto por ventosa. Na evolução do perímetro cefálico registou-se uma redução com cruzamento de percentis no primeiro mês de vida (Percentil 97 para 50-85) verificando-se no segundo mês um aumento abrupto para o Percentil 97. Manteve evolução estaturo-ponderal adequada.
Ao exame objetivo, observou-se uma tumefação occipitoparietal direita com 5-6 cm de maior diâmetro, de volume oscilante, consistência mole, móvel nos planos superficiais ultrapassando suturas, transluzente, indolor e sem sinais inflamatórios (Figura 1 e 2). Sem outras alterações, nomeadamente no exame neurológico.
O estudo analítico, que incluiu hemograma, ionograma, função renal, enzimas hepáticas, estudo da coagulação e proteína C reativa, não tinha alterações.
Na radiografia do crânio não se identificou traço de fratura, havendo, contudo, na região occipital superior um aumento da densidade dos tecidos moles envolventes. Realizou ecografia cerebral transfontanelar, não tendo sido observadas alterações de relevo e ecografia de partes moles que mostrou uma coleção líquida móvel, sem septação aparente.
Procedeu-se a uma punção aspirativa parcial com saída de líquido sero-hemático, sem crescimento bacteriano.
Ponderando-se a possibilidade de uma malformação congénita foi realizada ressonância magnética nuclear (RMN) cranioencefálica que evidenciou uma coleção liquida subgaleal que ultrapassava a linha média, com cerca de 14,5 mm de espessura máxima, sem septações, estruturas vasculares ou comunicação intracraniana (Figura 3).
Após revisão da literatura e baseado na apresentação clinica e exames de imagem foi feito o diagnóstico de CLS e foi decidida atitude conservadora, com resolução espontânea dois meses depois.
DISCUSSÃO
A CLS é uma patologia rara, com poucos casos descritos na literatura e nenhum, até à data, português. Trata-se de uma tumefação craniana que surge de novo algumas semanas após o nascimento, numa criança assintomática.2
A etiologia permanece incerta, sendo no entanto consensual a sua relação com parto traumático.7,8 Numa revisão de casuíatica, Vaibhav et al encontraram uma associação com apresentação fetal cefálica e parto instrumentado (60% a nascerem por ventosa ou tentativa de ventosa). Contudo, 13% nasceram por parto eutócico.3 Hoppkins et al, sugerem a existência de pequenas hemorragias subaponevróticas durante o parto, que devido ao constante extravasamento exsudativo provocam um aumento gradual da tumefação, com apresentação tardia. Outra sugestão dos autores é o rompimento da drenagem linfática, com consequente acumulação de fluído ao longo de várias semanas.4 Já Schoberer et al descrevem cinco casos, três dos quais foram submetidos a aspiração da tumefação e análise do exsudado, evidenciando-se um aumento na concentração de proteína b-trace e uma concentração de b2-transferrina idêntica à observada no líquido cefalorraquidiano (LCR). Sugeriram assim a presença de microfraturas indetetáveis pelos exames de imagem, ou rompimento de veias emissárias (que conectam os seios venosos intracranianos com as veias superficiais do couro cabeludo), provocando o extravasamento constante. 5
No caso clínico apresentado, o parto foi por ventosa e há registo de um cefalohematoma com escoriação superficial localizado na mesma região em que que surgiu a CLS, sustentando assim a literatura no que toca à associação com parto traumático. A idade de início, as características da tumefação e o facto de a lactente manter-se assintomática e clinicamente estável está de acordo com o descrito na literatura, reforçando assim o diagnóstico de CLS.
Este diagnóstico é desafiante, pela paucidade de casos publicados na literatura. A maioria dos autores defende que o diagnóstico é clínico e, por isso, desnecessária a realização de exames de imagem, a não ser que haja dúvidas quanto ao diagnóstico. Deverá ser diferenciado de outras tumefações caracteristicamente presentes logo após o nascimento como caput succedaneum, cefalematoma e hemorragia subaponevrótica e, mais raramente, os cistos dermoides, linfangioma cístico, lipoma, encefalocelo, fístulas do líquido cefalorraquidiano ou coagulopatia.1,7 No caso, devido à incerteza do diagnóstico e ao facto de se tratar de uma entidade rara, foram realizados exames de imagem no sentido de excluir outras patologias.
Além disso no presente caso foi feita aspiração parcial para avaliação das características do líquido, que, tal como descrito na literatura, apresentava um aspeto serohemático e sem crescimento microbiano.3 Pelo que está descrito na literatura, quatro crianças foram submetidas a aspiração terapêutica do CLS. Contudo, uma vez que registaram recidivas em todos os casos e perante o elevado risco de infeção, esta prática foi desaconselhada.5
A atitude conservadora, com vigilância e avaliação periódica, é consensual, uma vez que permite a reabsorção completa da coleção liquida num período máximo de 6 meses, sem sequelas registadas.3 Na nossa lactente houve reversão completa da tumefação dois meses após o seu início.
CONCLUSÃO
Apesar do impacto da sua apresentação clínica, a CLS é uma entidade benigna e pouco descrita na literatura. É por isso fundamental que os prestadores de cuidados de saúde estejam aptos para um diagnóstico imediato e um acompanhamento adequado, que passa por medidas de vigilância até à completa resolução, ao fim de algumas semanas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CORRESPONDENCE TO
Ana Maria Ferreira
Department of Pediatrics
Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga
Rua Dr. Cândido Pinho,
4520-211 Santa Maria da Feira
Email: anamariaf.88@gmail.com
Received for publication: 05.09.2016 Accepted in revised form: 11.10.2016