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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417
Nascer e Crescer vol.26 no.4 Porto 2017
ARTIGOS ORIGINAIS | ORIGINAL ARTICLES
Provas de provocação oral a fármacos em Pediatria - casuística 2015
Oral challenge to drugs in Pediatrics – Casuistry 2015
Mónica André CosteiraI; Dinis SousaI; Joana FerreiraI; Carla FerreiraI; Armandina SilvaI; Marta SantalhaI; Paula AlendouroII; Águeda MatosI; Alberto CostaI
I Department of Pediatrics, Hospital da Senhora da Oliveira. 4835-044 Guimarães, Portugal. monicasnacosteira@gmail.com; dinissousa88@gmail.com; joanaferreira.med@gmail.com; carlamf85@hotmail.com; armandinapf@gmail.com; msantalha@gmail.com; aguedaguim@gmail.com; agcosta40@gmail.com
II Department of Immunoallergology, Hospital da Senhora da Oliveira. 4835-044 Guimarães, Portugal. paulalendouro@sapo.pt
RESUMO
Introdução: A suspeita de alergia a fármacos em idade pediátrica é um motivo frequente de consulta, que contudo raramente se confirma. Desta forma, a prova de provocação oral (PPO) assume um papel significativo na abordagem diagnóstica.
Objetivos: Caracterizar a população pediátrica da consulta de um hospital de nível II, que realizou PPO a fármacos, avaliar os fármacos implicados e analisar os casos cujas PPO foram positivas.
Material e métodos: Análise retrospetiva dos processos clínicos dos doentes com idade inferior a 18 anos que realizaram PPO a fármacos no período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2015.
Resultados: A amostra incluiu 58 doentes, 53,4% do sexo masculino, sendo a mediana de idades cinco anos. A maioria foi referenciada a partir do serviço de urgência (39,7%) e da consulta externa (36,2%). A amoxicilina foi o fármaco suspeito em 46,6 %, associada com ácido clavulânico em 34,5%. Cerca de 93,1% apresentaram manifestações mucocutâneas, 5,2% gastrointestinais e mucocutâneas e 1,7% respiratórias e mucocutâneas. Em 20,7 % dos casos as manifestações surgiram nas primeiras 24h. As PPO foram positivas em três doentes e os fármacos responsáveis foram a amoxicilina (dois casos) e o ibuprofeno (um caso).
Conclusões: Sendo a alergia a fármacos rara em crianças e tendo em conta a sua repercussão na decisão terapêutica em casos de situações infeciosas, é de extrema relevância a referenciação para esclarecimento diagnóstico.
Palavras-chave: Alergia; fármacos; prova de provocação oral
ABSTRACT
Introduction: Suspected drug allergy in the pediatric population is a frequent reason for consultation. However, it is rarely confirmed. Thus, the oral challenge (OC) assumes a significant role in the diagnostic approach.
Objectives: Characterize a pediatric population of a level II hospital submitted to OC to drugs, assess which drugs where implicated and analyze the cases in which the OC was positive.
Materials and methods: Clinical records of the patients submitted to OC to drugs in the period of January 1st to December 31st 2015, younger than 18 years.
Results: The sample included 58 patients, 53.4% male. The median age was five years. Most were referred from the emergency room (39.7%) and the outpatient clinic (36.2%). Amoxicillin was the suspected drug in 46.6% and when associated with clavulanic acid in 34.5%. About 93.1% had mucocutaneous manifestations, 5.2% gastrointestinal and mucocutaneous and 1.7% respiratory and mucocutaneous. In 20.7% of the cases, symptoms occurred during the first 24 hours. In three patients the OC was positive and the responsible drug was amoxicillin in two cases and ibuprofen in one.
Conclusions: Allergy to drugs is rare in children but, considering its relevance in the management of infectious situations, it becomes important to refer all suspected cases to clarify the diagnosis.
Keywords: Allergy; drugs; oral challenge
INTRODUÇÃO
A alergia medicamentosa é uma suspeita comum em idade pediátrica, contudo raramente confirmada. A maioria das reações nas crianças é atribuída aos beta-lactâmicos (BL), seguidos pelos anti-inflamatórios não esteroides e antibióticos não BL.1
Estas reações de hipersensibilidade podem ser imediatas ou não imediatas. As imediatas ocorrem habitualmente até uma hora após a toma do fármaco e são mediadas por anticorpos específicos da classe IgE. As não imediatas surgem mais de uma hora após a toma do fármaco e podem ser mediadas por células T.3
O diagnóstico definitivo é importante para instituir o tratamento adequado e as medidas preventivas corretas. A abordagem diagnóstica passa pela realização de uma história clínica completa. Perante suspeita de reação IgE mediada é útil a realização dos testes cutâneos por picada (TC) ou intradérmicos (ID), pesquisa de IgE específicas ou teste de ativação dos basófilos.5,6 Se houver suspeita de reação mediada por células T, justifica-se o teste de ativação dos linfócitos ou testes ID/ epicutâneos de leitura tardia.5-7 Os epicutâneos são especialmente úteis para diagnosticar hipersensibilidade não-imediata a anti-convulsivantes e AINEs. Os TC são pouco sensíveis e os ID são dolorosos e pouco tolerados por crianças pequenas.1
A prova de provocação oral (PPO) assume um papel fundamental no diagnóstico destas situações, permitindo confirmar ou excluir a alergia ao fármaco e encontrar tratamentos alternativos, sendo o gold standard para verificação da tolerância.4 Embora os vários protocolos sejam discutíveis, é consensual que esta prova seja sempre realizada em ambiente hospitalar sob vigilância clínica. Devem ser usadas doses crescentes, com intervalos de tempo variáveis, desde 30 minutos na fase inicial a uma semana. Está preconizado que no caso de reações não imediatas e sem anafilaxia pode ser realizada a PPO, sem realização de testes cutâneos prévios.1
OBJETIVO
Este trabalho teve como objetivo caraterizar a população pediátrica que realizou PPO a fármacos, aprofundando os casos em que as provas foram positivas.
MATERIAL E METÓDOS
Procedemos a uma análise retrospetiva dos processos clínicos dos doentes que realizaram PPO a fármacos no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2015. Foram incluídas as seguintes variáveis: sexo, idade, origem da referenciação, antecedentes pessoais de atopia, antecedentes familares de atopia, fármaco(s) suspeito(s), manifestações clínicas, intervalo de tempo entre a toma do fármaco e o início dos sintomas, pesquisa de IgE específicas, realização de testes epicutâneos e/ou intradérmicos, resultado da PPO.
Por se tratar de um estudo retrospetivo, o protocolo utilizado na realização das PPO nesta amostra de doentes foi heterogéneo, não sendo possível uniformizá-lo.
Para análise descritiva dos dados foi utilizado o programa informático Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 22.0.
RESULTADOS
A amostra incluiu 58 doentes, 53,4% do sexo masculino (n=31). A mediana de idades foi cinco anos (idade mínima 1 ano e máxima 17 anos) (gráfico 1).
Foram referenciados ao serviço de urgência 39,7% (n=23), da consulta externa 36,2% (n=21), dos cuidados de saúde primários 22,3% (n=13) e do internamento 1,7% (n=1).
Os antecedentes pessoais de atopia eram positivos em 25,9% (n=15) dos doentes e negativos nos restantes. Os antecedentes familiares de atopia eram positivos na maioria, 48,3% (n= 28), negativos em 41,4 % (n=24) sendo a informação desconhecida em 10,3 % (n=6).
No que diz respeito aos fármacos, a amoxicilina foi o fármaco suspeito em 46,6 % da amostra e a amoxicilina associada a ácido clavulânico em 34,5%. Os restantes fármacos suspeitos foram o ibuprofeno, azitromicina, paracetamol, cefaclor, ceftriaxone, ambroxol, amoxicilina/cotrimoxazol e paracetamol/ibuprofeno (tabela 1).
Grande parte da amostra (93,1% (n= 54)) apresentou manifestações mucocutâneas. A associação de manifestações gastrointestinais e mucocutâneas esteve presente em 5,2% (n=3) dos doentes e a combinação de manifestações respiratórias e mucocutâneas foi encontrada em 1,7% dos casos (n=1) (gráfico 2 e tabela 2). Não houve nenhum caso de anafilaxia.
Em 20,7 % dos casos (n=12) as manifestações surgiram nas primeiras 24 horas, sendo que em 6,9 % dos casos (n =4) a reação ocorreu na primeira hora. A média de dias entre a toma do fármaco e as manifestações clínicas foi de 4,2 dias.
Foram pesquisadas IgE específicas para o fármaco em causa em 25,9 % dos casos (n=15). Todas as IgE específicas pesquisadas foram relativas à amoxicilina, havendo um caso positivo. Em 17,2 % (n=10) foram realizados testes epicutâneos ou ID, tendo havido 1 caso de teste ID que foi positivo para a azitromicina.
Não foram utilizados os TC por picada em nenhum dos doentes.
As PPO foram positivas em 5,2% (n= 3), sendo os fármacos responsáveis pela alergia a amoxicilina e o ibuprofeno (tabela 3).
DISCUSSÃO
As manifestações clínicas na alergia a fármacos podem ser diversas e muitas vezes semelhantes a outras patologias comuns em idade pediátrica, como se verifica nos exantemas bacterianos e víricos.1 O diagnóstico pode tornar-se um verdadeiro desafio, sobretudo em idades mais jovens, em que há maior frequência de exantemas de etiologia infeciosa. Desta forma, é compreensível que a maioria da amostra seja composta por crianças abaixo dos cinco anos.
Os fármacos suspeitos mais comuns foram os antibióticos, nomeadamente os beta-lactâmicos, o que está de acordo com o descrito na literatura.1
As manifestações mucocutâneas foram as mais comuns, sendo a maioria das reações tardias, o que também é compatível com a literatura. O edema facial no caso de alergia ao ibuprofeno está descrito na literatura e é relativamente característico dos AINEs em idade pediátrica.1
A maioria das crianças não fez testes epicutâneos ou pesquisa de IgE específicas séricas, o que é suportado pela literatura.1
A PPO assume um papel fundamental no diagnóstico da alergia medicamentosa. Dos 58 casos suspeitos de alergia medicamentosa este diagnóstico foi excluído em 53 casos. Esta é uma abordagem segura quando realizada em meio hospitalar. Na nossa amostra não houve registo de nenhuma reação grave, nomeadamente anafilaxia.
No caso particular dos doentes com alergia à penicilina, existe um risco aumentado de reações adversas às cefalosporinas, pelo que a sua tolerância também deve ser testada, tal como foi efetuado nos casos apresentados.2
CONCLUSÕES
A verdadeira alergia medicamentosa é rara em idade pediátrica. No nosso estudo, foi comprovada em 5% dos casos pelas PPO. Apesar de rara, a sua suspeita é comum, sobretudo no que diz respeito aos beta-lactâmicos.
As manifestações clínicas são diversas, sendo as reações mais comuns os exantemas maculopapulares não imediatos e a urticária. Deste modo, o principal diagnóstico diferencial é a infeção vírica.
Tendo em conta a repercussão em decisões terapêuticas posteriores, torna-se importante a referenciação destas crianças para esclarecimento diagnóstico. Deste modo, a prova de provocação oral assume um papel essencial na confirmação ou exclusão da hipersensibilidade, sendo aceitável a sua realização mesmo sem testes cutâneos prévios em crianças com exantemas maculopapulares não severos ou urticária não imediata, tal como foi objetivado na presente casuística.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CORRESPONDENCE TO
Mónica André Costeira
Department of Pediatrics
Hospital da Senhora da Oliveira
Rua dos Cutileiros, 4835-044 Creixomil, Guimarães
Email: monicasnacosteira@gmail.com
Received for publication: 29.08.2016 Accepted in revised form: 06.03.2017