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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.4 Porto  2017

 

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO? | WHAT IS YOUR DIAGNOSIS?

 

Caso dermatológico

 

Dermatology case

 

 

Catarina MoreiraI; Ana PedrosaI; Filomena AzevedoI

I Department of Dermatology and Venereology, Centro Hospitalar São João. 4200-319 Porto, Portugal. cat_moreira@icloud.com; anabastospedrosa@gmail.com; filomena.azevedo@hsjoao.min-saude.pt

Correspondence to

 

 


RESUMO

Decorrente da melhoria dos padrões de saúde e nutrição, o escorbuto é atualmente menos prevalente, pelo que, nos dias de hoje, é um distúrbio pouco reconhecido na prática médica. Os sinais dermatológicos podem ser a única manifestação e são frequentemente confundidos com outras patologias. O diagnóstico precoce é fundamental já que, quando atempadamente abordado, o seu tratamento é simples e eficaz.

Reportamos o caso de uma adolescente cujo diagnóstico de escorbuto foi feito com base no reconhecimento de fatores de risco dietéticos, na presença de manifestações dermatológicas e na rápida resolução das lesões cutâneas com a introdução de vitamina C.

Palavras-chave: Ácido ascórbico; distúrbios do comportamento alimentar; escorbuto; púrpura; vitamina C


ABSTRACT

Over the years, with advances in the understanding of the disease, general improvement in health standards and nutrition, scurvy is now rarely encountered. Dermatologic signs may be the only manifestation and are often misdiagnosed. Awareness of manifestations and prompt diagnosis are essential because, with appropriate vitamin replacement, scurvy is readily treated.

We report the case of an adolescent whose diagnosis of scurvy was based on the recognition of dietary risk factors, the presence of dermatologic manifestations and the rapid resolution of skin lesions when vitamin C supplements were initiated.

Keywords: Ascorbic acid; eating disorders; purpura; scurvy


 

 

Relata-se o caso de uma adolescente do sexo feminino, com 18 anos de idade e antecedentes de anorexia nervosa desde há dois anos. Estava a ser seguida em consultas de Pedopsiquiatria, medicada com bromazepam, e de Nutrição, embora com presença inconsistente às consultas desta especialidade. Foi referenciada para avaliação por uma erupção cutânea não pruriginosa com dois dias de evolução. Ao exame objectivo, apresentava ligeira letargia e hipotensão, com um índice de massa corporal de 13.9 kg/m2,. Destacava-se uma erupção purpúrica na região anterior do tronco, com hiperqueratose folicular, assim como friabilidade gengival, uma equimose extensa na perna direita e edemas maleolares (figura 1). A doente negava ingestão recente de novos fármacos ou processo infeccioso prévio.

O estudo analítico, que incluiu hemograma, bioquímica, estudo imunológico e estudo da coagulação estava normal, com exceção de défices de 25-OH-vitamina D e vitamina A. Foi efectuada uma biopsia cutânea no tronco, que demonstrou extravasamento eritrocitário dérmico, sem lesões inflamatórias vasculares.

Qual o seu diagnóstico?

Vasculite sistémica

Púrpura trombocitopénica trombótica

Escorbuto

Meningococemia

Toxidermia

 

DIAGNÓSTICO

Escorbuto

 

COMENTÁRIO

O escorbuto é uma patologia secundária a deficiência de ácido ascórbico (vitamina C), cuja clínica se relaciona com o consequente comprometimento da síntese de colagénio.1

Atualmente, decorrente da melhoria dos padrões de saúde e nutrição, é um distúrbio pouco reconhecido na prática médica. Os casos recentes relatados referem-se a populações de risco como idosos, indigentes, alcoólicos, indivíduos com má-absorção, dietas restritivas, atrasos de desenvolvimento, ou com distúrbios do comportamento alimentar.2

Os sintomas iniciais como fadiga, irritabilidade e mialgia são habitualmente inespecíficos. Os sinais dermatológicos ocorrem precocemente e incluem púrpura e hiperqueratose perifoliculares, pelos em saca-rolhas, hiperplasia e hemorragia gengival e equimoses fáceis. Por vezes, as manifestações clínicas são confundidas com outras patologias, nomeadamente distúrbios hematológicos, vasculite sistémica e meningococemia.3,4

O diagnóstico é baseado nos sintomas e sinais, na história dietética e na rápida resolução com a introdução de vitamina C.5 As concentrações plasmáticas de ácido ascórbico podem estar normais mesmo na presença de défice tecidual, pelo que a sua medição nos leucócitos é mais fiável. De qualquer forma, os métodos de doseamento nem sempre estão disponíveis nos centros médicos e habitualmente não são necessários para o diagnóstico.6

Com frequência, existem outros défices nutricionais concomitantes, como por exemplo de cálcio, vitamina B12, ferro ou, à semelhança do caso apresentado, de vitamina D e A.2

No caso clínico apresentado, a ausência de febre e de sintomas e sinais meníngeos tornaram a meningococemia um diagnóstico pouco provável. Adicionalmente, não havia introdução recente de novos fármacos que fizesse suspeitar de uma toxidermia. Desta forma, os diagnósticos inicialmente considerados foram vasculite e coagulopatia, pelo que os exames auxiliares de diagnóstico efetuados foram dirigidos a estas patologias, nomeadamente a realização da biópsia cutânea. O achado histológico de extravasamento eritrocitário sem lesões inflamatórias vasculares, juntamente com as deficiências nutricionais detetadas, a normalidade da contagem de plaquetas, dos estudos da coagulação e imunológico, associados a lesões cutâneo-mucosas compatíveis levaram-nos a reconsiderar as hipóteses de diagnóstico e a suspeitar de escorbuto.

Foi iniciada terapêutica com vitamina C 500 mg 2x/dia e reforço do suporte pedopsiquiátrico, tendo-se verificado regressão rápida das lesões cutâneo-mucosas que eram praticamente inaparentes após um mês (figura 2).

Este caso realça a importância de reconhecer que o escorbuto ainda pode ser encontrado na atualidade, sobretudo em grupos com factores de risco nutricionais. Um alto índice de suspeição, num contexto clínico apropriado, é essencial, já que, quando atempadamente identificada e abordada, esta patologia é facilmente tratável.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Lessing JN, LaMotte ED, Moshiri AS, Mark NM. Perifollicular haemorrhage with corkscrew hair due to scurvy. Postgrad Med J. 2015; 91:719-20.         [ Links ]

2. Lau H, Massasso D, Joshua F. Skin, muscle and joint disease from the 17th century: scurvy. I Int J Rheum Dis. 2009; 12:361-5.         [ Links ]

3. Mintsoulis D, Milman N, Fahim S. A Case of Scurvy-Uncommon Disease-Presenting as Panniculitis, Purpura, and Oligoarthritis. J Cutan Med Surg. 2016; 20:592-5.         [ Links ]

4. Wong C, Lyons G, Nicolopoulos J, Varigos G. A rare cause of petechial rash in the 21st century. Aust Fam Physician. 2014; 43:853-5.         [ Links ]

5. Shaath T, Fischer R, Goeser M, Rajpara A, Aires D. Scurvy in the presente times: vitamin C allergy leading to strict fast food diet. Dermatol Online J. 2016; 15:22.         [ Links ]

6. Roe E, Dalmau J, Peramiquel L, Puig L, Alomar A. [Scurvy: follicular purpura as a diagnostic sign]. Actas Dermosifiliogr. 2005; 96:400-2.         [ Links ]

 

CORRESPONDENCE TO

Catarina Moreira
Department of Dermatology and Venereology
Centro Hospitalar São João
Alameda Prof. Hernâni Monteiro,
4200-319 Porto
Email: cat_moreira@icloud.com

Received for publication: 22.10.2016 Accepted in revised form: 13.12.2016

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