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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417
Nascer e Crescer vol.27 no.2 Porto jun. 2018
QUAL O SEU DIAGNÓSTICO? | WHAT IS YOUR DIAGNOSIS?
Caso dermatológico
Dermatology case
Joana GasparI; Cristina TapadinhasII
I Department of Pediatrics, Hospital do Espírito Santo Évora. 7000-811 Évora, Portugal. joanagaspar@ymail.com
II Department of Dermatology, Centro Hospitalar Lisboa Norte. 1649-035 Lisboa, Portugal. mctapadinhas@hotmail.com
RESUMO
Os autores descrevem o caso de uma menina de cinco anos observada em Dermatologia Pediátrica por crostas hemáticas e equimoses vulvares, associadas a prurido local. À observação constatou-se a existência de uma mancha acrómica vulvar e perianal, simétrica e bem definida, com atrofia cutâneo-mucosa associada a ausência de pequenos lábios e púrpura vascular na fúrcula e capuz clitoriano. A clínica e o exame objetivo permitiram fazer o diagnóstico do líquen escleroso vulvar. Os aspetos apresentados nesta entidade podem ser facilmente confundidos com estigmas de abuso sexual, pelo que importa dar a conhecer ou relembrar esta entidade a Pediatras e Médicos de Medicina Geral e Familiar.
Palavras-chave: Abuso sexual;líquen escleroso vulvar; pediatria
ABSTRACT
The authors describe the case of a five-year-old girl, observed in Paediatric Dermatology Clinic due to a blood crust and vulvar ecchymosis associated with local pruritus. The observation revealed of a symmetrical and well defined white plaque around the vagina and anus, with mucocutaneous atrophy associated with the absence of labia minora and vascular purpura on the wishbone and clitorial hood. These findings were suggestive of vulvar lichen sclerosus. The aspects present in this entity can be easily confused with sexual abuse, reason why it is important to alert the Paediatricians and General Practice Doctors to the existence and the diagnostic features of this entity.
Keywords: Paediatrics; sexual abuse; vulvar lichen sclerosus
Menina de cinco anos foi observada na consulta de Dermatologia Pediátrica por crostas hemáticas e equimoses vulvares, associadas a prurido local. De antecedentes pessoais relevantes destacava-se lise dos grandes lábios aos quatro anos de idade por fusão completa associada a episódios de retenção urinária.
À observação na consulta constatou-se criança alegre e colaborante ao exame objetivo. Apresentava uma mancha acrómica vulvar e perianal, simétrica, bem definida, com atrofia cutâneo-mucosa, ausência de pequenos lábios e púrpura vascular com algum sangramento na fúrcula e capuz clitoriano (figura 1).
Qual é o seu diagnóstico?
DIAGNÓSTICO
Líquen escleroso vulvar
O líquen escleroso é uma dermatose inflamatória crónica, rara (1/900 crianças), idiopática, de localização preferencial ano-genital (85-98% dos casos), que ocorre mais frequentemente no sexo feminino e apresenta dois picos de incidência pré-pubertário e pós-menopáusico.1,2 A sua etiologia é ainda desconhecida, propondo-se vários mecanismos como factores genéticos, hormonais, e alterações imunológicas, ainda não totalmente esclarecidos.2
O líquen escleroso vulvar surge como uma mancha branca, de superfície atrófica classicamente em forma de oito circundando a vagina e o ânus, que se pode associar a erosões, equimoses e púrpura vascular. Com a evolução pode ocorrer distorção anatómica, com sinéquia dos grandes ou pequenos lábios, estenose do intróito vaginal e atrofia/reabsorção dos pequenos lábios.3-5 Cursa com disúria e prurido anogenital intenso que pode causar erosões e fissuras dolorosas, com sangramento local.4,5 Na criança pode manifestar-se ainda por obstipação, resultante da dor perianal associada.4
O envolvimento extra-genital ocorre em até 15% dos casos.2
O diagnóstico definitivo é feito por biópsia cutânea, mas esta é raramente necessária em pediatria.4,5
O tratamento de primeira linha inclui a aplicação de corticóides tópicos de alta potência (propionato de clobetasol 0,05%), cuja aplicação deve ser diária durante um período de seis a doze semanas ou em regime de doze semanas com desmame: aplicação diária durante quatro semanas, em dias alternados nas quatro semanas seguintes, e duas vezes por semana nas últimas quatro semanas.2,5 Segue-se um esquema de manutenção (aplicação duas a três vezes por semana) para evitar o reaparecimento dos sintomas ou das alterações cutâneas que podem culminar em lesões cicatriciais.2,5 Em regime de segunda linha são utilizados os inibidores da calcineurina tópicos (tacrolimus, pimecrolimus) cuja principal vantagem é a ausência de atrofia cutânea que está associada ao uso dos corticoides tópicos.2 Outras terapêuticas incluem fototerapia e terapêutica fotodinâmica, cuja eficácia ainda não está totalmente demostrada.2,5 A terapêutica cirúrgica está reservada para as sequelas cicatriciais da doença.2
No caso apresentado houve melhoria clínica após tratamento tópico com tacrolimus 0,1%(fig2).
Do diagnóstico diferencial fazem parte várias patologias, como o líquen plano e líquen simples crónico, psoríase, vitíligo, dermatites (seborreica, atópica ou mesmo dermatite da fralda), candidíase do períneo e o abuso sexual.2
O abuso sexual apresenta-se com sinais inespecíficos como alterações comportamentais ou lesões ano-genitais suspeitas, que devem ser avaliadas por uma equipa experiente.6 No entanto, várias patologias (infecciosas, dermatológicas ou congénitas) podem ser erradamente interpretadas como abuso sexual, pelo seu atingimento preferencial da zona ano-genital e por cursarem com lesões hemorrágicas, cicatriciais ou de alteração da anatomia, como é o caso do líquen escleroso.
Pelas importantes implicações emocionais e psicológicas que a suspeita de abuso sexual acarreta para a criança e sua família, todos os profissionais de saúde que lidam com crianças (Pediatras, Ginecologistas e Médicos de Medicina Geral e Familiar) devem estar alerta para esta entidade, perante uma criança com lesões ano-genitais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Powell J, Wojnarowska F. Childhood vulvar lichen sclerosus: an increasingly common problem. J Am Acad Dermatol 2001; 44:803-6. [ Links ]
2. Cooper SM, Arnold SJ. Vulvar lichen sclerosus. UpToDate, accessed in December 2016. [ Links ]
3. Jensen LS, Bygum A. Childhood lichensclerosus is a rare but important diagnosis. DanMed J 2012; 59:A4424. [ Links ]
4. Tavares E, Martins C, Teixeira J. Dermatoses Vulvares Inflamatórias. Revista da SPDV. 2011; 69:561-71. [ Links ]
5. Neill SM, Lewis FM, Tatnall FM, Cox NH; British Association of Dermatologists. British Association of Dermatologists guidelines for the management of lichen sclerosus 2010. Br J Dermatol. 2010; 163:672-82. doi: 10.1111/j.1365-2133.2010.09997.x. [ Links ]
6. Bechtek K, Bennett BJ. Evaluation of sexuak abuse in children and adolescents. UpToDate, accessed in December 2016. [ Links ]
CORRESPONDENCE TO
Joana Gaspar
Department of Pediatrics
Hospital do Espírito Santo Évora
Largo Senhor da Pobreza
7000-811 Évora
Email: joanagaspar@ymail.com
Received for publication: 01.12.2016
Accepted in revised form: 20.03.2017