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Sociologia
versão impressa ISSN 0872-3419
Sociologia vol.27 Porto jan. 2014
ARTIGOS
Participação associativa dos investigadores científicos em Portugal
Participation in associations by scientific researchers in Portugal
Participation dans les associations par des chercheurs scientifiques au Portugal
Participación en asociaciones de los investigadores científicos en Portugal
Luís Junqueira1 Ana Delicado2 Raquel Rego3 Cristina Palma Conceição4
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações
Instituto Universitário de Lisboa
RESUMO
A participação associativa dos portugueses é geralmente considerada baixa, apesar da profusão de associações. Este artigo dá conta das práticas e motivações associativas de um grupo particular, os investigadores científicos. Com base num inquérito por questionário sobre a sua participação em associações científicas nacionais e internacionais, explora-se questões como a pertença ou não pertença, os perfis motivacionais para a adesão e as formas de envolvimento na vida destas organizações, procurando aferir a sua relação com as variáveis sociodemográficas relevadas.
Palavras-chave: associações; investigadores; motivações; participação.
ABSTRACT
Association membership in Portugal is generally low, despite the high number of associations. This article examines the practices and motivations for belonging to associations in a particular group, researchers. Based on a questionnaire survey on their participation in national and international or foreign scientific associations, issues such as memberships, motivations profiles and engagement in the associations life are explored. Variations by sociodemographic characteristics are also analysed.
Keywords: associations; researchers; motivations; participation.
RESUMÉ
La participation dans les associations au Portugal est généralement faible, malgré le nombre élevé dassociations. Cet article examine les pratiques et les motivations de lappartenance associative dun groupe particulier, les chercheurs. Basé sur une enquête par questionnaire sur leur participation dans les associations scientifiques nationales et internationales ou étrangères, des questions telles que les appartenances, les profils de motivations et leur engagement dans les associations sont explorées. Les variations selon les caractéristiques sociodémographiques sont également analysées.
Mots-clés: associations; chercheurs; motivations; participation.
RESUMEN
La participación de los portugueses en asociaciones se considera baja, a pesar de la profusión de asociaciones. Este artículo da cuenta de las prácticas y motivaciones de los miembros de un grupo en particular, los investigadores científicos. Sobre la base de un cuestionario acerca de su participación en asociaciones científicas nacionales e internacionales, explora temas como la pertenencia o no pertenencia, los perfiles motivacionales para la adhesión y las formas de participación en la vida de estas organizaciones, tratando de evaluar su relación con las variables sociodemográficas relevadas.
Palabras clave: asociaciones; investigadores; motivaciones; participación.
Introdução
O associativismo científico é um dos elementos dos sistemas científicos menos conhecidos e debatidos na sociologia da ciência. O desenvolvimento das instituições e da comunidade científica em Portugal durante as últimas décadas, produto de um aumento substancial do financiamento para a ciência, traduziu-se também num crescimento do número de associações científicas no país. Ao mesmo tempo, a internacionalização dos cientistas portugueses (patente na mobilidade laboral para outros países, na publicação em revistas internacionais, na participação em conferências e redes transnacionais) também sofreu um substancial incremento. Neste contexto, as práticas associativas dos investigadores portugueses, em associações nacionais e internacionais, surgem como um fenómeno relevante para a plena compreensão do funcionamento do sistema científico nacional.
Este artigo, tendo por base um projeto de investigação concluído em 20125 que teve como objetivo central compreender o papel das associações científicas em Portugal, procura fazer uma caracterização das práticas associativas dos cientistas portugueses. Após um breve enquadramento teórico, são apresentados dados relativos à pertença, motivações e modos de participação associativa dos investigadores, registando-se as suas variações segundo as características sociodemográficas e profissionais dos inquiridos.
1. Enquadramento
Enquanto tema de contacto entre a sociologia da ciência e a sociologia das orga- nizações, o estudo do associativismo científico tem sido relativamente pouco trabalhado por estas tradições sociológicas. O trabalho que se tem desenvolvido em torno do associativismo científico tem-se focado sobretudo nas suas organizações, as associações científicas e as suas funções contemporâneas, mais do que nas práticas associativas dos cientistas. Schofer (2003) estudou o desenvolvimento das associações científicas a nível internacional, com ênfase no seu desdobramento enquanto organizações de natureza profissional e organizações orientadas para a resposta a problemas sociais contemporâneos. Outros trabalhos que procuraram identificar as funções e atividades das associações científicas em sistemas científicos nacionais, como a Alemanha (Schimank, 1988) ou Portugal (Delicado et al., 2011), encontraram uma pluralidade de funções, desde o aconselhamento de políticas públicas, à disseminação da ciência, passando pelo apoio profissional e a tradicional comunicação entre pares através da organização de congressos e publicações. Os trabalhos que incluem elementos sobre a adesão dos cientistas fazem-no a partir da ótica das associações, isto é, focando sobretudo o recrutamento dos seus associados ou dos seus órgãos sociais. Como exemplo temos o estudo de Mackie (2000) sobre a caracterização dos associados do Instituto Inglês de Engenharia Química ou o trabalho de Lees (2002) sobre a presença de mulheres nos órgãos sociais de várias associações nacionais e internacionais de neuroquímica.
A adesão e participação em associações é, no entanto, um tema abundantemente trabalhado em sociologia. Existem, por exemplo, vários estudos comparativos sobre as taxas de pertença a associações em vários países ocidentais, que identificam níveis baixos de associativismo em Portugal e nos outros países da Europa do Sul, por oposição às elevadas taxas dos países da América do Norte e da Escandinávia (Curtis, Baer e Grabb, 2001; Curtis, Grabb e Baer, 1992; Dekker e Van den Broek, 1998; Schofer e Longhofer, 2011). Outros trabalhos procuram diferenciar as taxas de pertença aos diversos tipos de associação, em países como a França (Prouteau e Wolff, 2002), os Países Baixos (Bekkers, 2005) ou os Estados Unidos da América (Putnam, 1995; Rotolo, 2000). Estes trabalhos diferem no leque de associações consideradas, mas mesmo os mais exaustivos não exploram o associativismo científico.
Este artigo procura contribuir para preencher esta lacuna, ao analisar as práticas associativas dos investigadores portugueses. Centra-se exclusivamente na participação em associações científicas nacionais e internacionais/estrangeiras, mas tomando em conta três tipos distintos identificados em Portugal (Delicado, Rego e Junqueira, 2013):
- Sociedades científicas disciplinares (SCD), o grupo mais numeroso entre as organizações recenseadas (73%), cuja finalidade principal é a promoção de uma determinada disciplina científica;
Associações de profissionais científicos (APC), um pequeno grupo de organizações (5% do total recenseado) que está sobretudo ligado à representação socioprofissional de trabalhadores em ciência, a maioria das quais assume um caráter interdisciplinar, enquanto as restantes se distribuem por diferentes áreas científicas;
Associações de divulgação científica (ADC) que representam perto de um quarto das associações científicas recenseadas, englobando entidades tão diversas como clubes de astronomia, organizações para o estudo e conservação da natureza, associações arqueológicas ou grupos para a difusão de tecnologias, e cujo fim primordial é a disseminação do conhecimento científico. Por outro lado, há ainda que relevar que este artigo não dá conta da diversidade de membros das associações científicas, uma vez que muitos não são investigadores, mas esta questão já foi abordada noutra publicação (Delicado et al., 2011).
2. Metodologia
Este artigo tem como principal sustentação empírica um inquérito aplicado a investigadores em Portugal sobre as suas práticas associativas, com base numa amostra não probabilística intencional, realizado entre novembro de 2011 e janeiro de 2012. As práticas associativas aqui consideradas centraram-se na pertença ou não a associações científicas nacionais e internacionais/estrangeiras, nas motivações para a pertença e nas formas de participação na vida destas organizações. São exploradas as variações segundo o tipo de associação, o seu âmbito geográfico e as características sociodemográficas e profissionais dos inquiridos.
No que respeita à constituição da amostra, na ausência de uma listagem de contactos da comunidade científica portuguesa, teve de se proceder a uma recolha prévia. Atendendo às dimensões da população em análise (de acordo com os dados disponíveis, em 2011, haveria 86 mil investigadores em atividade em Portugal) (GPEARI, 2011), optou-se por restringir a priori as disciplinas científicas abrangidas. Foi assim escolhida uma disciplina por cada uma das áreas científicas do financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)6: Física, Biologia, Ciências da Saúde, Engenharia Eletrotécnica e Informática, Economia e Gestão e História.
No caso dos investigadores em Instituições Públicas de Investigação e Desenvolvimento (I&D) foram selecionadas cinco unidades financiadas pelo Programa Plurianual dentro de cada uma das disciplinas científicas, tentando excluir unidades de dimensão reduzida, com classificação abaixo de Bom na avaliação da FCT e com informação insuficiente sobre os contactos dos investigadores, assumindo-se que um dos fatores relevantes é, de facto, o desempenho científico dos investigadores considerados. Foram selecionados também os Laboratórios Associados e Laboratórios de Estado ligados a estas disciplinas.7
Procedeu-se, então, à recolha de todos os contactos de email de investigadores disponíveis nos websites de 44 instituições (totalizando 3704, tendo-se depois verificado que 112 não eram válidos, pelo que o universo do inquérito se cifrou em 3592 indivíduos).
Procurou-se, ainda, adicionar à amostra os investigadores que trabalham em empre- sas. Neste caso, foram selecionadas, entre as empresas com maior volume de despesa em I&D, 24 empresas com investigação ligada às áreas escolhidas. Visto que as empresas tendem a ser mais opacas no que respeita ao seu pessoal (não disponibilizando listagens e contactos nos websites), optou-se por contactar os departamentos de I&D, pedindo a sua colaboração na distribuição do inquérito pelos seus investigadores.
Por forma a incluir nesta análise os investigadores estrangeiros que trabalham em Portugal, foram criadas duas versões do questionário, uma em português e outra em inglês. O inquérito foi disponibilizado online, através da plataforma Surveymonkey.
O número total de respostas recebido foi de 862 (22 foram preenchidas em língua inglesa), o que corresponde a uma taxa de resposta aproximada de 24%. Esta taxa de resposta pode ser considerada em linha com o que é habitual para esta modalidade de administração do inquérito.8 Há, no entanto, que apontar alguma tendência de enviesamento da amostra: haverá uma maior disponibilidade dos membros mais interessados ou envolvidos nas associações para responderem ao questionário (o efeito de saliência do inquérito, ou seja, o interesse que o tema do inquérito suscita entre os inquiridos Sheehan, 2006). O Quadro 1 sumariza as características da amostra.
Quanto ao tratamento estatístico dos dados, foram utilizados três procedimentos principais:
- testes de associação entre variáveis, cuja significância estatística das relações foi avaliada com recurso a testes estatísticos apropriados para o tipo de variáveis (teste de ?2 de independência entre duas variáveis, com cálculo do V de Cramer; teste de correlação de Pearson; e teste de Kruskal-Wallis quando não se verificou uma distribuição normal);
método de cluster hierárquico within group linkage com a distância entre casos medida por simple matching (rácio de correspondências) para as variáveis sobre razões de adesão às associações;
análise de componentes principais com rotação varimax para explorar a existência de agrupamentos de variáveis para construção de índices (consistência interna avaliada pelo cálculo do a de Cronbach) para as variáveis sobre participação em atividades das associações.
3. Pertença a associações científicas
Os dados recolhidos revelam uma taxa elevada de pertença associativa entre os investigadores inquiridos, superior a 50% das respostas nas associações nacionais e perto de 40% nas estrangeiras ou internacionais (Quadro 1). Estes valores são francamente superiores à taxa global de pertença a associações da população portuguesa, que, segundo o último European Values Survey (2008), se cifra em 20% (substancialmente abaixo da média europeia de 44%). Porém, o mesmo inquérito indica que as taxas de pertença associativa são superiores nos grupos mais escolarizados (26% nos licenciados, 33% nos pós-graduados) e nos especialistas das atividades intelectuais e científicas (30%), um resultado rotineiramente demonstrado na literatura desta área (Curtis, 1971; Smith, 1994; Warde et al., 2003).
Este resultado deve ser encarado, no entanto, com especial cautela, uma vez que haverá uma maior propensão dos investigadores com envolvimento em atividades asso- ciativas em responder ao inquérito poderá ser responsável pelo valor elevado de pertença que é observado, ou seja, presume-se que os inquiridos com filiação associativa tenham maior propensão também para o manifestar. Contudo, isto não retira valor à observação de que, apesar da internacionalização da ciência ao longo dos últimos anos, as associações científicas parecem continuar a cativar o interesse dos investigadores portugueses.
Considerando os três tipos de associações (Quadro 2), constata-se que, entre os inquiridos que são membros de associações, é mais comum a pertença a sociedades científicas disciplinares, sobretudo estrangeiras ou internacionais, o que vai ao encontro da distribuição por tipo de associação, pois este é o tipo mais numeroso, conforme visto acima. Sendo estas de âmbito variado, verificou-se que a pertença a sociedades disciplinares internacionais (ou regionais, por exemplo europeias, ibéricas) é mais comum do que a pertença a associações de um país estrangeiro específico (ex. americanas, britânicas, francesas).
Um pouco menos de metade dos inquiridos pertence a associações de profissionais científicos e a pertença a associações de divulgação científica é mais rara, sobretudo se de nível internacional.
A falta de trabalhos publicados nesta área específica do associativismo científico torna difícil estabelecer comparações, mesmo tendo em conta a abundância de estudos sobre pertença associativa. A comunidade científica é um subgrupo muito particular dentro da sociedade, para o qual alguns do critérios utilizados no estudo da variação da pertença a associações são difíceis de aplicar, designadamente o nível de qualificações. Como acima se viu, este é um dos fatores explicativos para a adesão a associações e, neste caso, a detenção de um grau de ensino superior é um denominador comum a toda a comunidade científica.
Porém, são detetáveis algumas diferenças entre os diversos graus de nível superior (Quadro 3), tal como Prouteau e Wolff (2002) registaram entre licenciados e pós-graduados: os doutorados (e sobretudo os que realizaram provas de agregação) têm taxas de pertença associativa superiores aos licenciados e mestres. Estes resultados são necessariamente compreendidos tendo em conta que o grau de doutoramento é obtido sobretudo para fins de carreira académica e neste sentido o envolvimento no sistema científico do qual as associações são um dos agentes tenderá também a ser superior neste estrato da população.
Quando é tida em conta a pertença aos diferentes tipos de associações (Quadro 3) encontramos a mesma tendência atrás apontada, mas apenas para as sociedades científicas disciplinares. Existe um crescendo da taxa de pertença com a variação de grau académico, que se inicia a partir do grau de mestrado. Apesar de ser observada uma taxa mais reduzida para as associações de profissionais científicos e de divulgação científica do que para as sociedades científicas disciplinares, as duas primeiras parecem atrair os cientistas portu- gueses de forma mais transversal aos vários graus académicos.
Estes dados parecem indicar que é a pertença a sociedades científicas disciplinares que se torna mais revelante num momento de carreira relativamente consolidado.
Como seria de esperar, a variação por escalão etário (Quadro 4) mostra uma tendência semelhante à da variação por grau académico. O valor da taxa de pertença a associações científicas aumenta ao longo dos escalões etários apresentados.
Esta diferença mostra-se estatisticamente significativa tanto a nível nacional como internacional. Já quando é especificada a pertença por tipo de associação, a variação com a idade apenas se mantém estatisticamente significativa para as sociedades científicas disciplinares nacionais.
A pertença a associações segundo a área disciplinar também é variável, em função da organização de diferentes culturas disciplinares no interior da comunidade científica (Knorr-Cetina, 1999; Nowotny, Scott e Gibbons, 2001). A taxa de pertença a associações nacionais (Quadro 5) é superior entre os investigadores que trabalham nas áreas das ciências da saúde e das ciências sociais. Já os inquiridos da área das ciências da engenharia e das tecnologias são os que têm a menor taxa de pertença.
No que respeita às associações de âmbito nacional, quando são tidas em conta as variações por tipo de associação destaca-se a maior taxa de pertença a sociedades científicas disciplinares dos inquiridos da área das ciências exatas. As áreas das ciências da engenharia e das tecnologias e das ciências sociais são aquelas em que esta proporção se revela mais reduzida. No caso das associações de divulgação científica é de destacar a proporção de inquiridos que trabalha na área das humanidades e pertence a este tipo de associação, que é mais elevada entre todas as áreas disciplinares. Em segundo plano, destaca-se também a taxa de pertença dos inquiridos das ciências sociais e das ciências naturais. A variação por disciplina observada para as associações de profissionais científicos não é estatisticamente significativa.
Considerando as associações de âmbito internacional, apenas é estatisticamente significativa a variação por disciplina dos filiados nas associações de profissionais científicos, destacando-se principalmente a área das ciências da engenharia e das tecnologias, em que esta proporção é mais elevada, e a das humanidades, em segundo plano.
4. Motivos de adesão a associações científicas
A literatura científica relativa às motivações para adesão às associações é abundante e aponta tanto para fatores mais instrumentais como mais altruístas que se conjugarão com perfis e trajetórias (Forsythe e Welch, 1983; Smith, 1994; Hwang, Grabb, e Curtis, 2005). No que diz respeito aos investigadores e às associações científicas, assumindo o caráter profissional desta adesão, será de esperar que os interesses individuais como a formação, a integração na comunidade ou o prestígio assumam maior relevância que as motivações mais abnegadas. No entanto, tal como foi já referido, as associações científicas contemporâneas assumem um conjunto plural de funções, que apesar de ligadas de uma forma ou outra à esfera científica, vão além da comunicação entre pares ou do desenvolvimento do saber científico (Rilling, 1986; Schimank, 1988; Schofer, 2003; Delicado, Rego e Junqueira, 2013). Face a esta pluralidade, as razões que levam os investigadores portugueses a aderir a estas organizações tornam-se menos óbvias e é importante escrutiná-las de modo a perceber quais são as motivações privilegiadas globalmente e como se distribuem entre a comunidade científica e por tipo de associação. O contexto atual, de rápida internacionalização da ciência portuguesa, com consequências para a relevância científica das associações científicas nacionais, realça ainda mais esta questão. Estão as associações científicas portuguesas condicionadas a competir com as associações internacionais na oferta incentivos seletivos (Olson, 1998) capazes de captar o interesse dos investigadores, ou estará a adesão também associada a motivações não utilitárias? Os trabalhos sobre outros tipos de associativismo têm apontado no sentido da pluralidade de motivações para a adesão a associações voluntárias. Knoke (1986) argumenta que o desenvolvimento das ideias de Olson por outros autores tem levado ao enquadramento de elementos não utilitários, como motivações identitárias, enquanto incentivos seletivos. Outros trabalhos mais críticos têm concluído que os bens públicos ou bens comunitários são tão relevantes para a adesão como os incentivos de natureza utilitária (Dekker e Van den Broek, 1998; Gruen, Summers e Acito, 2000).
Examinando os dados (Quadro 6), é de salientar que as sociedades científicas disciplinares atraem os seus membros pelos motivos utilitários de receber informação, ter acesso a atividades e benefícios (congressos, publicações, prémios) e fazer networking, mas também pelo sentimento de pertença a uma comunidade (sobre o papel das associações científicas neste domínio, ver Griffin, Green, e Medhurst, 2005).
As motivações para a pertença de associações científicas internacionais são muito semelhantes às atrás elencadas. Porém, é de referir que, nas sociedades científicas disciplinares estrangeiras, a oportunidade de networking atinge valores mais elevados que nas portuguesas (vários estudos demonstram a importância de networking na ciência, com efeitos sobre a produtividade e a obtenção de contratos e de financiamento Van Rijnsoever, Hessels e Vandeberg, 2008). As associações de profissionais científicos estrangeiros são vistas como uma mais importante fonte de informação atualizada e de acesso a congressos, publicações ou prémios. Por outro lado, as associações de divulgação científica estrangeiras são mais valorizadas pela representação de interesses que as nacionais. Neste último grupo estarão então incluídas as associações internacionais que Schofer (2003) designa como orientadas socialmente, centradas em questões sociais como o desenvolvimento, o ambiente ou a paz, e que terão funções de aconselhamento junto de organizações internacionais como a ONU e a UNESCO.
A análise multivariada das motivações de adesão às associações foi restringida às sociedades científicas portuguesas devido ao número reduzido de respostas sobre os outros tipos de associação.12 As perguntas sobre adesão a este tipo de associações foram sujeitas a um método de clustering hierárquico ( within group linkage) com a distância entre casos medida por simple matching (rácio de correspondências), que identificou quatro grupos, correspondendo a perfis motivacionais (Quadro 7).
Os resultados permitem destacar dois perfis em extremos opostos, um primeiro (identitários) em que é valorizada a função das associações enquanto integradores na comunidade científica e outro (utilitários) em que é valorizado principalmente o acesso a atividades das associações. Os dois perfis restantes combinam as razões de pertença a uma comunidade científica com outros. Os indivíduos classificados como identitários/ utilitários apontam o acesso a eventos científicos e a informação sobre estes eventos como razões importantes. Já os comunitários valorizam a possibilidade de contribuir para a promoção da cultura científica na sociedade, o acesso a informação sobre eventos e a possibilidade de fazer networking.
Os perfis motivacionais apresentam uma distribuição diversa segundo as características dos inquiridos. Em termos de variações por idade (Quadro 8), é interessante notar que os indivíduos de perfil Identitário têm um nível etário mais elevado quando comparado com os restantes perfis, revelando que é entre os inquiridos de idade mais avançada que encontramos quem adira às associações sobretudo por razões de pertença à comunidade científica. Por outro lado, os perfis que mais valorizam o acesso a eventos (Identitários/utilitários e Utilitários) são aqueles que concentram investigadores mais jovens. Já o grupo denominado Comunitários, que tem como fatores distintivos razões de promoção da cultura científica e de oportunidades de networking, revela um perfil de idade intermédio. Para as variações por grau académico mantém-se a tendência observada para a variação por idade.
Tanto o agrupamento Identitários como o Comunitários concentram mais inquiridos com agregação do que os dois restantes grupos, enquanto o inverso se verifica para os inquiridos com licenciatura e mestrado. Também é relevante notar que os inquiridos com doutoramento se distribuem de forma aproximadamente uniforme pelos quatro perfis identificados.
Os inquiridos das ciências sociais distribuem-se de forma aproximadamente uniforme por todos os perfis motivacionais. Já nas restantes áreas disciplinares é possível identificar algumas diferenças. Os inquiridos das ciências exatas e das ciências da engenharia e tecnologias mostram um padrão semelhante, de maior presença nos perfis Identitários (em primeiro plano) e Comunitários (em segundo), ou seja, os grupos em que o acesso a eventos das associações se mostra menos importante como razão para a adesão. Entre as ciências da saúde, verifica-se precisamente o inverso, com a maior proporção nos perfis Identitários/Utilitários e Utilitários, em que o acesso a eventos científicos é relevante como razão de adesão. Já os inquiridos das humanidades revelam dar importância sobretudo à pertença a uma comunidade científica, pela sua concentração no grupo Identitários, enquanto os das ciências naturais destacam sobretudo o acesso a eventos (Utilitários) ou uma combinação de pertença à comunidade científica com acesso a eventos (Identitários/Utilitários) ou com atividades de divulgação (Comunitários).
5. Participação em atividades das associações científicas
A pertença a associações é um indicador importante mas insuficiente para caracterizar o associativismo científico porque a variação de grau de compromisso entre os membros de uma associação é geralmente bastante significativa. Em muitos casos, as associações são compostas por um grupo de sócios nominais, cuja participação se limita à pertença, um grupo de sócios ativos, que participam nas atividades organizadas, e um grupo mais reduzido de voluntários, que trabalha na organização dessas atividades e na manutenção da associação (Bekkers, 2005; Freire, 2004; Torpe, 2003).
No que respeita às formas de participação nas associações científicas portuguesas (Quadro 9), se as mais comuns (pagar quotas, ler publicações) são transversais aos três tipos de associações, algumas são mais frequentes em alguns tipos, como a participação em congressos nas sociedades científicas disciplinares e outras distinguem-se pelos baixos valores atingidos: menos de metade dos investigadores membros das associações de divulgação científica vota nos seus processos eleitorais, menos de um terço dos sócios das associações de profissionais científicos faz trabalho voluntário ou colabora nas publicações.
Tendências muito semelhantes são encontradas no que respeita às associações científicas estrangeiras ou internacionais, ainda que a distância geográfica implique um menor grau de envolvimento nas atividades das associações fora de Portugal, com a exceção dos congressos e publicações. O nível participação na vida das associações parece ser sistematicamente mais baixo nas associações de divulgação científica, à exceção da categoria beneficia de outras atividades da associação. As diferenças entre sociedades científicas e associações de profissionais são ténues, ainda que as taxas de participação nas atividades das primeiras são consistentemente superiores.
A análise multivariada das formas de participação associativa foi também restrita às sociedades científicas portuguesas, pelas razões acima indicadas. Neste caso procedeu-se a uma análise de componentes principais com rotação varimax para explorar a existência de agrupamentos de variáveis para construção de índices. Os grupos de variáveis com valores elevados (destacadas no quadro) para uma mesma componente tiveram a sua consistência interna avaliada pelo cálculo do a de Cronbach. O índice resultante varia de 1 (nunca participa nas atividades) a 3 (participa regularmente em todas as atividades).
Os dados observados apresentam a formação de três componentes principais (Quadro 10).
A primeira (C1), mais explicativa da variância dos dados, está relacionada com atividades de maior envolvimento na associação, seja nos processos de decisão formal (voto, participação em assembleias), na produção de conteúdos e organização de atividades ou no recrutamento de novos membros. Os outros dois componentes estão relacionados com o consumo de conteúdos produzidos pelas associações e o mero pagamento de quotas (C3) e com a participação em eventos científicos e o benefício de outras atividades (C2).
Em cada caso foi analisada a consistência interna das variáveis destacadas para as três componentes. Apenas na primeira é possível construir um índice para as variáveis associadas à primeira componente de cada caso, pois apenas apresentam um valor aceitável de consistência interna (a = 0,905).
Quando se tem em conta a variação das componentes identificadas (Quadro 11) observa-se uma relação entre o índice que representa as atividades de maior envolvimento nestas associações e as variáveis associadas à progressão na carreira científicaidade e grau académico. Em todos estes casos, as respostas que se identificam com posições mais avançadas na carreira estão relacionadas com um maior grau de participação nestas ativi- dades de maior envolvimento.
Conclusão
Os dados recolhidos através de um inquérito por questionário a investigadores em Portugal sobre a participação em associações científicas permitem observar uma elevada taxa de pertença a estas organizações. No entanto, estes resultados devem ser encarados com alguma cautela devido à técnica utilizada na distribuição do inquérito.
Os resultados obtidos permitem também destacar a importância do grau académico (de certa forma indicativo de uma determinada posição na carreira) para o envolvimento associativo. Tal parece mostrar o que a literatura tem vindo a defender para a generalidade da população, ou seja, que quanto mais instruídos, mais civicamente ativos. Os inquiridos com graduações mais elevadas (e por inerência mais velhos) não só tendem a pertencer mais a sociedades científicas disciplinares portuguesas ou estrangeiras/internacionais, mas também a terem um maior envolvimento nas atividades dessas associações. Contudo, a inexistência de outros estudos torna difícil perceber se esta variação está relacionada com a progressão na carreira profissional ou representa uma mudança de atitude dos novos investigadores face ao associativismo que se tem verificado para outro tipo de associações. Por outro lado, no que respeita às associações científicas estrangeiras, a internacionalização implica algum capital social e científico que os mais novos ainda não terão, pelo que as associações nacionais parecem poder funcionar como uma porta de entrada para primeiras experiências na comunidade científica.
Este inquérito mostra também que os investigadores mais velhos parecem encarar a participação nas associações científicas nacionais de forma diferente dos mais jovens, revelando-se mais motivados por sentimentos de pertença ou orientados para a sociedade enquanto os mais novos são mais instrumentais. Encontramos sinais de que as associações nacionais conseguem captar o interesse dos jovens cientistas através dos serviços que oferecem (congresso, publicações), mas não dos investigadores mais velhos, que tendem a manter-se ligados às associações por motivações de cariz menos utilitário. Nas associações internacionais, onde recai o foco da comunicação entre pares, estas diferenças etárias não foram detetadas.
Finalmente, importa referir as variações derivadas da área disciplinar. Destaca-se a maior taxa de pertença associativa das ciências da saúde e sociais (no que respeita a associações nacionais) e das ciências da engenharia e tecnologias (nas associações estrangeiras). Os inquiridos das ciências da engenharia e das tecnologias, juntamente com os das ciências exatas, mostram-se também mais propensos ao que designamos de perfil motivacional de cariz identitário ou comunitário. Já os inquiridos das ciências sociais são os que mais apresentam um perfil utilitário.
Em suma, estes resultados permitem obter uma primeira caracterização geral de um fenómeno pouco estudado, mesmo a nível internacional, a participação dos investigadores nas associações científicas. Neste sentido, a compreensão do seu envolvimento nas associações implicará, necessariamente, um trabalho complementar, quer com vista a explorar outras variáveis, quer recorrendo a outras técnicas de recolha de dados, que permitam identificar, porventura, representações e práticas efetivas diferenciadoras deste grupo particular da população. Em todo o caso, os resultados deste inquérito fornecem pistas indispensáveis para a prossecução do seu estudo.
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Artigo recebido a 28 de fevereiro de 2013. Publicação aprovada a 18 de junho de 2013.
Notas
1 Doutorando em Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) (Lisboa, Portugal). Endereço de correspondência: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Rua Professor Aníbal de Bettencourt, 9, 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail: luis.junqueira@ics.ul.pt
2 Socióloga. Investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) (Lisboa, Portugal). E-mail: ana.delicado@ics.ul.pt
3 Socióloga. Investigadora auxiliar do SOCIUS-ISEG Centro de Investigação em Sociologia Eco- nómica e das Organizações, Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (Lisboa, Portugal). E-mail: raquerego@iseg.utl.pt
4 Socióloga. Professora auxiliar convidada do Departamento de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) (Lisboa, Portugal). E-mail: cristina.conceicao@iscte.pt
5 Projeto SOCSCI Sociedades científicas na ciência contemporânea, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/CS-ECS/101592/2008), desenvolvido no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em cooperação com o CIES-UL e o SOCIUS-ISEG (www.socsci.ics.ul.pt).
6 Procurou-se evitar a sobreposição com disciplinas já exploradas nos estudos de caso do projeto em que o inquérito se insere.
7 Com a exceção do Centro de Estudos Sociais (Laboratório Associado), que foi adicionado como instituição da área das ciências sociais, devido à ausência de Laboratórios associados da área científica de economia e gestão.
8 As taxas de resposta dos inquéritos a estudantes de ensino superior ou pessoal docente e investigador das universidades têm variado entre 19,3% e 47,2% (Kaplowitz, 2004; Sheehan e Grubs, 1999).
9 Não foram encontradas variações estatisticamente significativas respeitantes a esta variável.
10 Apesar de a agregação não ser formalmente um grau académico, mas sim um título que permite o acesso à posição de professor catedrático, foi decidido manter esta distinção na análise bivariada por ser, em muitos casos, fonte de uma variação estatisticamente significativa.
11 Não foram encontradas variações estatisticamente significativas respeitantes a esta variável.
12 As sociedades disciplinares estrangeiras foram excluídas por limitações de espaço.
13 As respostas sobre participação nas associações foram dadas sobre a forma de uma escala com 3 itens: Nunca, Ocasionalmente e Frequentemente. De forma a simplificar a apresentação destes dados, o quadro regista a soma dos valores das duas últimas categorias.