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Sociologia
versão impressa ISSN 0872-3419
Sociologia vol.30 Porto dez. 2015
ARTIGOS
Acidentes com tratores agrícolas e florestais: aprender para prevenir
Accidents with agriculture and forestry tractors: to learn for preventing
Les accidents avec des tracteurs agricoles et forestiers: apprendre à fin de prevenir
Los accidentes con tractores agrícolas y florestales: aprender a prevenir
Carlos Montemor13 Luísa Veloso14, João Areosa15
Instituto Universitário de Lisboa
Universidade Nova de Lisboa, Instituto Superior de Línguas e Administração e Instituto Superior de Educação e Ciências
RESUMO
A entrada de Portugal na União Europeia permitiu uma enorme evolução da mecanização das principais tarefas desenvolvidas nos setores de atividade da agricultura, produção animal e florestas. A mecanização trouxe riscos específicos que conduzem a um elevado número de acidentes, envolvendo a maioria deles a utilização de tratores. Partindo de fontes oficiais, neste artigo caraterizam-se os acidentes ocorridos para percecionar a dimensão dessa sinistralidade e discute-se a ausência de registo oficial.
Palavras-chave : sinistralidade; segurança no trabalho; acidentes com tratores, registo e codificação.
ABSTRACT
As Portugal became a member of the European Union, there was an enormous evolution in what concerns to the mechanization of the main tasks which are proper to the sectors of agriculture, livestock and forests. This mechanization brought some particular risks leading to a high number of accidents, most of them due to the use of tractors. By using official numbers as a starting point, in this paper, accidents are characterized in order to perceive their real dimension and the absence of official records is also discussed.
Keywords: accidents; safety at work; accidents with tractors, registration and encoding.
RESUMÉ
L'adhésion du Portugal à l'Union Européenne a permi une énorme évolution de la mécanisation des tâches les plus importantes qui ont lieu dans les secteurs de l'agriculture, de l'élevage du bétail et des forêts. Cette mécanisation a emporté des risques spécifiques qui sont à l'origine d'un nombre élevé d'accidents, la plupart d'entre eux liés à l'utilisation de tracteurs. A partir de sources officielles, dans cet article, les accidents sont caractérisés pour donner une idée de leur vraie dimension et on discute aussi l'absence de leur enregistrement official.
Mots-clés : accidents; sécurité au travail; accidents liés à l'utilisation de tracteurs, enregistrement et encodage
RESUMEN
L'adhesion de Portugal a la Unión Europea permitió un enorme desarrollo de la mecanización de las tareas principales realizadas en los sectores agrícola, ganadero y florestal. Com la mecanización llegó una serie de riesgos específicos que conducen a un elevado número de accidentes, la mayoría de ellos relacionados con el uso de tractores. Partiendo de las fuentes oficiales, en este artículo, se caracterizan los accidentes ocurridos para percecionar su real dimensión y se analisa la falta de un registro oficial de estos acidentes.
Palabras clave : accidente; seguridad en el trabajo; accidentes con tractores, registro y codificación.
Introdução
A adesão de Portugal à Comunidade Europeia caracterizou-se nos primeiros anos por dois aspetos essenciais nos setores agrícola, pecuário e florestal: o decréscimo acentuado nos preços reais da maioria dos produtos e um enorme crescimento do investimento. No período pós adesão, as medidas sócio estruturais apoiaram o investimento em máquinas e equipamentos (Avillez, 1992), que permitiu a mecanização das principais tarefas e o aumento da produtividade do trabalho, por substituição direta de mão de obra e a sua humanização, tornando-o menos duro, mais cómodo e seguro.1
No espaço rural tradicional português persistem ainda hoje muitos dos traços identificados por Pinto (1981), nomeadamente a grande dependência em relação aos processos naturais e a ligação ao espaço físico local, a persistência do grupo doméstico, enquanto unidade de produção, consumo e residência, e a prática de entreajuda e de relações de vizinhança. Parte significativa do trabalho é realizada por indivíduos do grupo familiar, alguns deles de idade avançada e em gozo do período de reforma, por produtores em regime de tempo parcial, por trabalhadores pendulares de outros setores de atividade em complemento do seu rendimento ou, ainda, como atividade lúdica – hobbie – de ocupação de tempos livres.
A tendência para a autossuficiência de algumas estruturas de produção, o reduzido grau de divisão de trabalho, a sua sazonalidade, a escassez de força de trabalho em determinadas fases do ciclo produtivo favorecem, mesmo nas empresas minimamente estruturadas, a troca de serviços, a contratação em regime de precaridade ou a prática de trabalho parcial ou totalmente não declarado (Santos, 2013). Os trabalhos desenvolvidos nestes setores, pelas suas particularidades e condicionalismos, nomeadamente a diversidade e multiplicidade de tarefas, a massiva utilização de máquinas e equipamentos, a pulverização e dispersão dos locais de trabalho, os fatores ambientais e organizacionais, o isolamento e a sazonalidade dos trabalhos, a dependência climatérica, a idade avançada e a reduzida informação e formação dos trabalhadores e a falta de representação, tornam-nos distintos de outros setores de atividade económica.
A agricultura, a pecuária e a floresta são considerados setores de atividade económica onde se verifica a existência de taxas elevadas de acidentes e de doenças profissionais, apesar da sua frequência nem sempre ser diagnosticada e notificada às autoridades, tanto nos países desenvolvidos como nos em vias de desenvolvimento (Richthofen, 2006). Os elevados custos, tanto diretos como indiretos, dos acidentes estão relacionados com a perda da capacidade de ganho, de rendimento e de qualidade de vida dos trabalhadores e familiares, com perdas de produção e produtividade das organizações (Lunes, 2006) e com a danificação de máquinas e equipamentos. Sendo os setores referidos apontados como de elevada sinistralidade, importa saber que parte destes acidentes envolvem tratores e se esses acidentes são conhecidos das autoridades responsáveis pela sua investigação. Nesse sentido importa produzir conhecimento que responda a duas questões que merecem a nossa atenção neste texto: Qual a dimensão da sinistralidade envolvendo tratores em Portugal? Existirá subnotificação às autoridades?
O presente artigo tem por base o projeto de investigação científica realizado no ISCTE-IUL no âmbito do doutoramento em sociologia e tem como principais objetivos analisar os acidentes ocorridos nos setores de atividade da agricultura, da produção animal e das florestas, nas suas dimensões sociodemográficas e profissionais, e investigar a realidade da subnotificação destes acidentes às autoridades competentes.
1. Enquadramento da problemática
Para discutir os resultados que seguidamente se apresentam, estruturou-se um quadro analítico ancorado em três domínios-chave: os fatores de risco a que estão expostos os trabalhadores nos setores em debate, as medidas preventivas acionadas e os acidentes que ocorrem. O conhecimento retirado da investigação e análise dos acidentes ocorridos é fundamental para a identificação dos principais fatores de risco e para a definição das adequadas medidas preventivas com vista à redução da sinistralidade.
1.1. Fatores de risco
As especificidades e os condicionalismos anteriormente assinalados colocam os trabalhadores expostos a inúmeros fatores de riscos que, pela sua quantidade e variabilidade, exigem respostas adequadas dos sistemas de prevenção. A falta de peritos em prevenção de riscos profissionais nestes setores, quer na rede de prevenção privada, quer na própria administração pública, dificulta a colocação em prática de planos de atuação e, assim, a eficácia dos sistemas preventivos. Segundo Rivero, Garrido, Palomino e Barriga (2007), os principais fatores de risco profissional são: queda em altura, queda ao mesmo nível, enrolamento por órgãos móveis, entalamento, atropelamento, reviramento de tratores e máquinas, projeção de partículas e fragmentos, perfurações e pancadas, cortes e golpes, elétricos, queimaduras e intoxicações.
As grandes transformações registadas nestes setores trouxeram novos fatores de risco, nomeadamente a desvalorização dos produtos primários, o aumento dos custos de produção (Fehlberg, Santos e Tomasi, 2001), a terciarização dos trabalhos, as mudanças tecnológicas e organizativas, as obrigações legais, as exigências da indústria, a prática de jornadas longas associadas à fadiga e falta de concentração (Lilley et al., 2002) e, ainda, a entrada de trabalhadores de outros setores de atividade, sem formação, métodos e comportamentos de trabalho seguros. A transferência de determinados serviços para terceiros tem, num contexto de flexibilização, permitido novas formas contratuais que substituem o emprego formal, regulamentar e estável (Antunes, 2007) por emprego mais flexível e vulnerável ou irregular, menos digno e seguro (Santos, 2013).
Resultados de várias investigações científicas sobre diferentes realidades sociais e utilizando diferentes metodologias de investigação atestam que o trator2 é a máquina responsável pela maioria dos acidentes no meio rural, nomeadamente nos Estados Unidos da América (EUA) (Field, 2000; Loringer e Myers, 2008), no Brasil (Silva e Furlani, 1999; Schlosser, Debiasi, Parcianello e Rambo, 2002; Debiasi, Schlosser e Willes, 2004), em Espanha (Márquez, 1986; Rivero, Garrido, Palomino e Barriga, 2007) e em Portugal (Briosa, 1999; Funenga, 2006; Gomes, 2008). O estudo desenvolvido por Gomes (2008: 85) revelou que o trator representa cerca de 14% dos acidentes por tipo de máquina móvel. Sendo o trator e os seus respetivos equipamentos máquinas móveis, os principais riscos na sua utilização são os associados à sua mobilidade (Dickety, Weyman e Marlow, 2004) e às suas partes móveis (Backström, 1997, 2000, citado em Gomes, 2008). O principal risco na utilização dos tratores é o risco de reviramento (ou capotamento), podendo assumir duas formas: lateral e traseiro (figuras 1 e 2).
O reviramento deve-se à perda de estabilidade3 resultante de fatores múltiplos, designadamente o declive do terreno, a velocidade excessiva, a presença de obstáculos ou valas, a utilização insegura dos travões, o mau posicionamento das máquinas operadoras e a manobras inseguras (Briosa, 1999). Segundo Chisholm (1972, citado em Arana et al., 2010) e Potocnik et al. (2009), mais de metade dos reviramentos do trator agrícola deve-se ao deslizar em valas e à colisão com obstáculos. O centro de gravidade elevado, combinado com a utilização em zonas de risco, nomeadamente declives, são fatores importantes para o risco de reviramento (Springfeld, Thorson e Lee, 1998; Rivero, Garrido, Palomino e Barriga, 2007).
Os mais importantes fatores de risco identificados na utilização de tratores são: operação em condições extremas; perda de controlo do trator em zonas declivosas; consumo de álcool; transporte de outros trabalhadores; falta de estrutura de proteção (Debiasi, Schlosser e Willes, 2004); ausência de formação adequada; não utilização de sistema de retenção (Schlosser, Debiasi, Parcianello e Rambo, 2002); anulação de sistemas de segurança e descuramento das principais regras de segurança em função da pressão temporal (Papadopoulos et al., 2010). Os acidentes que envolvem reviramento do trator são frequentemente fatais (Márquez, 1986; Silva e Furlani, 1999; Field, 2000), representando cerca de um terço das mortes (Mangano et al., 2007).
Grande parte dos investigadores atribui aos acidentes com tratores agrícolas dois grupos de causas – comportamentos e condições inseguras –, embora esta divisão, só por si, possa conduzir a conclusões erradas, pela possibilidade de existirem profundas interações entre ambas (Debiasi, Schlosser e Willes, 2004). As práticas e os comportamentos inseguros dos trabalhadores encontram-se intimamente relacionados com a ocorrência de acidentes, especialmente nas organizações onde a cultura de segurança é mais frágil, pelo que os acidentes ocorridos poderiam ser evitados (ou as suas consequências minimizadas) com a aplicação de adequadas medidas preventivas.
Os fatores de risco são ainda abordados do ponto de vista da legislação, quer europeia, quer nacional. Passados 25 anos, concluiu-se que, de todas as diretivas especiais referidas no n.º 1, do art.º 16.º da Diretiva-quadro 89/391/CEE, de 12 de junho, só não foi produzida a diretiva para a agricultura. A legislação nacional4, ao contrário da tendência manifestada noutros Estados Membros, só obrigou à instalação de estruturas de proteção homologadas5 – arco, quadro ou cabina de segurança – nos tratores matriculados a partir de 1 de janeiro de 1994.
Enquanto a legislação aplicável aos fabricantes e seus mandatários, ao obrigar à instalação de estrutura de proteção, permite a proteção dos operadores contra os efeitos do reviramento, quer este seja manobrado pelo seu proprietário, quer por um dos seus trabalhadores, a legislação aplicável aos utilizadores apenas abrange situações em que existe utilização do trator pelo trabalhador, ficando, assim, excluídas as situações em que o trator é conduzido pelo seu proprietário, pois não existe qualquer relação laboral (Gomes, 2008). Outros países seguiram outro caminho legislativo e obrigaram à instalação de cabinas de segurança em todos os tratores, com grande eficácia nos resultados. Na Suécia, por exemplo, assistiu-se a uma redução de 25 para 0,3 mortos por cada 100 milhões de horas de trabalho, entre 1957 e 1990 (Springfeld, Thorson e Lee, 1998). Alerta-se para o facto de existirem no mercado cabinas de simples resguardo contra as intempéries que, mesmo que melhorem o conforto dos operadores, não podem nunca, se montadas isoladamente sem a adequada estrutura de proteção, ser consideradas como estruturas de proteção contra o reviramento.
1.2. Medidas preventivas
A prevenção de riscos profissionais revela inúmeras vantagens, designadamente: a eliminação, minimização e afastamento dos riscos; a proteção dos trabalhadores face aos riscos que não possam ser evitados; a redução do número de acidentes de trabalho e de doenças profissionais; a redução da taxa de absentismo; a redução de interrupções ou mesmo paragens produtivas; a redução de indemnizações a trabalhadores e terceiros; a redução dos custos com reparação ou substituição de máquinas e equipamentos; a aceitação social da organização e a sua imagem de marca. No entanto, não podemos deixar de apontar que os sistemas de prevenção são influenciados por fatores diversos, nomeadamente políticos, económicos, sociais e ambientais, difíceis de prever, planear e controlar. Por mais apurado que seja um sistema de prevenção, não consegue prevenir todos os acidentes de trabalho, uma vez que os fatores e condições de trabalho, bem como as inúmeras possibilidades de combinação levam a que os trabalhadores fiquem expostos a perigos e a riscos casuais, contingentes e não lineares que, pela sua quantidade e gravidade, podem conduzir ao acidente (Areosa, 2012).
Atendendo a que a maioria das organizações são microempresas e, ainda, que existem milhares de pequenos produtores no mercado informal, torna-se fundamental ultrapassar os principais constrangimentos e barreiras na segurança e saúde nestes setores de atividade económica. As redes preventivas podem ser o canal mais eficaz para informar e formar as organizações, os produtores e os trabalhadores em geral (Fehlberg, Santos e Tomasi, 2001), fornecendo-lhes instrumentos adequados (e. g. de avaliação de riscos, de investigação e análise de acidentes de trabalho e doenças profissionais). A dimensão económica e social das organizações dos setores de atividade em estudo, associada aos riscos resultantes das particularidades e condicionalismos com que as tarefas são executadas, propiciam nos produtores rurais e seus trabalhadores a confiança e a familiarização com o risco, provocando a sua subavaliação. As raízes culturais e sociais influenciam a forma como são percebidos e aceites os riscos, justificando-se, assim, os comportamentos, bem como a resposta aos acidentes e às suas consequências que, muitas vezes acabam por ser aceites socialmente quer por amigos, familiares e colegas de trabalho, quer pelo próprio Estado (Douglas e Wildavsky, 1982; Short, 1984). A forma rotinizada como os trabalhadores desenvolvem as suas tarefas pode conduzir a comportamentos de risco e potenciar a ocorrência de acidentes (Areosa e Dwyer, 2010). Atendendo a que a maioria dos acidentes envolve a utilização de tratores e de máquinas, é fundamental adotar adequadas medidas preventivas relativas, designadamente:
- à organização – organizar os serviços de segurança e saúde e implementar a prevenção de riscos profissionais (e.g. identificar perigos, avaliar riscos e investigar acidentes);
- ao trator – melhoria da sua estabilidade (através de regulações das máquinas nos tratores e distribuição de massas que deverão promover o equilíbrio do conjunto), verificação e manutenção adequadas;
- ao local de trabalho – ações sobre o terreno, nomeadamente nos acessos e caminhos, sinalização;
- ao trabalhador – informação sobre riscos, formação e treino dos operadores, cumprimento das regras e procedimentos de trabalho e o controlo do consumo de bebidas alcoólicas.
1.3. Acidentes
A ocorrência de acidentes significa a existência de disfunções nos locais de trabalho, que importa serem investigadas e analisadas para encontrar as mais adequadas medidas preventivas de controlo de riscos profissionais. A escassez de dados relacionados com acidentes de trabalho no meio rural é transversal a muitas realidades (Fehlberg, Santos e Tomasi, 2001), não só porque muitos dos pequenos produtores atuam em mercado informal, mas também porque muitos acidentes não são comunicados às autoridades. As estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) referem que apenas 3,9% dos acidentes de trabalho são notificados às entidades competentes pela sua investigação e análise. A realidade das notificações dos acidentes de trabalho é bastante variável, estimando-se que sejam notificados às autoridades competentes valores próximos dos 62% nas regiões mais desenvolvidas da Europa, EUA, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Nas regiões da América Latina e do Caribe os valores são de cerca de 7,25%, enquanto na África Subsaariana, Médio Oriente, Índia e China os valores são inferiores a 1% do total de acidentes ocorridos (Hämäläinen, Takala e Saarela, 2006). Em Portugal, no ano 2006, diferentes instituições apresentaram diferentes valores relativos à sinistralidade mortal envolvendo tratores: a Inspeção Geral do Trabalho investigou 14 acidentes de trabalho, às seguradoras foram comunicados 23 acidentes de trabalho e as entidades policiais relataram a ocorrência de 35 acidentes de “viação”. Apesar de não existirem nem estimativas nem dados científicos que comprovem a subnotificação em Portugal, importa, por conter informação sociologicamente relevante, investigá-la e analisá-la.
2. Método
Os acidentes de trabalho constituem uma fonte de conhecimento e aprendizagem organizacional, desde que as organizações sejam detentoras de disponibilidade de conteúdos e aptidão para a aprendizagem (Neto, 2011). Como a prevenção de acidentes deve passar, em larga medida, pela identificação, avaliação e gestão dos riscos, torna-se necessário proceder à análise dos acidentes. Assim, para compreender os acidentes mediante a observação das principais causas que estiveram na sua origem e a verificação da existência de regularidades que evidenciem os principais fatores de risco efetuou-se uma análise epidemiológica dos dados estatísticos relativos à sinistralidade nos setores de atividade das divisões 01 (agricultura, produção animal, caça e atividades dos serviços relacionados) e 02 (silvicultura e exploração florestal) da Seção A da Classificação de Atividades Económicas (CAE), no período 2007-2011, em Portugal Continental.6
2.1. Fonte de dados
Selecionaram-se as fontes estatísticas em função das competências, missões e atribuições de cada instituição, de forma a abranger os diferentes tipos de acidentes7: nas instalações, em viagem e in itinere. Para possibilitar a comparação e o cruzamento dos dados e, assim, permitir a leitura, análise e compreensão da sinistralidade laboral codificaram-se as causas e circunstâncias dos acidentes e aplicou-se uma metodologia extensiva aos seguintes dados recolhidos:
- Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) – analisaram-se 26.753 acidentes de trabalho não mortais e 75 mortais, para percecionar a realidade dos acidentes ocorridos e comunicados às seguradoras (estão excluídos os acidentes in itinere);
- Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) – investigaram-se 64 acidentes de trabalho mortais, para conhecer a realidade dos acidentes ocorridos, comunicados e investigados;
- Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) – estudaram-se335 acidentes de “viação”, que provocaram 132 vítimas mortais e 157 graves, ocorridos nas estradas portuguesas envolvendo tratores, para conhecer e compreender as causas e circunstâncias dos acidentes in itinere e em viagem;
- Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) – analisaram-se 1057 pedidos para operações de emergência e de socorro, entre os meses de maio e dezembro de 2012 (393) e no ano 2013 (664), para análise da subnotificação existente às autoridades.
Os dados de cada uma das fontes encontram-se bastante dispersos, pelo que a sua comparação e cruzamento só é possível através de variáveis que sejam comuns, designadamente data e hora, que permitam, nomeadamente, percecionar a realidade do registo dos acidentes, perceber a sua etiologia, aferir a subnotificação e percecionar dimensões reportadas e não reportadas.
3. Resultados
Os principais resultados da análise e da investigação efetuadas serão apresentados por instituição, de forma a conhecer as organizações onde ocorrem, as principais causas e circunstâncias e os trabalhadores sinistrados.
3.1. Gabinete de Estratégia e Planeamento
Em Portugal, no período 2007-2011, foram comunicados às entidades seguradoras 1.119.635 acidentes de trabalho ocorridos na generalidade da atividade económica, dos quais 1.118.507 foram acidentes não mortais e 1.128 mortais. Do total de acidentes de trabalho não mortais, 804.692 acidentes provocaram a perda de 32.588.091 dias de trabalho. No mesmo período e nos setores de atividade da seção A da CAE foram participados às entidades seguradoras 35.033 acidentes de trabalho, dos quais 34.912 foram acidentes não mortais e 121 mortais. Os acidentes de trabalho não mortais provocaram a perda de 1.262.903 dias de trabalho. As taxas de incidência e o número de dias perdidos, quando comparados com a restante atividade económica, permitem verificar a maior extensão do risco e a tendência para lesões mais graves na seção A da CAE.
Nos quadros 1 e 2 apresentam-se os principais indicadores resultantes da análise dos acidentes registados nas divisões 01 e 02 da seção A da CAE, concluindo-se que os acidentes de trabalho não mortais representam cerca de 2,5% e os mortais aproximadamente 7,7% do total de acidentes registados na generalidade da atividade económica. Na divisão 01 registaram-se mais acidentes de trabalho, tanto não mortais como mortais (dos 26.753 acidentes de trabalho não mortais, 20.280 ocorreram na divisão 01 e 6.473 na 02, enquanto que, dos 75 acidentes de trabalho mortais, 55 ocorreram na divisão 01 e 20 na divisão 02).
A maioria dos acidentes de trabalho ocorreu em micro e pequenas empresas, envolvendo sinistrados de nacionalidade portuguesa, do sexo masculino, muitos deles com uma idade superior a 65 anos, cuja situação profissional é de trabalhadores por conta de outrem ou mesmo empregadores.
Não podemos deixar de evidenciar a presença de menores nas estatísticas dos acidentes, resultante de comportamentos e atos irresponsáveis de quem deveria, por qualquer forma, ter evitado a sua presença. Quanto às causas e às circunstâncias dos acidentes comunicados às seguradoras concluiu-se que:
- para os acidentes de trabalho não mortais: os desvios mais assinalados são a perda de controlo de ferramentas de mão (17%), queda de nível (14%) e queda de pessoa do alto (9%), durante a realização de tarefas manuais, a deslocação de trabalhadores e a movimentação manual de cargas. Os agentes de contato mais sinalizados foram as superfícies ao nível do solo, árvores e animais que provocaram feridas, entorses e distensões;
- para os acidentes de trabalho mortais: os desvios mais assinalados são a perda total ou parcial de controlo de máquina (28%), queda de pessoa do alto (25%) e queda de agente material (12%), durante a realização de tarefas envolvendo a condução de máquinas e equipamentos móveis (31%), a movimentação manual de cargas (18%) e a deslocação de pessoas (8%). O contato-modalidade da lesão mais referido foi o esmagamento do operador sob a máquina (30%) e o movimento vertical resultante da queda (28%) contra superfícies ao nível do solo (26%).
Estes dados vão ao encontro dos referidos na bibliografia que citam que, nos setores de atividade económica em análise, a maioria dos acidentes envolve a utilização do trator, com consequências de um modo geral mortais, bem como a queda de pessoa do alto.
3.2. Autoridade para as Condições do Trabalho
Dos 64 acidentes de trabalho mortais objeto de inquérito pela ACT, 33 envolveram como agente material da atividade tratores (51,6 % do total), enquadrando- se este valor nos indicadores referidos por Márquez (1986) e Ambrosi e Maggi (2013), de 60 e 45%, respetivamente. Da análise dos acidentes com tratores apurou-se que 31 ocorreram nas instalações (27 em instalações do próprio empregador e 4 em instalações de entidades terceiras), um em viagem e um in itinere.
Da observação do quadro 3 concluiu-se que cerca de 73% dos acidentes mortais com tratores ocorreu em microempresas e com trabalhadores independentes. Apesar de termos a consciência de que poderá ser reflexo da realidade do tecido empresarial português nestes setores de atividade, é necessário percecionar se nestas empresas existem serviços de segurança e saúde organizados e se cumprem com as principais obrigações legais, designadamente a avaliação dos riscos e a implementação de adequadas medidas preventivas e corretivas que garantam as prescrições mínimas de segurança e saúde aos seus trabalhadores. Os trabalhadores sinistrados, maioritariamente do sexo masculino e de nacionalidade portuguesa, possuem um baixo nível de formação (75% sem formação). Quanto à localização geográfica concluiu-se que mais de metade dos acidentes foi investigada nas NUT II do Centro e Alentejo, ocorridos nos períodos de maior atividade laboral, nomeadamente nas épocas de preparação de solos, sementeiras e plantações (janeiro a março) e de colheitas (setembro a outubro), em dias de semana, entre as 10-12 e as 16-18 horas. Quanto a causas e circunstâncias dos acidentes mortais com tratores concluiu-se que o desvio mais assinalado foi a perda total ou parcial de controlo de máquina (73%), durante a realização de tarefas envolvendo a sua condução/operação (85%) que, ao provocar o reviramento do trator, conduz ao esmagamento do operador sob o trator (61%).
3.3. Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária
Da análise do Boletim Estatístico de Acidentes de Viação concluiu-se que não é recolhida informação sobre a existência de relação laboral dos sinistrados, razão pela qual não foi possível destrinçar, de entre os acidentes ocorridos na estrada, quais os acidentes que envolveram tratores enquadráveis nos acidentes de trabalho. Não podemos menosprezar a utilização dos tratores em operações de transporte e, ainda, em deslocações com máquinas e equipamentos entre as diferentes parcelas rústicas, pelo que muitos destes acidentes poderiam ser enquadráveis como acidentes in itinere ou de viagem.
Os dados do INEM, apresentados adiante, indicam que existe um pico nas chamadas para operações de socorro e emergência antes e no início do período normal de trabalho (PNT)8, o que indicia poderem ser acidentes in itinere. Analisaram-se as consequências dos acidentes de “viação” para os condutores e para os passageiros transportados nos tratores (quadro 4).
Os acidentes de “viação” com tratores provocaram aos condutores 119 mortes (116 sexo masculino e 3 do sexo feminino), 128 feridos graves (122 sexo masculino e 6 do sexo feminino) e 14 feridos ligeiros. Quanto aos passageiros transportados nos tratores, os acidentes provocaram 13 vítimas mortais e 29 vítimas graves. A bibliografia aponta o transporte de pessoas como um dos atos inseguros mais praticados pelos operadores, tornando-se mais irresponsável, ainda, quando os transportados são crianças e idosos, conforme também sinalizado nos dados do GEP. Detalhou-se a pesquisa no sentido de apurar a presença de menores e concluiu-se que nesses acidentes estiveram envolvidos 3 menores. A maioria das vítimas condutoras dos tratores é do sexo masculino e as classes de idades das vítimas mortais e não mortais dos condutores dos tratores são: menos de 18 anos – 1%; entre 18 e 44 – 22%; entre 45 e 65 anos – 36%; e mais de 65 anos – 41%.
Entre julho e outubro ocorreram cerca de metade dos acidentes registados (46%). Coincidindo este período com a época de colheitas das culturas de Primavera- Verão poderão muitos estar associados a operações de transporte de produtos colhidos e, por isso, aos riscos associados à sua mobilidade.
Apesar de se ter verificado alguma regularidade na distribuição dos acidentes por dia de semana, entre a segunda e a sexta-feira, destacou-se o facto de cerca de 28% dos acidentes serem ao fim de semana. Quanto à hora de ocorrência verifica-se que cerca de metade dos acidentes aconteceram depois do período para almoço (47% entre as 14 e as 20 horas).
Cerca de 15% dos condutores dos tratores envolvidos em acidentes de “viação” não estavam legalmente habilitados à condução. Para a ANSR, a habilitação legal para a condução de tratores e máquinas agrícolas pode assumir duas formas: Carta de Condução ou Licença de Condução, variável com o tipo de trator e de máquina.9 Por outro lado, para a ACT, a operação de máquinas e equipamentos de trabalho, com riscos específicos para a segurança e saúde dos trabalhadores, deve ser efetuada somente por operador especificamente habilitado para o efeito10. Assim, para além da habilitação legal exigida pelo Código da Estrada, é necessário considerar ainda a necessidade dos operadores serem detentores de formação habilitante, que deverá ser atendida em operações com tratores e máquinas no interior das explorações. As duas disposições legais referidas criam dificuldades de aplicação no respeitante à formação/habilitação exigida em situações onde os operadores dos tratores desenvolvam tarefas em estrada, por serem simultaneamente condutores (competência da ANSR) e operadores (competência da ACT).
Na secção regras especiais de segurança do Código da Estrada a condução sob influência de álcool é proibida11 Para esta avaliação foram submetidos ao teste de alcoolémia 177 condutores, dos quais cerca de 17% acusaram álcool no sangue. Não podemos deixar de referir que 10% do total de condutores submetidos acusaram uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l e, ainda mais grave, metade destes estavam acima de 1,5 g/l. Um outro ato facilmente enquadrável como inseguro, pelas suas consequências para terceiros, vítimas e seus familiares, foi o de conduzir sem seguro (17%).
Com os indicadores da ANSR comprovou-se que existem muitos condutores de tratores a operar sem a habilitação adequada e, ainda, sob o efeito do álcool. Estes indicadores poderão fazer pensar que, no interior das explorações, a realidade será ainda mais gravosa. Estas atitudes e comportamentos, enraizados nas tradições e costumes dos trabalhadores destes setores de atividade económica, podem conduzir a muitos acidentes de trabalho. Nas principais condições inseguras referiam-se a ausência de estruturas de proteção ou a deslocação do trator na estrada com a estrutura de proteção na posição inativa, a manutenção inadequada, especialmente a preventiva, e a não verificação periódica dos tratores. No Código da Estrada verifica-se um vazio legal que, ao não referir concretamente que o arco de proteção tenha de estar em posição ativa, faz com que muitos tratores circulem com o arco rebaixado, sem que as autoridades policiais possam atuar.
Analisaram-se as idades dos tratores através das respetivas datas de matrícula e apurou-se que 47% foram matriculados antes de 1994, 41% após 1994 e para os restantes 12% não estava definida a data de registo. Confrontando a data da obrigação legal de instalação da estrutura de proteção com as datas de matrícula dos tratores envolvidos nos acidentes de “viação” depreende-se que cerca de metade dos tratores envolvidos apresenta forte probabilidade de não possuir qualquer estrutura de proteção contra o risco de esmagamento provocado pelo reviramento do trator.
Existem muitos tratores em serviço em Portugal Continental importados de outros países que, por nunca terem sido homologados, não podem ser matriculados. Não pode afirmar-se que nos 12% sem data registada sejam enquadráveis os tratores não homologados, mas pode perspetivar-se uma realidade a reter por poder constituir mais um fator de risco de acidente.
Não obstante em 83% das situações não ser referida qualquer ação irregular, importa relatar que foram apontadas situações que indiciam a prática de atos inseguros, nomeadamente a velocidade excessiva (8%), a realização de manobras irregulares (3%) e as falhas mecânicas (2%), que poderão ter concorrido para as causas dos acidentes de “viação”. Quanto à ação dos condutores no momento do acidente, apurou-se que em cerca de 75% das situações o trator circulava em marcha normal, 11% efetuou mudança de direção, 4% início de marcha, 3% realizou desvio brusco e em 2% o acidente ocorreu à saída de explorações. Os restantes 5% envolveram situações que foram identificadas em manobras de marcha atrás, travagens bruscas ou mesmo o trator parado na via.
Apurou-se da análise efetuada que em 79% das situações o trator circulava sem qualquer carga e em 19% fazia operações de transporte de cargas, dos quais 80% possuíam a carga bem acondicionada. Quanto à natureza dos acidentes de “viação”, destacam-se o despiste com 64% e a colisão com outros veículos com 28%.
Considerando que aos acidentes dificilmente é atribuída uma única causa, importa relacionar os vários fatores. Se considerarmos que nos 335 acidentes de “viação” os tratores circulavam em marcha normal (75%), sem qualquer carga (79%), com velocidade excessiva (8%), que em 41% dos acidentes verificou-se reviramento do trator, que cerca de 50% não possui qualquer estrutura de proteção contra o risco de reviramento e, ainda, que 15% dos condutores não estava legalmente habilitado e que 10% possuía uma taxa de álcool no sangue superior a 0,5 g/l, sem entrar em conta com os riscos decorrentes das relações laborais por ausência de informação, depreende-se facilmente que a situação da sinistralidade com tratores merece agenda na investigação científica.
Encontra-se aqui um grande desafio para todos os atores dos setores: como mudar comportamentos e atitudes? 12
3.4. Instituto Nacional de Emergência Médica
De acordo com os dados estatísticos do INEM, entre maio de 2012 e dezembro de 2013, foram efetuados 1057 pedidos de intervenção para operações de emergência e socorro em acidentes envolvendo tratores (393 entre maio e dezembro de 2012 e 664 em 2013). No quadro 5 apresenta-se a caraterização dos acidentes relativos ao ano 2013.
Da sua análise apurou-se que existem dois períodos de maior frequência: abril e maio (11% cada) e julho a setembro (9%, 10% e 9%, respetivamente), em similitude com as outras instituições. Apesar de ter-se verificado regularidade quanto ao dia da semana não podemos deixar de salientar o elevado número de pedidos registados aos sábados (111). Relembra-se que o sábado foi também o dia da semana em que ocorreu maior número de acidentes de “viação”, o que confirma o volume de trabalho desenvolvido nestes setores de atividade económica durante dias de descanso semanal. Relativamente à hora de ocorrência do evento averiguou-se que, do confronto das horas dos pedidos de chamadas com o período normal de trabalho mais vulgarizado nestes setores, existem dois picos de ocorrência: o primeiro antes e no início do PNT e o segundo após a hora de almoço. Da codificação, efetuada aos descritivos dos 664 acidentes de 2013, de acordo com as Estatísticas Europeias de Acidentes de Trabalho (EEAT), designadamente quanto às causas e circunstâncias que conduziram à sua ocorrência, resultou que o desvio mais provável foi a perda total ou parcial de controlo de máquina (44%) e a queda de pessoa do alto (25%), sendo que a lesão foi provocada pelo esmagamento sob a máquina e pelo esmagamento contra superfícies ao nível do solo. Da análise efetuada apurou-se que o capotamento e o despiste representaram cerca de 32% das causas dos acidentes, representando as quedas (24%) e os acidentes de viação (12%) duas fatias consideravelmente importantes na sinistralidade.
3.5. Cruzando as fontes: a questão da subnotificação
Com o intuito de aferir a subnotificação dos acidentes ocorridos efetuou-se o cruzamento, por data e hora, entre os meses de maio e dezembro de 2012, dos dados relativos a acidentes com tratores constantes das bases da ACT (3 mortais), ANSR (41 graves e mortais) e INEM (393 graves e mortais), por não estarem ainda disponíveis todos os elementos das instituições atrás referidas relativos a 2013. Da observação da figura 3 afere-se que nos 8 meses analisados não existe referência a qualquer acidente comum às bases da ACT, ANSR e INEM. Entre a ACT e a ANSR é expectável não existir, uma vez que a ANSR participa somente os acidentes nas instalações à ACT e investiga os acidentes na estrada, assumindo-os como de “viação”. Entre a ACT e o INEM existe um acidente sinalizado por ambas as instituições e entre a ANSR e o INEM 30 acidentes comuns. Existem 375 acidentes sem qualquer correspondência entre as três bases (362 pedidos para operações de emergência e socorro do INEM, 2 acidentes comunicados e objeto de inquérito pela ACT e 11 inquiridos pela ANSR) que permite afirmar a subnotificação, não sendo retirado deles o conhecimento e aprendizagem, que permita a definição e implementação das adequadas medidas preventivas.
Conclusão
Os resultados da análise efetuada às bases de acidentes do GEP, ACT, ANSR e INEM permitem concluir que parte significativa dos acidentes envolve a utilização de tratores e que a principal causa é a perda do controlo da máquina provocando o seu despiste, com ou sem reviramento, e o consequentemente esmagamento do operador. De um modo geral, os operadores são portugueses, do sexo masculino, alguns menores, outros de idade avançada, com baixo nível de formação em Segurança e Saúde no Trabalho (SST) e mesmo sem a formação/habilitação adequada à condução/operação com os tratores. Constatou-se ainda que muitos acidentes envolveram comportamentos inseguros dos operadores dos tratores, designadamente a presença de menores, o transporte de passageiros e a condução sob o efeito do álcool. Apesar de ser possível concluir que boa parte dos acidentes ocorre nos períodos de maior atividade, apurou-se ainda (bases da ANSR e INEM) o elevado número de acidentes ao fim de semana, seja nas instalações, seja nas estradas, que não surgem nas estatísticas do organismo responsável pela sua inquirição (ACT). Verifica-se, assim, uma subnotificação dos acidentes de trabalho, o que impede que os acidentes sejam analisados, que dessa análise seja retirado o conhecimento e a aprendizagem devidas para a aplicação das adequadas medidas preventivas e corretivas e, ainda, a inserção na formação e informação dos operadores, de forma a evitar a ocorrência de acidentes futuros.
De acordo com a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, do Ministério da Agricultura e do Mar, cerca de 45% dos tratores inscritos em 2011 para a atribuição do subsídio de gasóleo tem idade superior a 20 anos. Confrontando as caraterísticas do parque nacional de tratores e a legislação nacional sobre SST conclui- se que existe uma forte probabilidade de pelo menos 45% dos tratores não possuir qualquer estrutura de proteção para os operadores face ao risco de reviramento, por terem sido matriculados antes de 1 de janeiro de 1994. Verifica-se, assim, uma elevada exposição dos seus operadores ao risco de reviramento e consequente esmagamento, confirmando-se os indicadores da ANSR. A combinação de uma estrutura de proteção e de um sistema de retenção (e. g. tipo cinto de segurança), poderia evitar a maioria dos acidentes mortais e minimizar as consequências dramáticas de muitos dos acidentes graves envolvendo tratores. O envelhecimento do parque de tratores, associado à inexistência de estruturas de proteção e de sistemas de retenção, à utilização do arco de proteção em posição não ativa, bem como à não realização obrigatória de inspeções periódicas, constituem fatores de risco extremamente importantes. Estes fatores de risco devem ser tidos em conta no presente estudo para averiguar e perceber a gravidade, a severidade e a extensão dos acidentes de trabalho com tratores porque, e como já foi referido, a utilização dos tratores mais antigos, tecnologicamente menos evoluídos e seguros e conduzidos em situações menos seguras, potenciam a pratica de atos inseguros e a ocorrência de acontecimentos imprevistos, que podem culminar em acidente de trabalho (Witney, 1988).
A atual crise económica, social e financeira provocou números históricos de desemprego, sendo os setores de atividade económica das divisões 01 e 02 apontados como potenciais absorventes de mão de obra em excesso nas restantes atividades económicas. A entrada de novos trabalhadores sem a formação e a informação adequadas para operar com máquinas e equipamentos, em especial com os mais antigos, deverá ser bem enquadrada pelos diferentes atores da rede de prevenção para não contribuir para o agravamento da sinistralidade nestes setores de atividade económica.
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Legislação
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Lei n.º 78/2009, de 13 de agosto. Lei n.º 46/2010, de 7 de setembro.
Diretiva-quadro 89/391/CEE, de 12 de junho.
Artigo recebido a 2 de outubro de 2014. Publicação aprovada a 20 de janeiro de 2015.
Notas
1 A utilização de tratores, máquinas e equipamentos associada a modificações nas práticas culturais ampliou consideravelmente os riscos a que os trabalhadores estavam expostos e introduziu riscos emergentes (Briosa, 1999).
2 O trator é um veículo com motor suscetível de fornecer um elevado esforço de tração, relativamente ao seu peso, mesmo em pisos com fracas condições de aderência, e é construído principalmente para puxar, empurrar, transportar e acionar equipamentos destinados aos trabalhos agrícolas (Briosa, 1989: 19).
3 O reviramento produz-se quando a vertical que passa pelo centro de gravidade encontra o terreno fora da base ou polígono de sustentação do trator ou da máquina (Briosa, 1999: 58).
4 Ver n.º 2 e 5 do art.º 23.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.
5 Também designadas por estruturas ROPS (Roll Over Protective Strutures) e FOPS (Falling Object Protective Structures) que têm de ser certificadas pelos fabricantes, seguindo procedimentos harmonizados.
6 Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro.
7 Acidente de trabalho é definido como todo o acontecimento inesperado e imprevisto, que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença, de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (acidente nas instalações). São também considerados acidentes de trabalho os acidentes de viagem e os acidentes de trajeto ou in itinere
8 PNT normal: 1º período: das 08-12; 2º período: 13-17 horas.
9 Ver art.º 123.º e 124.º do Código da Estrada, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 113/2008, de 1 de julho; Decreto-Lei n.º 113/2009, de 18 de maio; Lei n.º 78/2009, de 13 de agosto; Lei n.º 46/2010, de 7 de setembro; e Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho.
10 Art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.
11 Art.º 81 do Código da Estrada. O limite legal de 0,5 g/l reduz-se para 0,2 g/l para os condutores em regime probatório.
12 As diversas pesquisas na área da segurança comportamental podem oferecer algumas pistas sobre esta temática.
13 Carlos Montemor (autor de correspondência). Estudante de Doutoramento em Sociologia, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) (Lisboa, Portugal). Endereço de correspondência: Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE, Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa – Portugal. E-mail: cm.montemor@gmail.com
14 Luísa Veloso. Investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL), Professora Auxiliar Convidada do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) (Lisboa, Portugal). E-mail : luisa.veloso@iscte.pt
15 João Areosa. Docente no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA) (Leiria, Portugal) e no Instituto Superior de Educação e Ciências, no Departamento de Artes, Engenharia e Aeronáutica (ISEC) (Lisboa, Portugal). Investigador do Centro Interdisciplinar em Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (Lisboa, Portugal). E-mail: joao.s.areosa@gmail.com