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Sociologia
versão impressa ISSN 0872-3419
Sociologia vol.32 Porto dez. 2016
https://doi.org/10.21747/0872-3419/soc32a6
ARTIGOS
Narrativas acerca da formação de professores de Educação Física em contexto de prática supervisionada
Narratives about Physical Education teacher education in practicum context
Narratives sur la formation d´enseignants d´ Éducation Physique en contexte de pratique supervisionnée
Narrativas sobre la formación de profesores de Educación Física en el contexto de la práctica supervisada
Inês Cardoso1, Paula Batista2 e Amândio Graça3
1Doutoranda em Ciências do Desporto na Faculdade de Desporto, Universidade do Porto (Porto, Portugal). Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Portugal. Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D).
2 Professora Auxiliar no Departamento de Pedagogia do Desporto na Faculdade de Desporto, Universidade do Porto (Porto, Portugal). Investigadora do Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D). E-mail: paulabatista@fade.up.pt
3 Professor Associado no Departamento de Pedagogia do Desporto na Faculdade de Desporto, Universidade do Porto (Porto, Portugal). Investigador do Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D). E-mail: agraca@ fade.up.pt
RESUMO
Este estudo pretende captar o olhar interno de uma professora cooperante sobre a dinâmica da comunidade de prática na reconstrução da identidade profissional de três estagiários de Educação Física. Os autodiálogos registados em diário de bordo evidenciaram que a relação professora cooperante-estagiários requer alternância entre proximidade e distância, facilitando a conquista de uma autonomia crescente; e que a reconstrução do conhecimento prático integra as biografias individuais, o conhecimento construído na formação e as experiências práticas.
Palavras-chave: identidade transformadora; comunidade de prática; narrativas do self.
ABSTRACT
This paper aims to capture the internal view of cooperating teacher about the reconstruction of the professional identity of three Physical Education preservice teachers. The selfdialogs reported in the logbook evidenced that the relationships require emotional balance between proximity and distance, making it easier to achievement of increased autonomy; and the reconstruction of the practical knowledge integrated the individual biographies, the knowledge construct in the initial teacher education, and the practice experiences.
Keywords: transformative identity; community of practice; narratives of self
RÉSUMÉ
Cette étude porte sur le regard interne de l´enseignante coopérante sur la reconstruction de l´ identité professionnelle de trois enseignants stagiaires d´ Éducation Physique. Les autodialogues rapportés dans le journal de bord ont montré que a relation enseignante coopérante/ stagiaires appelle à l´alternance entre proximité et éloignement, rendant plus facile la conquise d´une plus grande autonomie, et que la reconstruction de la connaissance pratique intègre les biographies individuelles, la connaissance construite pendant la formation et les expériences pratiques.
Mots-clés: identité transformatrice; communauté de pratique; narratives du self.
RESUMEN
Este estudio intenta captar la mirada interna del maestro tutor en la dinámica de una comunidad de práctica en la reconstrucción de la identidad profesional de tres alumnos de Enseñanza de Educación Física. Los autodiálogos reportados en diario de a bordo han mostrado que la relación de cooperación profesores- alumnos requiere la alternancia entre proximidad y distancia, facilitando el logro de una mayor autonomía; y que la reconstrucción del conocimiento práctico integra las biografías individuales, el conocimiento constituido en la formación y las experiencias prácticas.
Palabras clave: identidad transformadora, comunidad de práctica, narrativas del self
Introdução
As teorias da identidade profissional deixaram de a ver como essência única, inalterável (eg. Akkerman e Meijer, 2011; Beauchamp e Thomas, 2009; Beijaard et al., 2004). No que respeita a identidade do professor, como sugere Gee (2001), não há resposta única para se ser reconhecido como um ‘certo tipo' de professor num determinado contexto. A identidade do professor é múltipla, fluida, evolutiva, instável, relacional e, daí, fortemente influenciada pelos contextos socioculturais. Compreende transformações pessoais e profissionais (Beauchamp e Thomas, 2009) que, partilhadas em grupos de afinidade (Gee, 2001), promovem sentimentos de pertença (Wenger, 1998) e conduzem à (re)construção da identidade profissional (IP) individual e coletiva (Owens et al., 2010). Efetivamente, a agregação de pessoas que partilham um propósito comum através de um envolvimento mútuo, de um empreendimento conjunto e de um reportório partilhado, constitui-se como um espaço de aprendizagem a que Wenger (1998) designou de comunidade de prática (CdP). É neste contexto que a identidade do professor se reconstrói, em resultado da negociação de significados atribuídos às situações do seu dia-a-dia, num processo "mediated by their own experience in schools and outside of schools as well as their own beliefs and values about what it means to be a teacher and the type of teacher they aspire to be" (Sachs, 2001: 154). Por essa razão, a (re)construção da identidade do professor é um processo dinâmico de (re)interpretação de experiências (Flores e Day, 2006), vividas em interação nos contextos de CdP, através de processos colaborativos de aprendizagem situada e de participação periférica legítima (Lave e Wenger, 1991; Wenger et al., 2002). De acordo com Wenger (1998: 162), “ Teachers' professional identities are rich and complex because they are produced in a rich and complex set of relations of practice”, o que necessita de ambientes onde se preze o respeito mútuo e a comunicação (Sachs, 2001), na partilha de um conhecimento prático1. No caso concreto do estágio profissional, a experiência pode ganhar uma outra dimensão ao ser vivenciada em CdP, com espaço discursivo partilhado pelos estagiários e pelos formadores da escola cooperante e da faculdade que tutela a formação inicial (Looman, 2002). Se a faculdade e a escola procuram “tornar a prática mais consciente por meio da teoria” (Bento, 2014: 29), a orientação do estágio carece dum professor cooperante (PC) que seja simultaneamente autor, criador e investigador da prática (Alarcão, 2009; Dinkelman, 2011). Tal como refere Graça (2014: 61): “Aprender com a prática é difícil, ensinar a aprender com a prática carece ainda de muita teoria e de muita prática e de espaço dedicado para estudar e praticar”. Por essa razão, será necessário dedicar mais atenção ao modo como os PC se vêm a si próprios no seu local de trabalho (Dinkelman, 2011), às histórias que relatam acerca do modo como contribuem para a reconstrução da IP dos futuros professores e às ilações que daí se poderão tirar para a melhoria da formação profissional (Cohen, 2010). Os PC partilham as suas vivências e os significados que lhes atribuem através das suas narrativas ou autodiálogos (Sfard e Prusak, 2005), possibilitando, dessa forma, aceder às identidades dos intervenientes nessas mesmas narrativas. Assim, a (re)construção da IP dos estagiários poderá ser acedida recorrendo à análise das narrativas dos PC acerca do trabalho desenvolvido em contexto de CdP, nomeadamente através do que dizem ter feito e das decisões que dizem ter tomado. No entanto, é por escassez de pesquisa que, segundo Dinkelman (2011: 318), "the standards that most inform what teacher educators actually do in their work with pre-service teachers tend to be largely internal and private”.
O presente estudo visa compreender a (re)construção da IP dos estagiários de um núcleo de estágio, através do olhar interno da PC, simultaneamente investigadora neste processo. A análise dos autodiálogos pretende responder às questões: a) quais as preocupações de atuação da PC como facilitadora do processo de formação dos estagiários? b) que transformações foram notadas nos estagiários em resultado das dinâmicas estabelecidas na CdP?
1. A identidade do professor e a importância de se aprender a ser ‘prático reflexivo' em Comunidade de Prática"
A (re)configuração da identidade do professor é condicionada pelo contexto social onde nasce, cresce e se desenvolve (Clandinin et al., 2009), pela diversidade das experiências vividas (Flores e Day, 2006). Tratando-se de um processo simultaneamente biográfico e relacional, de reapropriação crítica das experiências vividas ao longo da vida (Dubar, 1997), a identidade do professor resulta da construção de um modo particular de se sentir professor, ao mesmo tempo que atribui sentido ao seu dia a dia. A complexidade de todo este trajeto exige do professor uma participação ativa, alicerçada em processos motivacionais de autoeficácia e de autoestima (Stets e Burke, 2000) que, por sua vez, requer um significativo investimento pessoal. Beijaard, Verloop e Vermunt (2000: 750) referem que: "Teachers' perceptions of their own professional identity affect their efficacy and professional development as well as their ability and willingness to cope with educational change and to implement innovations in their own teaching practice". Depreende-se que, para uma melhor compreensão da identidade docente, será necessário analisar as variações dos contextos de trabalho, atentando nos autodiálogos dos professores (Enyedy et al., 2006; Sfard e Prusak, 2005) e observando a relação dialética estabelecida entre a estrutura e a agência (Giddens, 1997; Macphail e Tannehill, 2012). Com efeito, os contextos de trabalho apresentam dinâmicas muito próprias, estreitamente relacionadas com a cultura institucional, cuja evolução está dependente da capacidade de agenciamento dos seus intervenientes e da maior ou menor resistência que lhes é oferecida pela instituição, enquanto estrutura. Se a cultura escolar influencia o comportamento dos professores, a capacidade de agenciamento dos professores, por sua vez, desafia essa mesma cultura, abrindo perspetivas para a sua transformação. Nesta relação de poder, entre a cultura instituída e a capacidade de promover a mudança, o fator emocional desempenha um papel significativo, ao constituir-se como motor da autotransformação. Como defende Zembylas (2003: 229), “ a poststructuralist account of emotions and teacher identity brings to teachers' attention the relationship between emotion, identity and power, and moves teachers to engage in self-transformation ”. As emoções desencadeiam práticas reflexivas que, ao promoverem a autotransformação e a consequente reconstrução identitária, permitem aos professores atuar sobre o contexto numa relação de influências recíprocas.
Numa visão pós-estruturalista, Gee (2001) desenvolveu quatro perspetivas identitárias - quatro formas interrelacionadas, úteis para pensar quem são e o que fazem os professores: a identidade natural (reportada ou justificada por atributos tidos como naturais); a identidade institucional (conferida pela posição que ocupa na instituição); a identidade discursiva (pelo modo como se posiciona e é individualmente posicionado pelos outros nas práticas discursivas); e a identidade de afinidade (por partilha de práticas e perspetivas com um grupo de afiliação). Note- se que as perspetivas discursiva e de afinidade permitem analisar a capacidade de agenciamento e a atitude pró-ativa, indispensáveis para produzir mudança (Collay, 2006; Larrivee, 2008). Por essa razão, tornam-se mais apropriadas para compreender a ação pedagógica e os momentos de prática reflexiva partilhada (Day, 2001) e para clarificar os aspetos mais significativos na reconstrução da IP dos futuros professores.
Tornar-se prático reflexivo (Graça, 2014; Schön, 1992) é compaginável com a intensificação da necessidade de individualização e de introspeção das práticas; com emergência da identidade como ‘projeto reflexivo do self (Giddens, 1997), consistente com a manutenção de uma crónica biográfica coerente, continuamente revisitada. Neste projeto reflexivo, cada sujeito trabalha para poder escolher conscientemente o seu próprio projeto de vida (enquanto participante ativo nos processos de interação social) e onde as práticas comunicacionais se revelam essenciais para o desenvolvimento da identidade (Callero, 2003). A questão relacional incorpora o individual no coletivo, o que se revela fundamental, não apenas para mobilizar a ação conjunta (Lopes, 2007), mas também para transformar a própria estrutura social. Esta ação transformadora não será efetiva se o professor não revelar capacidade de agenciamento que, sendo proporcional à capacidade de autorreflexão, será responsável pela autotransformação (Sachs, 2003; Zembylas, 2003). Assim, a formação deve encorajar os futuros professores a (re)interpretar as suas experiências, processo que passa pelo incentivo à prática reflexiva e inovadora (Flores e Day, 2006; Sachs, 2001).
Os formadores devem ser eles próprios práticos reflexivos, capazes de se manterem abertos a pontos de vista diferentes dos seus e a admitirem as suas próprias insuficiências e afinidades (Larrivee 2008). A este propósito, Alarcão (2009: 120) defende que: “O supervisor não é aquele que faz, nem é aquele que manda fazer; é a pessoa que cria condições para que os professores pensem e ajam e façam isso de uma forma colaborativa, de uma forma crítica, indagadora, portanto, com um espírito de investigação, que é hoje absolutamente necessário”. Valores como respeito, reciprocidade e colaboração servem o propósito comum de construir um conhecimento prático coletivo, que frutifica quando as condições de confiança estão instaladas e a natureza dinâmica do diálogo entre os participantes de uma comunidade os incentivem a acreditar nas suas capacidades (Mockler, 2005), a correr riscos (Giddens, 1997) e a desenvolver a sua capacidade de autodesenvolvimento reflexivo (Nóvoa, 1992).
Vários autores apontam o nível de reflexão como um indicador de desenvolvimento profissional (eg. Kelly, 2006; Korthagen e Vasalos, 2005; Zembylas, 2003). A profundidade da reflexão progride de um nível periférico para um nível concetual que tem por núcleo o sentido da missão do professor e a disposição dos fundamentos da própria identidade profissional (Korthagen e Vasalos, 2005).
Uma forma de aprofundar os níveis de reflexão é usar narrativas ou autodiálogos como meio de reinterpretar e reconfigurar positivamente as experiências vivenciadas (Clandinin et al.., 2006 e 2009; Enyedy et al.., 2006; Sfard e Prusak, 2005). As histórias aí trabalhadas são simultaneamente de âmbito pessoal e social: refletem tanto a história de vida, como o meio e os contextos em que o sujeito habita, e são, por isso, particularmente úteis para representar a riqueza das experiências humanas.
No campo específico da formação de professores, a análise das narrativas dos formadores poderá elucidar uma questão crítica da formação: como ajudar os estagiários a tornarem-se professores transformadores? Considerando os estagiários “ the most ‘significant others' to provide meaning about what it means to be a teacher educator” (Dinkelman, 2011: 321), importará aqui analisar, a partir da perspetiva dos atores implicados, as dinâmicas estabelecidas nas CdP, entre formadores e formandos; a oportunidade para estabelecer relações com os outros professores, com os alunos, com as famílias e com a cultura institucional; o espaço concedido à imaginação, à criatividade, à construção do conhecimento, à divergência e à contradição.
‘Pensar narrativamente' (Clandinin et al.., 2009) o contexto de prática como um espaço de aprendizagem (re)configurado por histórias em permanente atualização pressupõe convocar a retrospetiva do passado e a projeção do futuro, olhar para trás e olhar para diante, e dar conta de que nunca é definitivo aquilo que vemos numa e noutra direção. Os acontecimentos futuros, sempre diferentes dos que ocorreram no passado, atualizam e modificam as histórias que contamos e fazem com que as conceções do sujeito se alteram, o que é compatível com a ideia de aprendizagem.
2. Metodologia
A compreensão da influência dos contextos de estágio na reconstrução da identidade profissional dos estagiários pode ser acedida através da reinterpretação de narrativas e da sua forte componente emocional (Clandinin et al.., 2006; Enyedy et al., 2006; Sfard e Prusak, 2005; Zembylas, 2003).
Atendendo ao propósito e à abordagem concetual do presente estudo, as narrativas escritas sob a forma de diário de bordo por uma PC (simultaneamente investigadora deste estudo) foram utilizadas no processo de desvelar as transformações ocorridas nos estagiários, bem como as ações da PC que terão contribuído para essas mesmas transformações.
Os dados recolhidos foram submetidos a uma análise de conteúdo. Nas palavras de Gibson e Brown (2009: 39): “ the ‘narratives' through which people produce accounts of themselves, their lives and their actions are important for understanding social life itself ”. Hall e Chambers (2012) argumentam que a análise das narrativas trata tanto de ‘coisas escritas', como de ações e modos de ser, pelo que nunca é neutra ou ingénua. Neste estudo, a análise da narrativa assenta em três pressupostos fundamentais: a) a narrativa é ação; b) a ação é estruturalmente organizada; e c) a narrativa cria e mantém a realidade intersubjetiva (Peräkylä e Ruusuvuori, 2011).
2.1. Participantes
O grupo de participantes é constituído por uma PC e três estagiários pertencentes a um mesmo núcleo de estágio de Educação Física (EF) que, em conjunto com a orientadora da faculdade, se constituíram como uma CdP (Lave e Wenger, 1991; Wenger, 1998). Os estagiários aceitaram as condições do consentimento informado com salvaguarda da participação voluntária, da confidencialidade e anonimato, com uso de pseudónimos.
A PC contava com vinte e um anos de serviço no ensino público e reunia uma experiência de orientação de estágio de nove anos repartidos por duas instituições distintas, uma pública e uma privada. A sua atitude tem-se pautado por uma constante preocupação com a sua formação, na procura de responder aos desafios que a profissão lhe coloca, designadamente na função de orientação que lhe proporcionou excelentes oportunidades de reflexão acerca do seu papel na formação de futuros professores.
Os estagiários, do género masculino, concluíram a licenciatura em duas instituições distintas, situação que em nada comprometeu o espírito de união e de entreajuda que foi crescendo e se fortaleceu nas relações de autenticidade que se estabeleceram entre si e entre eles e a PC. O Pedro e o Jorge licenciaram-se numa instituição pública. O Pedro revelou-se confiante, frontal, assertivo com os alunos e colaborante com os colegas de estágio. Alguns dos desafios colocados pelo estágio foram a criação da incerteza, o abandono da zona de conforto e a exposição à crítica. O Jorge revelou falta de confiança em si próprio e medo de mostrar as suas fragilidades, o que o levou a procurar sistematicamente a informação de que necessitava junto da PC. Os principais desafios colocados pelo estágio foram o ganho de confiança, o aprofundamento da capacidade reflexiva, a capacidade de tomar decisões e a conquista de autonomia.
O Henrique licenciou-se numa instituição privada, revelou falta de confiança e reduzida capacidade argumentativa. O estágio desafiou-o a usar de frontalidade, a interiorizar os diferentes pontos de vista, a evoluir em termos de capacidade reflexiva e a mostrar-se mais confiante perante os alunos.
As dificuldades decorrentes de ser simultaneamente investigadora e participante na CdP foram enfrentadas através dum exercício de objetivação e uma atitude de vigilância crítica (Bardin, 2004), tendo em conta os objetivos do estudo e o quadro teórico da investigação.
2.2. O diário de bordo da professora cooperante O material para análise provém do diário de bordo da PC, onde são narradas as histórias vivenciadas no seu dia-a-dia durante a sua participação na CdP, onde se incluem: a sua perceção face à evolução dos estagiários, não só no que diz respeito à dimensão cognitiva, mas sobretudo no que se refere à dimensão relacional e emocional; as decisões que tomou tendo em conta a sua perceção e o seu conhecimento prático; o seu dilema face ao equilíbrio que pretendeu criar entre a facilitação e o desafio; a sua preocupação com a integração do conhecimento produzido na escola e na faculdade; e a sua perceção acerca das transformações de cada estagiário.
A visão privilegiada da posição de PC permite à investigadora aceder a um nível mais íntimo e aprofundado da experiência de estágio e reinterpretar as histórias dos participantes de forma mais contextualizada e mais holística. Sparkes (2000) destaca a utilização crescente das autoetnografias, ou narrativas do self, baseadas nas próprias experiências do investigador, em estudos do domínio do desporto. Segundo Hopper et al. (2008: 223) “ by placing the self as the other in the text, the autoethnographer offers their personal perspective, their emotional and embodied experience as an account of a social phenomenon ”. Deste modo, os textos autobiográficos convidam a uma visão pós-estruturalista que coloca em evidência a co-construção de significados entre o autor (narrador informado) e o leitor, ativamente implicado em pôr algo de si na interpretação dos significados do texto (Hopper et al., 2008).
2.3. Procedimentos de análise
As narrativas são, nas palavras de Gibson e Brown (2009: 39), “a way of making ‘order' out of ‘disorder'”. São os processos de autorreflexão que promovem a organização do pensamento no momento de escrever as narrativas e, ao serem posteriormente substituídos por processos de bricolage durante a sua análise, permitem atribuir significado a toda a informação recolhida. Como referem Denzin e Lincoln (1998: 4), “ the product of bricoleur's labor is a bricolage, a complex, dense, reflexive, collage like creation that represents the researcher's images, understandings and interpretations of the world or phenomenon under analysis ” Este processo de bricolage foi suportado pelo software de análise qualitativa NVivo 9 , que facilitou a análise e interpretação dos resultados através dos procedimentos de análise de conteúdo (Bardin, 2004).
Inicialmente, foram estabelecidas a priori duas categorias: a) preocupações de atuação da PC e b) transformações notadas nos estagiários. O material classificado dentro de cada categoria foi codificado em função dos significados que foram emergindo por recurso a um processo de comparação constante. De acordo com a argumentação de Andrews (2008: 98), “ changes in our individual life circumstances provide us with opportunities to see new layers of meaning in our data. These subsequent interpretations and re-interpretations should not always be regarded as supplanting earlier understandings, but rather as possibly complementing them, a picture taken from a different angle as it were ”. As (re)interpretações feitas pela PC resultaram na subdivisão das duas categorias em temas que permitiram organizar a apresentação dos resultados e a sua discussão. Assim, as preocupações de atuação da PC integram os temas “entre a proximidade e a distância” e “a gestão das emoções”. Já as transformações notadas nos estagiários integram os temas “a capacidade de tomar decisões” e “o aprofundamento dos níveis de reflexão”.
A análise de conteúdo realizada permitiu inferir acerca da influência do processo formativo na (re)construção da identidade profissional dos formandos ao emergirem como ‘professores transformadores' (Sachs, 2003).
3. Preocupações de atuação da professora cooperante
3.1. Entre a proximidade e a distância
O perfil distinto dos estagiários, em resultado de percursos formativos díspares, de características pessoais e de ritmos de aprendizagem peculiares, requeriam da PC uma atuação que atendesse às diferenças e promovesse interações positivas entre os membros da CdP no contexto concreto da ação:
“Disse-lhe que o meu papel é ‘facilitar-lhe a vida' e ajudá-lo a desenvolver-se profissionalmente. Mas para isso é necessário que ele deixe de se colocar na defensiva. É necessário que coloque as suas dúvidas, que exponha os seus pontos de vista, que assuma que erra... O Jorge agradeceu-me os conselhos e acrescentou: ‘O mais incrível é que eu sei que tem razão. Sempre fui assim e não consigo mudar. Vou-me esforçar mais'” (DB/p.68).
Nas dinâmicas estabelecidas em CdP, o conceito de participação periférica legítima de Lave e Wenger (1991) marcou presença desde os primeiros passos, para ajudar os estagiários - os newcomers – a progredir no sentido da participação plena na CdP. A tomada de consciência das necessidades individuais (autoconsciência) e a aceitação da colaboração (autoaceitação) são requisitos para promover o sentido de autenticidade (Condon, 2005) e a vontade de superação.
“Parece que o Jorge está sempre à procura das palavras certas, revelando pouco à-vontade, ao contrário do Pedro e do Henrique, que se mostram tal como são, brincam um com o outro, mas, simultaneamente, refletem no momento e assumem quando não têm opinião por não terem ainda pensado num qualquer assunto. O Jorge tem medo de mostrar as suas fragilidades, e assim sendo, é mais difícil ajudá-lo a ultrapassá-las” (DB/p.86).
A superação das dificuldades carece do envolvimento de todos os membros da CdP, alicerçado na construção de um clima de confiança (Gómez, 1992), no estabelecimento de ‘afinidades emocionais' (Zembylas, 2003), na conjugação de esforços colaborativos que reúnam “potencialidades plurais de crescimento quer a nível individual e afetivo, quer a nível social e profissional” (Alves, 2008: 137).
As aulas da PC observadas pelos estagiários e, posteriormente, discutidas são deliberadamente utilizadas como matéria de aprendizagem e de concretização de conceitos: “Tive o cuidado de lecionar a mesma modalidade que os estagiários, tendo em vista dar exemplos concretos, pelo menos nesta fase inicial. Por vezes sinto que as minhas explicações acerca da forma como devem atuar nas aulas não é suficiente e então adapto as minhas aulas para realizar as mesmas situações e mostrar aquilo que tinha dito” (DB/p.13).
É indispensável ajudar os estagiários a lidar com a sua nova situação, apoiá-los na aprendizagem situada dos requisitos da prática (Collins et al., 1989; Lave e Wenger, 1991; Wood et al., 1976). Este apoio, metaforicamente designado de scaffolding, “ requires shared understanding among participants in the learning situation.(…) This shared understanding, called intersubjectivity, is constantly negotiated in our everyday lives, helping in the process of bridging between the known and the new in communication ” (Dennen, 2004: 816). O termo scaffolding foi utilizado por Wood e seus colegas (1976) para descrever o processo de formação que permite ao formando resolver um problema ou concretizar um objetivo que, num determinado momento, vai para além das suas capacidades. É por essa razão que é sugestivamente conhecido por ‘andaime', ou seja, está diretamente relacionado com o modo como o PC contribui para o referido “process of bridging” ao diminuir a distância entre o nível de desenvolvimento atual e o nível de desenvolvimento potencial dos estagiários (Vygotsky, 1978). Estes acedem a uma nova aprendizagem através do seu potencial para aprender, mas também através do suporte dado pelo PC para os ajudar a percorrer esse trajeto (zona de desenvolvimento proximal).
À medida que os estagiários conquistam a sua autonomia, dá-se o afastamento gradual, ou decréscimo da intensidade de apoio, processo que Collins e seus colegas (1989: 22) consideraram ser uma medida de fading: “gradual removal of supports until students are on their own”. O momento em que a PC pôs termo às reuniões semanais, onde se discutiam os planos de aula para a semana seguinte e se criava espaço para corrigir e melhorar tudo o que tivesse sido pensado previamente, constitui um exemplo das referidas medidas:
“Informei os estagiários de que chegou o momento (16/2) de eu deixar de analisar os planos de aula antes das aulas propriamente ditas. Eles levam os planos para as aulas e eu verifico-os durante as mesmas. Isto porque acredito nas suas capacidades e tenho a certeza de que o nível de autonomia por eles desenvolvido me permite atuar desta forma. Além disso, quero que eles sintam a responsabilidade de planear sem a segurança da minha verificação” (DB/p.70).
Estas reuniões, fundamentais numa fase inicial do processo formativo, se persistirem no tempo, podem gerar acomodação e debilitar o espaço de exercício da iniciativa e ação autónoma. A atitude tomada pela PC é crucial para o desenvolvimento da autoconfiança e da autoestima (Stets e Burke, 2000) que sustentam o sentido de pertença à profissão (Batista e Queirós, 2013).
3.2. A gestão das emoções
É grande a preocupação da PC com a gestão das emoções necessária para desafiar e apoiar os estagiários na conquista da já referida autonomia. De entre os oldtimers, o PC é, por inerência, o membro que mantém uma maior proximidade com os newcomers, que acompanha de perto as suas alegrias e as suas angústias, que tem a incumbência de ajudar cada estagiário a ultrapassar as suas dificuldades concretas e a encontrar conscientemente, o seu lugar, o seu espaço de agência, o seu caminho de entre vários possíveis. Ao serem confrontados com a prática profissional, os estagiários tendem a manter-se na zona de conforto evitando tomar decisões. É aqui que o PC se pode revelar como catalisador de crescimento, indo além da colaboração confortável, levando os estagiários a tomar decisões pedagogicamente fundamentadas, com recurso à indagação reflexiva (Marcelo, 1992), equacionando com eles possibilidades alternativas de resolução dos problemas emergentes, inspirando neles confiança nas suas próprias capacidades.
“Custou-me não lhe dizer o que pensava, até porque acabava de vez com aquele nervosismo e deixava-o mais tranquilo. Mas a minha função é, entre outras, ajudá-lo a aprender a tomar decisões e a assumi-las, mesmo que não tenham sido as mais acertadas …No final da aula expliquei-lhe a minha posição ao não responder à questão por ele colocada e disse-lhe que não tinha que ter medo de tomar decisões porque ele era capaz e prova disso foi que hoje tomou a decisão acertada. O Jorge manteve-se por minutos em silêncio” (DB/p.75).
A componente emocional que sobressai da leitura da narrativa anterior é indispensável à criação de um espírito colaborativo (Berger e Luckmann, 2004; Day et al., 2006; Flores e Day, 2006; Zembylas, 2003), em que ambos, PC e estagiário, encontram um equilíbrio entre a vontade de resolver a situação pela via mais fácil e a consciência de que é necessário arriscar para evoluir (Clandinin et al., 2009; Giddens, 1997). Quando o estagiário se vê obrigado a decidir perante o inesperado, interioriza o raciocínio que esteve na base da tomada de decisão e envolve-se muito mais com o processo, o que lhe permite enriquecer o conhecimento estratégico e ganhar autonomia (Gómez, 1992; Marcelo, 1992).
4. Transformações notadas nos estagiários
4.1. A capacidade de tomar decisões
Ao longo do estágio, a PC foi notando transformações nos estagiários, nomeadamente ao nível da capacidade de tomar decisões e ao nível do aprofundamento dos níveis de reflexão, que resultaram na interiorização de uma atitude pró-ativa. No início do estágio profissional, as transformações dão-se ao nível da capacidade de tomar decisões acerca de questões essenciais como a gestão e o relacionamento com os alunos:
“O Henrique ajustou bem a organização da aula aos alunos que estiveram disponíveis para a fazer e atribuiu tarefas aos alunos dispensados. Exemplificou o exercício da chamada para o remate e explicou-o com clareza, focando os pontos críticos. Manteve os alunos sentados enquanto explicava/exemplificava os exercícios, e dispostos em semicírculo para que todos observassem atentamente. Utilizou um tom de voz mais ‘amigável' e menos irónico. Está por isso a fazer grandes progressos” (DB/p.17).
Após a fase inicial, e à medida que os estagiários vão ganhando confiança nas suas capacidades, vão também revelando outras iniciativas, por vezes com rasgos de imaginação e de criatividade (Clandinin et al, 2009), tal como se pode constatar no exemplo seguinte de uma aula de judo:
“Em conversa anterior tínhamos combinado que os alunos escolheriam uma técnica de imobilização e outra de projeção para a realização da avaliação sumativa. No entanto, antes de iniciar a aula o Henrique fez uma sugestão muito interessante: os alunos fariam a técnica que lhes saísse por sorteio em vez de escolherem. Deste modo, teriam que se envolver da mesma forma em todas as técnicas aprendidas e não apenas naquelas que escolhessem. Penso que foi uma boa sugestão. O Henrique vai sempre pensando na melhor forma de atuar …Gosto da sua atitude” (DB/pp.93-94).
4.2. O aprofundamento dos níveis de reflexão
Uma vez que a capacidade de decisão individual se encontra fortemente interrelacionada com o nível de conhecimento prático, que se alicerça nas biografias pessoais, nas experiências formativas anteriores e, agora, em (re)construção através do trabalho colaborativo que se desenvolve na CdP, onde a interiorização da experiência de participação acontece (Kelly, 2006), torna-se necessário chamar, mobilizar e pôr em perspetiva as memórias e as experiências passadas dos estagiários para que, a partir delas, possam conceber e esboçar a ação futura (Sfard e Prusak, 2005). A importância destas dinâmicas é igualmente partilhada por Collay (2006: 142), para quem a identidade profissional “ is rooted in personal life story and experience, and the excavation of those roots must be deliberate and ongoing.” No sentido de promover a capacidade reflexiva dos estagiários, facilitando a tomada de consciência do significado que atribuem à profissão docente, a PC despoletou uma discussão conjunta acerca do significado atribuído ao ‘desenvolvimento profissional', apelando aos estagiários que se posicionassem relativamente ao tipo de professor (Gee, 2001) que ambicionavam ser e ao modo como pretendiam continuar a evoluir no futuro:
“Irão continuar a procurar formação para dar resposta aos novos desafios colocados pelas escolas? O Pedro interveio dizendo ‘mas eu sei lá se vou poder fazer formação naquilo de que vier a necessitar? Mesmo que exista, não sei se vou dispor de tempo para o fazer'. Fi-los então pensar sobre os professores que mais os tinham marcado durante o seu percurso no ensino básico e no ensino secundário, quer positiva, quer negativamente. O Henrique mencionou alguns exemplos negativos… Perguntei então se era esse o tipo de professores que eles quereriam ser. Fez-se silêncio” (DB/p.35).
O episódio relatado anteriormente revela ainda as raízes da inércia na incorporação de uma perspetiva de aprendizagem permanente que requer transformações mais profundas ao nível da missão do professor e da própria identidade profissional (Korthagen e Vasalos, 2005). Dificilmente essa mudança de perspetiva acontecerá sem que haja vontade individual e sem que as escolas abracem condições promotoras do trabalho colaborativo. De acordo com Day (2001), as organizações de aprendizagem (como é o caso das CdP) investem numa cultura de equipa suportada por um clima de apoio emocional, proporcionam a melhoria da qualidade do pensamento e promovem o aprofundamento dos níveis de reflexão. Nestas culturas, a prática reflexiva começa por ser entendida como uma exigência do processo formativo até que se torne uma prática espontânea e gratificante (Condon, 2005), criando-se assim hábitos de prática reflexiva partilhada (Cardoso et al., 2014; Day, 2001). Para Schön (1992), o objetivo da prática reflexiva é permitir que o sujeito se torne autónomo na tomada de decisão, numa contínua aprendizagem com a experiência, reconfigurada através da reflexão, desde a visão dos problemas como algo que deve ser tratado até os ver como oportunidades de promoção da autorreflexão e de novas possibilidades emergentes.
Os benefícios da prática reflexiva serão tão mais significativos para os estagiários quanto mais lhes permitirem incorporar códigos de conduta e prospetar a sua ação. O apelo à reflexão e o incentivo ao seu aprofundamento podem ser observados na seguinte sequência de excertos: o primeiro revela o apelo da PC para que o estagiário deixe de se centrar em eventos isolados e em comentários genéricos dos episódios de ensino; o segundo ilustra o reforço positivo da PC ao modo como as considerações teóricas do estagiário complementaram as suas ações práticas; o terceiro evidencia as preocupações éticas e sociais do estagiário relativamente às consequências da sua intervenção em contexto de sala de aula.
“… não há necessidade de fazer uma descrição sequencial dos exercícios nem de referir sistematicamente ‘decorreu normalmente'. É necessário dizer que decisões tomou e qual o efeito dessas decisões. Deverá indicar o que não resultou e porquê, propondo uma solução para a aula seguinte” (DB/p.24).
“Quanto à sua aula, encadeou os comentários dos colegas com os seus justificando os seus pontos de vista nos casos em que não estavam de acordo. Gostei da forma como ele utilizou a informação dos colegas e a integrou na sua opinião, argumentando consistentemente” (DB/p.91).
“Os objetivos foram totalmente cumpridos, quer o objetivo estratégico do projeto educativo “ Criar ambientes de aprendizagem estimulantes e incentivar à construção de um projeto de vida e ao desenvolvimento de hábitos saudáveis para exercer plenamente a cidadania ”, quer o objetivo específico da atividade “ Proporcionar aos alunos o encontro com dois atletas Olímpicos, nas modalidades de Atletismo e Natação, e de um campeão nacional de Triatlo, que falarão sobre a sua experiência em competições de grande prestígio a nível mundial, conciliando com o seu percurso académico ”. O relato de experiências de vida que transmitam a ideia de que é possível conciliar a prática desportiva intensa com a obtenção de bons resultados escolares, através do cumprimento de regras, da autodisciplina e da definição de objetivos foi benéfico para a reflexão dos alunos acerca das suas ambições e projetos de vida” (DB/p.64).
A importância dada ao reforço positivo (Korthagen e Vasalos, 2005) e o respeito pelos diferentes ritmos de aprendizagem dos estagiários (Mockler, 2005) na sua progressão de uma posição mais periférica para uma posição mais central (Lave e Wenger, 1991), bem como as medidas de scaffolding e de fading disponibilizadas pelos oldtimers, ter-se-ão revelado fundamentais para que os estagiários arriscassem em medidas que apelassem à sua subjetividade (Larrivee, 2008; Zembylas, 2003), expressas em práticas criativas e no desenvolvimento de uma identidade profissional ativa e transformadora (Mockler, 2005; Sachs, 2003). No entanto, nenhuma das medidas implementadas teria surtido o efeito desejado sem o envolvimento e a vontade dos estagiários, nem sem a sua interação com o meio (Callero, 2003), facilitada pela PC e pela orientadora da faculdade numa articulação crescente entre a instituição superior e a escola. De facto, ambas as instituições têm congregado esforços no sentido de dar maior consistência à formação de novos profissionais no campo da EF. O testemunho pessoal de Reina (2013: 87) acerca da sua experiência como ex-PC retrata a referida articulação: “Esta ponte estabelecida entre a faculdade e as escolas foi muito enriquecedora para todos. Constituiu um desafio pessoal, pois levou-me a uma atitude de inconformismo, de atualização permanente, de inquietação e responsabilidade, contribuindo para me tornar uma professora muito mais reflexiva, que passou a olhar para a questão do ensino da EF de uma forma mais organizada, planificada e inovadora”. Quando se reúnem esforços no sentido de alcançar objetivos comuns, as possibilidades de co-construção do conhecimento prático tornam-se mais evidentes, traduzindo-se na reconfiguração da IP. No entanto, e segundo Clandinin e colegas (2009), os espaços de formação apenas se constituirão como espaços abertos à transformação se permitirem que formadores e formandos reinterpretem as suas histórias e ‘pensem narrativamente'. Desta forma, tornar-se-á mais fácil entender o contexto de prática como um espaço de aprendizagem cujas histórias se encontram em permanente mudança, ideia compatível com o caráter dinâmico e evolutivo da própria identidade.
Conclusões
A formação de professores encontra terreno fértil para a construção da identidade profissional em contextos reais de exercício da função docente que promovam relações autênticas entre os membros da CdP, que resultem em interações positivas envoltas em ‘afinidades emocionais'.
O respeito pelos diferentes ritmos evolutivos exige que se faça uma gestão criteriosa das medidas de scaffolding e de fading, de aumento e diminuição de apoio instrucional, que pode ir da concretização prática de conceitos exemplificados nas aulas da PC, à suspensão do apoio à preparação da prática letiva, quando a PC sentir que os estagiários se estão a acomodar a esse suporte.
O equilíbrio entre proximidade e distância na gestão do apoio emocional estabelece-se na tensão entre a vontade de facilitar a vida aos estagiários e a necessidade de os desafiar a saírem da zona de conforto e a correrem os riscos necessários para tomarem decisões perante o (in)esperado. O ‘jogo emocional' que a PC deverá controlar e desenvolver: controlar, ao preocupar-se com o sucesso da experiência de estágio nos planos pessoal e profissional; desenvolver, ao perseguir o objetivo de que os estagiários se tornem profissionais competentes, pró-ativos e empenhados na democratização da estrutura social das comunidades em que participam, ao contribuírem para o desenvolvimento integral de todos os alunos, formando cidadãos para o mundo, que se pretende equitativo.
As transformações notadas nos estagiários manifestaram-se na qualidade das iniciativas e decisões tomadas, no aprofundamento da autonomia e dos níveis de reflexão. Uma IP ativa e transformadora, necessária a uma prática criativa, depende da consistência do processo transformativo da CdP, do envolvimento dos estagiários e do reforço positivo da PC, do espaço e do apoio que disponibiliza, tendo em conta o respeito pelos ritmos individuais.
A conquista de autonomia e o movimento centrípeto dos estagiários para a participação plena na CdP pressupõem a reestruturação do pensamento do grupo e o enriquecimento do conhecimento prático, através da integração das biografias individuais, do conhecimento construído durante a formação inicial e das experiências vivenciadas no exercício da prática. A partilha de diferentes opiniões, de atribuição de significado à experiência e a crescente articulação entre a faculdade e a escola fortalecem o sentimento de pertença à profissão e a reconstrução positiva da identidade profissional.
A opção metodológica pela análise do diário de bordo da PC pôs em evidência o caráter dinâmico e evolutivo da reconstrução da IP dos estagiários, ao mesmo tempo que se revelou como um poderoso instrumento de reflexão sobre a atuação da PC, as suas preocupações e os seus esforços para ajudar os estagiários e crescer como profissionais transformadores.
Explorando o potencial das narrativas, a sua natureza mutável e moldável das (pelas) experiências passadas e perspetivas de futuro, seria interessante contemplar novas possibilidades de investigação centradas sobre o desenvolvimento da IP do próprio PC, sobre a constituição de CdP à escala dos grupos disciplinares, dos conselhos de turma, de grupos interdisciplinares de supervisão partilhada, de grupos de afiliação informais, ou da escola no seu todo.
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Agradecimentos
Estudo elaborado no âmbito do projeto de investigação “O papel do estágio profissional na (re)construção da Identidade Profissional no contexto da Educação Física”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/DES/115922/2009).
Endereço para correspondência:
Rua Dr. Lopo de Carvalho. 4369-006 Porto. E-mail: cristinacunha.m@gmail.com
Rua Dr. Plácido Costa, 91, 4200-450 Porto, Portugal. E-mail: inestcardoso@gmail.com
Artigo recebido em 13 de março de 2015. Publicação aprovada a 10 de julho de 2016.
Notas
1 Conhecimento prático: processo dinâmico resultante de ações colaborativas entre os formadores e os formandos no contexto de prática profissional. Trata-se de um processo construtivo, em que todos os envolvidos interiorizam a sua experiência de participação (Kelly, 2006).