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Sociologia
versão impressa ISSN 0872-3419
Sociologia vol.35 Porto jun. 2018
https://doi.org/10.21747/08723419/soc35a7
ARTIGOS
Mundo do trabalho e pluralidade epistemológica: uma contribuição para o estudo da precariedade
World of work and Epistemological Plurality: a contribution to the study of precariousness.
Travail et Pluralité Épistémologique: le monde du travail et l'avènement de la précarité.
Mundo del trabajo y Pluralidad Epistemológica: una contribución al estudio de la precariedade
1Elizardo Scarpati Costa, 2Pablo Almada
1Professor de Sociologia do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), (Porto Alegre, Brasil). Email: eliscarpati@hotmail.com Doutor em Sociologia pela Universidade de Universidade de Coimbra
2 Professor do Departamento de Ciências Sociais, área de Sociologia, da Universidade Estadual de Londrina (UEL) (Londrina, Brasil). E-mail: pabloera@gmail.com Pesquisador do Grupo de Estudos de Marx(GEMARX)da mesma instituição.Doutor em Democracia no Século XXI pela Universidade de Coimbra(Coimbra,Portugal)
RESUMO
O artigo analisa os fundamentos da centralidade do trabalho para compreender sua atual pertinência. A sociologia do trabalho, ao enfatizar as transformações histórico-sociais, apresenta distintas concepções de trabalho que incorrem em limites analíticos das novas disposições dos processos produtivos. Um diálogo com tais premissas heurísticas do trabalho demonstra que a pluralidade epistemológica deve ser considerada para abarcar a complexidade desse mundo. Conclui-se que uma abordagem relativa ao fenômeno da precariedade laboral deve contrapor-se às linhas abissais teóricas e práticas, para uma incorporação plural desses vários saberes, efetivando uma reconstrução da teoria social.
Palavras-chaves : trabalho; epistemologias; relações laborais; capitalismo.
ABSTRACT
The article analyzes the centrality of the work to understand its current relevance. The sociology of work, by emphasizing historical-social transformations, presents different conceptions of work that fall within the analytical limits of the new dispositions of productive processes. A dialogue with such heuristic premises of work demonstrates that epistemological plurality must be considered to encompass the complexity of this world. It concludes that an approach related to the phenomenon of labor precariousness must oppose the abyssal theoretical and practical lines, for a plural incorporation of these various knowledge's, effecting a reconstruction of social theory.
Keywords : work; epistemologies; labor relations; capitalism.
RÉSUMÉ
L'article analyse la centralité du travail pour comprendre sa pertinence actuelle. La sociologie du travail, en mettant l'accent sur les transformations historiques et sociales, présente des conceptions différentes du travail qui tombent dans les limites analytiques des nouvelles dispositions des processus productifs. Un dialogue avec de telles prémisses heuristiques démontre que la pluralité épistémologique doit être considérée comme englobant la complexité de ce monde. Il conclut qu'une approche liée au phénomène de la précarité du travail doit s'opposer les lignes abissales théoriques et pratiques, pour une incorporation plurielle de ces diverses connaissances, en faisant une reconstruction de la théorie sociale.
Mots-clés : travail; épistémologies; relations de travail; capitalisme.
RESUMEN
El artículo analiza la centralidad del trabajo para comprender su relevancia actual. La sociología del trabajo, al enfatizar las transformaciones histórico-sociales, presenta diferentes concepciones del trabajo que caen dentro de los límites analíticos de las nuevas disposiciones de los procesos productivos. Un diálogo con tales premisas heurísticas de trabajo demuestra que debe considerarse que la pluralidad epistemoló- gica abarca la complejidad de este mundo. Concluye que un enfoque relacionado con el fenómeno de la precariedad laboral debe oponerse a las líneas abissales teóricas y prácticas, para una incorporación plural de estos diversos conocimientos, efectuando una reconstrucción de la teoría social.
Palabras-Clave : trabajo; epistemología; relaciones laborales; capitalismo
Introdução
As mutações das relações laborais do capitalismo globalizado, reforçaram, nos últimos quarenta anos, a necessidade de revisões analíticas e surgimento de novas abordagens, com o intuito de responder às complexas vicissitudes do “mundo do trabalho”. De forma geral, essas transformações resultaram em dois sentidos para a construção conceitual sociológica: por um lado, a dificuldade de fundamentar teorias generalistas perante rápidas e significativas mudanças; e por outro lado, o surgimento de abordagens plurais, mas não contraditórias entre si, o que será aqui chamado de pluralidade epistemológica. Tal conceito em formulação encontra ressonância meto- dológica no trabalho de Santos (2007), em que o autor procura romper com as linhas abissais, visíveis e invisíveis, em torno de uma pluralidade de conhecimentos que possam dialogar para além do poder colonial do pensamento ocidental.
A pluralidade epistemológica diz respeito às situações de explicação das totalidades, das particularidades e das singularidades do trabalho, onde estão presentes as práticas econômicas sustentadas pela ideologia do capital industrial e financeiro em conflito com os saberes e sentidos promovidos coletivamente pelos indivíduos no ato de trabalhar. Nessa relação se demarcam os campos de desregulamentação dos mercados e redução do controle estatal, a subordinação das empresas e dos trabalhadores ao capital financeiro e, finalmente, a efetivação de uma reestruturação do local subordinado à globalização hegemônica. Por conta disso, pretendemos ensaiar alguns aspectos de compreensão dos efeitos do trabalho na atualidade sobre a subjetividade, no caso, o sentido da precariedade do trabalho.
A fragmentação dos processos de trabalho, tomados à luz das transformações conjunturais, apresentam fundamentos estruturantes da subjetividade e também práticas a serem incorporadas pelas estruturas sociais. Ao se considerar que tal relação não é meramente direta e automática, reconsidera-se a historicidade (interna e externa das estruturas) para a geração de um efeito interrelacional, ainda que se mantenha um descompasso entre as estruturas e as práticas sociais, campo fecundo para o surgimento de concepções teóricas plurais sobre as relações laborais. Aliado a esse caráter, as crises do capitalismo possibilitam novas configurações do trabalho como consequências das tensões entre economia e política, campos que aparentemente se autonomizam das esferas produtivas impondo racionalidades próprias e abissais, mas que desconsideram as relações subjetivas dos trabalhadores no interior do processo produtivo.
Portanto, efetivar uma perspectiva de pluralidade epistemológica não significa, meramente, refazer uma síntese das transformações históricas do trabalho, mas sim reconstruir os pontos de apoio e de conexão entre a totalidade do capitalismo (produção, consumo e reprodução), as particularidades desses processos em termos histórico-sociais e as singularidades como efeitos combinados entre o controle, a ideologia e as práticas resultantes. Seguiremos por fazer isso de duas formas: na primeira parte, elucidando as transformações históricas do capitalismo e do trabalho; na segunda parte, objetivando elementos para a reconstrução de uma sociologia do trabalho.
1. Capitalismo e relações laborais
Ao longo da histórica do sistema capitalista, o desenvolvimento estrutural (forças produtivas e relações sociais) e superestrutural (relações culturais, políticas, ideológicas e jurídicas) ergueu-se pelas significativas transformações a partir do século XVI. As práticas comerciais pré-capitalistas, como produção artesanal e as trocas de mercadorias, foram sendo incorporadas ao capital comercial com a Revolução Industrial, o que possibilitou sua hegemonia como modelo produtivo e de organização do trabalho, sobretudo, conforme a compra e venda de força de trabalho, que outrora existia desde os períodos da antiguidade, porém se tornou hegemónica com o advento do capitalismo industrial (Braverman, 1977).
Karl Polanyi (2000: 77) analisava a viragem das chamadas “sociedades com mercado” para as “sociedades de mercado” ao denotar que, anteriormente ao capitalismo, existiam vários mercados esparsos, mas que foram unificados em uma instituição específica, o mercado capitalista, capaz de “dirigir a sociedade como se fosse um acessório do mercado”. O trabalho, como “atividade humana que acompanha a própria vida” e como elemento social da indústria, passaria a se constituir numa relação de oferta e procura, formadora do e imersa ao grande mercado de compra e venda de força de trabalho, resultando na transformação do trabalho em “mercadoria fictícia” (Polanyi, 2000: 93-94)
Do ponto de vista político, tal passagem se efetivou pela assunção da burguesia no cumprimento de um papel de ruptura com o Antigo Regime, como ocorreu na Revolução Francesa. Ao se tornar “classe para sí”, consciente de seu posicionamento econômico e de seus interesses políticos, a burguesia tornou-se “mercador e capitalista, em oposição à economia agrícola natural e ao artesanato medieval” (Marx, 1983: 393). As lutas de classe tornavam-se um elemento fundamental e constituinte da sociedade capitalista, revelando o “antagonismo estrutural” entre as forças produtivas e as relações de produção, resultado da transição entre os modos de produção e a transformação de todo o modo produtivo pela estrutura econômica (Althusser, 1985). Da mesma forma que já existia a produção de mercadorias baseadas nas trocas, em sua forma embrionária nas sociedades pré-capitalistas, as transformações do modo de produção não impediram que formas de produção pré-capitalistas se mantivessem e coexistissem no capitalismo.
Estabelecidas essas condições, consolidou-se também a dominação de classes na sociedade, que se assenta tanto no poder de dominação de uma classe sobre outra, da burguesia sobre o proletariado, como também, sob o poder social do Estado e das garantias oferecidas assegurar o modo de produção capitalista e do atrofiamento das formas produtivas precedentes. Para além do idealismo do Estado neutro, é necessário questionar o caráter intrínseco do Estado Capitalista, sua formação como estrutura totalizadora de comando político do capital, ao considerar que a “formação do Estado moderno é uma exigência absoluta para assegurar e proteger permanentemente a produtividade do sistema” (Mészaros, 2002: 106), constituindo-se na forma de uma estrutura totalizadora de comando político do capital. O Estado está tendencialmente subordinado ao capital, tornando-o uma estrutura de comando vertical, em que as classes sociais e a estrutura política são deslocados ao segundo plano na hierarquia de controle do capital, afirmando o controle institucional do poder político por parte das classes que detém os meios de produção.
O Século XX confirmou a pertinência da formulação analítica anterior, embora tenha apresentado novos modelos de desenvolvimento econômico e controle estatal inéditos na história humana. Após a crise cíclica de 1930, o período dos “trinta gloriosos” (de 1949 a 1973) (Hobsbawm, 1995) apresentou significativas taxas de crescimento econômico e aumento do bem-estar social dos países desenvolvidos, ancorado sobre o modo de produção fordista. Para o controle das relações e conflitos de classe, emergiu no continente europeu o Estado de bem-estar social e, da mesma forma, nos Estados Unidos da América, o keynesianismo saiu vitorioso em resposta às crises cíclicas que levaram à instabilidade econômica anterior à 2ª Guerra Mundial.
Os trinta gloriosos incrementaram o crescimento econômico dos países avançados, com aumentos nas ofertas de emprego e no poder de compra das classes médias e trabalhadoras (Sassoon, 2010). Conforme se efetivava a prosperidade econômica da Europa e dos Estados Unidos, com baixas taxas de desemprego e de mortalidade, os partidos socialistas conseguiram importantes vitórias no Norte Europeu, ou, ainda, fizeram parte de coligações centristas na Europa Ocidental, com progra- mas voltados para o pleno emprego e o fortalecimento da democracia institucional. A possibilidade do alinhamento entre capitalismo, socialismo e democracia parecia alterar o quadro político no sentido de pacificar as relações de classe, o que seria feito a partir da aliança entre crescimento e segurança e pela tentativa de dispersão dos conflitos de classe através do controle salarial por parte do Estado (Offe, 1986).
Do ponto de vista produtivo, ou seja, da relação entre trabalho e capital, os sucessos anteriormente identificados acabariam por revelar as incapacidades do fordismo e do keynesianismo em conter os avanços das contradições internas do capitalismo. No período entre 1965 e 1979, com o aumento da inflação e da recessão económica, foram aplicados vários processos de flexibilização das relações de produção no sentido de se voltar para um mercado mais variado e dinâmico, surtindo efeitos nas relações entre empresas, Estado e trabalhadores, no que concerne à regulação contratual proveniente do período fordista, iniciando o processo de flexibilização das leis trabalhistas (Harvey, 1992; Druck, 2011).
Em termos da lógica sistêmica do capitalismo, essas mesmas transformações políticas e econômicas foram sentidas em outros espaços do globo, mesmo que sob condições políticas distintas. O caso dos regimes ditatoriais do sul da Europa – Portugal, Espanha e Grécia – revela que os interesses imperialistas, com avanços da hegemonia mundial norte-americana, as modificações nas classes dominantes (industrialização, dependência ao capital estrangeiro dos processos de modernização, frag- mentações das burguesias nacionais, etc.) e as redefinições das classes trabalhadoras e populares, eram fatores fundamentais para se perceber como estavam sendo operadas as transformações capitalistas na “periferia” da Europa (Poulantzas, 1976).
Por outro lado, nos países do “Sul global”, como na América Latina, o Estado Social não foi sinônimo de eficiência como nos países do “Norte global”, por conta do desenvolvimentismo atrelado ao capital estrangeiro, assegurado por um modelo de organização do trabalho com moldes do fordismo periférico (Braga, 2012), cuja vanguarda do processo de modernização era uma burguesia nacional enfraquecida, entreguista e débil (Domingues, 2007). Todavia, no modelo desenvolvimentista implementado, em especial no Brasil, a industrialização fundamentava-se pela substituição de importações e pela ampliação da capacidade do Estado, dada pelo pacto populista, em diversificar a estrutura econômica para conter as disparidades geradas pelo subdesenvolvimento (Oliveira, 2003). Com a instauração das ditaduras militares, a partir da década de 1960, o pacto populista de crescimento do bem-estar das classes médias e trabalhadoras foi rompido, consolidando uma perspectiva econômica de associação do capital estrangeiro, financeiro e industrial, com o capital nacional industrial, já que o projeto de modernização não poderia ser levado a cabo somente pelas frações nacionais da burguesia em sociedades de economia dependente e periférica (Cardoso e Faletto, 1979).
Com a crise do petróleo da década de 1970, as forças políticas dominantes colocaram em prática pressupostos econômico-políticos de redução do poder dos Estados perante o alargamento das relações de mercado. As políticas de Margareth Tatcher, no Reino Unido, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, enfatizaram o There ́s no Alternative, ou seja, se posicionaram favoravelmente às garantias do mercado e da governabilidade neoliberal, em detrimento das políticas em defesa da classe trabalhadora e das ideologias de transformação social (Santos, 2006). A partir desse período, os processos geopolíticos de escala global ganharam maior ênfase, bem como a eliminação de fronteiras culturais, econômicas, políticas e sociais. Com a emergência de um sistema financeiro global dominado por instituições como o FMI, Banco Mundial e OMC, efetivaram-se políticas de Estado mínimo, de privatizações de empresas estatais, resultando em uma situação de aparente fim das desigualdades sociais.
Em relação ao mundo do trabalho, a agenda econômica neoliberal contou com o apoio das políticas do Estado para efetivar desregulamentações do trabalho, dos direitos sociais e trabalhistas conquistados nas décadas de 1960/1970, desequilibrando as relações laborais com déficits produtivos apresentados como ganhos financeiros (Chesnais, 1996). Por isso, diversas reformas estruturais do trabalho e da economia foram significativas para a configuração de uma nova divisão internacional do trabalho (Pochmann, 2001). Disso são exemplos: o desenvolvimento tecnológico a partir das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC's) e da robótica; o enfraquecimento da gestão e a redução da regulação e do controle econômico dos Estado-Nações sobre o capital industrial com vias a implementar processos de privatizações e de terceirização da produção, ou seja, as reformas estruturais no sentido de liberalização dos mercados; o aumento do aparato repressivo do Estado para a resolução de conflitos sociais internos; a crise do modelo fordista-taylorista; a exclusão urbana e rural; e o aumento das desigualdades sociais. A mistura desses fatores abalou efetivamente as “sociedades salariais”, cujos componentes ativos, a “precariedade do emprego” e a “precariedade do trabalho”, fragilizam as relações sociais e de trabalho (Castel, 1995; Paugam, 2000). Por isso, se tais transformações forem entendidas como um “novo espírito do capitalismo”, estão demarcadas tanto a hegemonia de transformações ideológicas pautadas na gestão produtiva de resultados, como nas formas de solidariedade social estabelecidas entre as classes trabalhadoras (Boltanski e Chiapello, 2001).
As transformações históricas do trabalho e do mercado capitalista aqui apresentadas relacionam diretamente as capacidades de promoção de crescimento e crises econômicas cíclicas, bem como os efeitos sobre o mundo do trabalho. A crise da financeirização do capital, iniciada em 2008, colocou em dúvidas o apogeu do capitalismo neoliberal e demarcou um momento de incerteza nos mercados mundiais. A partir da retração da economia norte-americana encontram-se efeitos nas economias da Europa, onde os países do Sul (Portugal, Espanha e Grécia) estiveram na lista dos mais afetados. A financeirização do capital, atualmente, envolve bancos, industrias e firmas comerciais que agem independentemente umas das outras, bem como uma ampla gama de atores econômicos nos mercados financeiros (Callinicos, 2012). Isso envolve diretamente a condição do trabalho na atualidade, implicando no recrudescimento do equilíbrio de forças e de respostas das classes de trabalhadores precários perante a crise. Com isso, abriu-se também um novo ciclo de protestos, que incentivaram o debate público e político, conduzido por inquietações de jovens que não conseguem emprego, ou pelas camadas mais velhas da população, que se encontram no limiar da permanência e ou da saída do mercado de trabalho. Porém, essas duas dimensões se articulam com as inquietações de classe, referentes ao mundo do trabalho e da condição de precariedade, por saberem que as medidas de austeridade reduzem salários, aumenta o desemprego, cria situações de fragilidade salarial, de cisões de classe e de exclusão social.
2. Para uma sociologia do trabalho
Tendo em vista as transformações sociolaborais apresentadas anteriormente, é possível questionar como a sociologia do trabalho tem entendido tais fenômenos e perspectivar a atual centralidade do mundo do trabalho. É aqui que muitas das linhas abissais se encontram, separando alguns processos e invisibilizando outros. Nesse sentido, ao tratarmos a perspectiva da pluralidade epistemológica, entende-se que na própria construção sociológica do trabalho estão ausentes algumas reflexões: as significações do trabalho e as reflexões epistemológicas ocidentais.
As primeiras noções de trabalho que se tem em conta, na história das sociedades ocidentais, são aquelas provenientes da tradição judaico-cristã ocidental. Nos textos canônicos do Antigo Testamento, por exemplo, o trabalho era considerado uma espécie de sofrimento humano (tripalium ), embora a redenção de valores e de conquista da dignidade em oposição às maldições e punições do mundo profano permitissem considerar a dimensão criativa e de realização do homem (laborare). A fusão entre o sofrimento e a criatividade estava relacionado à labuta em si (Mendes, 2008) e, por isso, a transposição do trabalho bíblico para a realidade social, posta em prática pela Igreja Católica no período da Idade Média, atribuiu a concepção de punição sobre a recusa ao labor. Com as relações de vassalagem, o direito à vida na Terra para grande parcela das camadas sociais dominadas só era realizável através do trabalho. Apenas os grupos sociais superiores na ordem estamental poderiam se livrar do castigo divino, sendo dispensados pela vontade de Deus de “ganhar o pão com o suor do seu rosto”, estabelecendo uma divisão do trabalho na comunidade.
Com o advento da Revolução Francesa e do pensamento científico, o conhecimento sobre o trabalho veio a perder a sua forma moral-religiosa no contexto do surgimento da república moderna. O pensamento de Joseph Dietzger, embora apresentasse uma inclinação ao socialismo/social-democracia, entendia que o trabalho teria um sentido messiânico para o mundo moderno, demarcando um profundo idealismo quanto à teleologia do trabalho (Dietzger, 2004). Compartilhando do mesmo espírito da época, Émile Durkheim considerava que o trabalho se fundamentava a partir de sua divisão social, ou seja, sua especialização de tarefas, considerada como responsável pela criação do sentimento de solidariedade nas sociedades orgânicas (modernas) e que garantiria a coesão social e moral (Durkheim, 1995).
Procurando romper com a apologia do progresso do idealismo e levando em conta os princípios da economia política inglesa, Marx (2004) formulou a noção de trabalho (social) como fundamento ontológico da atividade humana. Nela, Marx investigou a relação do homem com a natureza, a produção e a reprodução, dos próprios homens e de seus produtos, entendendo que, através do trabalho o homem se tornaria consciente de sua relação com a natureza, evidenciando a dialética desse processo. Através de sua atividade, os homens tornam-se universalmente idênticos enquanto “ser”, cuja atividade, qualquer que seja e em qualquer âmbito, seria o trabalho alienado (Entaüsserung), uma externalização positivada do ser na coisa e ineliminável, porque cria o próprio homem e os prospetos de sua sociabilidade, o que lhe garante exercer sua liberdade e manter-se livre. No mesmo ato de criação, o trabalho se apresenta em sua negatividade, ou seja, a dimensão de que o homem cria algo hostil a si mesmo (Entfremdung), e que esse produto não irá pertencer àquele que o criou; e, por consequência, irá ser representada através das formas históricas de produção e reprodução. Por ser ontológico, o trabalho está na generalidade dos seres humanos, e se encontra ancorado na natureza orgânica, o que permite o nascimento do ser social, sendo assim, um ato consciente que dispõe de um meio e um fim para se concret- izar. Esse seria, por sua vez, o processo fundante para o capitalismo, conforme este se centra na noção de produção (Marx, 2013). Nesse sentido, atribui-se uma noção de homem concreto e material - diferentemente do homem abstrato do cristianismo (Marx, 2010) como base ideológica de legitimação para a exploração dos homens pelos homens.
O trabalho no Século XIX era generalizadamente desregulamentado, o que pode ser percebido no exemplo da utilização de mão de obra infantil que variava de 15 a 18 horas de trabalho diário, em países como a Inglaterra e a França. Na passagem do século XIX para o XX, a Igreja Católica ainda realizou intervenções morais e ideológicas no mundo do trabalho. A encíclica do Papa Leão XIII foi fonte de inspiração das novas legislações trabalhistas dos Estados nacionais contemporâneos. O Papa Pio XII contribuiu para o aparecimento e desenvolvimento de um novo direito do trabalho, voltado para as novas matrizes doutrinárias do corporativismo sindical contemporâneo (Mendes, 2008; Santos, 2013). A palavra trabalho servia, portanto, para caracterizar as relações laborais que envolviam aqueles que exerciam o trabalho por jornadas, ou os artesãos que trocavam os seus produtos criados por si próprios com outros comerciantes.
Aos finais do Século XIX, a sociologia de Max Weber desvendou a composição valorativa do trabalho. Presente na composição do capitalismo moderno e na formação de seu “espírito”, que teria uma concepção semelhante àquela partilhada pelo protestantismo ascético, o trabalho estaria esboçado na noção de vocação (Beruf), ou seja, na ação orientada pela visão de mundo de ascese mundana e de racionalidade do trabalho. Para Weber (2003: 78-79), “a racionalidade é a base do cálculo rigoroso é uma das características fundamentais da empresa capitalista individual, precavida e orientada para o resultado esperado”. A empresa capitalista racional se contraporia às atividades de camponeses, de artesões, das corporações de oficio, e, dos capitalistas ditos “aventureiros”, abarcada numa relação de meios, fins e calculabilidade. Weber observou também que, mesmo com a substituição da conduta irracional sobre os negócios, efetivou-se uma postura encapsuladora e aprisionadora dos valores simbólicos e visões de mundo da Modernidade, a chamada “jaula de ferro” ( stahlhartes Gehäuse).
Por isso, o desenvolvimento do capitalismo depende das disposições e trans- formações do trabalho que englobam os modos de pensamento e as práticas anteriores – como por exemplo a relação ético-religiosa do trabalho da Antiguidade e Idade Média. Perante uma nova complexidade, guiada pelo surgimento de necessidades e desafios técnico-produtivos e de suas relações sociais, o desenvolvimento do capitalismo se torna ainda mais complexo, pois não apenas dizem respeito aos desafios do presente para a produção capitalista (mão de obra, maquinas, saber-fazer, etc.), mas também incluem os valores inculcados nos momentos passados e suas práticas no quotidiano da produção e da reprodução da vida social. A abordagem histórica, portanto, consistiu um método chave da sociologia do trabalho, conforme encadeia os processos de realização da produção ao longo do tempo e do espaço, os quais podem ser decompostos em suas singularidades para fins analíticos. No entanto, caso essas singularidades sejam tomadas em separado elas podem se conflituar com a dinâmica histórico-social das relações de produção, retirando as coesões fundamentais existentes, pois não sendo tais relações autônomas em relação ao trabalho, elas transformam e são transformadas por ele.
A partir das considerações sobre a teologia e a sociologia clássica, pode-se afirmar que há uma pluralidade de sentidos atribuídos ao trabalho: sacrifício, privacidade, progresso, objetividade, estranhamento, racionalização e emancipação. Elas constituem visões antagônicas, mas conciliáveis somente na práxis do trabalho. Por sua vez, a sociedade capitalista deixou tais visões ausentes por considerando o trabalho apenas como trabalho assalariado. Portanto, uma das primeiras conclusões é de que a sociologia do trabalho deve perceber e desvelar as relações que perpassam o trabalho assalariado, definindo as relações estruturais, valorativas e simbólicas, que relacionam diretamente as classes sociais e as respectivas estratificações.
Aqui reside a diferença entre trabalho e emprego. Se a atividade fundante, o trabalho, representa a existência, logo, o emprego é sua dinâmica de sociabilização, ou seja, “é pelo trabalho remunerado mais, particularmente, pelo trabalho assalariado que pertencemos à esfera pública” (Gorz, 2003: 27). O emprego se tornou a forma que o capitalismo assalariou o trabalho, um fenómeno intrínseco desse modo de desenvolvimento societal e, por isso, a organização do trabalho na sociedade capitalista está em relação direta com a historicidade dos modos de produção.
A uniformização dos trabalhadores aos moldes ditados pela empresa no sistema taylorista agregou a cientificidade aos meios de produção, relacionando o tempo e os movimentos dos trabalhadores para buscar uma definição de tempo-padrão do processo produtivo na garantia de precisão. Por sua vez, também marcou a intensificação dos ritmos do trabalho, pela supervisão e gerência. Em seu auge, na indústria automobilística, o fordismo aprimorou o modelo de produção em massa, o parcelamento das tarefas de execução na linha de montagem, a padronização e o controle do processo produtivo através de controle do tempo e dos movimentos do trabalhador (Gounet, 1999; Antunes, 2008). Assim, viabilizava-se a expansão do capital e também inaugurava uma sociedade de consumo da qual o salário é fundamental para tal, embora haja uma submissão do trabalhador ao controle, a domesticação e a padronização da vida pública e privada dos trabalhadores.
O modelo “toyotista” ou “pós-fordista-taylorista”, iniciado na década de 1950 no Japão, conferiu maior capacidade de transferir riqueza do trabalho para o capital. Essa nova forma de organização do trabalho, ganhou espaço nas empresas ocidentais a partir da década de 1970, quando surgiu o modelo da “empresa flexível”, fundamentada no ideário do lean production. Pautado na polivalência do trabalhador
submetido ao maquinário tecnocientífico, com uma produção cada vez mais intensa, o toyotismo propôs a ruptura com a territorialização produtiva, transformando as noções de espaço e tempo (Kovács, 2002: 21). Seu auge se deu com a produção de novas tecnologias e de microeletrônica, assentados na automação da produção e na implementação de um modelo de maior sujeição e controle do trabalhador, associada com a flexibilização dos postos de trabalho (Rifikin,1995; Standing, 2009; Estanque e Costa, 2012).
Em termos ideológicos, as políticas de produção, ou seja, “as lutas travadas dentro da arena de produção sobre as relações na e da produção e regulamentadas por aparelhos de produção” (Burawoy, 1990: 254), caminharam, a partir do toyotismo, a implementar um novo processo de reestruturação das empresas com novas relações laborais. A intensificação do desemprego estrutural em detrimento do aperfeiçoamento e qualificação da mão-de-obra; a flexibilização das legislações trabalhistas por meio da adoção de novos critérios de admissão e demissão; a introdução de novas noções de tempos de trabalho, como os bancos de horas e, principalmente, uma nova condição salarial mais flexível, identificam, sobremaneira, tais conflitos. O que demarca o modo de ser do trabalho na atualidade, ou seja, sua morfologia, pauta-se na crescente degradação do mundo do trabalho e, a partir do espaço da produção, o capital amplia o controle e a flexibilização das relações laborais, consoante à multinacionalização de empresas e financeirização dos lucros.
Embora essas alterações sejam suficientes para afirmar a hegemonia da so- ciedade do trabalho que sustenta o capitalismo global, é notável que as formas de conhecimento também são englobadas nas relações sociais produtivas. A inversão entre os tempos de trabalho e dos tempos livres (ociosos) tornaram-se uma variante permanente do capital na sua fase pós-industrial, o trabalho imaterial (Gorz, 2005). A imbricação entre o trabalho material e o trabalho imaterial, com a expansão das formas de trabalho intelectualizadas e qualificadas e com a expansão das TIC´s, conduziu a mudanças em torno das classes sociais, permitindo a formação de um novo precariado pós-industrial (Braga, 2014).
A breve observação das transformações dos modos de produção permite, portanto, um questionamento epistemológico o qual a sociologia do trabalho deve se deparar. Enquanto um ramo da sociologia, seu objeto vive uma constante afirmação e negação. Isso não é um argumento que, por si só, assegura um campo científico para a sociologia do trabalho, mas a faz em seus meandros. Apesar desse cenário caótico no mundo do trabalho, a categoria trabalho ainda prevalece possuidora de centralidade, pelo menos no que se refere à vida social dos trabalhadores e da transferência de riqueza do trabalho para o capital. A centralidade do trabalho está intimamente relacionada com o seu assalariamento, mas também, com sua capacidade integradora dos indivíduos em sociedade, por isso, o trabalho transformou-se numa fonte fulcral de cidadania social, econômica e de identidades sociais, individuais e coletivas (Toni, 2003).
Além disso, um último aspecto a ser tratado na construção de uma sociologia do trabalho, diz respeito aos métodos de observação empíricos, que analisam o mundo o trabalho e suas imbricações: gestão e organização do trabalho, características das empresas, perfil dos trabalhadores e dos empresários, as relações industriais e laborais, do sindicalismo e dos sindicatos, das lutas de classes e das negociações coletivas (Freire, 2001). Não havendo nenhum exclusivismo metodológico e conceitual nesse âmbito, pode-se afirmar que “a sociologia do trabalho deve ser considerada, na sua mais vasta extensão, como o estudo, nos diversos aspetos, de todas as coletividades graças ao trabalho” (Friedmann e Naville, 1973: 37). Assim, com base em estudos e pesquisas recentes nessa área, pode-se afirmar que há aspectos que se destacam na análise do trabalho atual e, nesse sentido, destaca-se a precariedade do trabalho e a formação do precariado, enquanto classe social. Longe de buscar uma definição para esse problema, pretende-se apenas nortear alguns pontos analíticos.
Com a crise da relação salarial fordista, sustentada pela perda da noção de pleno emprego e da sua capacidade de integração, a regulação social e política, do trabalho nomeadamente, no desmantelamento total do Estado de bem-estar social e, portanto, também cria um campo de inter-relação com questões políticas. Os novos fatores estruturantes do mercado de trabalho e a instabilidade do “compromisso” político entre capital e trabalho formaram um cenário propício a uma transição desigual do industrialismo, para uma sociedade informacional, o que resulta em mais um campo de análise sociológica em aberto. Tomando a importância do conceito de “sociedade da informação” (Castells, 2003) é possível perceber notórias fragmentações e amplificação de fatores de alienação no processo produtivo. As mais diversas estratégias governamentais, empresariais e sindicais apontam para as TIC´s como vitais para a execução de tarefas com vias para a globalização dos mercados de trabalho, modificando drasticamente as formas de emprego e aprofundando a individualização das relações laborais (Huws, 2009; Marques e Santos, 2006).
Pela reestruturação produtiva do sistema capitalista, efetivou-se a “dessubstancialização do ser genérico do homem por sua dessocialização do trabalho” (Alves, 2011: 25). Isso significa que houve um agravamento do “fenômeno do estranhamento” na atividade do trabalho, demonstrado no aprofundamento dos níveis organização e gestão do trabalho pelas empresas, à “captura” da subjetividade da força de trabalho, dada pelos mecanismos de controle organizacional e ideológico. A transformação da força de trabalho em mercadoria aperfeiçoou-se e, a precarização da vida dos trabalhadores, devido à fragmentação do mundo do trabalho no cerne das suas funções produtivas sobre a lógica da polivalência (capacidades profissionais dos trabalhadores, mas não só), contracenou-se com a redução do tempo dos contratos de trabalho, gerando vínculos sociolaborais frágeis. Novas formas de controle dos trabalhadores também se desenharam, através da lógica de recursos humanos do trabalho administrativo. A maior especialização na execução das atividades, a estratificação de graus e níveis hierarquizados, bem como a segmentação horizontal e coordenação de tarefas são algumas das características que podem suscitar a competição e o clientelismo no interior das empresas (Freire, 2001: 131).Nesse marco, a expansão desse modelo aos dias atuais, faz com que, em grande medida, os trabalhadores estejam colocados entre a precarização e a flexibilização no Século XXI (Kovács, 2005; Estanque e Costa, 2012).
Por sua vez, os impactos da reestruturação produtiva, por meio das multinacionais, subverteram o funcionamento das empresas nacionais ocasionando um aumento exponencial do desemprego e nos processos de crescente assimetrias sociais e de fragmentação dos mercados de trabalho (Estanque e Costa, 2012). A pressão exercida pelos mercados sobre o Estado nacionais, no sentido da aprovação leis que flexibilizem o conjunto das relações laborais, possuem particular incidência nos vínculos contratuais, nos rendimentos e nas próprias condições de trabalho.
Porventura, os Estados nacionais e os mercados de trabalho afirmam que os trabalhadores são livres e independentes para venderem sua força de trabalho para qualquer empresa. Contraditoriamente, os trabalhadores são privados da chamada liberdade de escolha, construída no campo ideológico e teórico do liberalismo (laissez-faire). Assim, é relevante compreender essa liberdade como um mecanismo de vinculação do sujeito à dimensão individual, de modo a que a individualidade possa atingir o aspeto coletivo do ser social. Este explica ainda que aniquilar as privações dos indivíduos significa investir no desenvolvimento das coletividades visando o bem comum. Para isso, é necessário que sejam dadas as oportunidades e condições de liberdade de escolha, acedendo-se, assim, a direitos de cidadania no sentido lato sensu desse termo.
Portanto, há nesse momento um debate acadêmico acerca das novas características socioeconômicas do chamado “precariado” (Standing, 2011). A supremacia da política da redução dos custos de trabalho como solução para a crise de acumulação, conjugada com o aumento da produção, foi fundamental para que as empresas aprofundassem o processo massivo de transferência de capitais para outros locais onde o preço da produção fosse inferior das sedes originárias. A flexibilidade laboral tornou-se prática comum, as assimetrias sociais acentuaram-se e a estrutura de classes sociais do industrialismo, foi substituído por algo mais complexo e não menos subdividido que no passado. Standing (2011) afirmou que a nova classe perigosa para a hegemonia do sistema capitalista, o precariado, é o “filho da globalização neoliberal”, portanto estes novos trabalhadores não pertencem à classe trabalhadora clássica do fordismo. Ao contrário, os trabalhadores precários não possuem certezas quanto ao presente e futuro, nem quanto à estabilidade dos seus postos de trabalho. Por outro lado, o precariado não pertence necessariamente a segmentos das classes médias, visto que os seus salários não são estáveis, não há uma diversificação dos consumos por esse segmento, o que permite classificar esta “classe em construção”.
Considerações finais
No presente artigo foram recuperadas algumas contribuições sociológicas do mundo do trabalho, articuladas com o desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista. Nesse processo evidenciou-se dois pontos: primeiramente, os processos macrosociais, ou seja, os processos pelos quais o capitalismo subordinou o trabalho; e em seguida, os processos microsociais, pelos quais a lógica do trabalho é incorporada na subjetividade. Procurou-se constituir os processos de fragmentação, de precarização e da flexibilização do mundo do trabalho dentro de uma perspetiva epistemológica plural, que possibilitasse a incorporação de vários problemas, a princípio, contrapostos.
Assim, argumenta-se que a continuidade das políticas de flexibilização das relações de laborais tende a expandir determinadas práticas de precariedade do trabalho: os contratos de trabalho por tempo determinado, contrato de trabalho por tempo parcial (part-time), os programas de privatizações em massa companhias estatais, pulverização de empresas de trabalho temporário, afetando ainda mais a subjetividade dos trabalhadores, em termos de sua saúde física e mental, bem como de fragilidade dos laços de integração social.
Nas empresas de vários segmentos da economia, os aspectos de um taylorismo avançado (neotaylorismo) resultante da adaptação do modelo original da ad- ministração taylorista por via da introdução das TIC´s, bem como pela manutenção de alguns aspectos do fordismo são notáveis nos mercados de trabalho. A terceirização das empresas, o aumento do desemprego conjuntural e estrutural, a constante precarização dos vínculos laborais, são indicadores negativos das novas formas das relações laborais que causam impactos na vida profissional e pessoal dos trabalhadores. Por outro lado, nunca os mercados de trabalho preconizaram tanto as qualificações educacionais e técnicas da força de trabalho. O toyotismo diminuiu a distância entre os processos a criação e a execução das atividades laborais na busca de um maior envolvimento dos trabalhadores no processo produtivo (intensificação), diferentemente do fordismo - que se apossou do savoir-faire dos trabalhadores enviando-o para a gerência científica.
Com isto, busca-se mobilizar a capacidade criativa dos trabalhadores visando a sua apropriação, por meio do envolvimento cada vez mais forte e intenso da subjetividade da classe que vive do trabalho. As reformas trabalhistas em curso vêm resultando na precariedade laboral generalizada. Os trabalhadores possuem menor proteção social, menos direitos laborais e amplos segmentos das populações estão segregadas a condição de miséria social. Corroborando com Charles Tilly (2000), o mundo contemporâneo encontra-se hegemonicamente desigual e proletarizado, pois os direitos e garantias trabalhistas estão sendo subvertidos em larga escala.
Por fim, o trabalho é uma atividade central nas sociedades contemporâneas, mesmo elas tendo a faceta da informatização como mais evidente. Porém, é cada vez mais contraditório a taxação de todo trabalho como um valor estipulado pelo mercado (salvo algumas atividades de economia solidária, artesanais, artísticas independentes e de setores do funcionalismo público). Com as novas peças e engrenagens embutidas pelo capital, transformou-se consideravelmente a reificação laboral dos trabalhadores nos mercados de trabalho, principalmente pela exigência de qualificações profissionais e também pela falta de oportunidades. As redes de sociabilidades fragilizaram a vida privada desses trabalhadores, em especial, àqueles que estão desempregados por muito tempo, ou que trocam de trabalho frequentemente devido à volatilidade e a rotatividade dos trabalhadores nos postos de trabalho. A regra, gerada pela introdução de novas tecnologias, tem sido a da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. Assim, o neoliberalismo significa a mudança de sistemas democráticos que outrora eram baseados no papel político, econômico e social do Estado pela imposição economicista dos mercados financeirizados e a subjugação do trabalho. Porém, com um aparelho produtivo de maior complexidade, desvinculando as assimetrias entre o capital produtivo e o capital especulativo. Esse ponto demarca, finalmente, os desafios para a construção de uma Sociologia do Trabalho no Século XXI.
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Endereço de correspondência Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande, Campus Carreiros, Av. Itália, KM 8, CEP: 96.201-900, Brasil.
Artigo recebido em 13 de outubro de 2016. Aprovado para publicação em 22 de dezembro de 2017.