SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.40Trabalho com significado e sentido de vida: um estudo com líderes empresariaisFormação doutoral em Serviço Social. Contributos para a construção de ciência a partir da análise socio-histórica no caso de Portugal e dos Estados Unidos da América índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.40  Porto dez. 2020  Epub 06-Mar-2022

https://doi.org/10.21747/08723419/soc40a4 

Artigos originais

Convocações ecológicas: 1 o meio ambiente nas campanhas presidenciais brasileiras

Ecological convocations: the environment in Brazilian presidential campaigns

Convocations écologiques: l'environnement dans les campagnes présidentielles brésiliennes

Convocaciones ecológicas: el medio ambiente en las campañas presidenciales brasileñas

Filipe Aquino1 

1Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Maranhão


RESUMO

Este artigo analisa, do ponto de vista sociológico e semiótico, as construções discursivas dos três principais presidenciáveis brasileiros, nas eleições de 2010 e 2014, de forma a entender como se construiu o agendamento discursivo de cada um, isto é, suas escolhas de temas e figuras que moldaram suas personas políticas. Buscou-se examinar sobretudo a abordagem acerca do meio ambiente para compreender a ideia de desenvolvimento econômico comunicado no Horário Eleitoral Gratuito brasileiro. Evidenciou-se, por meio de diferentes operações discursivas, o baixo interesse pelas questões ecológicas e pelo desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: política; meio ambiente; eleição; Brasil

ABSTRACT

This article analyzes, from a sociological and semiotic point of view, the discursive constructions of the three most voted Brazilian presidential candidates, in the 2010 and 2014 elections, to understand how each discursive agenda was constructed and their choice of themes and figures who built their political personas. This investigation examined all the approaches about the environment understanding the idea of economic development communicated in the Brazilian Electoral Propagandas. It became evident with the different discursive operations that there is a low interest in ecological issues and sustainable development.

Keywords: politics; environment; election; Brazil

RESUMÉ

Cet article analyse, d'un point de vue sociologique et sémiotique, les constructions discursives des trois principaux candidats à la présidentielle brésilienne, aux élections de 2010 et 2014, afin de chercher à comprendre comment s'est construit chaque agenda discursif, c'est-à-dire leur choix de thèmes et des personnalités qui ont construit leurs personnalités politiques. Nous avons cherché avant tout à examiner l'approche de l'environnement, afin de comprendre l'idée de développement économique communiquée dans le calendrier électoral brésilien. Il a été mis en évidence, à travers différentes opérations discursives, le faible intérêt pour les questions écologiques et le développement durable.

Mots-clés: politique; environnement; élection; Brésil

RESUMEN

Este artículo analiza, desde un punto de vista sociológico y semiótico, las construcciones discursivas de los tres principales candidatos presidenciales brasileños, en las elecciones de 2010 y 2014, para tratar de comprender cómo se construyó cada agenda discursiva, es decir, sus elecciones temáticas. y figuras que construyeron sus personajes políticos. Buscamos examinar sobre todo el enfoque sobre el medio ambiente, para comprender la idea de desarrollo económico comunicada en el Calendario Electoral Brasileño. Se evidenció, a través de diferentes operaciones discursivas, el escaso interés por los temas ecológicos y el desarrollo sostenible.

Palabras clave: política; medio ambiente; elecciones; Brasil

Introdução

Em 2020, incêndios de grandes proporções marcaram a paisagem de diferentes países, como Austrália, Estados Unidos e Brasil que, neste momento, apresenta recordes de desmatamento e de perda de biodiversidade animal e vegetal em diferentes biomas. O meio ambiente figura, pois, como assunto cada vez mais presente no dia a dia. De forma geral, ignorá -lo parece não ser mais possível. Pelo contrário. Para o atual governo Bolsonaro, a tônica2 é instrumentalizá-lo a serviço do agronegócio e da especulação imobiliária. Este artigo propõe situar os regimes de visibilidade do meio ambiente na comunicação político-eleitoral brasileira, tema que ganhou relevo diferenciado com a expressiva votação obtida por Marina Silva, ex-Ministra do Meio Ambiente do governo Lula, em 2010. Tal operação analítica se dá a partir de dois alicerces metodológicos essenciais: o primeiro é a semiótica descritiva, isto é, a semiótica que analisa textos verbais e visuais (Oliveira, 2004; Barros, 1994; Pietroforte, 2004, 2007; Prado, 2011). Para tanto, faz-se uso das categorias cromática, eidética e topológica, além do texto verbal em si. O segundo é a sociologia do desenvolvimento e do meio ambiente, especialmente a partir dos estudos do catalão Joan Martinez-Alier (2009). Assim, analisou-se cada vídeo a partir das manifestações presentes nas categorias do culto ao silvestre3, do evangelho da ecoeficiência4 e do ecologismo dos pobres5. Em 2010, Marina Silva, então Senadora da República, candidata pelo Partido Verde (PV), apresentou as questões ambientais como centrais em seu agendamento temático e na formação discursiva de sua persona pública. Outrossim, fez ascender alguns questionamentos. Como se dariam os agendamentos temáticos e figurativos nos discursos eleitorais presidenciais brasileiros? Quais seriam os principais objetivos? Direcionariam esforços comunicacionais para os partidos políticos ou se centrariam em posições ideológicas? Ou, mais: fixar-se-iam nas figuras dos candidatos e suas pretensas competências e qualidades pessoais, fortalecendo o processo de personalização e individualização da política? Seria o interesse pelo meio ambiente o zeitgeist do século XXI? Com tais indagações, investigou-se as tessituras discursivas dos três principais candidatos a presidente do Brasil6 - os mais votados, a saber, Dilma Rousseff (PT)7, José Serra (PSDB)8 e Marina Silva (PV)9, em 2010; e Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB)10 e Marina Silva (PSB)11, em 2014 -, buscando enunciações sobre a temática socioambiental e, em especial, a ambiental. Destarte, buscou-se verificar, por meio da semiótica descritiva, exposições que, de alguma forma, agendaram ou fizeram referência ao meio ambiente por meio de convocações verbais, visuais, cromáticas e/ou topológicas. Esse recorte temporal, de um lado, toma como ponto de partida a ascensão marinista em 2010 e, de outro, fecha-se com o último governo do Partido dos Trabalhadores. Tal recorte reconhece ainda o espaço ímpar que é o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e, nesse sentido, a importância da televisão e da explosão semiótica, que tem sido mais intensa e estratégica a cada disputa eleitoral. Investigar campanhas políticas é averiguar o poder e apurar as composições semióticas que alocam na política a capacidade transformadora da sociedade, a força modeladora das relações sociais individuais e coletivas. Ao mesmo tempo, é debater questões do campo político, como a construção sociocomunicativa de candidatos em busca do voto, o (des)encanto político, as estruturas narrativas na construção de figuras públicas, as produções simbólicas e suas intervenções no Estado, na luta política e seus reflexos nos tecidos sociais. Ao examinar o agendamento das questões ambientais na comunicação televisiva eleitoral presidencial brasileira, considerando os contratos de comunicação (Charaudeau, 2015), suas enunciações e seus regimes de visibilidade e enquadramentos, analisou-se todos os vídeos televisivo-eleitorais produzidos para os horários eleitorais gratuitos de 2010 e de 2014, totalizando 656 vídeos12 a compor o corpus. O somatório dos programas analisados totalizou 39 horas e 25 minutos. A respeito da temática ambiental, entende-se que seu enfoque é fruto de uma nova prática discursiva oriunda de transformações sociais, econômicas e culturais. Esse novo apelo discursivo é, também, um “apelo mercadológico” (ser socioambientalmente responsável como um diferencial competitivo) e se mostrou como ferramenta de ampliação do campo de promessas e atuações políticas. As articulações que agendam as questões ambientais surgem como armas em um novo campo de disputas e relações de poder (Fairclough, 2010). Com efeito, compreender a construção discursiva das questões ambientais na política tem importância fundamental para os tempos atuais, pois o interesse e o compromisso com a temática socioambiental surgem como novos parâmetros de escolhas, como novos insumos discursivos na arena de disputa por vez, voz e votos. Os contratos comunicacionais estabelecidos no corpus indicam que o agendamento das questões ambientais surgiu a partir de diferentes figuras e em meio a outros temas ao longo das campanhas, além de variar em frequência e intensidade entre um pleito eleitoral (2010) e outro (2014). Convém ressaltar ainda as tessituras estéticas desses contratos, uma vez que a publicidade brasileira figura há décadas entre as mais premiadas nos principais festivais mundiais de comunicação13. Dessa forma, investigar as campanhas publicitárias dos presidenciáveis brasileiros é investigar um objeto de alta qualidade técnica e de alcance global. Entendendo a eleição como um princípio legitimador do comando político de um país democrático e como um instrumento regulador da vida social e política, buscou-se quais efeitos de sentido foram produzidos a partir das imagens em movimento, como se deu a produção simbólica de temas e figuras, as articulações sociodiscursivas e a seleção das preferências políticas e ideológicas, analisando que posições socionarrativas foram eleitas pelos presidenciáveis em seus agendamentos discursivos, em particular nas mensagens que exibiram a presença ou fortaleceram a ausência do meio ambiente.

A construção da persuasão: o político, um produto?

O corpus deste artigo foi produzido exclusivamente pelas equipes de cada presidenciável, ou seja, é um material oficial, autorizado e chancelado por especialistas, sendo a mensagem que cada equipe desejou tornar pública. Então, o que e como é dito deve ser visto como estratégico na composição das personagens dos presidenciáveis. É sabido que a linguagem não é somente um meio de comunicação, mas um instrumento de persuasão. A comunicação política objetiva influenciar atitudes e reforçar ou mudar comportamentos políticos. Essa influência se dá por meio da instrumentalização da comunicação. A publicidade eleitoral muitas vezes utiliza técnicas próprias da publicidade comercial, o que acaba por rebaixar os sujeitos políticos a produtos de consumo (Gomes, 2008: 7). Essa instrumentalização tem ocorrido especialmente porque a política, na contemporaneidade, transmutou a esfera pública em esfera pública espetacular e midiática, aproximando a propaganda eleitoral da comercial (Gomes, 2004: 204). A comunicação política está presente em muitos momentos da vida sociopolítica dos cidadãos, em informes políticos no decorrer do ano, vídeos institucionais de administrações públicas, prestações de conta de atividades parlamentares, reportagens nos telejornais, nas transmissões televisivas da TV Câmara e da TV Senado e em pronunciamentos dos atores

políticos, sejam nos plenários, sejam nas comissões legislativas. A comunicação eleitoral, por sua vez, está marcada essencialmente pelo processo das eleições, pela busca do voto e conquista do poder. Ambos os tipos de comunicação sofrem influência do marketing. Esse fenômeno promove a centralidade do candidato como produto. Ou seja, a ênfase muitas vezes se dá na produção de determinadas personas imagéticas, que são trabalhadas por meio de uma miscelânea de técnicas que dão consistência cênica à dramaturgia democrática, a saber, a mídia, a propaganda e as sondagens políticas, que “reforçam a formação das aparências, ligam o destino dos homens de poder tanto à qualidade de sua imagem pública quanto às suas obras. Denuncia-se então a transformação do Estado em “espetáculo”, em teatro da ilusão” (Balandier, 1982: 6). O marketing, sobretudo o pessoal, promoveu uma alteração comportamental no campo político. Tem-se, a partir de uso massivo de determinadas técnicas de comunicação, uma revisão de postura frente às vontades coletivas e ao que o eleitorado quer e espera de um líder político. Pippa Norris (2000) demarcou o quanto as campanhas políticas, os políticos e a forma de mobilizar e persuadir os eleitores se transformaram com o desenvolvimento de novas ferramentas e técnicas de comunicação. A lógica da gestão do marketing político é que, se comprar e vender são escolhas, pode-se imaginar o eleitor a consumir, como num simulacro, um produto como quem escolhe determinado candidato (Magalhães, 1995: 134). Assim, o marketing eleitoral surge como a busca constante pelo melhor desempenho, pelo compromisso com “ações e reações no sentido da construção consciente de uma imagem legítima, crível e alinhada com o perfil político do candidato” (Galindo, 2008: 17). No cenário político contemporâneo, o marketing é o combustível da dramatização política, uma vez que é por meio dele que a lógica do espetáculo se constrói e é apresentado. O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) é um momento diferenciado na conquista das preferências e dos votos dos eleitores. Ao investigar o discurso político na campanha eleitoral, investiga-se, sobretudo, a propaganda política e como os discursos são agendados, isto é, postos na seara pública.

Por discurso, como tentei esclarecer várias vezes, não tenho em mente algo que é essencialmente relativo às áreas da fala e da escrita, mas qualquer conjunto de elementos nas quais as relações desempenham o papel constitutivo. Isso significa que os elementos não preexistem ao complexo relacional, mas se constituem através dele (Laclau, 2013: 116).

O discurso é construído na interligação do campo de ação e do campo da enunciação, ou seja, entre o lugar de trocas simbólicas e o lugar dos mecanismos de encenação da linguagem. A isso se nomeia contrato de comunicação (Charaudeau, 2015). Referir-se ao discurso é se ocupar da fala do discurso político, que “de um lado, circula no espaço público e, de outro, se inscreve em uma cena política” (Charaudeau, 2007: 246). Em sentido semiótico, o contrato de comunicação estabelece sutilmente uma relação de confiança entre enunciador e enunciatário. Sob essa perspectiva, a comunicação depende de um acordo tácito entre ambos, considerando o contexto em que essa comunicação ocorre. Refletindo a partir do cenário político contemporâneo brasileiro, encara-se como premissa fundante a ideia de que, em 2010, a campanha de Marina Silva (PV/PSB) agendou as questões ambientais com acentuada proeminência diante dos demais temas. Nesse sentido, o meio ambiente teria sido questão predileta no agendamento discursivo da candidata, transformando-se no ponto nodal do discurso político-eleitoral marinista. Para Laclau e Mouffe (2004), o ponto nodal representa um discurso privilegiado que articula em torno de si outros discursos. Sob esse prisma, seria a partir da hegemonia do discurso de fundo socioambiental que Marina Silva (PV/PSB) organizaria a sua estratégia discursiva político-eleitoral. Para Howarth e Stravrakakis (2000), as práticas hegemônicas têm como objetivo construir e estabilizar os pontos nodais tanto quanto forem possíveis, formando uma base de ordens sociais concretas, sobretudo porque os projetos hegemônicos pressupõem um campo social atravessado por antagonismos, podendo ser articulados por projetos políticos opostos. Assim, a predileção pela temática ambiental por parte de Marina Silva (PV/PSB) não seria meramente um fato isolado do campo comunicacional, mas uma arma retórica que constrói e costura todo o fazer e viver políticos marinista. Sabemos, por exemplo, que a convocação e a dominação carismática do político é baseada na possibilidade de captura de nosso desejo por um corpo, uma personalidade, um estilo, um ritmo e uma voz, de forma que, para além dos elementos tradicionais que podem ser codificados - econômicos e sociais - estes dados estéticos, porém inconscientes, também fundam uma esperança, e geram uma energia política, sobre e a partir de aspectos imaginados a respeito das qualidades do governante. O que sonhamos do líder, e, principalmente, o seu modo único de nos fazer sonhar - com os complexos pactos de comunicação que a ele se agregam - em conjunto com o que ele pode ou não entregar, faz parte do valor de dominação que ele exerce sobre nós (Ab'saber, 2015: 9). O discurso socioambiental se faz presente no campo comunicacional brasileiro a partir dos anos 1980, quando a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) problematizou a responsabilidade social da propaganda. Nesse momento, o discurso publicitário brasileiro passa a se interessar por apresentar o desejo por uma vida para além dos bens e produtos que o mercado oferecia. Já no início dos anos 1990, o termo “responsabilidade social” ressurgiu devido ao movimento pelas lutas ecológicas, que alcançou destaque na Conferência da Terra - Eco 92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Para Rocha (2010), esse termo surge como reação a uma má vontade difusa dos consumidores para com as forças econômicas que conformam a cidade, o meio ambiente e as relações sociais sob a lógica da mercadoria. Assim, projetos de valorização e preservação do meio ambiente, otimização dos recursos naturais, redução de gases lançados na atmosfera, cuidados com as florestas e uma dita riqueza natural da biodiversidade se uniram aos apoios às manifestações da cultura popular e patrocínios esportivos que dão o tom da comunicação de diversas empresas, dos mais variados setores da economia, como bancos, operadoras de cartão de crédito e montadoras de automóveis. No discurso publicitário brasileiro, a frustração com as promessas de modernização do passado e com o estado do capitalismo atual foi tematizada pelo avesso, nos conceitos de “qualidade de vida” e “responsabilidade social” (Rocha, 2010: 200). A escolha de peças publicitárias político-eleitorais como corpus parte do entendimento de que a vida social e as práticas discursivas estão cada vez mais colonizadas pelo capital e este apresenta a publicidade como sua principal arma retórica na conquista da predileção e do voto do eleitor-telespectador.

A CAMPANHA PRESIDENCIAL BRASILEIRA DE 2010

Desde o início, a campanha televisiva-eleitoral de Marina Silva (PV/PSB) a colocou como próxima ao meio ambiente. Tal proximidade foi cortejada discursivamente em diversos momentos, pois os estrategistas marinistas não perderam a oportunidade de agendar textual e visual-cromaticamente as questões ambientais. Tanto a candidata, quanto seus apoiadores, anônimos ou artistas famosos, verbalizaram, em inúmeras oportunidades, o interesse pelas questões que envolviam o meio ambiente. Nesse sentido, a saliência da temática ambiental foi acentuada na campanha marinista. A partir do agendamento de vasto repertório figurativo, Marina Silva (PV/PSB) buscou imagens eufóricas, como a da natureza intocada, a beleza da fauna em extinção, o sobrevoou de florestas, rios límpidos, navegáveis, sem poluição e, em outros momentos, figuras disfóricas como a fumaça a sair de fábricas e de processos industriais, áreas desmatadas como fruto da devastação ilegal. Foi estratégico para a campanha marinista enfatizar a história de vida da candidata e suas preocupações ambientais, que seriam originais, diferentes das práticas corriqueiras da política brasileira. O esforço em colocar o desenvolvimento sustentável como tônica surgiu como um dos elementos retóricos mais utilizados na composição da persona marinista. O agendamento do meio ambiente por meio da figura de árvores foi renitente, com a cor verde se fazendo estrategicamente hegemônica a cada depoimento: esteve nas roupas de Marina Silva (PV/PSB) e de seus apoiadores, em bandeiras de correligionários, na decoração de escritórios, nas árvores que margearam cada depoimento, na ilustração animada pela computação gráfica, nas setas que ressaltaram o crescimento nas pesquisas de intenções de voto e no nome do partido. A ideia foi asseverar o verde como parte fundamental na vida da presidenciável e, por extensão, a questão

ambiental, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável como temas incontornáveis, sempre presentes no dia a dia marinista.

Figura 1: Marina Silva e o verde onipresente. 

Marina Silva (PV/PSB) se colocou como uma espécie de terceira via, uma alternativa para além da disputa entre os dois principais partidos brasileiros, no que classificou como “a luta do poder pelo poder”. A personalização das campanhas eleitorais ganhou realce, pois se propôs uma nova ontologia política com foco no desenvolvimento sustentável, convocando figuras que transitaram entre diferentes mundos - a candidata é quem conseguiria interligar sem tensões o melhor dos dois polos, ou seja, a floresta e a cidade, o passado e o futuro, os melhores quadros de todos os partidos e os melhores estudiosos da academia com a sociedade. Marina Silva concatenaria um novo Brasil a uma nova forma de fazer política, com mais eficiência e menos desperdício. Sob outra perspectiva, ela seria o ponto que apaziguaria inquietações entre o desmatamento e a preservação. Contudo, a considerar tais proposições, não se viu demonstração de como realizá-las, tendo apenas se apresentado a ideia de valorização dos abundantes recursos naturais e conversão do desperdício de dinheiro público em saúde de qualidade, em educação transformadora e em mais segurança. Em termos ambientais, houve uma dupla aproximação: ora se cortejou a natureza intocada, o belo da floresta e dos animais em revoada, ora se buscou proximidade ao ideal ecoeficiente, fomentando-se uma interação entre meio ambiente e tecnologia como forma de construir um futuro com mais oportunidades no campo e na cidade. Foi observado um discurso político que tentou hegemonizar as questões ambientais ao agendá-las reiteradamente tanto em termos verbais, quanto em termos visuais e cromáticos. A campanha de José Serra (PSDB), por outro lado, encarou outros temas como estratégicos, deixando de lado o meio ambiente. Apresentou-se como fundamental a exibição do candidato como um gestor experiente, um técnico competente, um político com vivência. Os temas se alternaram entre saúde, educação, obras infraestruturais, ataques aos adversários e combate às drogas., sem espaços para o meio ambiente. Mais do que um problema ou solução, o meio ambiente pareceu nem existir. Portanto, as questões ambientais se encontraram totalmente ausentes do agendamento estratégico discursivo da persona política serrista, que sequer mencionou “meio ambiente” no decorrer de inúmeros vídeos televisivo-eleitorais. Já a campanha de Dilma Rousseff (PT) operou a partir da estratégia de construir a persona pública da candidata como próxima ao então presidente Lula. Esse fato foi reforçado pela ancoragem de muitas imagens dos dois em diferentes cenários: ambos apareceram de Norte a Sul do Brasil, em escritórios e gabinetes, em contato com eleitores e dialogando entre si. O objetivo foi reforçar a ideia de uma campanha de continuidade, com Dilma Rousseff (PT) plenamente capaz de substituir e aprimorar os programas lulistas, avançando em políticas sociais, econômicas, culturais e ambientais. Uma das imagens mais frequentes foi a de Dilma Rousseff (PT) como mulher e mãe. A construção “mãe do PAC” surgiu com frequência, sobretudo, a partir de imagens da transformação na vida social brasileira, evidenciando a ascensão econômica das famílias, o aumento no consumo de alimentos, a compra de bens, como um automóvel, uma mot ocicleta e a casa própria. O meio ambiente foi tema agendado com parcimônia. Quando convocado, foi posto a partir de duas perspectivas: da grandeza e da riqueza da biodiversidade da flora, da fauna e das populações locais; e do “meio ambiente tecnologizado”, ou seja, uma conjunção entre ciência e tecnologia que permitiria mais desenvolvimento. Esse meio ambiente tecnologizado surgiu a partir de parques eólicos, dos biocombustíveis, das obras de infraestrutura, como as hidrelétricas, e da ampliação da produtividade nas lavouras, com uma agricultura cada vez mais mecanizada. Por outro lado, percebeu-se uma aproximação ao culto ao silvestre a partir da valorização da natureza bruta, intocada, “selvagem”, exótica, isto é, da imensidão da floresta, do rio sem poluição e dos animais exuberantes em habitat. Em outra perspectiva, também se cortejou a ideologia da ecoeficiência a partir da utilização dos recursos naturais disponíveis, potencializando os ganhos econômicos, as transformações sociais, a melhoria da qualidade de vida e o avanço material sem prejuízo dos recursos naturais disponíveis. Nesse quadro, as tensões do ecologismo dos pobres foram apagadas ou abafadas. Não há lugar para aspectos disfóricos na campanha dilmista. O segundo turno se iniciou com José Serra (PSDB) parabenizando Marina Silva (PV/PSB) pela expressiva votação e fazendo referência a um meio ambiente protegido, colocando-o como importante, algo a ser valorizado, figurando ao lado da liberdade, da democracia e do direito à vida. A campanha serrista falou expressamente em “desenvolvimento sustentável” e “respeito ao meio ambiente”, chegando a exibir imagens de árvores, um artifício retórico bastante utilizado por Marina Silva (PV/PSB). Contudo, tal aproximação aos temas ambientais foi incipiente e se deu mais como uma tentativa de conquistar os apoiadores marinistas. O que teve lugar no segundo turno serrista foi o alardear de casos de corrupção e de práticas consideradas antidemocráticas, como forma de desqualificação petista. Assim, o PT surgiu como um partido a ser denunciado e derrotado tanto politicamente, quanto moralmente. A campanha de Dilma Rousseff (PT), por sua vez, anunciou o interesse no “desenvolvimento ambiental e tecnológico” e, muitas vezes, apresentou a candidata com vegetações em segundo plano. Fez, ainda, algumas referências diretas ao meio ambiente, chegando a exibir atrizes que destacaram a busca por fontes de energia renovável como um objetivo da presidenciável. Falou-se em turbinas eólicas, redução do desmatamento na Amazônia e luta contra o aquecimento global. O meio ambiente que surgiu na propaganda dilmista visou o desenvolvimento tecnologizado, próximo à ideologia da ecoeficiência. No segundo turno, a candidata petista agendou com muito mais contundência o meio ambiente, promovendo inúmeras referências textuais, verbais e visuais de forma direta e indireta. A preservação do meio ambiente figurou como um ideal a ser alcançado de forma concomitante ao desenvolvimento.

Figura 2: propaganda de Dilma Rousseff destaca a redução do desmatamento na Amazônia e a produção de biocombustíveis 

A campanha presidencial brasileira de 2014

O início da disputa eleitoral foi marcado pela morte do presidenciável Eduardo Campos, o que elevou Marina Silva (PV/PSB), então candidata a vice-presidente, à condição de presidenciável. Observou-se, mais uma vez, Marina Silva a se colocar como a candidata verde a partir do agendamento direto e indireto do meio ambiente. A cowership issue é acentuada, colocando a candidata como plena detentora de competências verdes. Porém, a convocação das questões ambientais ocorreu com muito menos frequência e intensidade que na campanha de 2010, uma vez que se visou colocá-la para além da figura de autoridade na temática ambiental, com a candidata abordando outros temas. Apesar de avançar sob um arco temático ampliado, a proximidade marinista aos temas ambientais foi cortejada em agendamentos textuais, topológicos e cromáticos estratégicos, com a candidata a se exibir vestida com roupas em tons de verde, por legendas esverdeadas, indo-se até o verde, digital ou literal, presente no cenário e na edição dos vídeos psbistas. O agendamento estratégico seguiu a dinâmica de colocar Marina Silva (PV/PSB) cercada pelo verde vegetal como se a candidata integrasse e unisse em si mesma a pauta ambiental. Esse agendamento ocorreu tanto por parte da candidata, quanto por seus apoiador es, famosos ou desconhecidos, que teatralizaram a proximidade marinista ao verde como metonímia para as questões ambientais. De forma geral, a estratégia discursiva de 2014 se assemelhou à de 2010. Contudo, um aspecto que ganhou relevância foi a proposição de uma nova ontologia política. Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) foram constantemente sugeridos como exemplos da velha política brasileira, viciados no poder pelo poder, na troca de cargos por apoio político, como um passado que precisa ser superado. Em contrapartida, a equipe marinista insistentemente a colocou como a novidade, alguém que detinha e propunha uma nova ontologia política, com novas práticas, como alguém diferente, honesta, comprometida com transformações estruturais e com a valorização de diferentes aspectos, inclusive os ambientais. Marina Silva (PV/PSB) sempre foi apresentada como autoridade quando o tema agendado foi o meio ambiente. Tal entendimento ganhou ressonância com a exposição da vida da candidata, que surgiu como prova real, não sendo, como a própria presidenciável verbalizou, apenas um discurso, mas uma vivência. O agendamento ambiental apareceu na campanha marinista a partir de um meio ambiente idealizado, que se nutriu do culto ao silvestre, a partir de figuras como a vegetação viva, a floresta em pé, uma visita à Amazônia, a reserva ambiental, os cuidados como os indígenas e a liberdade dos animais em habitat. Aécio Neves (PSDB), por outro lado, sequer citou o meio ambiente, dedicando-se mais a evidenciar a vida difícil dos brasileiros com a ineficiência estatal, o crescimento da inflação e o aumento do desemprego. Com isso, destacou-se a falta de confiança da população em Dilma Rousseff (PT), ressaltando a corrupção e a velha política, que seriam praticadas pelo PT. A campanha psdbista realçou a experiência política de Aécio Neves (PSDB), suas ideias e realizações enquanto deputado, governador e senador, e sua capacidade de diálogo político. Outro aspecto relevante foi a crítica moralista de fundo conservador, sobretudo, ao abordar o combate aos malfeitos. Aécio Neves (PSDB) chegou a declarar que a solução para acabar com a corrupção seria “tirar o PT do poder”.

Quando a política acontece na esfera da moralidade, os antagonismos não podem assumir uma forma agonística. Na verdade, quando os oponentes não são definidos em termos políticos, mas em termos morais, eles não podem ser encarados como “adversários”, mas unicamente como “inimigos”. Com o “eles do mal” nenhum debate agonístico é possível: é preciso exterminá-los (Mouffe, 2015: 74-75). Dilma Rousseff (PT), buscando a reeleição, dedicou-se a exibir as transformações socioeconômicas sob as administrações petistas, como a compra da casa própria, do carro ou moto, a estudante que se graduou no ensino superior e o jovem que conseguiu o emprego nas grandes obras de infraestrutura. Os estrategistas petistas buscaram figurativizar um Brasil grande. Nesse sentido, só houve espaço para obras gigantescas, especialmente, hidrelétricas que, a despeito das transformações no meio ambiente, pretensamente levariam o desenvolvimento para diferentes populações. Dilma Rousseff (PT) enfatizou, junto ao ex-presidente Lula, o desejo de continuar transformando o Brasil, em especial a educação e a saúde, a partir dos royalties do Pré- Sal, que foram postos como uma riqueza ímpar. O combate à corrupção surgiu com destaque, como uma marca dos governos petistas. Em termos ambientais, a campanha dilmista exibiu muitas áreas verdes, como a vegetação em ambientes externos, florestas, jardins e campos. Contudo, fez-se pouca referência ao meio ambiente e nenhuma à sustentabilidade. O que se expôs foi um ideal de desenvolvimento sem adjetivação, isto é, não houve espaço ou desejo pelo desenvolvimento sustentável, por respeitar o tempo da terra, pelo manejo cuidadoso dos recursos naturais. O grande Brasil agendado foi o do agrobusiness, que entende o meio ambiente como matéria-prima para a produção crescente de produtos, destacadamente, os exportáveis.

Figura 3: propaganda de Dilma Rousseff destaca grandiosidade do agronegócio. 

O que é figurativizado nessas imagens da campanha petista fortalece os escritos recentes do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira (2015), sobretudo a ideia do novo desenvolvimentismo, uma etapa capitalista na qual se reconhece o papel do mercado na coordenação econômica, mas afirma-se que a coordenação mais geral da sociedade e do próprio mercado cabe ao Estado. Dessa forma, esse neodesenvolvimentismo seria uma estratégia nacional de desenvolvimento - o que, nos governos petistas, ficou conhecido como os campeões nacionais. O segundo turno durou 15 dias com as emoções tensionadas. Com tempo de propaganda eleitoral dividido de forma igual para a divulgação de propostas e soluções, os estrategistas políticos elevaram as capacidades técnicas narrativas ao auge. A disputa entre Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) gravitou em torno do tema da economia. Para o psdbista, a economia dava sinais de paralisação, a inflação voltava, o desemprego se aproximava de mais famílias. A situação era negativa e demandava cuidados. Para a petista, o que teve lugar foi a transformação socioeconômica iniciada com o ex-presidente Lula. Assim, enquanto se combatia a corrupção, os brasileiros compravam casas, carros, motos, viajavam de avião e investiam em educação. O quadro, apesar de demandar atenção, era positivo. Em meio a acusações políticas e, também, pessoais, viu-se Aécio Neves (PSDB) reforçar a ontologia política do PSDB, sob o signo de uma administração eficiente, moderna, com base na meritocracia e no compromisso do gestor, não meramente como um político. A campanha petista, por outro lado, centrou-se em críticas a esse modo de administrar, que seria privatista, impopular e negativo ao interesse coletivo nacional. Mesmo sendo da situação, a candidata à reeleição usou como estratégia o ataque e a destruição do projeto político do adversário. Assim, a campanha petista promoveu, sistematicamente, a negação de qualquer aspecto positivo nas administrações do PSDB, seja em nível federal, sob o comando do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seja estadual, com Aécio Neves (PSDB) e outros políticos da sigla. A ideia de uma nova política foi cortejada tanto por Aécio Neves (PSDB), quanto por Dilma Rousseff (PT). Para o psdbista, que no segundo turno teve o apoio de Marina Silva (PB/PSB), o novo gravitaria sobre uma mudança geral e profunda no nível político e pessoal- moral. Para a petista, o novo demandaria alterações pontuais e se referiria ao novo Brasil que já acontecia e que continuaria com a reeleição. Em termos ecológicos, o agendamento do meio ambiente continuou reduzido, semelhante ao ocorrido durante o primeiro turno. Os estrategistas psdbistas e petistas expuseram os candidatos com o verde vegetal em segundo plano, exibindo, por meio de jardins ou florestas, um simulacro de proximidade e interação. Nesse sentido, os peritos comunicacionais de cada presidenciável buscaram exprimir imagens que valorizaram mais a estética que o conteúdo. Sob essa perspectiva, o que se destacou foi o Brasil grande, o lugar paradisíaco, a imensidão do rio navegável, o pôr-do-Sol. Especialmente para Dilma Rousseff (PT), o meio ambiente foi agendado sob o ponto de vista do agronegócio: a gestão ecoeficiente faria o Brasil dar certo, produzir riqueza, exportar e gerar divisas, movimentar a economia com muitos empregos. Contudo, de forma geral, é possível afirmar que o agendamento da temática ambiental foi diminuto, pois os argumentos discursivos aecistas e dilmistas buscaram construir e demolir as ontologias políticas próprias e do adversário, respectivamente. Nesse sentido, houve um rebaixamento do nível da disputa a momentos de ataques e insinuações que colocaram a política, as discussões de soluções, a construção da cidadania e as questões ambientais em segundo plano diante da disputa do poder.

Considerações finais

O Brasil, especialmente a partir da primeira campanha presidencial no início da redemocratização, em 1989, promoveu uma forte estetização da política. Com mais liberdade, os políticos passaram a viver narrativas altamente intrincadas, atraentes e cheias de significantes. Ao contarem com peritos e especialistas discursivos em postos de comando a definir quando, onde e o que falar ou fazer, os políticos passaram a fabricar e a fazer uso de uma espécie de linguagem própria. Essa redefinição discursiva - um novo léxico - ocorre porque os estrategistas contemporâneos são, em geral, especialistas14 que utilizam símbolos, não argumentos. Alberto Carlos Almeida, em investigação sociológica acerca do eleitorado brasileiro, afiançou qu e “o eleitor médio trabalha com grandes emblemas, com grandes símbolos” (Almeida, 2008: 29). Os estrategistas políticos são sabedores dessa informação e, a partir disso, complexificam cada reclame eleitoral. Dessa forma, para assegurar o êxito eleitoral, cada partido deve constantemente recompor suas mensagens, abarcando novas organizações e múltiplos interesses dos eleitores. A temática ambiental surge com grande interesse, sendo um tema ascendente na esfera pública. Como destacou Bernard Manin (1995 e 2013), os partidos cada vez mais têm de mobilizar os cidadãos, atraindo atenção e interesse. Esta observação sinaliza um novo processo no jogo eleitoral, uma vez que esse novo fazer discursivo e actancial dos partidos e agentes políticos muitas vezes desvirtua os fundamentos e princípios estabelecidos pelas próprias agremiações. Assim, “os partidos já não podem ser vistos como sujeitos políticos no sentido de que não têm identidade bem definida e duradoura” (Manin, 2013: 117). Ao mesmo tempo, essa identidade fluída do candidato, muitas vezes sem forte vínculo partidário, se dilui ainda mais a cada disputa eleitoral, o que acentua certa personalização e individualização15. Na análise empreendida no corpus, se observou uma constante disputa discursiva pela conquista da legitimidade. Na televisão, os deslocamentos sociopolíticos e discursivos impulsionam de sobremaneira a transformação da representação do governante, do líder, do político. John B. Thompson (1995) ponderou que na televisão a visibilidade foi elevada a um nível de significado histórico16. Dessa forma, a televisão, enquanto veículo de entretenimento, transformou o Estado e os políticos, que agora produzem propaganda emotiva, cativante e agradável. Todo e qualquer reclame político passou a ser julgado por seu grau de entretenimento. Muitos dos vídeos televisivo-eleitorais do corpus foram inserções com duração de 15, 30 ou 60 segundos e foram exibidos durante a “programação normal” da televisão17. Ou seja, a propaganda política se deslocou para a competição entre anúncios de produtos e serviços, que utilizam técnicas narrativas que reduzem ou mesmo esvaziam a profundidade dos problemas sociais, econômicos e ambientais. Nisso, o que surge como artifício retórico essencial é a construção de enredos na forma de storytelling, em que “os melhores contadores de história vencerão” (Xavier, 2015: 16). Dessa maneira, o fazer discursivo político contemporâneo, moderno e tecnologizado, promove uma progressiva mistificação do Estado, da política e do político. A personalização e a individualização das disputas políticas surgem com destaque. Ignorando as tensões entre a atual forma de desenvolvimento econômico e a sustentabilidade, os discursos dos principais presidenciáveis brasileiros ressemantizaram as questões ambientais a cada agendamento temático, discursivizando uma ampla variedade de temas, com cada enunciador a se guiar por diferentes interesses. Desta maneira, os discursos transitaram da saúde à segurança pública ou da economia à educação. Agendou-se um imenso caleidoscópio imagético-temático, mas, sobretudo, houve três sujeitos tornados visíveis nos vídeos eleitorais examinados. O primeiro, encabeçado por Marina Silva (PV/PSB), ora cortejou o culto ao silvestre, evidenciando o valor material da biodiversidade viva, ou seja, a floresta em pé, o animal em habitat, o rio não poluído, ora acenou para a ideologia da ecoeficiência, asseverando o conjugar entre desenvolvimento econômico e o respeito ao meio ambiente. Sendo a presidenciável que mais agendou as questões ambientais (issue salience), foi insistente a operação de construção de sua persona política como próxima às questões ambientais. Os estrategistas marinistas não hesitaram em utilizar a cor verde ou promover qualquer referência ao ambientalismo, como se a candidata e a temática ambiental se imbricassem, tornando-se algo único. A presença dos temas ambientais foi de tal forma na campanha marinista que a candidata, mesmo contando com muito menos tempo de TV, abordou-a incessantemente. O segundo sujeito, isto é, José Serra e Aécio Neves, presidenciáveis pelo PSDB em 2010 e 2014, respectivamente, entende o meio ambiente como algo menor, secundário, acessório. Os referidos candidatos operaram discursivamente fazendo referência às suas realizações enquanto homens públicos, especialmente na economia, na saúde e na gestão pública, além de terem engendrado críticas políticas e de ordem moral ao PT e à Dilma Rousseff (PT). Apesar de pouco agendada, a questão ambiental foi posta sob dois caminhos: no primeiro, cortejou-se o apoio de Marina Silva (PV/PSB) e de seus eleitores nos segundos turnos das disputas eleitorais (os acenos foram de ordem pragmática, momentâneos); no segundo, o meio ambiente foi posto ora como metáfora da pobreza, como o que restava às áreas não desenvolvidas, ora como uma grande tela estética, um imenso cartão postal com imagens aéreas do rio navegável, do crepúsculo no litoral e da vastidão geográfica do ambiente turístico. Dilma Rousseff (PT), por sua vez, operacionalizou seu discurso sob a ordem das transformações socioeconômicas dos governos petistas. O que teve lugar foi o cidadão médio que adquiriu bens materiais e culturais, como casas e apartamentos, veículos automotores, entrou em universidades e realizou viagens de avião. Apesar de abordar uma miscelânea de temas, as mudanças sociais oportunizadas pelo crescimento econômico foram o principal foco temático. Quanto às questões ambientais, os estrategistas petistas se utilizaram de figuras que remeteram ora ao agronegócio, com louvação às posições de destaque na exportação de produtos, ora às imagens que acenaram ao evangelho da ecoeficiência, em especial com as construções de grandes hidrelétricas. Ainda que tenha propagandeado o Pré-sal, isto é, quantidades gigantescas de petróleo no fundo do mar, o agendamento desse recurso natural altamente poluente foi posto como totalmente positivo, uma riqueza econômica que se transformaria em um trampolim para o aumento do financiamento público em saúde e educação. Nesse sentido, as questões ambientais sofreram uma flutuação convocatória, estando por vezes presentes (de forma central ou lateral) ou completamente ausentes. Assim, o que recebeu visibilidade foi a renovação capitalista segura, o ambiente controlado, a energia dita sustentável, a gestão ecoeficiente dos recursos naturais, isto é, o meio ambiente a conviver sem tensões com a necessidade constante de crescimento dos índices econômicos.

Em termos ambientais, o valor político do mundo integrado ao capitalismo globalizado esteve bem definido: foi o ideal ecoeficiente quem deu as cartas. Os contratos comunicacionais estabelecidos entre os presidenciáveis e o telespectador-eleitor giraram em torno do esvaziamento de qualquer exploração ou perigo. Não houve espaço para aspectos negativos, ou seja, não houve poluição, rios intrafegáveis, florestas postas abaixo ou animais sendo condenados à extinção. Dessa forma, os percursos narrativos que envolveram as questões ambientais reafirmaram a complexidade de um mundo sustentável, situando a ideia preservacionista e a desenvolvimentista/do progresso industrial no mesmo quadrante, como se coexistissem sem tensões. Nessa perspectiva, certo esverdeamento do discurso eleitoral presidencial brasileiro tentou responder às demandas que questionam o atual modo de (re)produção capitalista e suas desigualdades. O agendamento discursivo das questões ambientais no cenário eleitoral brasileiro pareceu, sobretudo, retórico, pois continuou sob a égide de mais exploração dos recursos minerais e de um aprofundamento da degradação ambiental. As mudanças recentes ocasionadas pelo governo Bolsonaro nos órgãos ambientais certamente oportunizam novos estudos para avaliação situacional e suas respectivas consequências nos fazeres e dizeres políticos. Por fim, no cenário da ecoeficiência, sem se desejar voltar à primeira natureza, à natureza intocada, destaca-se que se faz necessário refletir acerca dos impasses socioambientais, que só terão fim por meio da integração das questões sociais, ambientais e econômicos, sem assimetrias de poder e de informação.

Referências bibliográficas

AB’SABER, Tales (2015), Dilma Rousseff e o ódio político, São Paulo, Hedra. [ Links ]

ALMEIDA, Alberto Carlos (2008), A cabeça do eleitor: estratégia, pesquisa e vitória eleitoral, Rio de Janeiro, Record. [ Links ]

BALANDIER, Georges (1982), O poder em cena, Brasília, Editora Universidade de Brasília. [ Links ]

BARROS, Diana Luz Pessoa de (1994), Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática. [ Links ]

BRASIL (2015), Pesquisa Brasileira de Mídia. Brasília, Presidência da República - Secretaria de Comunicação Social. Disponível em Disponível em http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas- quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/relatorio-final-pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015/view . Acesso em 26 de setembro de 2020. [ Links ]

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (2015), A construção do Brasil - Sociedade, economia e Estado desde a Independência. São Paulo, Editora 34. [ Links ]

CHARAUDEAU, Patrick (2015), Discurso político, São Paulo, Contexto. [ Links ]

- (2007), “Pathos e discurso político” in Ida Lucia Machado; William Menezes, Emilia Mendes (orgs.), As emoções no discurso. Volume 1. Rio de Janeiro, Lucerna, pp. 240-251. [ Links ]

GALINDO, Daniel (2008), “Do marketing político ao marketing do político” in Adolpho Queiroz (org.), A propaganda política no Brasil contemporâneo, São Bernardo do Campo, ABCOP e Cátedra Unesco/Metodista, v.1, p. 17. [ Links ]

GOMES, Neusa Demartini (2008), “Comunicação política: olhares convergentes e divergentes” in XVII - Encontro da Compós - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Paulista, São Paulo, 03-06 de junho de 2008. [ Links ]

GOMES, Wilson (2004), Transformações da política na Era da comunicação de massa, São Paulo, Paulus. [ Links ]

HOWARTH, David; STAVRAKAKIS, Yannis (2000), “Introducing discourse theory and political analysis” in David Howarth, Alleta Norval, [ Links ]

STAVRAKAKIS, Yannis Stavrakakis (orgs.), Discourse Theory and Political Analysis: identities, hegemonies and social change New York, Manchester University Press, p. 15. [ Links ]

LACLAU, Ernesto (2013), A razão populista, São Paulo, Três Estrelas. [ Links ]

LACLAU, Ernesto; CHANTAL, Mouffe (2004), Hegemonía y estrategia socialista: hacia una radicalización de la democracia, Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina. [ Links ]

MAGALHÃES, Raul Francisco (1995), “A Ciência Política e o Marketing Eleitoral”, Revista Comunicação e Política, v.I, n.3, abril-julho, p. 134. [ Links ]

MANIN, Bernard (2013), A democracia de público reconsiderada. Novos Estudos Cebrap: número 97, Novembro 2013. [ Links ]

- (1995), As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.10, n.29, São Paulo. [ Links ]

MARTÍNEZ ALIER, Joan (2009), O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração, São Paulo, Contexto . [ Links ]

MOUFFE, Chantal (2015), Sobre o político, São Paulo, Editora WMF Martins Fontes. [ Links ]

NORRIS, Pippa (2000), A Virtuous Circle: Political Communication in Postindustrial Societies, Cambridge University Press Fall. [ Links ]

OLIVEIRA, Ana Claudia Mei Alves de (2004), Semiótica plástica. São Paulo: Hacker Editora. [ Links ]

PIETROFORTE, Antonio Vicente Seraphim (2007), Análise do texto visual. São Paulo: Editora Contexto. [ Links ]

- (2004), Semiótica Visual. São Paulo: Editora Contexto . [ Links ]

PRADO, José Luiz Aidar (2011), (Org.). Regimes de visibilidade em revistas: análise multifocal dos contratos de comunicação. In: DVD, 1 ed. São Paulo: PUC-SP, v.1. [ Links ]

THOMPSON, John B. (1995), Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes. [ Links ]

XAVIER, Adilson (2015), Storytelling, Rio de Janeiro, Bestseller [ Links ]

Notas

1Este artigo resulta da Tese de Doutoramento em Sociologia, de autoria de Filipe Aquino (Aquino, 2018), apresentada junto ao Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sob orientação de Helena Carlota Ribeiro Vilaça.

2Segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento, apenas na Amazônia e entre agosto de 2019 e 2020, registrou um novo recorde da devastação, com crescimento da ordem de 25%, totalizando 3.069,57 km².

3O culto ao silvestre (ou culto à vida selvagem) é o grupo que defende a natureza intocada, o “estado natural”.

4A ideologia da ecoeficiência foca no manejo sustentável e no uso responsável dos recursos naturais, bem como pelo controle dos níveis de contaminação do ar, da água, dos solos e pelos impactos ambientais da produção de bens e riscos à saúde oriundos dos processos industriais.

5O ecologismo dos pobres centra esforços na diminuição dos conflitos originados a partir dos embates ambientais em nível local, regional, nacional e global, sobretudo os originados pela desigualdade social.

6A eleição de 2010 contou com nove candidatos. A de 2014, com sete candidatos.

7Partido dos Trabalhadores.

8Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

9Partido Verde (PV).

10Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

11Partido Socialista Brasileiro (PSB).

12Os 656 vídeos possuem duração variada entre 15 segundos e 10 minutos e 38 segundos.

13Segundo notícia da Folha de São Paulo, a publicidade brasileira conquistou 90 leões na edição de 2016 do Festival de Cannes, o que pode ser considerado o pior desempenho nos últimos cinco anos.

14http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/06/1785635-publicidade-brasileira-volta-de-cannes-com-18-leoes-a-menos-e-polemica.shtml>. Acesso em: 27 de junho de 2016.

15Os estrategistas não são necessariamente publicitários, sendo muitas vezes jornalistas, por exemplo. Contudo, todos têm uma aguçada visão de marketing e da utilização de ferramentas na construção de personas políticas.

16A Marina Silva, por exemplo, concorreu em 2010 pelo Partido Verde. Em 2014, pelo Partido Socialista Brasileiro e em 2018 pela Rede Sustentabilidade.

17De acordo com a Pesquisa de Brasileira de Mídia (2015), produzida pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e analisa os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, a TV ainda é o principal meio de comunicação, utilizado sobretudo para a busca de informações e para o entretenimento.

18Diferentemente dos vídeos dos programas eleitorais gratuitos, que vão ao ar em horários pré- estabelecidos.

Recebido: 02 de Maio de 2020; Aceito: 20 de Novembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons