Introdução
A Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, adiante designada como Sociologia, iniciou a sua edição em 1991 e é da responsabilidade do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP)1, tendo sido criada por iniciativa direta do Professor António Teixeira Fernandes, seu primeiro diretor, seguindo-se no cargo João Teixeira Lopes e, posteriormente, Carlos Manuel Gonçalves. Como o próprio nome indica, a Sociologia “tem como objetivo principal a divulgação de trabalhos de natureza sociológica”, com abertura a outras áreas disciplinares das ciências sociais, que primem “pela qualidade e pela relevância, em termos teóricos e empíricos”. Corresponde, aliás, no período da sua constituição, como Machado (2020) observa, a um projeto de afirmação disciplinar da sociologia no país que, a par de outras duas publicações (Sociologia, Problemas e Práticas e Fórum Sociológico), assim se demarca, em parte, das quatros revistas de ciências sociais pluridisciplinares existentes no país à época (Análise Social, Revista Crítica de Ciências Sociais, Portuguese Journal of Social Science e Configurações). Para além desta característica, a Sociologia diferencia-se por ter, desde sempre, permanecido profundamente ligada à atividade científica dos docentes de sociologia da FLUP e dos investigadores do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (IS-UP), o que frequentemente se reflete na produção de conhecimento sobre processos sociais com forte significado regional e local2. Como indicador de rigor e qualidade científica, a revista garante um processo de avaliação por especialistas, em regime de duplo anonimato, dos textos submetidos. A partir de 2011 inicia, também, o seu percurso na indexação bibliográfica, com a Latindex e, desde então, tem alargado constantemente a sua presença em bases de referência3. Após trinta anos de edição, quarenta volumes e dez números temáticos publicados, faz- se neste artigo um mapeamento das características estruturais da Sociologia, dos seus autores e textos publicados, procurando salientar as suas principais transformações e perceber como estas se relacionam, simultaneamente, com as dinâmicas do campo de produção científica mais latas e o desenvolvimento do campo académico da sociologia no Porto 4 , campo este que é produto, por um lado, da criação da licenciatura em Sociologia na FLUP, em 1985, por iniciativa direta do Professor Teixeira Fernandes e, em 1989, do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (IS-UP) e, por outro, dos trabalhos do Professor José Madureira Pinto, docente no grupo de ciências sociais da Faculdade de Economia da Universidade do Porto entre outro investigadores. Pretende-se, assim, contribuir, no campo da sociologia da ciência, para a compreensão do percurso da produção do conhecimento sociológico em Portugal, cuja construção, transformação e crescimento tem vindo a ser objeto de múltiplas publicações, das quais destacamos Pinto (2004), Carmo e Pereira (2013) e Machado (2009, 2020), em jeito de balanço, numa altura em que a investigação sociológica em Portugal se considera ter atingido o estado de “institucionalização avançada”, assim definida, particularmente a partir de finais do século XX, entre muitos outros fatores, pela diversificação e alargamento das revistas sociológicas - ou de perfil pluridisciplinar, mas com destaque para a sociologia (Machado, 2009, 2020) -, como é o caso da Sociologia, aqui em análise.
I. Estrutura de um percurso
A Sociologia editou 40 volumes e 10 números temáticos. Até 2010 (inclusive) a revista manteve-se anual, passando depois a semestral. Os números temáticos surgem em 2012 (nesse mesmo ano, com a edição de dois números), assumindo a uma periodicidade anual a partir do ano seguinte. Ao longo do tempo verifica-se a reconfiguração da sua organização interna, com vista a incrementar a flexibilidade e um manuseamento mais funcional pelos leitores. Registamos 422 textos cujo cunho científico é expressivamente dominante e, ainda, outros textos de natureza diversa (18), especialmente recensões. Até ao volume XX (ano 2010), a revista era também o lugar onde, como Lopes (2006) faz nota, se dava visibilidade a versões desenvolvidas de comunicações apresentadas em encontros organizados pela própria revista (Dossiers) e, também, de outros artigos de “partilha de resultados de pesquisas ainda embrionárias, ou mesmo a digressões intelectuais que aparentemente - e só aparentemente - se afastam do núcleo-duro da sociologia” (Fóruns) (Lopes, 2006: 16). Desde então, a Sociologia continua a aceitar trabalhos de natureza diversa - artigos, recensões, notas de investigação e ensaios bibliográficos -, mas as suas publicações têm-se restringido predominantemente ao formato artigo e recensão. Uma tendência que estará relacionada, também, com a consolidação de outras formas de publicação, como os Working Papers IS-UP ou a Plataforma Barómetro Social, ambos do IS-UP, onde textos de natureza menos estruturada ou de conteúdo mais exploratório ganham lugar. A Sociologia aceita trabalhos em quatro línguas (português, francês, inglês e espanhol), visando assim alcançar um amplo campo de difusão e de internacionalização. Ainda que com expressão modesta, os textos em língua estrangeira representam 8,0% do total de textos publicados, (especificamente, 3,9% em inglês, 2,5% em espanhol e 1,6% em francês) (Quadro 1)5. De notar, porém, o gradual desaparecimento dos trabalhos em espanhol e dos textos em francês (Gráfico 1, em Anexo). Ganham terreno neste domínio as publicações em língua inglesa, cuja valorização, como observa José Madureira Pinto6 em entrevista, cresce na medida do “privilégio que é concedido nas avaliações internacionais a textos escritos em língua inglesa” (Carmo e Pereira, 2013: 718), com consequências na difusão do conhecimento para as referências fora do mundo do anglo-saxónico.
No que diz respeito às recensões, dos 15 textos publicados, 8 são relativos a obras de autores nacionais e 6 a obras de autores estrangeiros. As primeiras recensões aparecem no volume XIII da revista (ano 2003) e, desde então, este tipo de trabalho vai sendo publicado espaçadamente. As recensões de obras de autores estrangeiros aparecem a partir do volume XX (ano 2010), a coincidir com o período de crescente internacionalização da Sociologia, nomeadamente no que diz respeito à indexação em bases bibliográficas internacionais.
LÍNGUA | |
Português | 92,0 |
Francês | 1,6 |
Espanhol | 2,5 |
Inglês | 3,9 |
Total | 100,0 |
AUTORIA | |
Individual | 76,3 |
Coautoria | 23,7 |
Total | 100,0 |
É ainda de assinalar que 76,3% são trabalhos de autoria individual e 23,7% em coautoria (Quadro 1). O predomínio das publicações individuais observa-se nos textos de cunho científico dominante (75,3%), mas é nas recensões/outros textos de natureza diversa (100%) que este peso mais se acentua. Cronologicamente, não só a presença de textos coletivos ganha expressão absoluta ao longo dos anos, como se observa que, não obstante as variações, o peso relativo dos textos coletivos em relação aos individuais cresce (Gráfico 2, em Anexo). O número temático 2 (ano 2012) marca, aliás, pela primeira vez, um rácio igual a 1 nos textos de coautoria em relação à autoria individual. Desde então, 10 volumes apresentam mesmo rácios superiores a 1, com destaque para o volume XXXIII (rácio 2.5) e os números temáticos 3, 4 e 10 (com rácios de 5.0, 9.0 e 3.0, respetivamente). Se esta alteração não deixa de estar relacionada com um fator externo, que remete para o crescente peso que os projetos de investigação coletiva têm vindo a assumir, nomeadamente como resultado do aumento das oportunidades de financiamento; também não é menos importante o facto de os primeiros volumes da Sociologia darem particularmente resposta à publicação de trabalhos relacionados com teses mestrado e doutoramento dos docentes e investigadores “da casa”, onde a autoria individual assume especial relevância 7.
II. Sociografia dos autores
Uma segunda dimensão da nossa análise diz respeito à sociografia dos autores dos trabalhos publicados na Sociologia. A análise que se segue merece, porém, um esclarecimento inicial. Por força de se ter observado falta de uniformidade nas informações relativas aos autores, especialmente nos primeiros anos de edição, os dados que aqui se apresentam foram recolhidos, com muita frequência, em páginas individuais ou institucionais dos autores na web. Feita esta nota prévia, houve ainda casos em que não conseguimos confirmar os dados, redundando na categoria “não identificado”, aqui assumida como missing dada a sua reduzida expressão numérica. A primeira variável foi, não obstante, de fácil identificação. Em números absolutos, publicaram na Sociologia 597 autores, dos quais cerca de metade são mulheres (49,9%). Não obstante, no total de textos publicados, 54,9% são assinados, em primeiro lugar, por homens (Quadro 2), superioridade que se observa nos textos de cunho predominantemente científico (54,9%) e nos demais (55,6%).
SEXO | |
Homem | 54,9 |
Mulher | 45,1 |
Total | 100,0 |
GRAU ACADÉMICO | |
Licenciatura | 9,5 |
Mestrado | 23,7 |
Doutoramento | 66,8 |
Total | 100,0 |
Das 50 edições da revista, 18 tiveram mais mulheres como primeiras autoras do que homens, o que é mais expressivo nas publicações dos últimos dez anos (Gráfico 3, em Anexo). Até 2010, apenas os volumes VI e XIV apresentam um rácio autoras/autores superior a 1 (1.6 e 1.5, respetivamente), mas a presença das mulheres não só ganha expressão absoluta a partir de 2011, como se expande, acompanhando a tendência geral de feminização do ensino superior. Em 16 dos 30 volumes publicados entre 2011 e 2020, as mulheres têm uma assinalável participação, nomeadamente, nos números temáticos organizados. Curioso é também notar que, em textos de coautoria, a maioria é assinada, em primeiro lugar, por mulheres (52,9%), tendo-se contabilizado nestes textos a participação total de 155 mulheres e 107 homens (inclui primeiros e restantes autores). No que diz respeito ao grau académico do primeiro autor à data da publicação, 66,8% eram doutorados, 23,7% mestres e 9,5% licenciados (Quadro 2). Entre as mulheres, a maioria (56,6%) possuía doutoramento, seguido de mestrado (33,3%) e licenciatura (10,1%). Entre os homens, a percentagem que possui doutoramento é maior (75,1%), seguido de mestrado (15,9%) e licenciatura (9,0%). A leitura cronológica (Gráfico 4, em Anexo) permite ainda observar o predomínio de trabalhos escritos por doutorados em quase todos os números e a presença mais acentuada de licenciados em dois períodos particulares, entre 1991-1996 e 2007-2013. No primeiro caso, relacionado com o facto, já anteriormente referido, da Sociologia ter publicado muitos trabalhos do corpo docente de sociólogos da FLUP. No segundo caso, um período coincidente com um forte crescimento do número de diplomados e estudantes de mestrado em sociologia no país e na própria FLUP. Predominantemente sociológica, a Sociologia é, como se disse acima, “igualmente, um espaço que inclui os contributos provenientes de outras áreas disciplinares das ciências sociais”. Por essa razão, interessou-nos perceber as origens disciplinares dos autores (primeiro/a autor/a), mas sublinhamos que a leitura destes dados não pode ser linear em relação à origem disciplinar do trabalho publicado, dado que a identificação disciplinar aqui apresentada diz respeito à área do último nível de formação dos autores. Acontece, porém, o caso de alguns estudantes de mestrado e doutoramento terem origens disciplinares noutras ciências, mas que à data da publicação estão a desenvolver investigação em sociologia. Proveniência, aliás, que se considera enriquecedora para o próprio desenvolvimento do trabalho sociológico. Feita esta ressalva, 70,1% dos autores que publicaram na Sociologia têm como última área de formação a sociologia, correspondendo ao grande foco disciplinar da revista. Segue-se a história (3,9%), as ciências da educação (2,5%), a antropologia (2,3%), a psicologia/psicologia social (2,1%), a ciência política (1,6%) e outras trinta e cinco áreas de expressão residual (Quadro 3). Genericamente, observa-se o forte predomínio dos sociólogos na esmagadora maioria dos números publicados (Gráfico 5, em Anexo), com uma abertura crescente a outras áreas disciplinares a partir da viragem do século, mas particularmente visível entre os anos 2012 e 2015 (nomeadamente, volumes XXIV, XXV, XXVIII e números temáticos 2, 4 e 5), onde o rácio outras áreas/sociologia é igual ou superior a 1.
ÁREA DISCIPLINAR | |
Antropologia | 2,3 |
Ciências da educação | 2,5 |
Ciência política | 1,6 |
História | 3,9 |
Psicologia/Psicologia social | 2,1 |
Sociologia | 70,1 |
Outras | 17,5 |
Total | 100,0 |
SITUAÇÃO OCUPACIONAL | |
Docente/investigador | 81,4 |
Outras profissões | 3,7 |
Sem inserção profissional | 1,4 |
Exclusivamente estudantes de Mestrado/Doutoramento | 13,5 |
Total | 100,0 |
No que diz respeito à situação ocupacional, 85,1% dos autores (primeiro/a autor/a) são profissionais ativos, dos quais 81,4% são docentes e/ou investigadores e 3,7% exercem outras profissões, reafirmando o forte carácter académico da publicação (Quadro 3). Ainda, 1,4% não têm inserção profissional (desempregados ou inativos) e 13,5% dos autores são exclusivamente estudantes de mestrado ou doutoramento, sendo notório o crescimento da participação destes últimos a partir de 2010 (Gráfico 6, em Anexo). A contribuir para esta tendência está, certamente, a generalização dos programas de mestrado proporcionados pela implementação do plano de Bolonha, mas, também, a abertura de muitos programas de doutoramento no país e, em particular, a abertura do programa de Doutoramento em Sociologia da FLUP, no ano 2007. De notar, ainda, que se identificou mais de uma centena de pertenças institucionais diferentes entre os autores (primeiro/a autor/a), mas com maior expressão surgem os autores “da casa” (Quadro 4), assim considerados pela sua ligação à FLUP e/ou ao IS-UP (40,4%). Segue-se a pertença a outras instituições portugueses de ensino/investigação, entre as quais lidera a Universidade de Lisboa (18,6%), a Universidade de Coimbra (6,4%) e outras instituições académicas da própria Universidade do Porto (5,4%). Por fim, destaca-se o facto de 13,5% dos autores terem ligação a instituições de ensino/investigação estrangeiras, entre as quais predominam as ligações ao Brasil (3,8%), Espanha (3,3%) e França (2,1%).
% | |
Faculdade de Letras da Universidade do Porto/ Instituto de Sociologia da Universidade do Porto | 40,4 |
Outras Faculdades da Universidade do Porto | 5,4 |
Universidade de Lisboa | 18,6 |
Universidade de Coimbra | 6,4 |
Universidade do Minho | 2,3 |
Ensino Politécnico público | 3,6 |
Outras instituições académicas públicas de Portugal | 1,9 |
Instituições académicas privadas de Portugal | 4,1 |
Instituições académicas de Espanha | 3,3 |
Instituições académicas de França | 2,1 |
Instituições académicas do Reino Unido | 0,6 |
Instituições académicas do Brasil | 3,8 |
Instituições académicas dos E.U.A. | 0,9 |
Outras instituições académicas estrangeiras | 5,4 |
Instituições Não Académicas | 1,2 |
Total | 100,0 |
Para uma análise no tempo da presença de autores com ligação a países estrangeiros (Gráfico 7, em Anexo) - indicador que reflete, também, o grau de internacionalização da Sociologia -, observa-se a participação crescente de autores que trabalham no estrangeiro (portugueses ou estrangeiros). Assim, se até ao volume XII (ano 2002) ali publicam sobretudo autores que trabalham em Portugal, o período entre 2003 e 2011 corresponde a uma fase em que a revista suscita particular interesse junto de autores com origem profissional na Europa e, desde 2011, cresce a presença de autores ligados a países da América do Sul, particularmente do Brasil (Quadro 5). O desenvolvimento da internacionalização relacionada com os países lusófonos e, em particular com o Brasil, foi também referida por Machado (2020) a propósito do período de “institucionalização avançada” que a sociologia portuguesa iniciou a partir do ano 2000 e do qual a Sociologia é mais um exemplo. Uma tendência que o mesmo autor relaciona com o aumento do número de estudantes brasileiros, bem como de países africanos de língua portuguesa, que frequentam programas de doutoramento em Portugal; mas, também, com o crescente interesse dos sociólogos portugueses em publicar no estrangeiro, que assim deixam em aberto mais espaço para outros investigadores em território nacional. Em termos de rácio (trabalhar no estrangeiro/ trabalhar em Portugal), o valor é superior a 1 apenas no volume XXVI da revista (1.2) (ano 2013), mas nos últimos cinco anos de edição, os valores do rácio são claramente mais elevados do que em períodos anteriores (atingindo, nomeadamente, 0.75 nos volumes XXXI e XXXVI e no número temático 9).
III. Trabalho científico
Importa agora centrar-nos no trabalho científico publicado, exercício para o qual selecionamos apenas os trabalhos publicados nas seções “artigos” e “dossier” (382, que correspondem a 86,8% dos textos da revista), que passaremos a designar unicamente por artigos por comodidade de leitura, uma vez que ambos assumem, na sua maioria, o formato de artigo desenvolvido, ainda que, como se referiu acima, frequentemente com origem em comunicações apresentadas em encontros organizados pela própria revista (Lopes, 2006). Assim, deixamos de fora outros textos, cujas características mais específicas não permitem a análise mais fina que se segue. Como indicador da atualidade dos artigos publicados, analisou-se a distância temporal, em anos, entre a referência bibliográfica citada mais recente e a data da publicação do texto e entre o ano da referência bibliográfica mais antiga e o ano da publicação (Quadro 6). Os dados indicam que a esmagadora maioria apresenta uma grande atualidade no domínio das referências citadas, pelo que 75,8% dos artigos cita, pelo menos, uma obra cuja data de publicação dista, no máximo, dois anos; e 19,1% citam, pelo menos, uma obra publicada até cinco anos. Por outro lado, observa-se também o uso generalizado de publicações com mais de vinte anos (89,3%), o que sugere um referencial bibliográfico abrangente.
Distância temporal (anos), entre a referência bibliográfica mais recente e a data da publicação do texto | % | |
Até 2 anos | 75,8 | |
3 a 5 anos | 19,1 | |
6 a 8 anos | 3,2 | |
9 ou mais anos | 1,9 | |
Total | 100,0 | |
Distância temporal (anos), entre a referência bibliográfica mais antiga e a data da publicação do texto | % | |
Menos de 10 anos | 1,6 | |
10 a 19 anos | 9,1 | |
20 a 29 anos | 21,2 | |
30 a 39 anos | 23,1 | |
40 a 49 anos | 15,6 | |
50 ou mais anos | 29,3 | |
Total | 100,0 |
Posto isto, procurou-se caracterizar os artigos relativamente à natureza do texto que apresentam. Um exercício para o qual se reconhecem limitações, sobretudo relacionadas com diversidade de textos publicados. Uma leitura mais fina destas categorias poderia ter sido, por isso, mais profícua e interessante, mas a observação de muitas sobreposições, conduziu-nos a optar pela construção de categorias mais abrangentes. Assim, optou-se pela seguinte distinção: textos de difusão de pesquisas empíricas originais, isto é, trabalhos que apresentam uma estratégia metodológica clara e/ou são empiricamente sustentados com dados originais8; textos de natureza crítica e/ou reflexiva, teórico ou empiricamente ilustrados e, frequentemente, relacionados com um fenómeno social específico; e, ainda, textos de natureza ensaística, assim identificados pela diferente estruturação que apresentam, não obstante tratarem frequentemente temas inovadores e de grande complexidade, para os quais o modo ensaístico de produção de texto científico potencia a “possibilidade criadora” do autor (Alves, 2000). A categoria “outros” corresponde a textos menos desenvolvidos, relacionados com comunicações em eventos científicos, análises literárias e memórias. Como resultado, observa-se que mais de metade da produção científica da Sociologia diz respeito a textos de difusão de trabalhos de pesquisa originais (53,4%), aos quais se seguem os textos de natureza crítica e/ou reflexiva (36,6%). Menos expressivos são os textos de natureza ensaística (6,5%).
% | |
Texto de difusão de pesquisa empírica original | 53,4 |
Texto de natureza crítica/reflexiva | 36,6 |
Texto de natureza ensaística | 6,5 |
Outros | 3,4 |
Total | 100,0 |
Comparativamente, no tempo (Gráfico 8, em Anexo), é possível observar o desaparecimento dos textos de natureza mais ensaística, que muito se relacionavam com a produção científica do Professor António Teixeira Fernandes - fundador e diretor da revista - numa altura em que a Sociologia iniciava o seu percurso de afirmação em Portugal. Com os desenvolvimentos do campo científico português, a generalidade das revistas modernizou também as suas práticas editoriais, a fazer corresponder, nomeadamente, às exigências da adesão à indexação em bases bibliográficas internacionais, pelo que se uniformizam também as regras de submissão dos textos às revistas. É assim que se observa, por exemplo, o desaparecimento dos textos com maior volume de páginas, particularmente associados aos trabalhos de natureza mais ensaística e exclusivamente teóricos. Com esta mesma base, sobretudo a partir de 2010, os textos passam a assumir essencialmente a forma de artigos, onde se apresentam os resultados de pesquisas empíricas originais ou, por outro lado, trabalhos de revisão e/ou sistematização, teóricos ou empiricamente ilustrados, em que frequentemente o autor expõe a sua visão crítica e posicionamento face ao mesmo. Os artigos de pesquisa empírica original têm ainda a característica de apresentarem investigações com uma abordagem metodológica predominantemente qualitativa (55,7%) às quais se seguem a quantitativa (25,2%) e a mista (19,0%). Ainda que seja difícil encontrar uma tendência ou padrão no tempo (Gráfico 9, em Anexo), a característica mais persistente é, de facto, a publicação de trabalhos baseados numa abordagem qualitativa, nomeadamente com recurso às técnicas de entrevistas, grupos focais, observação, fotografia e análise documental. Dado o vínculo institucional da Sociologia à FLUP e à produção científica dos investigadores do IS-UP, procurou-se perceber também o peso relativo de trabalhos com foco em fenómenos sociais com expressão e significado regional e local, tendo sido identificado que 16,8% dos textos em artigo e dossier se debruçam sobre fenómenos e processos sociais na região norte do país, entre os quais predominam os trabalhos de pesquisa empírica original (89,1%). A análise temporal permite observar que o peso dos textos com foco na região norte é mais expressivo nos primeiros 14 volumes da revista, nomeadamente com rácio (região norte/outros) igual ou superior a 1 nos volumes IV, V, VII, IX e XI. A partir do volume XV (ano 2005) este peso perde expressão, sendo que, para além do número temático 8, com um rácio de 1.5, apenas os volumes XXVII e XXXVIII registam um rácio de 0.5 - o mais elevado desde então. Por fim, terminamos esta análise com uma referência às principais áreas temáticas que perpassam a história da Sociologia e relativamente à qual destacamos, desse logo, a organização dos dez números temáticos (Quadro 8) sobre áreas e problemáticas tão diversas e relevantes como as migrações e etnicidades, família e envelhecimento, desenvolvimento, consumo, cultura, trabalho e profissões, infância e outros processos e questões sociológicas em torna da realidade portuguesa contemporânea. A este respeito, sublinha-se o contributo dos diferentes números temáticos na consolidação do papel da Sociologia para o debate e reflexão em torno das políticas públicas, cumprindo, frequentemente também, o propósito de responder a desafios nacionais e internacionais muito atuais à data da sua publicação, de que são exemplos evidentes o número temático 1, no contexto do Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações, mas também o número 2, publicado num momento histórico de crescente diversidade étnica e cultural em Portugal, ou o número 8, numa altura em que o turismo no país registava sucessivos picos de crescimento.
Número temático | Ano | Título |
1 | 2012 | Envelhecimento demográfico: percursos e contextos de investigação na Sociologia Portuguesa |
2 | 2012 | Imigração, diversidade e convivência Cultural |
3 | 2013 | Lógicas de desenvolvimento social inclusivo e sustentável |
4 | 2014 | Ciganos na península ibérica e brasil: estudos e políticas sociais |
5 | 2015 | Práticas de consumo: valores e orientações |
6 | 2016 | Famílias e Curso de Vida: Potencialidades, limites e desafios metodológicos |
7 | 2017 | Processos sociais e questões sociológicas |
8 | 2018 | Cidade, cultura e turismo: novos cruzamentos |
9 | 2019 | A construção civil numa perspetiva sociológica: enquadramento e análise |
10 | 2020 | Direitos das crianças: abordagens críticas a partir das ciências sociais |
Para além destes, procuramos identificar as principais áreas temáticas em que se inscrevem os artigos publicados nos números semestrais (isto não inclui os temáticos acima apontados). Como noutras tentativas de classificação deste género, assumem-se as limitações deste exercício, desde logo relacionadas com o facto de algumas problemáticas - de que são exemplo mais comum as questões de classe e estratificação social ou as questões de género -serem transversais a muitas áreas de especialização da sociologia. Não obstante, parece-nos que ganhamos mais com este exercício do que perdemos ao ensaiá-lo, pelo que arriscamos a seguinte categorização. Entre as áreas temáticas destacam-se, então, os trabalhos na área clássica do trabalho, organizações e profissões (15,8%), com presença em 25 volumes e persistência duradoura. Seguem-se, com frequência consistente, a área de educação e formação (10,8%), presente em 18 volumes da Sociologia, e a área da cultura (9,2%), presente em 21 volumes. Com menor peso e uma expressão mais espaçada no tempo, surgem textos sobre movimentos sociais, associativismo, cidadania (5,4%), política, poder e estado (5,1%), território (4,7%), teoria, métodos e metodologia sociológica (4,4%), religião (4,1%) e família (3,8%). Sucede a temática do envelhecimento (3,5%) - com expressão particular no volume XV, das políticas públicas e políticas sociais (2,8%), das identidades e representações sociais (2,5%) - mais presente nos primeiros 13 volumes - e, a partir de 2012, a área do ambiente e sustentabilidade (2,2%). Regista-se, ainda, a área das classes e estratificação/exclusão social (2,2%), claramente sub-representada pelas razões que referi acima; da saúde e bem-estar (1,9%), migrações e etnicidades (1,5%), terceiro setor (1,5%) e análise ao campo científico em termos globais (1,5%). Por fim, residualmente, surgem ainda os textos nas áreas do desporto, juventude, turismo, género, media, consumos, desenvolvimento, valores, crescimento e inovação, afetos e linguística. Em trinta anos de difusão de conhecimento, pode dizer-se que não apenas os números temáticos da Sociologia, mas também os seus 40 volumes, espelham a crescente diversificação temática do campo científico, visível também, por exemplo, nos congressos da Associação Portuguesa de Sociologia (Machado, 2020; Pinto, 2004; Vilaça, 2002) ou na Bibliografia Temática e Cronológica da Investigação Sociológica em Portugal (Machado, 2020). Não obstante, com grande coerência, permanece simultaneamente ligada às áreas que são, identicamente, as linhas temáticas do IS-UP: Trabalho, Família e Políticas sociais e Recomposições sociais, Cultura e Território.
Notas finais
A forma como a Sociologia evoluiu não escapa às dinâmicas da realidade portuguesa, por exemplo, ao nível dos problemas sociais emergentes e da própria agenda política; e às condições de produção do próprio conhecimento científico - nomeadamente, ao nível do financiamento às unidades e projetos de investigação, da abertura da sociologia e dos sociólogos à internacionalização, ou da crescente diversificação e generalização de programas de mestrado e doutoramento em sociologia (Machado, 2020, 2009; Pinto, 2004). Mas, como se tentou explanar também, a Sociologia apresenta igualmente um percurso próprio, que muito se relaciona com o desenvolvimento do campo académico no Porto e as suas lógicas de institucionalização e afirmação. Com grande coerência, deve afirmar-se, a revista mantém características que salientam a sua marca, com são o foco predominante na sociologia, o carácter predominantemente académico, a difusão de trabalhos com significado regional e a forte ligação a áreas temáticas consolidadas. Não obstante, estas e outras características não assumiram sempre a mesma expressão. Se diminuirmos o foco da nossa lente, é possível distinguir algumas marcas que diferenciam dois períodos de desenvolvimento da revista. Um primeiro momento, aproximadamente entre 1991 e 2010, marcado pelo predomínio de trabalhos de autoria individual, a presença mais expressiva de autores do sexo masculino, bem como de autores disciplinarmente ligados à sociologia e a instituições portuguesas, e a presença de textos de natureza ensaística. A segunda fase inicia-se, aproximadamente, a partir de 2011, e demarca-se pelo retorno a um número de seções mais reduzido, passando a publicar, sobretudo, artigos e recensões; pela abertura a autores com formação em outras disciplinas; e pela expansão da presença de mulheres autoras, bem como de estudantes de mestrado e doutoramento. Por outro lado, a abertura que em 2002 se tinha observado relativamente à presença de autores com ligações a instituições estrangeiras, intensifica-se a partir de 2011, nomeadamente em relação a autores com ligações a países da América do Sul. Pode concluir-se, neste percurso de trinta anos, que a Sociologia acompanha as lógicas da internacionalização, da especialização do produto científico ao nível das suas práticas editoriais e características estruturais, da indexação a bases bibliográficas internacionais e da própria diversificação disciplinar e temática do campo científico. Mas estas características, que se figuram importantes para a definição do lugar que as revistas ocupam nos dias de hoje, são especialmente desafiantes para trilhar o futuro da Sociologia. A sua expressão modesta em alguns domínios, num contexto cada vez mais preenchido e concorrencial, nomeadamente a nível internacional, para as revistas, mas também para os investigadores, poderá ter um papel decisivo na (re)definição dos objetivos e características que tradicionalmente definem a Sociologia, sugerindo que assim se deixe em aberto as muitas possibilidades dos seus próximos volumes.