Introdução
O posicionamento no mercado de trabalho dos diplomados1, em Portugal, em particular nos anos iniciais da sua trajetória profissional, tornou-se manifestamente um tema de interesse para os sociólogos e outros cientistas sociais2. Um feixe de razões tem concorrido para isso, se atendermos ao passado recente. Por exemplo3: reconfigurações institucionais e morfológicas do ensino superior; acréscimo substancial da procura e correlativamente da titularização de diplomados; imposições administrativas e de avaliação de procedimentos e resultados de acordo com o managerialismo; estreitamento das relações entre as instituições de ensino e as entidades empregadoras públicas e privadas. A tais razões deve-se acrescentar uma outra que assume a primazia: as interrogações e o mapeamento das plurais dinâmicas do ensino superior, tão defendidos pelos sociólogos, em que os trabalhos pioneiros sobre a Universidade, de Adérito Sedas Nunes (1971) no então Gabinete de Investigações Sociais nos anos 1960, são um marco.
Direta ou indiretamente, o questionamento macro sobre a natureza das relações entre sistema educativo e sistema produtivo subjaz às análises que foram sendo produzidas. Sem assumir um estatuto absoluto, uma postura teórica axial é-lhes comum - a rejeição da tese utilitarista do sistema de ensino, mesmo nas suas versões menos radicais como aquelas que fazem do termo “empregabilidade”, recorrente no discurso político sobre o ensino superior, mas também por parte da comunidade académica.
É bem verdade que a recolha de informação sobre o mercado de trabalho dos diplomados, pelas próprias instituições de ensino superior, assente quase exclusivamente na aplicação de inquéritos por questionário, no cumprimento das tais obrigações avaliativas, possibilitou um acervo importante de dados que foi e é muito relevante para a investigação sociológica. Numa sintética inventariação das problemáticas tratadas sobre os diplomados, ressaltam, entre outras, os processos de transição/inserção do ensino para o mercado de trabalho, o emprego/desemprego, salários, precariedade laboral, relações entre saberes e competências adquiridos na formação académica e os utilizados nas organizações empregadoras, estilos de vidas e expetativas face ao futuro profissional. O presente artigo pretende equacionar um aspeto que, entre nós, importa aprofundar: a satisfação dos diplomados universitários com a sua atividade profissional. Especificamente a nossa análise incidirá sobre os diplomados com o título académico de mestres (2º ciclo e mestrados integrados) da Universidade do Porto (U.Porto) que concluíram os seus cursos no ano letivo de 2016/17. Os dados que trabalharemos são provenientes do Observatório do Emprego e da Trajetória dos Diplomados da Universidade do Porto4. Em primeiro lugar, abordaremos a satisfação com o trabalho em alguns dos seus aspetos teóricos principais para, de seguida, nos focarmos nos mestres daquela instituição, destacando as características, tipos e determinantes da satisfação com o trabalho.
Satisfação com o trabalho e diplomados
A satisfação com o trabalho constitui um tema pesquisado na sociologia, psicologia e gestão organizacional. Os motivos para essa atenção são vários, avultando os que decorrem do reconhecimento do seu papel moderador entre uma diversidade de variáveis que contribuem para a estruturação e as dinâmicas individuais e coletivas das organizações, assim como aqueles relacionados com a produtividade e qualidade do desempenho ou ainda com o reconhecimento da pertinência da satisfação para assegurar a dignidade humana no espaço social do trabalho. Globalmente a literatura sobre o tema tem como objetivo equacionar os determinantes da satisfação. Os trabalhos de Elton Mayo vão contribuir para uma outra visão alicerçada nas denominadas “relações humanas” e na rutura com o paradigma racionalizador do trabalho e das organizações. Visão que integrará a temática da satisfação. Especificamente podemos considerar a abordagem de Hoppock (1935) como um marco iniciático da análise da satisfação com o trabalho e destaca-se que, ao longo do tempo, três grandes linhas de investigação, intrinsecamente relacionadas, se desenvolveram: a concetualização da satisfação, que as mais das vezes prolonga os contributos sobre a satisfação global com as plurais dimensões da vida; as relações com a motivação, o bem-estar em contexto de trabalho e a vida; os determinantes, as consequências e as formas de intervenção (pessoal ou organizacional). A literatura aponta uma profusão de conceptualizações sobre a satisfação com o trabalho. Um dos autores mais citado é Locke (1969 e 1976), que a define como um estado emocional positivo ou de prazer, produto da avaliação que os indivíduos fazem do seu trabalho, assim como a realização dos seus valores através da atividade laboral. Já Schneider e Snyder (1975) consideram-na como uma atitude positiva face ao trabalho e às experiências que sucedem no contexto laboral e, por sua vez, Schwartz (2006 e 2011) refere-se sempre a uma posição gratificante, a que subjaz uma avaliação cognitiva que confronta a atividade de trabalho, nas suas plurais dimensões com as aspirações, que embora individual é influenciada grupalmente. Por sua vez, coloca-se o debate sobre se a satisfação é concebida como uma atitude ou como um estado emocional ou produto das articulações entre satisfação e motivação (Roussel, 1996). As perspetivas de investigação sobre esta problemática destacam a relevância de elementos individuais, situacionais e interacionais (Arvey et al, 1991) para a sua compreensão. Tais elementos interagem num feixe de relações intersubjectivas e complexas (Silva, 1998) que importa conhecer e interpretar, no sentido de captar as múltiplas configurações da satisfação com o trabalho e os desafios individuais e coletivos que encerra. Aspeto em si relevante e que subjaz, entre outros, às diversas e disjuntas construções teórico- metodológicas que se foram construindo ao longo do tempo.5
A medição da satisfação com o trabalho pode ser feita por duas vias: índice global6; conjunto de indicadores específicos e discriminativos, que funcionam como variáveis determinantes. Predomina a última em que o problema principal reside na natureza, significados e número de tais indicadores, bem como nas técnicas de medida, conduzindo à existência de diversos modelos explicativos sobre a satisfação (Spector, 1997; Lima et al, 1988; Cook et al (1981) e elencam extensivamente indicadores e escalas de medida. É uma abordagem multidimensional. Herzberg (1966) com a sua dicotomia - fatores motivacionais/intrínsecos e fatores higiénicos/extrínsecos - distingue satisfação de insatisfação e é um marco analítico importante. Também Inglehart (1977) e Vala (2000) destacam a relevância de fatores de natureza intrínseca e extrínseca. Os primeiros remetem para a autonomia na execução das tarefas, o grau de responsabilidade, o desenvolvimento de capacidades, a aquisição de conhecimentos, a aplicação de conhecimentos, a variedade de tarefas, a frequência de formação profissional e a participação no processo de tomada de decisão. Já os fatores de natureza extrínseca apontam para o horário laboral, as condições do local de trabalho, o tempo livre, o vínculo contratual, a remuneração e a progressão na carreira. Ginnzberg et al (1951) introduzem a discussão de dimensões intrínsecas, extrínsecas e relacionais para problematizar a satisfação com o trabalho. Os últimos reportam aos relacionamentos com pares, subordinados e superiores hierárquicos. Entretanto outras propostas teórico-metodológicas são também de atender: Spagnoli et al (2012) - recompensas, clima organizacional, práticas gestionárias, natureza do trabalho; Astel et al (2007) - conteúdo e horário do trabalho, recompensas, formação, qualidade do desempenho; Rojot (2011) - interesse com o trabalho, reconhecimento, autonomia, relações com os superiores e colegas, equilíbrio entre a vida privada e a vida profissional, saúde, perspetivas sobre o emprego; ou ainda o modelo das características do trabalho de Hackman e Oldham (1980) - significância, responsabilidade e feedback. Brites (1988) agrega crenças e valores sobre o trabalho, controlo e emoções sobre o trabalho, norma subjetiva, satisfação com a vida, importância do trabalho para o estatuto social, privação relativa, conhecimentos de informática e expetativas profissionais. Ferreira et al. (2012), atendendo às particularidades da profissão estudada (professores do ensino superior português), adotam uma bateria ampla de dimensões/variáveis (ambiente de ensino; gestão da instituição; colegas; trabalhadores não docentes; ambiente de trabalho; características do emprego; desenvolvimento pessoal e profissional; cultura e valores da instituição; prestígio da instituição e ambiente de investigação). Uma rutura com as abordagens ancoradas na psicologia conduz ao equacionamento da satisfação com o trabalho tendo em conta uma leitura mais holística baseada para Arechavala et al (2010) nas dinâmicas do mercado de trabalho, condições do trabalho e condições do emprego ou, para Rubio (1997), nas condições em que se desenvolve a atividade de trabalho (com três planos analíticos: âmbito do trabalho; sistema de relações sociais em que se insere a atividade de trabalho; sistemas sociais e modelos culturais). Analisar as aspirações, motivações e orientações dos trabalhadores face à sua vida laboral tem que, em termos sociológicos, atender ao igualmente às condições sociais e ao conjunto de fatores que não se cinjam aos comportamentos dos indivíduos nas organizações e às dinâmicas internas destas. Isto é, atender à satisfação percebida pelos atores e simultaneamente aos aspetos objetivos que traduzem as dinâmicas sociais e culturais internas e externas às organizações. Os estudos sobre os diplomados seguem as abordagens globais sobre a satisfação com o trabalho quanto às variáveis determinantes e técnicas de medida. Género, trajetória profissional, salário, nível e natureza disciplinar da formação académica, tipo de contrato de trabalho, sobre-educação, conhecimentos e competências adquiridas na formação académica são recorrentemente mobilizados como variáveis descriminantes, isoladamente ou agregadas em modelos analíticos compósitos7.
Mestres e satisfação com o trabalho
Como se apontou acima, o presente artigo abrange os mestres (mestrados 2º ciclo e mestrados integrados8) que concluíram os seus cursos na U.Porto, no ano letivo de 2016/17. Mestres que responderam, entre outubro e dezembro de 20199, a um inquérito por questionário (aplicado online) sobre a situação ocupacional desenvolvido no âmbito do Observatório do Emprego e da Trajetória dos Diplomados da Universidade do Porto10. A população total inquirida foi de 1779 mestres 11 repartidos por 14 Faculdades e 144 cursos. Obteve-se uma amostra intencional de 793 mestres (taxa de resposta de 44,6%). As indicações apontadas pelos mestres referem-se sempre à sua condição no mercado de trabalho a 1 de outubro de 2019. A amostra é maioritariamente feminina (57,6%)12, com uma prevalência do escalão etário dos 25 aos 29 anos de idade (81,1%), distribuídos principalmente pelas áreas de educação e formação da Engenharia, indústria transformadora e construção e da Saúde e proteção social, respetivamente com 36,1% e 28,0%. Uma expressiva maioria estava empregada (91,3%). Por sua vez, predominava o grupo profissional dos Especialistas das atividades intelectuais e científicas13 (88,5%), o vínculo laboral a termo certo (56,1%), o rendimento mensal líquido entre os 801 euros e os 1400 euros (65,4%), a empresa privada (62,5%) e a inserção numa organização com mais de 500 pessoas (44,4%). O tempo médio de espera do primeiro emprego foi de 3,2 meses. É de acentuar a trajetória profissional limitada temporalmente dos mestres (terminaram os seus cursos entre julho e dezembro de 2016). É um agrupamento com um elevado nível de qualificação académica, uma escolaridade longa, em que para alguns (o caso, por exemplo, de medicina, engenharia) o acesso à U.Porto foi altamente competitivo, com expetativas de obtenção de atividade profissional com recursos económicos e simbólicos expressivos face à maioria da população empregada14.
Principalmente tributários quer da análise dos diplomados do ensino superior realizada no projeto de investigação “Higher Education and Graduate Employment in Europe” (CHERS)15 (Schomburg e Teichler, 2006; Teichler,edit. , 2007; Mora et al, 2007), quer de Arechavala et al, (2010), construímos um conjunto de dimensões (condições do emprego, relações de trabalho, conhecimentos e competências, vida de trabalho e não trabalho e dinâmicas do mercado de trabalho, neste caso de 2011 a 2019) discriminadas por indicadores. As dinâmicas funcionam como enquadramento socioeconómico e as outras variáveis expressam fatores individuais, organizacionais e relacionais. A confluência entre as dimensões apontadas é heuristicamente relevante como meio de leitura sociológica da multicomplexidade que caracteriza a satisfação com o trabalho como uma das grandezas da vida social. Abrange-se o “mundo do trabalho” vivenciado pelos agentes sociais. A satisfação não é o resultado de um somatório de variáveis, mas sim de uma matriz combinatória e interdependente delas.
A satisfação com o trabalho percebida pelos mestres, em 1 de outubro de 2019, não deixa de refletir o contexto socioeconómico de Portugal. (Quadro 1). Quando a generalidade dos mestres ingressou no ensino superior, no ano letivo de 2011/201216, o país encontrava-se numa crise económica e social que se agravaria nos anos seguintes, sobressaindo, entre outros aspetos, uma forte erosão do emprego e dos salários. O impacto negativo no emprego, remunerações e condições de vida da população surtiu incidências diferenciadas conforme as categorias sociais (Lima, 2015; Rodrigues coord. et al. 2016; Gonçalves, 2020)17. As categorias dos jovens e dos trabalhadores mais velhos (55 e mais anos) foram as mais penalizadas18. Tradicionalmente os jovens apresentam elevadas taxas de desemprego. Taxas que comparativamente são menores para os jovens diplomados que possuem um título académico de nível superior como se testemunha para o escalão dos 25-29 anos19. Neste caso aquele titulo académico protege mais do desemprego. Todavia, as taxas são sempre superiores às dos diplomados e dos desempregados em geral, traduzindo a dificuldade de inserção no emprego pelos mais jovens mesmo com uma qualificação elevada.
De um modo mais robusto, a partir de 2014 verifica-se uma recuperação económica. Isso reflete-se no andamento positivo das taxas de emprego e de desemprego dos diplomados (25-29 anos), mas igualmente das restantes categorias laborais, conquanto com desiguais ritmos de andamento entre si. O aumento do emprego fez-se principalmente pela incorporação de postos de trabalho com baixas ou estagnadas remunerações (num processo de desvalorização salarial), necessitando de baixas qualificações, atingidos por uma rotatividade mais intensa da mão de obra e baseados na precariedade laboral (Caldas, 2015; Almeida, 2017), como se observa na evolução do indicador dos trabalhadores com contrato com termo. Em suma, a transição da Universidade para o mercado de trabalho para a esmagadora maioria dos mestres (grosso modo entre junho de 2017 e novembro de 2019) ocorreu num contexto económico mais favorável, indutor de emprego.
Se atendermos aos indicadores sobre a satisfação com o trabalho dos mestres (Quadro 2), observa-se que as “Relações com os colegas” tem a média mais elevada20, destacando-se dos restantes. A sociabilidade em contexto de trabalho que integra provavelmente a criação de novas amizades, formas de companheirismo e relações de entreajuda entre trabalhadores. Não mais de que modos de convivialidade e de comunicação, que para a maioria é um “mundo social” que contrasta com o ambiente e clima social da Faculdade e da relação entre pares 21 . O que é indissociável do processo mais amplo de socialização profissional (Dubar, 1977) concretizado na aprendizagem de procedimentos, de normas e regras, de estruturas organizacionais, de relações de poder e da existência de grupos, formais ou informais. O quotidiano de trabalho é, por natureza intrínseca, uma fonte de configuração de novos modos de estar e ser, bem como de integração social (Flacher, 2002), da “antroponomia” (Bertaux, 1978) e de construção da identidade profissional (Sainsaulieu, 1977), que é particularmente importante para os mestres que iniciam a sua atividade como membros de profissões regulamentadas com o monopólio dos respetivos mercados de serviços e de trabalho, caso dos advogados, engenheiros, médicos, farmacêuticos e psicólogos, por exemplo (Gonçalves, 2007, Vezinat, 2016 e Burns, 2019)22. Todavia, todos estes processos, se tributários sempre dos contextos organizacionais em que ocorrem e que se reconfiguram conforme o mestre vai alterando as suas posições funcionais e hierárquicas, são atravessados por conflitos em termos pessoais e coletivos. Fruto ainda da sua recente inserção no mercado de trabalho, para alguns dos mestres ainda prevaleça uma “imagem dourada” dos contextos em que trabalham.
Responsabilidade pela execução do trabalho”, “Variedade das tarefas realizadas” e “Utilização dos conhecimentos e competências” são os indicadores da satisfação também com médias elevadas. Inserem-se na dimensão da natureza e organização do trabalho e são estruturantes das novas aspirações, motivações e expetativas dos trabalhadores, o que é ainda mais importante pelo facto de os mestres se inserirem maioritariamente em profissões de elevada qualificação. Composição das tarefas, tão valorizada pela corrente da abordagem micro da atividade de trabalho (Ughetto, 2018), mas igualmente das relações entre a formação académica, a que se pode juntar para alguns dos mestres a experiência profissional entretanto adquirida, e o trabalho. A sua supremacia, mais vincada face aos demais indicadores de natureza extrínseca, é defendida por Inglehart (1997), Méda e Vendramin (2013), MOW (1987), Vala (2000). Num estudo sobre os valores do trabalho dos diplomados da U. Porto (que obtiveram o seu título académico em 2008) constatou-se um equilíbrio mais de que uma supremacia (Gonçalves et al, 2019). Aspeto que decorre das condições do mercado do trabalho no país e que se têm mantido estruturantes ao longo do tempo: precariedade laboral e salários baixos.
Com as médias mais baixas encontram-se o “Montante da remuneração mensal” e as “Oportunidades de promoção na carreira profissional”. Podemos entender o valor da última como resultante do confronto entre as expetativas e aspirações construídas, sobretudo enquanto alunos, e a “realidade” constrangedora das organizações empregadoras e do mercado de trabalho. A remuneração é uma variável que recorrentemente é avaliada negativamente (Roussel, 1996; Santos, 2009). Quanto a esta, mais uma vez, importa convocar a situação em Portugal. Ela reflete a evolução não expressiva das remunerações no contexto de recuperação económica pós 2014 (Caldas e Almeida, 2018). Repara-se que o escalão dos 801 aos 1400 euros de rendimento mensal líquido concentra uma parcela ampla (65,4%) dos diplomados da U.Porto (Anexo A). Concomitantemente, os dois extremos da escala registam valores não displicentes (em particular no que é inferior a 800 euros). Relacionado com isto, 53,2% consideram que “o rendimento atual dá para viver”, o que só aparentemente é contraditório com a insatisfação, porquanto uma parcela importante dos mestrados valoriza uma remuneração mais elevada. Num país em que se conjuga estruturalmente baixos salários, pesada desigualdade salarial e desigualdades educativas (especialmente na obtenção de um título académico universitário), as remunerações dos diplomados ganham uma especial atenção. Numa leitura global, conservaram, ao longo do tempo, uma expressiva vantagem remuneratória face aos demais trabalhadores com níveis de escolaridade inferiores (Portugal et al, 2018), sendo um dos fatores determinantes da manutenção dos níveis elevados de desigualdade salarial. Contudo, o prémio salarial associado ao ensino superior diminui, nos anos mais recentes, em termos globais e particularmente para os trabalhadores mais jovens (Campos e Reis, 2019; FJN, 2021). Tal tendência enquadra-se num quadro mais geral de desvalorização salarial, que ganhou um andamento expressivo com o programa de ajustamento estrutural, de 2011 a 2014, mas que posteriormente não foi invertida de um modo sustentado com exceção do salário mínimo nacional (Caldas, 2015).
Da análise apresentada sobre a satisfação com o trabalho, importa destacar que a população inquirida declara estar satisfeita com as oportunidades de relações de sociabilidade com os colegas e as condições do exercício da atividade de trabalho, particularmente da responsabilidade assumida, da diversidade de tarefas realizadas e da oportunidade de aplicar conhecimentos e competências. Por outro lado, ao nível da não satisfação com o trabalho sobressai a dimensão salarial e a escassez de oportunidades para progredir na carreira. Para finalizar, estes resultados sintonizam-se, por um lado, com conclusões de outras pesquisas que destacam o papel preponderante do ambiente de trabalho (Koilias et al, 2012) e da importância da autonomia do trabalho (Kucel e Vivalta-Bufi, 2013), para explicar a satisfação laboral dos diplomados universitários e, por outro lado, com investigações (Jaramilli et al, 2017; Mora et al, 2005) que destacam que em termos de insatisfação com o trabalho sobressai a dimensão salarial e a escassez de oportunidade para progredir na carreira. A que se associa a questão da precariedade laboral (Castellaci e Vinas-Bardolet, 2020).
Tipos e determinantes da satisfação com o trabalho
Passemos de seguida à construção de tipos de satisfação com o trabalho. A análise fatorial de componentes principais24 permitiu a extração de quatro tipos de satisfação. Incorporam o tipo atividade de trabalho - indicadores que expressam a natureza e a organização do trabalho valorizados de modo robusto pelos mestres. A prevalência de alguns deles já tínhamos destacado acima. O tipo relações contratuais engloba a carreira profissional, tipo de contrato de trabalho, remuneração, estabilidade e segurança face à situação profissional. Estes são centrais definem as condições efetivas do emprego, não são mutuamente exclusivos, embora com significados e níveis de importância diferenciados para os trabalhadores. Do tipo trabalho, vida pessoal e familiar destaca-se a duração semanal do horário de trabalho, o tempo livre disponível/conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional e a carga e ritmo de trabalho. A sociabilidade organizacional, não mais que a sociabilidade no trabalho, com colegas, subordinados (no caso de existirem) e superiores hierárquicos caracteriza o tipo relativo às relações de sociabilidade.
Como apontámos acima, o nosso interesse é especificamente saber se determinadas variáveis configuram a satisfação com o trabalho. Atendendo aos atributos sociodemográficos e de inserção no mercado de trabalho dos mestres e aos múltiplos resultados de estudos (Mora et al., 2007 e 2008; Vila et al, 2008; Capecchi e Piccolo, 2016; Silva, 1998; Santos et al, 2009), selecionamos as seguintes variáveis (Anexo E): sexo; tipo de contrato; remuneração; posição face à remuneração; situação atual no mercado de trabalho (empregado/desempregado); tipo e dimensão da organização; atividade executada por outrem; adequação entre emprego e formação académica; relevância do mestrado para o emprego atual; importância do trabalho na vida social; áreas de educação e formação; modalidades de competências profissionais26.
A análise de regressão linear () revela que as variáveis consideradas têm um poder de influência diverso para cada um dos tipos. Apontemos os resultados mais expressivos: a profissão e a importância do trabalho influenciam o tipo atividade de trabalho; a remuneração e a relevância do mestrado influenciam o tipo relações contratuais; a posição face à remuneração influencia o tipo trabalho e vida pessoal e familiar; a situação atual influencia o tipo sociabilidade no trabalho. As mulheres apresentam menor satisfação no tipo trabalho e vida pessoal e familiar do que os homens. Os mestres que detêm um contrato a termo evidenciam, em média, uma maior satisfação com a atividade de trabalho, mas menor satisfação com relações contratuais, relativamente aos indivíduos que possuem um contrato sem termo. Um rendimento mais elevado proporciona, em média, maior satisfação com a atividade de trabalho e relações contratuais, ainda que penalize a satisfação com o trabalho, vida pessoal e profissional. Os mestres para os quais o trabalho assume importância significativa na sua vida revelam ter, em média, maior satisfação com a atividade de trabalho27 . O facto da atual atividade profissional dos mestres poder ser executada por outras pessoas somente com um curso com o mesmo grau académico origina maior satisfação com a atividade de trabalho. A adequação da atual atividade profissional à formação académica do mestrado proporciona, em média, uma maior satisfação com a atividade de trabalho.
Notas finais
O presente artigo teve como objeto a satisfação dos diplomados com o título académico de mestres (2º ciclo e mestrados integrados) da U.Porto que concluíram os seus cursos no ano letivo de 2016/17. Trata-se de uma população particular no sentido quer da sua formação académica (em termos de conteúdos e da sua duração), quer da sua trajetória laboral ainda curta (pelo menos para uma maioria expressiva), o que influencia os resultados obtidos.
Globalmente destaca-se a satisfação percebida dos mestres com dimensões relativas às oportunidades de relações de sociabilidade com os colegas e às condições do exercício da atividade de trabalho, nomeadamente da assunção de responsabilidade, da diversidade de tarefas realizadas e da oportunidade de aplicar conhecimentos e competências. São predominantemente elementos intrínsecos ao trabalho. Já a insatisfação com o trabalho faz-se sentir, de maneira mais expressiva, quanto à remuneração e à ausência de oportunidades que possibilitem a progressão na carreira.
A análise fatorial de componentes principais conduziu à extração de quatro tipos de satisfação com o trabalho: atividade de trabalho; relações contratuais; trabalho, vida pessoal e familiar; e relações de sociabilidade. O primeiro tipo integra indicadores relativos à natureza e organização do trabalho que são valorizados de forma expressiva pela população inquirida. Do segundo tipo fazem parte condições efetivas do emprego, carreira profissional, tipo de contrato de trabalho, remuneração e estabilidade e segurança face à situação profissional. Destaca-se a relevância destas dimensões para definir as situações no mercado de trabalho, que apresentam graus de importância e sentidos diferenciados para os diplomados. Quanto ao trabalho, vida pessoal e familiar avultam a duração semanal do horário de trabalho, o tempo livre disponível/conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, e a carga e ritmo de trabalho. Finalmente, o quarto tipo destaca a sociabilidade no trabalho com colegas, subordinados (no caso de existirem) e superiores hierárquicos.
Optámos por analisar o impacto de variáveis independentes nos tipos de satisfação com o trabalho acima referenciados. Os resultados que obtivemos revelam que a profissão e a importância do trabalho influenciam o tipo atividade de trabalho. Já a remuneração e a relevância do mestrado condicionam o tipo relações contratuais. Por sua vez, a posição face à remuneração influencia o tipo trabalho, vida pessoal e familiar, e finalmente a situação laboral atual interfere com o tipo relações de sociabilidade. Acrescente-se que os resultados obtidos expressam igualmente o contexto socioeconómico que o país vivia durante o período de transição da Universidade para o mercado de trabalho dos mestres (entre junho de 2017 e novembro de 2019). Aumento do emprego acompanhado pela permanência da precariedade laboral a níveis elevados (especialmente no setor privado) e uma débil evolução dos salários. Recorde-se que a 1 de novembro de 2019 unicamente 3,4% dos mestres estavam desempregados.
Os resultados da investigação reforçam a relevância do papel da satisfação com o trabalho dos diplomados universitários para compreender a estruturação e as dinâmicas individuais e coletivas das atividades profissionais e das organizações. Contribuem para entender a multidimensionalidade destes processos, a porosidade de fronteiras entre os espaços e tempos de (não)trabalho e a imperiosidade do reconhecimento da centralidade da satisfação, entre outras variáveis, para a salvaguarda e promoção do trabalho digno