1. Introdução
Já nos anos 1990, Heckman et al. (1998) estimavam que a formação realizada nas empresas, juntamente com outras modalidades de formação profissional, fosse responsável por mais de metade da aquisição de capital humano ao longo da vida. Algumas análises realizadas desde então sugerem que houve um crescimento na educação de adultos ao longo das últimas décadas (por exemplo, Desjardins, 2017; 2020); outras análises, realizadas em países específicos e centradas em períodos específicos, sugerem, por seu turno, algum declínio (por exemplo, Mason, 2010). Choques económicos e sociais como a pandemia da COVID-19 podem, naturalmente, ter efeitos substanciais nos curto e médio prazos. O mesmo pode acontecer com mudanças nos governos que acarretem alterações significativ as das prioridades políticas e orçamentais. No período dos últimos 20-30 anos, contudo, os dados parecem indiciar uma tendência geral de crescimento da educação de adultos, observável desde os anos 1990 nos países da OCDE e da UE para os quais existem dados disponíveis.
Vale a pena definir, à partida, aquilo que, considerando os propósitos deste artigo, deve entender- se por educação de adultos, nomeadamente no que respeita à sua relação com o mundo do trabalho e com a formação profissional. As abordagens à definição e delineação da educação de adultos podem variar consideravelmente de país para país. Nalguns círculos, a educação de adultos é tratada como algo distinto ou diferente da formação profissional, mas esta distinção pode ser problemática.
Antes de mais, não é fácil distinguir claramente as motivações e os objetivos que estão por detrás da decisão de entrar num processo de aprendizagem, seja de que tipo for, nem quais podem ser as respetivas implicações. Isto é, o impacto que a aprendizagem num setor ou com um objetivo específico tem noutros setores e noutros objetivos (por exemplo, educação de adultos para a democracia e a sociedade civil versus motivos profissionais) representa algo complexo. Por exemplo, a aprendizagem direcionada para a aquisição de competências básicas ou para a participação em atividades na sociedade civil que envolvem relações sociais e experiências em contexto pode estar relacionada com o desenvolvimento de competências relevantes para o mundo do trabalho.
Para além disso, os adultos participam em diversas formas de aprendizagem por razões profissionais, e os empregadores apoiam diversas formas de aprendizagem, incluindo qualificações formais no sistema regular de ensino, e nalguns casos esse apoio estende-se à aprendizagem realizada por motivos não relacionados com o emprego (Desjardins, 2020, Fig. 2.7). Por isso, é essencial assinalar que a aprendizagem organizada de adultos que está relacionada com o emprego e/ou é suportada pelo empregador não pode ser reduzida ao conceito de formação profissional. Com efeito, ela pode envolver educação de adultos formal e não formal, incluindo programas de aquisição de competências básicas, educação compensatória ou de segunda oportunidade, ensino superior para estudantes mais velhos, bem como formas de educação popular de adultos. Neste sentido, o conceito de educação de adultos utilizado neste artigo refere-se à formação profissional, realizada ou não em contexto laboral, mas também às outras formas de educação de adultos.
A tendência para o crescimento da participação em educação de adultos (definida de modo lato) desde a década de 1990 pode ser atribuída em parte ao interesse crescente dos empregadores (nos setores privado, público e não governamental) em investir em educação de adultos, devido aos benefícios substanciais que esta aporta. Lerman (2015), por exemplo, documentou os seus impactos positivos, tais como o aumento da produtividade na indústria e a inovação, o aumento dos salários e os benefícios fiscais que resultam do investimento continuado em aprendizagem. À medida que cresce o investimento dos empregadores, a questão sobre quem beneficia do apoio dos empregadores para participar em educação de adultos torna-se uma questão relevante quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista da investigação. Uma das hipóteses levantadas é a de que o crescimento da participação em educação de adultos financiada pelos empregadores pode resultar num exacerbamento das desigualdades na participação. Esta ideia decorre da assunção de que o comportamento dos empregadores é, em geral, o da procura dos benefícios sobre os custos (Becker, 1964), o que se traduziria numa participação seletiva na formação apoiada pelos empregadores. Por exemplo, os adultos com níveis de escolaridade mais elevados tendem a ser percebidos pelos empregadores como sendo mais competentes, tendendo, portanto, a ser selecionados para a participação em ações de desenvolvimento de competências avançadas, com vista a aumentar a produtividade (Ci et al., 2015). Dado que a educação de adultos tem sido associada a vários benefícios económicos e não-económicos (ver, por exemplo, Ruhose et al., 2019), o crescimento da desigualdade em matéria de participação em educação de adultos contribuiria para intensificar vários tipos de desigualdades sociais.
Este artigo providencia estimativas das mudanças nas probabilidades de participação em educação de adultos suportada pelos empregadores, de acordo com diversas características individuais, sociodemográficas e laborais dos adultos participantes, desde a década de 1990, de modo a aferir o impacto, ao longo do tempo, das mudanças na desigualdade da participação educativa dos adultos. O objetivo é analisar as hipóteses que podem ser avançadas quanto ao impacto do crescente apoio dos empregadores à educação de adultos, isto é, se este apoio está a exacerbar ou, pelo contrário, a mitigar a desigualdade na participação em educação de adultos. Como referido, é esperado que o crescimento da participação em educação de adultos suportada pelos empregadores exacerbe a desigualdade na participação. As desigualdades de participação são verificadas com base nas diferenças de probabilidade de participação de categorias sociais contrastantes constituídas a partir de diversas características individuais, sociodemográficas e laborais relevantes (por exemplo, mulheres comparadas com homens, pessoas com baixos níveis de escolaridade comparadas com pessoas com níveis mais elevados de escolaridade, etc.). Por exemplo, reduções das diferenças entre categorias contrastantes na probabilidade de participação são interpretadas como desigualdades reduzidas na probabilidade de participação associada a essas categorias contrastantes.
O artigo está organizado do seguinte modo. Primeiro, apresentamos um breve resumo da investigação recente que se debruça sobre os padrões de desigualdade na participação em educação de adultos. Este exercício inclui menção ao papel das desvantagens sociais e a alguns fatores macro, institucionais, organizacionais e outros fatores estruturais que possam afetar os padrões de participação. Em segundo lugar, debruçamo-nos sobre os dados e métodos utilizados para produzir as estimativas. Estas decorrem de uma análise que mobiliza os resultados do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), estudo da OCDE de 2013, e do Inquérito Internacional à Literacia dos Adultos (IALS), de 1994-1998. Doze países foram incluídos na análise, nomeadamente: Bélgica, República Checa, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Polónia, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Um pequeno número de outros países participou em ambos os estudos, mas, devido a restrições no acesso aos dados e/ou a questões de comparabilidade, os respetivos dados foram excluídos da análise (são os casos, por exemplo, da Austrália, Canadá e Alemanha). Em terceiro lugar, o artigo discute os resultados, conferindo ênfase ao tópico das desigualdades na participação em educação de adultos, perspetivado de acordo com vários fatores individuais, sociodemográficos e laborais e com as mudanças observáveis ao longo do período abrangido. Por último, são tiradas algumas conclusões em relação às limitações do estudo realizado e às suas implicações para a investigação futura.
2. Padrões de desigualdade na participação em educação de adultos
2.1. O papel da desvantagem social e do apoio dos empregadores
Existem padrões de desigualdade na participação em educação de adultos em vários países, que são sobejamente conhecidos (ver, por exemplo, Desjardins et al., 2006). Boeren (2009, 2016, 2017) reflete sobre estes padrões recorrendo à noção de “princípio de Mateus”, que visa dar conta da observação comum de que são os adultos que já têm níveis altos de escolaridade e de competências, e que têm empregos altamente qualificados, que tendem a participar mais em educação de adultos, e a ter mais hipóteses de receber apoio da parte dos respetivos empregadores. Mais recentemente, na sua análise sobre educação de adultos e desigualdade socioeconómica, Kosyakova e Bills (2021) confirmaram que “…o efeito Mateus é ubíquo no mundo da educação dos adultos” (p. 10). Lee e Desjardins (2019) chamam a atenção para a relação com a desigualdade de competências, tendo sido descoberto que o nível de competências de um trabalhador está associado à sua probabilidade de participação. Por exemplo, os adultos com baixos níveis de competências de literacia demonstram uma probabilidade aproximada de participação de 0,3, que contrasta com uma probabilidade de aproximadamente 0,74 para os adultos com os níveis mais altos de competências de literacia (OCDE, 2014). Indivíduos que precisam de melhorar as suas competências e conhecimentos profissionais têm, pois, menos probabilidades de aproveitar oportunidades de educação de adultos, o que leva a um aprofundamento das desigualdades, em desfavor dos trabalhadores pouco qualificados, no mercado de trabalho (Boeren, 2009).
Como já foi referido, uma das razões para a preponderância do efeito Mateus, particularmente no que se refere ao papel da educação de adultos suportada pelos empregadores, é o pressuposto relativo ao comportamento geral dos empregadores no sentido da maximização dos benefícios sobre os custos (Becker, 1964). Com base nesta assunção, a atribuição de apoios à formação por parte dos empregadores será provavelmente seletiva e menos favorável para os adultos que apresentem uma série de características individuais, sociodemográficas e profissionais desfavorecidas. Vignoles et al. (2004), por exemplo, encontraram dados que sugerem que os empregadores dirigem o seu apoio precisamente para os trabalhadores que têm mais probabilidade de beneficiar com a educação de adultos.
2.2. Fatores estruturais que afetam a desigualdade de participação
Ao nível macro, institucional e organizacional, a investigação realizada aponta para que fatores estruturais possam ser importantes para mitigar ou, pelo contrário, para exacerbar as desigualdades de participação. Para um apanhado recente sobre o papel desempenhado pelos sistemas educativos, o Estado social e os sistemas de emprego, ver Kosyakova e Bills (2021).
Vale a pena assinalar que também foi sugerido que as características sistemáticas que refletem a intervenção governamental nos domínios da educação, aprendizagem ao longo da vida e políticas ativas de emprego desempenham um papel importante na redução das desigualdades de participação (ver, por exemplo, Groenez et al., 2008; Desjardins e Ioannidou, 2020). Por exemplo, a análise de Roosma e Saar (2016) confirma a importância de incluir na análise fatores estruturais e institucionais, para além das características dos indivíduos, para explicar as barreiras à participação em educação de adultos. De forma semelhante, Cabus et al. (2020) avançaram com a proposta de um modelo para explicar a variabilidade da participação em educação de adultos entre países, com ênfase nos adultos empregados, incluindo subgrupos vulneráveis, como os trabalhadores pouco qualificados, os jovens e os imigrantes. Tomando em consideração as características dos empregadores, bem como as características sistémicas, eles sugerem que os empregados participam com maior frequência em educação de adultos quando esta é apoiada pelos empregadores. Também foi concluído que os arranjos institucionais a nível organizacional e setorial afetam a probabilidade e a magnitude do investimento feito pelos empregadores em formação contínua para trabalhadores pouco qualificados, na Alemanha (ver Wotschack, 2020). Wotschack sugere que o papel da representação dos empregados, as práticas formalizadas de RH e a cobertura em matéria de negociação coletiva podem beneficiar os trabalhadores menos qualificados, e ter, portanto, um impacto nas possibilidades de participação em educação de adultos.
Em termos de visão de conjunto, esta investigação sugere que o alcance e a distribuição da educação de adultos (incluindo a desigualdade) em cada país ou contexto são provavelmente impulsionadas por características institucionais específicas, e por políticas específicas, que estão relacionadas com a oferta, adesão e distribuição da aprendizagem organizada e direcionada para os adultos. Desjardins e Ioannidou (2020) discutem alguns dos fatores institucionais que promovem a aprendizagem de adultos, nomeadamente, as estruturas educativas formais abertas, flexíveis e permeáveis, combinadas com o apoio público à educação, especialmente às modalidades de segunda oportunidade ligadas aos sistemas de qualificação formais. Discutem também o papel das políticas ativas de emprego e a sua potencial eficácia quando ligadas a estruturas educativas abertas e flexíveis, bem como a importância da definição do público-alvo, como acontece com o programa Basic Competence in Working Life (Competência Básica na Vida Laboral), introduzido na Noruega em 2006, e que envolve o apoio estatal para a provisão de educação básica no local de trabalho a trabalhadores desfavorecidos (VOX, 2023).
3. Dados e método
3.1. Dados sobre tendências
A investigação sobre se a desigualdade na participação tem vindo a mudar ao longo do tempo, e sobre as possíveis explicações para essa mudança, é escassa. Por outro lado, existem várias bases de dados que podem possibilitar análises comparativas à escala internacional, tais como as que estão associadas ao Inquérito à Educação e Formação de Adultos (IEFA), da UE, ao Inquérito ao Emprego, também da UE, ou ao Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), da OCDE. Cada um destes estudos difere quanto à série cronológica ou ao número de painéis transversais disponíveis. Para além disso, existem dados a nível nacional, de caráter longitudinal, que permitem fazer este tipo de investigação (ver Zanazzi, 2018), embora não se prestem facilmente a uma análise comparativa dos fatores estruturais que podem ter impacto na desigualdade na participação. A Tabela 1 (discutida adiante) ajuda a mostrar as mudanças ao longo do tempo nas taxas de participação em educação de adultos suportada pelos empregadores desde a década de 1990.
3.2. Dados utilizados na análise
Os dados apresentados na Tabela 1 e analisados neste artigo provêm das bases de dados do 1.º Ciclo do PIAAC, de 2013, bem como do IALS, de 1994-1998. Análises idênticas podem ser consideradas usando os três painéis transversais do Inquérito à Educação e Formação de Adultos da UE (2007, 2011, 2016), e um quarto agendado para 2022, mas esses são exercícios que terão que ficar para investigações posteriores. Embora o Inquérito ao Emprego da UE providencie séries cronológicas para vários países desde os anos 1990, não nos permite uma panorâmica sobre o apoio dos empregadores. Uma vantagem de usar o estudo do PIAAC é que podem ser incluídos muitos países que não estão na UE, embora, na presente análise, apenas os Estados Unidos da América se enquadrem nesta categoria. As próximas bases de dados do PIAAC, de 2024, vão, entretanto, permitir uma atualização com mais países, muitos dos quais irão ter então três momentos de observação, remontando o primeiro aos anos 1990.
O IALS foi um esforço de cooperação de grande escala envolvendo governos, agências nacionais de estatística, instituições de investigação e agências multilaterais, desenvolvido no período entre 1994 e 1998 (para mais pormenores, ver OCDE e Statistics Canada, 2000). Quanto ao PIAAC, este é um estudo posterior que faz o acompanhamento da mesma população e que tem os mesmos objetivos, tendo utilizado, em grande medida, instrumentos de pesquisa e medição quase idênticos, e de natureza comparável (para mais pormenores, ver OCDE, 2013a, 2013b). Trata-se de estudos transversais baseados numa combinação única de metodologias de inquérito a agregados familiares (como no caso do Inquérito ao Emprego) e métodos de avaliação direta das competências. Ambos os estudos foram concebidos principalmente como avaliações comparativas internacionais da proficiência em literacia, que foram administradas a amostras nacionais representativas de adultos com idades compreendidas entre os 16 e os 65 anos (amostras de grandes dimensões que variam entre 2.000 e 5.000 casos por país). O IALS foi efetivamente o primeiro estudo comparativo internacional de larga escala sobre educação de adultos alguma vez realizado, proporcionando uma referência-base para a medição da extensão e distribuição da educação de adultos na década de 1990, num vasto leque de países da OCDE.
Da mesma forma, o PIAAC recolheu informações detalhadas sobre uma série de atividades de educação e formação realizadas por adultos nos 12 meses anteriores à entrevista, incluindo programas de educação formal e outras atividades de educação não formal, como workshops, seminários, formação no local de trabalho, bem como cursos relacionados com lazer e participação cívica. Por conseguinte, com ambos os conjuntos de dados, é possível avaliar empiricamente a extensão do crescimento da educação de adultos desde a década de 1990, cruzando-a com diversas características individuais, sociodemográficas e profissionais. Apenas os adultos com idades compreendidas entre os 26 e os 65 anos foram incluídos na análise, para evitar distorções associadas à presença de estudantes a tempo inteiro e às variações observadas ao longo do tempo nos sistemas de transição juvenil.
3.3. Método
É utilizado um modelo logístico multivariado binário para estimar a desigualdade na participação associada a várias características individuais, sociodemográficas e profissionais, a partir dos dados do PIAAC (os resultados são apresentados na Tabela 2). Ver a nota relativa à Tabela 2 para pormenores acerca das dimensões da amostra e das medidas de ajustamento.
O modelo multivariado proposto baseia-se na investigação de Boudard e Rubenson (2003), que analisa as determinantes da educação de adultos a partir dos dados do IALS, dados que incluem a maior parte das varáveis explicativas usadas nesta análise. Os fatores individuais e sociodemográficos considerados no modelo que, por hipótese, afetam as probabilidades de participação são: género (homem, mulher*)3, idade (21-40, 41-55, 56-65*), estatuto migratório e linguístico (nacional-língua nativa, estrangeiro-língua nativa, nacional-língua estrangeira, estrangeiro-língua estrangeira*), nível de escolaridade mais elevado (menos do que o ensino secundário*, ensino secundário, mais do que o ensino secundário)4, proficiência em literacia (Nível 2 ou inferior*, Nível 3 ou superior)5 e nível de escolaridade mais elevado obtido pelos pais (pelo menos um dos pais com mais do que o ensino secundário, pelo menos um dos pais com o ensino secundário, ambos os pais com menos do que o ensino secundário*)6. Os fatores profissionais considerados no modelo que, por hipótese, afetam as probabilidades de participação são os seguintes: situação laboral (empregado, desempregado*), tipo de profissão (qualificada, semiqualificada de colarinho branco, semiqualificada de colarinho azul, elementar*), dimensão da empresa (micro 1-10*, pequena 11-50, média 51-250, grande 250+), frequência e variedade de leitura no trabalho (pouca ou nenhuma leitura*, leitura frequente e variada), rendimentos (quintil mais baixo, percentil 20-60, segundo quintil mais alto, quintil mais alto, sem rendimentos*) e setor (privado*, público, ONG). Os valores em falta para cada variável independente são incluídos nos modelos de estimativa da regressão logística como categorias separadas, para evitar o pressuposto de ausência aleatória, ou no caso dos valores que estão, por definição, ausentes, como é o caso dos que não tinham rendimentos ou não liam no trabalho por não estarem empregados. Todos os fatores são incluídos no mesmo modelo de regressão logística binária. A variável dependente é a participação ou não em educação de adultos suportada pelo empregador.
Os rácios de probabilidades, juntamente com as probabilidades não ajustadas (ou observadas), são utilizados para estimar as probabilidades ajustadas, que são consideradas de mais simples interpretação, e para comparação entre variáveis, e permitem estimar os tamanhos do efeito (EF). Este último pode ser estimado como a diferença entre as probabilidades ajustadas entre duas categorias contrastantes associadas a uma variável (por exemplo, a diferença nas probabilidades ajustadas entre homens e mulheres é um tamanho do efeito). Normalmente, as categorias contrastantes incluem a categoria privilegiada mais pertinente que se aplica à maioria dos países versus a categoria mais desfavorecida (esta é normalmente a categoria de referência, por definição). Resumir os resultados em termos de tamanhos do efeito facilita a distinção da importância relativa das diferentes variáveis explicativas e produz assim uma comparação fácil de interpretar entre as variáveis explicativas mais importantes dos países. Embora o resumo e a interpretação dos resultados se baseiem na abordagem acima referida, os tamanhos do efeito não são apresentados devido a limitações de espaço. As probabilidades não ajustadas são definidas como as resultantes de distribuições bivariadas sem controlo estatístico de outras variáveis. A fórmula utilizada para estimar as probabilidades associadas aos rácios de probabilidades é a seguinte: ((p/(1-p)*rácio de probabilidades)/(1+(p/(1-p)*rácio de probabilidades)), em que p é a probabilidade não ajustada (ver Liberman, 2005).
Para determinar o impacto do crescimento do apoio dos empregadores na desigualdade na participação em educação de adultos ao longo do tempo, julga-se suficiente considerar apenas as mudanças ao longo do tempo nas probabilidades não ajustadas associadas a cada fator. A variável setor só é disponibilizada nos dados do PIAAC; assim sendo, mudanças nas probabilidades não podem ser analisadas para esta variável. A Tabela 3 resume as mudanças observadas no período entre 2013 e 1994 -1998. Todos os dados apresentados são baseados nos cálculos dos autores a partir dos dados disponibilizados.
4. Resultados e discussão
4.1. Crescimento da educação de adultos em geral e da educação de adultos suportada pelos empregadores
Como foi já mencionado, é observável uma tendência para a subida nas taxas de participação em educação de adultos, tal como estas puderam ser medidas nos estudos do PIAAC de 2013 e do IALS de 1994-1998, em quase todos os países que participaram em ambos os estudos. A Tabela 1 mostra as taxas de crescimento da educação de adultos, em geral, e da educação de adultos suportada pelos empregadores, para as populações com idades compreendidas entre os 26 e os 65 anos. Com poucas exceções, estima-se que o crescimento na educação de adultos suportada pelos empregadores tenha ultrapassado o crescimento na educação de adultos em geral, em quase todos os países.
Tal como foi mencionado no início deste texto, há análises que, centradas em países e períodos específicos, sugerem um certo declínio destas taxas (por exemplo, Mason, 2010; Green & Hanseke, 2019). Efeitos de base, o período de referência, a definição de participação (isto é, incidência ou volume) e choques económicos ou mudanças significativas nas políticas podem resultar em perspetivas empiricamente sustentadas sobre estas tendências que se revelam substancialmente diferentes umas das outras.
Dado que a tendência apresentada na Tabela 1 é desenhada com base em apenas dois pontos de recolha de informação, e dado que existem fontes de enviesamento potenciais, tais como formulações ligeiramente diferentes das perguntas relevantes, foram efetuadas análises adicionais, utilizando o Inquérito ao Emprego da UE, de modo a verificar a tendência para os países incluídos nesta análise específica (sempre que possível) e ao longo do mesmo período, aproximadamente (ver Desjardins 2020, Tabela 2.). Esta última análise baseia-se em dados recolhidos anualmente, em múltiplos momentos e a partir da mesma pergunta. Embora existam diferenças entre os dois conjuntos de estimativas, como as que resultam do facto de as taxas de participação medidas pelo Inquérito ao Emprego da UE assumirem um período de referência de 4 semanas, contra as 52 semanas consideradas no IALS e no PIAAC, e do facto de os anos de referência não serem idênticos, a tendência ao longo do tempo coincide em quase todos os casos nas duas fontes, o que reforça a interpretação da tendência observável entre o IALS e o PIAAC.
4.2 Desigualdade na participação de acordo com fatores individuais, sociodemográficos e profissionais
O crescimento geral da educação de adultos parece ser impulsionado pelo apoio dos empregadores, pelo que é importante determinar se este crescimento se concentra apenas em certos tipos de empregos ou em trabalhadores com determinadas características. Por o utras palavras, saber quem recebe o apoio dos empregadores e quem não o recebe torna-se uma questão importante. Isto deve-se ao facto de, possivelmente, nem todos os setores da economia investirem igualmente na educação de adultos e de, possivelmente, nem todos os trabalhadores terem a mesma possibilidade de receber apoio dos seus empregadores, o que potencia o risco de exacerbamento da desigualdade social e de marginalização de vastos segmentos da população. A Tabela 2 apresenta as probabilidades ajustadas de participar em educação de adultos suportada pelo empregador, de acordo com o leque de fatores individuais, sociodemográficos e profissionais (juntamente com cada característica associada a cada fator) incluído na análise.
Os fatores que mais afetam a probabilidade de participar em educação de adultos suportada pelo empregador variam de país para país, mas podem ser feitas algumas observações gerais, como as que se seguem.
Em primeiro lugar, os fatores profissionais são tipicamente mais importantes do que os fatores individuais e sociodemográficos na previsão da probabilidade de receber apoio. Dos 10 fatores mais importantes na predição do apoio dos empregadores, apenas um ou dois tendem a estar associados a fatores individuais (ou sociodemográficos) nos diversos países, sendo que, nalguns casos, não está presente no grupo dos fatores preditores mais importantes um único fator deste tipo. Mais concretamente, são os trabalhadores que estão em empregos com salários mais elevados, em empresas maiores, que são mais qualificados, cujo emprego exige mais leitura ou que trabalham no setor público ou não governamental aqueles que estão associados às probabilidades mais altas de recebe r apoio do empregador. Pelo contrário, os trabalhadores com menos probabilidade de receber apoio são os que se encontram nos empregos mais mal remunerados, em empregos de colarinho azul ou de tipo elementar e cujo desempenho exige pouca ou nenhuma leitura.
Em segundo lugar, o fator individual e sociodemográfico que tende a assumir maior importância é o nível de escolaridade. Trabalhadores com nível de escolaridade mais alto, independentemente de outros fatores, tendem a apresentar uma probabilidade relativamente mais alta de receber apoio do empregador. Mas a ordem de relevância dos fatores sociodemográficos mais importantes varia de país para país.
É importante referir que o nível de escolaridade atingido pelos pais é também um preditor individual e sociodemográfico relevante (enquanto proxy do estatuto socioeconómico), mas a sua relevância não está presente em todos os países. Efetivamente, ter pelo menos a mãe ou o pai com mais do que o ensino secundário constitui um preditor mais importante do recebimento de apoio da parte do empregador do que o nível de educação do próprio nos seguintes países: Itália, Polónia, República Checa, Irlanda, Estados Unidos da América e Finlândia. Mas na Dinamarca, Suécia e nos Países Baixos verifica-se o contrário: ter ambos os pais nos níveis de educação mais baixos é um melhor preditor, o que indicia que a educação de adultos desempenha nesses países um papel importante na mitigação da transmissão intergeracional das desvantagens sociais.
Um alto nível de proficiência em literacia constitui também uma variável explicativa importante em quase todos os países, exceto na Dinamarca, na Suécia e nos Países Baixos - os mesmos países onde o estatuto socioeconómico parece ter um papel menos importante. Na Suécia e nos Países Baixos, efetivamente, ter um nível de proficiência mais baixo é, depois de ajustado para o nível de escolaridade, um preditor mais importante do recebimento de apoio por parte do empregador, o que sugere que os trabalhadores com baixo nível de proficiência são de facto escolhidos para receber apoio, quer tenham níveis de escolaridade elevados ou reduzidos.
A idade tem alguma importância, mas o padrão varia conforme o país. Os trabalhadores em início de carreira (idade compreendida entre os 26 e os 40 anos) têm uma probabilidade mais alta de receber apoio dos empregadores, sobretudo nos países nórdicos, nos Países Baixos e na Bélgica. Isto também se verifica na República Checa e na Polónia. Mas o padrão inverte-se nos EUA, no Reino Unido e em Itália, onde são os trabalhadores que estão na fase intermédia da carreira (com idades compreendidas entre os 41 e os 55 anos) que têm uma probabilidade mais alta de receber apoio dos empregadores.
4.3. O impacto do crescimento do apoio dos empregadores na desigualdade na participação
Os resultados acima discutidos basearam-se numa análise multivariada dos dados do PIAAC de 2013. O objetivo era distinguir a importância relativa dos diferentes fatores considerados em termos da sua relação com o recebimento de apoio por parte dos empregadores para a participação em educação de adultos. Os fatores mais importantes foram evidenciados pela amplitude da desigualdade associada às categorias contrastantes de cada fator incluídas na análise (por exemplo, mais escolarizados versus menos escolarizados, homens versus mulheres). A presente secção centra-se nas mudanças nas probabilidades de participação em educação de adultos suportada pelos empregadores desde os anos 1990, por características contrastantes selecionadas para cada fator individual, sociodemográfico e profissional. O propósito da análise é determinar se o crescimento na educação de adultos suportada pelos empregadores desde os anos 1990 exacerbou ou, pelo contrário, mitigou a desigualdade no recebimento de apoio para participar em educação de adultos entre as categorias contrastantes de cada fator. A Tabela 3 sintetiza os resultados obtidos.
Com poucas exceções, é possível constatar a partir destes resultados que a educação de adultos suportada pelos empregadores cresceu de forma substancial para quase todos os conjuntos selecionados de características contrastantes para cada fator individual, socioeconómico e profissional considerado na análise. Em muitos casos, as probabilidades de participar associadas a características específicas mais do que duplicaram ou chegaram mesmo a triplicar, especialmente em países que tiveram um crescimento geral maior, incluindo a Bélgica, a Irlanda e a Polónia. Na maioria dos casos, o crescimento da educação de adultos apoiada pelos empregadores resultou num estreitamento das diferenças nas probabilidades de participação (isto é, redução da desigualdade de participação) entre os trabalhadores que estão nos empregos privilegiados versus aqueles que estão nos empregos desfavorecidos em termos de rendimentos, qualificações e outras características, bem como no caso dos indivíduos tradicionalmente privilegiados versus tradicionalmente desfavorecidos em características sociodemográficas como o género, o nível de escolaridade, a pertença a uma minoria ou o estatuto socioeconómico (indiciado pelo nível de escolaridade dos pais). Na maior parte dos restantes casos, houve muito poucos casos a relevar crescimento da desigualdade entre as duas categorias contrastantes.
O predomínio dos fatores profissionais na explicação da probabilidade de receber apoio foi examinado acima na análise multivariada que se centrou nas probabilidades ajustadas. Para reforçar, dir-se-á que o tipo de trabalho em que se está empregado continua a ser muito importante para determinar as hipóteses de participação em educação de adultos, especialmente em modalidades de educação de adultos suportadas pelos empregadores. Reiterando: os trabalhadores que estão nos empregos mais bem pagos, nas empresas maiores, que são mais qualificados e que têm empregos que exigem mais leitura continuam a estar associados às probabilidades mais elevadas de receber apoio. Contudo, em quase todos os casos, o crescimento da educação de adultos suportada pelos empregadores desde os anos 1990 contribuiu para estreitar o hiato entre empregos privilegiados versus empregos mais desfavorecidos em termos de investimento continuado em educação de adultos. Isto é, o crescimento do apoio dos empregadores direcionou-se, na sua maioria, não apenas para os trabalhadores com empregos privilegiados, mas também, em muitos casos, pelo menos tanto ou até mais, para os trabalhadores com empregos desfavorecidos, de modo a efetivamente estreitar aquele hiato.
Algumas explicações alternativas podem aqui ser aduzidas. Pode ser um indício de qualificação e melhoria de competências em todo o espectro profissional em muitos países e, portanto, de um consequente maior apoio dos empregadores à educação de adultos. A identificação deste fenómeno com um processo de ajustamento típico do funcionamento do mercado não pode, contudo, ser imediatamente estabelecida. Isto porque as políticas e programas governamentais podem ter incentivado os empregadores a investirem mais nos trabalhadores desfavorecidos. Um exemplo disto é o programa “Competência Básica na Vida Ativa” (Basic Competence in Working Life Programme), introduzido na Noruega em 2006, que envolveu o reforço da oferta de educação básica no local de trabalho a trabalhadores desfavorecidos (VOX, 2013).
Vale a pena assinalar que o setor privado nos EUA e no Reino Unido contribui para a provisão de educação de adultos suportada pelos empregadores quase tanto como nos países nórdicos e nos Países Baixos (ver Tabela 2). É de notar ainda que, embora a Suécia apresentasse a taxa mais elevada de educação de adultos suportada pelos empregadores para trabalhadores em empregos desfavorecidos na década de 1990, ela foi ultrapassada pelos seus vizinhos nórdicos, sendo que os EUA e o Reino Unido a alcançaram ou ultrapassaram, muitas vezes, no que respeita a várias características desfavorecidas. Tal como foi referido, estes desenvolvimentos podem, em parte, ser devidos a políticas e programas governamentais, desenvolvidos, em diferentes países, em colaboração com o setor privado; este é, todavia, um tópico que está fora do âmbito da análise aqui apresentada.
Para além da influência que podem ter junto do setor privado, os governos podem, através das suas políticas e programas, afetar a realidade do setor público de forma mais simples e direta. É importante ter isto em linha de conta, uma vez que os resultados apresentados indicam que os empregadores do setor público tendem a desempenhar um papel muito mais importante no apoio à educação de adultos do que os empregadores do setor privado.
Importa assinalar que, devido a limitações dos dados, a análise não considerou quaisquer diferenças qualitativas entre o tipo de educação de adultos recebida por trabalhadores em empregos privilegiados versus empregos desfavorecidos, nem quanto ao alcance ou natureza do suporte providenciado pelos empregadores.
5. Conclusões
Os resultados da análise sugerem que o suporte dos empregadores à educação de adultos está a desempenhar um papel importante na mitigação das desigualdades na participação em educação de adultos. Estes resultados são o contrário do esperado. A expectativa era de que, à medida que o papel dos empregadores se tornasse mais importante na extensão do apoio à educação de adultos, a desigualdade na participação em educação de adultos se intensificasse. Isto porque se esperaria que os empregadores canalizassem mais apoio para os formandos mais eficientes e mais aptos a receber formação, que tendem a possuir características privilegiadas, tais como níveis mais altos de escolaridade e competências, isto de acordo com a teoria de Becker (1964) de que a decisão relativa ao investimento em capital humano é uma função do rácio custo/benefício. Contudo, a análise aqui apresentada, que se baseou em dados comparados à escala internacional, respeitantes a países com configurações institucionais e situações de partida bastante diferentes, sugere que a tendência de crescimento da educação de adultos suportada pelos empregadores contraria esta expectativa. Na verdade, os resultados apresentados neste artigo não confirmam o pressuposto geral acerca do comportamento dos empregadores sugerido pela teoria de Becker. Isto pode indicar que o rácio custo/benefício associado ao investimento dos empregadores em educação de adultos é cada vez mais favorável, mesmo no caso dos adultos mais desfavorecidos e daqueles que ocupam os empregos menos qualificados, o que se afigura consistente com uma tendência mais geral de melhoria do espectro de competências num leque variado de economias avançadas. Pode ser, alternativamente, um indício da necessidade de considerar fatores macro e outros fatores estruturais quando consideramos o comportamento dos empregadores a partir de uma perspetiva de mercado, incluindo nesta consideração o papel da intervenção governamental nas áreas da educação, aprendizagem ao longo da vida e políticas ativas de emprego, tal como sugerido na literatura científica acima discutida.
Além disso, os resultados deste estudo colocam também em questão a ideia de que o apoio dos empregadores à educação de adultos poderia intensificar as desigualdades de participação de uma forma mais acentuada nos países mais tipicamente associados com o neoliberalismo, como os EUA e o Reino Unido, quando comparados com países que estão tipicamente associados a políticas sociais progressistas, como os países nórdicos. Na verdade, os resultados obtidos revelam que o setor privado estava tão envolvido no apoio à educação de adultos nos países nórdicos como nos EUA e no Reino Unido. Curiosamente, EUA e Reino Unido revelaram-se muito mais bem-sucedidos do que os países nórdicos e os Países Baixos na extensão do apoio aos trabalhadores mais velhos, aspeto que merece investigação comparativa adicional. Nos anos mais recentes, muita investigação educacional baseada em estudos comparativos à escala internacional sugeriu que certos tipos de Estado-providência ou de regimes de produção poderiam exacerbar ou mitigar desigualdades de vários tipos, incluindo em matéria de participação em educação de adultos (ver Desjardins & Ioannidou, 2020, para uma panorâmica e uma discussão destas investigações). Contudo, os resultados deste artigo sugerem que a extensão e a distribuição da educação de adultos num determinado país ou contexto é provavelmente impulsionada por características institucionais específicas, e por políticas específicas, que estão mais diretamente ligadas à oferta, adesão e distribuição da educação de adultos, mais do que a tipos de Estados-providência ou regimes de produção em si.
Investigação mais aprofundada, desenvolvida a partir de bases de dados adicionais e atualizadas, será necessária para prosseguir a exploração da hipótese sobre se a tendência para o crescimento do apoio dos empregadores à educação de adultos está a exacerbar ou, pelo contrário, a mitigar a desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes países. Os dados do próximo ciclo do PIAAC, de 2024, irão permitir uma atualização que contará com mais países e que permitirá passar a dispor de três observações, a primeira das quais remontando aos anos 1990. Estas hipóteses também poderão ser testadas recorrendo aos dados dos quatro painéis transversais do Inquérito à Educação e Formação de Adultos da UE (2007, 2011, 2016, 2022), visando um estudo comparativo das variações nos fatores estruturais (políticas, programas) que permita revelar padrões discerníveis capazes de trazer novas perspetivas e matizes à análise.