SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número4LADA numa Unidade Integrada de DiabetesActinomicose com Pneumonia Organizativa, Piomiosite Cervical e Diparesia Braquial índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.23 no.4 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Contextualizando a Elevada Prevalência de Anemia na População Portuguesa: Perceção, Caracterização e Preditores: Um Sub-Estudo do EMPIRE

Contextualising the High Prevalence of Anaemia in the Portuguese Population: Perception, Characterisation and Predictors: an EMPIRE Sub-Study

Filipa Marques1-3; Cândida Fonseca1-3; António Robalo Nunes1,4; Aurora Belo1,5; Dialina Brilhante1,6; José Cortez1,3,6

1Anemia Working Group Portugal

2Serviço de Medicina III; Hospital São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal

3NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal

4Serviço de Imunohemoterapia; Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal

5OM Pharma, Lisboa, Portugal

6Serviço de Patologia Clínica; Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A anemia é um problema de saúde pública, com impacto negativo na qualidade de vida. Pretendemos avaliar a perceção do diagnóstico de anemia na população portuguesa bem como as suas características e identificar preditores de risco.

Material e Métodos: Estudo epidemiológico transversal envolvendo amostra de 7890 adultos representativos da população portuguesa. Foram inquiridos sobre características demográficas, antropométricas, clínicas e sua perceção relativamente ao diagnóstico de anemia. Determinámos níveis séricos de hemoglobina, ferritina, creatinina por point-of-care. A anemia foi classificada segundo critérios da Organização Mundial de Saúde.

Resultados: Apesar duma prevalência de anemia estimada em 20,6% em Portugal (estudo EMPIRE), apenas 10,2% dos participantes referiram já lhes ter sido diagnosticada anemia. A perceção de anemia foi mais elevada na região de Lisboa e Vale do Tejo (20,6%). Foi referida como sendo sobretudo carencial (57,7%) e ferropénica (52,7%). Apenas 52,6% dos participantes a quem já fora diagnosticada anemia reportou ter realizado tratamento, sendo a suplementação de ferro o tratamento mais comum. Aquando do estudo, apenas 0,8% dos participantes com anemia “medida” realizava tratamento dirigido. Identificaram-se como preditores de risco: género feminino, idade = 80 anos, dieta vegetariana, situação profissional “estudante”, medicação com anticoagulantes ou protetores gástricos, insuficiência renal e presença de ferropénia.

Discussão e Conclusões: Apesar da anemia afetar aproximadamente um em cada cinco portugueses, a perceção de doença é preocupantemente baixa, sugerindo uma elevada taxa de casos não diagnosticados/não tratados, sendo por isso urgente desenvolver estratégias para melhorar o conhecimento desta situação, especialmente nos grupos identificados como sendo de maior risco.

Palavras-chave: Ácido Fólico; Anemia/tratamento; Anemia Ferropénica; Ferro/deficiência; Portugal; Prevalência; Factores de Risco; Vitamina B12.

 


ABSTRACT

 

Introduction: Anaemia is a public health issue with negative impact on quality of life. We aim to evaluate the perception of anaemia diagnosis in the Portuguese population, as well as evaluate the characteristics and predictors of anaemia.

Materials and Methods: Cross-sectional, epidemiological study comprising a sample of 7890 adults representative of the Portuguese population. Participants were inquired about their demographic, anthropometric and clinical characteristics, and their perception about the diagnosis of anaemia; serum levels of haemoglobin, ferritin, creatinine and C-reactive protein were measured using point-ofcare devices. Anaemia was classified according to the criteria of the World Health Organization.

Results: Although the prevalence on anaemia in Portugal is estimated at 20.6%, only 10.2% of participants referred having had a diagnosis of anaemia. The perception of anaemia was higher within the region of Lisbon and Tagus Valley (20.6%). Nutritional deficiency anaemia (57.7%), especially iron deficiency anaemia (52.7%), represented most known diagnosed cases. Only 52.6% of participants that have had the diagnosis of anaemia reported being treated; among those, iron supplementation was the most common treatment. At the time of the study only 0.8% of participants with “measured” anaemia was on specific treatment. The following predictors of anaemia were identified: female gender, age ≥ 80 years, vegetarian diet, student as professional situation, treatment with anticoagulants and gastric protectors, renal failure, and iron deficiency.

Discussion and Conclusions: Although anaemia affects approximately one in five Portuguese residents, the perception of the disease is alarmingly low, suggesting a high rate of undiagnosed/untreated cases. Strategies to improve awareness of this condition should be urgently developed, especially in high-risk groups.

Keywords: Anemia/therapy; Anemia, Iron-Deficiency; Folic Acid; Iron/deficiency; Portugal; Prevalence; Risk Factors; Vitamin B12.

 


Introdução

A anemia é um problema de saúde pública que afeta cerca de 25% da população mundial,1 tendo implicações negativas consideráveis na qualidade de vida dos indivíduos. Apesar da anemia ter um impacto global, a sua prevalência é bastante variável entre comunidades, sendo que, numa parte significativa das regiões do globo, a sua extensão não está devidamente caracterizada.1 De um modo geral, admite-se que a anemia seja mais prevalente nos países em desenvolvimento. De acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), na maioria dos países africanos, asiáticos e sul-americanos, a anemia representa um problema de saúde pública moderado, isto é, apresenta uma prevalência superior a 20%.1 Já nos países ditos desenvolvidos, a OMS estima que esta condição não represente um problema de saúde pública ou represente um problema ligeiro (prevalência < 20%).1

A anemia caracteriza-se por uma redução da concentração de hemoglobina e/ou da contagem/volume de eritrócitos, com consequente diminuição do aporte de oxigénio aos tecidos orgânicos.2 Pode resultar de défices nutricionais (ferro, vitamina B12, ácido fólico),3,4 alterações genéticas (talassemia),3,5 perdas hemáticas ou de diversas outras condições como doenças infeciosas/inflamatórias, neoplasias, doenças crónicas e/ou autoimunes,3,6,7 sendo por isso não um sintoma, mas uma manifestação de doença ou uma comorbilidade associada à mesma.

A anemia pode ocorrer em qualquer fase da vida, embora seja mais comum em períodos de metabolismo elevado ou em caso de perdas hemáticas (menstruação, por exemplo).1 É, deste modo, mais prevalente na mulher, especialmente durante a gravidez,1,8–13 sendo também frequente nas crianças.3-17 Assim, o défice de ferro é a causa mais comum de anemia, estando presente em cerca de metade dos casos.1,14 No entanto, a proporção de casos de anemia ferropénica é bastante variável entre regiões, sendo o défice de ferro a principal causa de anemia nos países em desenvolvimento,3,15,16 não só devido à dieta deficitária em ferro e/ ou à subnutrição,16,17 mas também pelas perdas hemáticas gastrointestinais decorrentes das infestações parasitárias.18 Nos países desenvolvidos, a ferropenia é menos frequente e está relacionada predominantemente com perdas hemáticas crónicas, sendo as alterações da eritropoiese no contexto da doença inflamatória crónica, a outra causa muito comum de anemia no mundo ocidental.7,15,19,20

Para Portugal, a OMS estima uma prevalência de anemia de aproximadamente 15%,1 com base num modelo matemático que recorre à prevalência noutras regiões. O estudo EMPIRE — Estudo epidemiológico para determinação da prevalência da anemia e do défice de ferro na população Portuguesa adulta —, o primeiro estudo epidemiológico de grande dimensão nesta área, foi conduzido pelo Anemia Working Group Portugal (AWGP) — Associação Portuguesa para o Estudo da Anemia, com o objetivo de validar estas estimativas. O estudo permitiu identificar uma prevalência de anemia medida de 19,9%, que sobe para 20,6% quando se lhe acrescem os participantes então sob fatores hematínicos, independentemente do seu nível de hemoglobina).21

Esta sub-análise do estudo EMPIRE pretende avaliar a perceção da população portuguesa adulta em relação ao diagnóstico de anemia, neste contexto de elevada prevalência da mesma. Pretende-se ainda caracterizar de forma detalhada os casos de anemia e identificar os fatores preditores de anemia na nossa população.

Material e Métodos

O estudo EMPIRE é um estudo epidemiológico, transversal, baseado numa amostra representativa da população adulta portuguesa (= 18 anos), conduzido em Portugal Continental entre março e julho de 2013. Os participantes foram entrevistados na sua residência durante todos os dias da semana, entre as 10:00 horas e as 21:30 horas. Foram inquiridos através de questionário estruturado, dados demográficos e da história pregressa, sintomas compatíveis, diagnóstico pré-existente de anemia, e registadas eventuais terapêuticas dirigidas prévias e atuais. Foram também medidos os níveis séricos de biomarcadores relevantes: hemoglobina, ferritina e creatinina e proteína C reativa (PCR). Todos os membros da equipa que conduziu as entrevistas receberam formação em técnicas de inquérito e nos materiais específicos do estudo.

O estudo recebeu opinião favorável por parte da Comissão de Ética da Nova Medical School/Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. O protocolo do estudo e os formulários de colheita de dados foram submetidos e receberam aprovação pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Todos os participantes forneceram o seu consentimento informado oral antes da realização de qualquer procedimento.

POPULAÇÃO

Neste estudo, foram incluídos portugueses adultos (= 18 anos), residentes em Portugal continental, dispostos a participar e capazes de fornecer o seu consentimento informado oral.

Os participantes foram selecionados aleatoriamente pelo método de random route,22 de modo a obter uma amostra representativa da população portuguesa adulta. Esta metodologia envolveu dois passos. Inicialmente, dividiu-se a população portuguesa em quatro regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Sul. Em cada uma das regiões, foi selecionado um conjunto de municípios representativos das características demográficas e geográficas. O número de entrevistas a conduzir em cada município foi calculado de acordo com dados do Census 2011, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística. Seguidamente, em cada localidade definiu-se um percurso aleatório com viragens à direita e à esquerda, a partir de um ponto inicial previamente estabelecido (Câmara Municipal, Igreja ou outro). Na primeira rua, o inquiridor dirigiu-se à primeira habitação do lado direito. No caso de se tratar de um prédio, escolhia o R/C direito, o 1º andar esquerdo, o segundo andar direito e assim sucessivamente, até ao último andar. De seguida dirigia-se à segunda habitação do lado esquerdo. No caso de se tratar de um prédio, escolhia o R/C esquerdo, o 1º andar direito, o segundo andar esquerdo e assim sucessivamente, até ao último andar. Este procedimento foi repetido até aos pontos de viragem definidos no percurso.

Uma vez selecionadas as habitações, todos os residentes com idade = 18 anos foram convidados a participar no estudo. Após fornecerem o seu consentimento informado oral, solicitou-se aos participantes que preenchessem o questionário estruturado do estudo, e os membros da equipa de investigação levaram a cabo as medições dos biomarcadores relevantes.

AVALIAÇÕES

Questionário:Os participantes completaram um questionário acerca das suas características demográficas e antropométricas, dieta, história médica pregressa, fatores de risco para desenvolvimento de anemia, diagnóstico prévio de anemia, terapêuticas prévias e terapêuticas atuais eventualmente efetuadas. Os participantes com baixa literacia foram assistidos por um membro da equipa de investigação no preenchimento do questionário.

Biomarcadores: Durante as entrevistas, os níveis de biomarcadores relevantes para os objetivos do estudo foram medidos através de punção capilar, utilizando dispositivos point-ofcare. Os níveis de hemoglobina foram determinados usando o equipamento Cera Chek HbPlus (Ceragem Medisys, Chungnam, Coreia do Sul), os níveis de ferritina usando o equipamento Vedalab Easy Reader (Veda Lab, Alençon, França), e os níveis de creatinina usando o equipamento CardioCheck PA (Polymer Technology Systems, Inc., Indianapolis, Indiana, Estados Unidos da América). Todos os testes foram previamente validados pelo fabricante.

Definição de anemia:Os critérios da OMS foram utilizados para identificar os participantes anémicos. A anemia foi definida como níveis de hemoglobina < 13 g/dL nos homens, < 12 g/dL nas mulheres, < 11 g/dL nas mulheres grávidas no 1º e 3º trimestres e 10,5 g/dL nas mulheres grávidas no 2º trimestre.

Não foram aplicadas correções relativas ao efeito da altitude, pois todos os questionários foram conduzidos a altitudes menores que 1000 metros, o que reflete a distribuição da população em Portugal Continental.

Foi fornecido a todos os indivíduos com anemia medida, um cartão com os valores dos parâmetros anómalos para ser entregue ao médico assistente.

MÉTODOS ESTATÍSTICOS

Cálculo da amostra: Este estudo foi desenhado de forma a obter uma amostra representativa da população adulta portuguesa. O tamanho da amostra foi calculado considerando-se uma prevalência esperada de anemia de 15% (estimativa da OMS1), os valores da população portuguesa em 2011 por região, e uma margem de erro que não ultrapassasse os 2,5% em qualquer região e fosse inferior a 1% no país. Assim, foi estimada uma amostra de 7890 indivíduos.

Análise estatística:Todas as variáveis foram analisadas utilizando estatística descritiva. As variáveis categóricas foram expressas na forma de percentagem, ao passo que as variáveis contínuas foram expressas na forma de média, mediana, desvio padrão, mínimo e máximo. As variáveis demográficas, antropométricas e clínicas foram sujeitas a análise bivariada. Testes t-student, qui-quadrado, e de análise de variância (ANOVA) foram aplicados conforme adequado. As estimativas da perceção e prevalência foram calculadas na forma de percentagem e acompanhadas do respetivo intervalo de confiança de 95%. A perceção de anemia foi estabelecida com base na resposta à pergunta “Já alguma vez lhe foi diagnosticada anemia?”. Os participantes que responderam afirmativamente foram considerados como tendo perceção de anemia (i.e., conhecimento de pelo menos um diagnóstico ao longo da vida). Adicionalmente, os participantes que reportaram idade aquando do diagnóstico de anemia igual ou inferior até 1 ano à idade de participação no estudo EMPIRE, foram considerados como tendo diagnóstico de anemia aquando da participação no estudo.

Os fatores preditores de anemia foram identificados com recurso a uma análise de regressão logística. As seguintes variáveis foram sujeitas a análise bivariada: idade, género, dieta, rendimento mensal bruto, estado civil, situação profissional, uso de anticoagulantes, uso de anti-inflamatórios não esteroides, uso de corticoides, uso de antiplaquetários, uso de protetores gástricos, uso de metformina, história de insuficiência cardíaca, história de gastrite, história de doença coronária, história de doença respiratória, história de dislipidemia, história de diabetes mellitus, índice de massa corporal (IMC), procedimento cirúrgico recente (< 3 meses), presença de doença aguda, nível sérico de proteína C-reactiva, creatininemia, taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) através do método Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) e nível sérico de ferritina. As variáveis que evidenciaram relação com a presença de anemia na análise bivariada foram consideradas no modelo de análise multivariada. As estimativas foram calculadas na forma de odds ratio, acompanhadas do respetivo intervalo de confiança de 95%. Todas as análises foram conduzidas com um nível de significância de 5%.

A análise estatística, foi conduzida usando SPSS para Windows, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA). Os intervalos de confiança de 95% para as prevalências estimadas foram calculados usando OpenEpi, versão 3.01.23

Resultados

CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO

Um total de 10 572 adultos residentes em Portugal foram convidados a participar no estudo, sendo que destes 7890 aceitaram participar, representando uma taxa de aceitação de 74,6%. A distribuição da amostra por região foi estratificada a priori, refletindo a distribuição regional da população portuguesa. Assim, 36,5% residiam no Norte do país, 23,5% no Centro, 27,9% em Lisboa e Vale do Tejo e 12,2% no Sul.

A população em estudo era composta por 3731 indivíduos do género masculino (47,3%). Os participantes apresentaram uma idade mediana de 46 anos, variando entre uma idade mínima de 18 anos e uma idade máxima de 96 anos. A grande maioria da população (79,5%) apresentava idade entre 18–64 anos, 15,1% entre 65–79 anos e 5,5% apresentava idade igual ou superior a 80 anos.

Uma grande parte dos participantes (34,4%) reportou ter concluído o ensino secundário, 19,0% ter concluído o ensino superior e 21,8% uma escolaridade igual ou inferior ao 4º ano. Aproximadamente metade da população era profissionalmente ativa (53,7%), 15,3% dos participantes estavam desempregados, 9,1% eram estudantes e 21,9% eram reformados. As características demográficas dos participantes estão de acordo com os dados dos Census 2011, com exceção de uma sub-representação dos indivíduos com baixa escolaridade no estudo.

As principais comorbilidades referidas foram a insuficiência cardíaca (presente em 5,1% dos participantes), hipertensão arterial (5,0%), diabetes mellitus (4,7%), gastrite (3,9%), doença coronária (3,8%). Dos participantes, 1% referiu ter sido submetido a um procedimento cirúrgico recente (< 3 meses). Dos indivíduos 4% referiu encontrar-se com quadro clínico agudo de infeção ou inflamação.

PERCEÇÃO DE ANEMIA (CONHECIMENTO DO DIAGNÓSTICO)

Neste estudo, 10,2% (n = 802) dos participantes referiu já lhe ter sido diagnosticada anemia em qualquer altura da sua vida, sendo que 0,8% (n = 59) dos participantes referiu ter diagnóstico de anemia aquando da realização do estudo; 57,6% (n = 34) destes participantes apresentavam, de facto, anemia medida ou reportaram estar a realizar tratamento.

A Tabela 1 quantifica a perceção referida de anemia, durante qualquer altura da vida, na população adulta portuguesa participante no estudo de acordo com género, idade, região do país, escolaridade, dieta, hábitos e história médico-cirúrgica.

As mulheres referiram mais frequentemente já lhes ter sido diagnosticada anemia (15,1% [n = 630] vs 4,6% [n = 172] dos homens). Aproximadamente um terço das mulheres grávidas referiu já lhe ter sido diagnosticada anemia (n = 20). Esta tendência de uma maior proporção de casos de anemia relatados verificou-se também nas mulheres pós-menopáusicas (19,3% [n = 319]).

Observou-se ainda um aumento do relato de anemia proporcional à idade, com especial incidência a partir dos 65 anos de idade.

Residentes em Lisboa e Vale do Tejo reportaram mais frequentemente já lhes ter sido diagnosticada anemia (20,6% [n = 454]), sendo este valor mais de duas vezes superior à das restantes regiões.

A estratificação de acordo com os níveis de escolaridade apresentou resultados semelhantes, existindo maior conhecimento de diagnóstico de anemia nas categorias extremas (i.e. participantes com baixo e elevado nível de escolaridade).

Os participantes viúvos referiram mais frequentemente já lhes ter sido diagnosticada anemia (17,4% [n = 108]) em comparação com a restante população, ao contrário dos participantes solteiros entre os quais apenas 6,1% (n = 118) refere o diagnóstico.

Quando analisada a situação profissional dos participantes, o conhecimento de diagnóstico de anemia foi mais frequente entre reformados (15,1% [n = 254]), representando estes 32,6% de todos os participantes que referem já lhes ter sido diagnosticada anemia.

A perceção de anemia variou consideravelmente de acordo com o estilo de vida dos participantes. O conhecimento de diagnóstico de anemia é mais raro entre fumadores e entre participantes que consomem álcool diariamente. Considerando o regime alimentar dos participantes, verificou-se uma tendência para perceção superior entre vegetarianos.

Os participantes que reportaram a presença de doença crónica referiram mais frequentemente já lhes ter sido diagnosticada anemia, em comparação com a população geral. O conhecimento de diagnóstico de anemia foi particularmente frequente entre participantes com história de doença hematológica (65,7% [n = 23]), doença de Crohn (38,1% [n = 8]), arritmia (33,3% [n = 17]), insuficiência renal (33,1% [n = 49]) e neoplasia (30,6% [n = 48]). Foi também referido entre participantes com história de insuficiência cardíaca (22,5% [n = 90]), úlcera gástrica ou duodenal (26,0% [n = 60]), doença respiratória crónica (20,3% [n = 56]), doença coronária (18,5% [n = 56]) e gastrite (17,7% [n = 55]).O conhecimento do diagnóstico de anemia revelou-se mais comum entre participantes com história de tratamento oncológico (33,3% [n = 39] submetidos a quimioterapia e 39,3% [n = 42] a radioterapia). Foi observada uma tendência semelhante em relação à história cirúrgica, sendo que 26,3% (n = 20) dos indivíduos sujeitos recentemente a uma cirurgia (< 3 meses) reportaram já lhes ter sido diagnosticada anemia. O conhecimento de diagnóstico de anemia foi particularmente frequente nos submetidos a cirurgia gástrica (54,6% [n = 24]) e ginecológica (46,9% [n = 144)).

A estratificação dos participantes de acordo com o rendimento mensal bruto do agregado familiar permite verificar que tanto nas categorias mais baixas (12,6% [n = 102] em participantes com rendimento < €500) como nas categorias mais elevadas (19,2% [n = 30] em participantes com rendimento = €2500) existe um maior conhecimento do diagnóstico de anemia.

CIRCUNSTÂNCIAS ASSOCIADAS AO DIAGNÓSTICO

A idade média aquando do diagnóstico de anemia referido pelos participantes foi de 37,7 anos (DP = 18,2 anos). Os casos de anemia referidos foram diagnosticados (64,0%) e seguidos (72,1%) na sua maioria pelo médico de família. A quase totalidade (96,7%) dos casos diagnosticados pelo médico de família manteve seguimento a este nível. O diagnóstico e o seguimento por outros especialistas ocorreu em 26,6% e 19,9% dos casos, respetivamente. Destes doentes identificados por outras especialidades, 62,5% mantiveram seguimento na especialidade. Foram várias as especialidades envolvidas nestes processos de diagnóstico e seguimento da anemia, desde a cardiologia, à reumatologia passando pela medicina desportiva. Ainda assim, o diagnóstico foi particularmente frequente em consulta de ginecologia (4,5%) e obstetrícia (12,0%).

A Fig. 1 apresenta as causas para a anemia previamente diagnosticada de acordo com a informação fornecida pelos participantes. A anemia carencial (por défice de ferro, vitamina B12 e/ou ácido fólico) representa a maioria dos casos, tendo sido referida por 57,7% (n = 463) dos participantes aos quais já tinha sido diagnosticada anemia. A anemia por défice de ferro tem um papel de destaque, sendo referida em 52,7% (n = 423) dos casos, com ou sem a coexistência de défice de vitamina B12 ou de ácido fólico. A anemia por perdas macroscópicas de sangue tem também um papel significativo, sendo referida em 15,5% (n = 124) dos casos.

 

 

Todos os participantes foram inquiridos acerca do conhecimento do diagnóstico de anemia em familiares. Apenas 9,8% respondeu afirmativamente. De ressalvar que, entre os participantes aos quais já tinha sido diagnosticada anemia, existe um conhecimento bastante superior (26,4%).

TRATAMENTO DA ANEMIA

Dos participantes, 5,4% (n = 422) referiu já ter realizado algum tipo de tratamento dirigido à anemia. Daqueles que referiram ter um diagnóstico prévio de anemia, 52,6% (n = 422) dizem ter sido tratados. A terapêutica com ferro oral foi a mais comum, reportada por 83,9% (n = 354) dos participantes alguma vez tratados. A terapêutica com ferro intravenoso foi reportada em 4,5% (n = 19) dos casos, com ácido fólico em 18,0% (n = 76), com vitamina B12 em 7,8% (n = 33) e com eritropoetina em 1,9% (n = 8). Cerca de 13,3% (n = 107) dos participantes a quem tinha sido diagnosticada anemia já tinha realizado alguma transfusão de sangue; 2,9% (n = 13) destes, no último ano.

Aquando da realização deste estudo, apenas 0,8% (n = 15) dos participantes com anemia “medida” estava a realizar tratamento dirigido. A reposição com ferro oral era o tratamento mais comum (66,7%), seguido do ácido fólico (40,0%), vitamina B12 (13,3%) e eritropoetina (6,7%).

CARACTERIZAÇÃO DOS CASOS DE ANEMIA IDENTIFICADOS NO ESTUDO EMPIRE

Ao contrário da baixa perceção de anemia presente na população portuguesa (medida através do conhecimento de diagnóstico de anemia), o estudo EMPIRE permitiu detetar uma elevada prevalência de anemia, como previamente reportado.21 Nos parágrafos seguintes apresenta-se uma caracterização detalhada dos casos de anemia, não previamente publicada, identificados no estudo EMPIRE. As Tabela 2 e Tabela 3 apresentam a distribuição dos casos de anemia face aos participantes não anémicos e à população geral do estudo.

Verificou-se uma maior proporção de casos de anemia entre os participantes do género feminino e nos idosos com idade igual ou superior a 80 anos. A proporção de casos de anemia identificados variou de acordo com a região de residência dos participantes. Nas regiões Norte e Centro a proporção de casos de anemia é inferior à proporção de residentes, enquanto que nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Sul verifica-se uma tendência contrária.

Verificou-se uma menor proporção de casos de anemia entre participantes com excesso de peso (IMC 25,0-29,9 kg/ m2) em relação à sua representatividade na população geral. A proporção de casos de anemia revelou-se superior à da população geral nos participantes solteiros, nos viúvos, nos estudantes, naqueles com o ensino secundário e naqueles cujo rendimento mensal bruto era inferior a €500.

Entre os participantes não fumadores verificou-se uma maior proporção de casos de anemia face à população geral. Esta tendência foi ainda mais demarcada nos participantes que não consomem álcool: embora representem 36,4% da população, representam 43,1% dos casos de anemia.

A Tabela 3 apresenta a distribuição dos casos de anemia de acordo com a caracterização clínica dos participantes. Em termos de história de doença crónica, nos grupos de participantes que referiram insuficiência cardíaca, doença respiratória crónica, doença reumatológica, neoplasia ou insuficiência renal verificou-se uma maior proporção de casos de anemia face à representação na população geral. Estão sobre-representados nos grupos dos participantes anémicos. Ao contrário, entre participantes que referiram dislipidemia verificou-se uma menor proporção de casos de anemia. Verificou-se ainda uma maior proporção de casos de anemia entre aqueles que referiram ter sido sujeitos a cirurgia ginecológica, intestinal ou gástrica.

Os níveis de ferritina medidos foram mais baixos entre os participantes anémicos. Verificou-se uma maior proporção de casos de anemia tanto em participantes com níveis de ferritina < 15 ng/mL, < 30 ng/mL, < 50 ng/mL ou < 100 ng/mL, em comparação com a representação destes grupos na população geral. A proporção de casos de anemia foi também superior em participantes com TFGe < 30 mL/min/1,73 m2 e < 60 mL/min/1,73 m2.

Quando inquiridos sobre a presença de sintomas sugestivos da anemia, os participantes anémicos identificaram de forma mais frequente a generalidade destes sintomas: mais cansaço para esforços médios (p < 0,001); cansaço para grandes esforços (p < 0,001), tonturas (p < 0,001), cefaleias (p = 0,005), sensação de desmaio (p < 0,001), hemorragias fáceis (p < 0,001), hemorróidas (p = 0,001), equimoses (p < 0,001), perdas de sangue visíveis na urina (p = 0,001), e perdas de sangue visíveis pelo nariz/boca (p < 0,032) Fig 2.

FATORES PREDITORES DE ANEMIA

A Tabela 4 apresenta os fatores preditores de anemia para a população adulta portuguesa. A análise multivariada permitiu identificar o género feminino (OR = 1,13; p = 0,032), a idade = 80 anos (OR = 1,87; p = 1,87), a dieta vegetariana (OR = 1,58; p = 0,007) e a situação profissional “estudante” (OR = 1,51; p < 0,001), como preditores de anemia. Em sentido contrário, verificou-se uma relação inversa entre a presença de anemia e os estados civis “casado/união de facto” (OR = 0,66; p < 0,001) e “divorciado/separado” (OR = 0,57; p = 0,001), a situação profissional “reformado” (OR = 0,73; p < 0,001) e o rendimento mensal bruto do agregado familiar = €500 (rendimento €500–999 OR = 0,79; p = 0,026; rendimento €1000–2499 OR = 0,66; p < 0,001; e rendimento = 2500 OR = 0,60; p = 0,042).

Em termos de história de doença crónica, apenas o relato de dislipidemia apresentou uma relação inversa e estatisticamente significativa com a presença de anemia (OR = 0,69; p = 0,026). Medicação com anticoagulantes (OR = 1,80; p = 0,004) ou protetores gástricos (OR = 1,55; p = 0,001) foram identificadas como preditores de anemia.

A identificação de uma TFGe < 30 mL/min/1,73 m2 foi um forte preditor da presença de anemia (OR = 2,66; p < 0,001), tendência semelhante à verificada para TFGe < 60 mL/min/1,73 m2(OR = 1,92; p < 0,001). Baixos níveis de ferritina foram fortes preditores da presença de anemia para todos os cut-offs avaliados (15, 30, 50 ou 100 ng/mL). A associação com a presença de anemia foi especialmente forte para os cut-offs 30 ng/ mL (OR = 3,38; p < 0,001) e 50 ng/mL (OR = 3,31; p < 0,001).

Discussão

Este estudo permitiu verificar que existe uma baixa perceção de anemia na população portuguesa. Apenas 0,8% dos participantes indicou ter conhecimento de diagnóstico de anemia aquando da realização do estudo, perante a evidência de hemoglobina baixa segundo os critérios da OMS. No entanto, os resultados do estudo EMPIRE previamente publicados indicam que a anemia é bastante prevalente no país (20,6%),21 estando consideravelmente acima da estimativa da OMS e da prevalência esperada para esta condição em países desenvolvidos. Representa assim, por definição, um problema de saúde pública moderado.

Existe maior reconhecimento da anemia entre as mulheres (medido neste estudo através do conhecimento de um diagnóstico de anemia ao longo da vida, sendo este um facto esperado, tendo em conta que as mulheres, nomeadamente quando em idade fértil e especialmente as grávidas, são geralmente vistas como um grupo de maior risco para desenvolvimento de anemia. De facto, este grupo tem maior vigilância médica, quer no período da gravidez, quer nas avaliações de planeamento familiar, justificando esta consciencialização para o problema. Este facto é consistente com o nosso estudo, que demonstrou que o diagnóstico de anemia foi realizado mais frequentemente pela especialidade de ginecologia e obstetrícia. As mulheres estiveram, efetivamente, sobre-representadas entre os participantes anémicos, tendo o género feminino demonstrando ser um fator preditor independente de anemia.1,12,13 Uma tendência semelhante foi verificada nos participantes com idade = 80 anos. Para além dos efeitos próprios do envelhecimento, o maior número de comorbilidades neste grupo etário poderá predispor à anemia e as visitas médicas eventualmente mais frequentes poderão explicar a maior perceção da mesma. Como esperado, a idade = 80 anos também confirmou ser preditor independente de anemia.24

Em relação às características demográficas e socioeconómicas, existe maior perceção de anemia entre participantes viúvos e reformados, estando estes achados certamente intrinsecamente ligados à idade avançada dos participantes que constituem estes grupos. De facto, após análise ajustada, estes fatores não se confirmaram como preditores independentes de anemia.

Na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde existe uma prevalência de anemia mais elevada, também a perceção é mais elevada, comparativamente às restantes regiões do país. Poderá dever-se ao facto de se tratar de uma população urbana com menos recursos próprios no que à dieta se refere, contudo com mais acessos a cuidados de saúde.

Os participantes com menor rendimento relatam mais frequentemente diagnóstico de anemia, o que poderá estar associado a diversos fatores, nomeadamente carências nutricionais. Esta elevada perceção está em concordância com a distribuição dos casos de anemia, tendo sido verificada uma relação direta entre baixo rendimento e presença de anemia. Pelo contrário, a elevada perceção de anemia nos participantes com maior rendimento, não está em concordância com a distribuição de casos de anemia identificados. É admissível que neste grupo exista maior taxa de diagnóstico, fruto do acesso mais facilitado a melhores cuidados de saúde, com maior reconhecimento da doença.

No que concerne à perceção da anemia de acordo com a escolaridade, verificou-se maior perceção de anemia entre participantes com baixo ou elevado grau de escolaridade, com a distribuição de casos de anemia a seguir o mesmo padrão. Embora um fenómeno semelhante ao observado em relação aos rendimentos seja admissível, neste caso, é importante considerar que a composição destas categorias, nomeadamente o grande número de mulheres jovens em idade fértil, que completou o ensino secundário, poderá representar um fator de enviesamento relevante.

Entre os participantes que optam por um regime alimentar restrito, particularmente os vegetarianos, existe maior perceção de anemia bem como maior representação de casos. A dieta vegetariana foi identificada na literatura como fator preditor independente de anemia, confirmando o risco expectável neste grupo da população.25,26 Na nossa população confirma-se a tendência apesar do pequeno número de indivíduos vegetarianos na amostra.

A perceção de anemia é maior entre os participantes que referiram comorbilidades associadas, sendo particularmente elevada entre os portadores de doenças crónicas e/ou inflamatórias reconhecidamente associadas à anemia: doença de Crohn,27 insuficiência cardíaca,28 insuficiência renal29,30 e neoplasia.31,32 Apesar da maior perceção de casos entre os participantes que reportaram estas condições, apenas a insuficiência renal (avaliada pela TFGe) se confirma como um fator preditor de anemia, facto que poderá dever-se também à baixa perceção dos restantes diagnósticos acima mencionados e que no estudo foram auto-referidos. No mesmo sentido, verifica-se uma maior perceção de anemia entre participantes com história de tratamento oncológico e/ou história cirúrgica recente, de acordo com a associação conhecida entre estas condições e a anemia.33–35 No entanto, esta associação não é refletida na distribuição de casos de anemia em relação ao tratamento oncológico, sendo apenas confirmada em relação ao histórico de cirurgia ginecológica, intestinal ou gástrica.

De acordo com a informação fornecida pelos participantes, apenas metade dos casos de anemia diagnosticados terão sido alvo de tratamento. Este achado é muito relevante, pois embora exista certamente algum nível de viés de memória entre os participantes, é admissível que exista também uma proporção muito considerável de doentes que não beneficiaram de tratamento apropriado após diagnóstico de anemia. A terapêutica com ferro (oral ou intravenoso) foi identificada como a mais comum, um facto esperado tendo em conta que a anemia por défice de ferro foi também a mais comummente diagnosticada. Aproximadamente 5% dos participantes tratados referiu a administração de eritropoetina, todavia apenas metades destes referiu história de insuficiência renal, neoplasia e doença hematológica.

Os participantes anémicos identificados no estudo referiam mais frequentemente a maioria dos sintomas sugestivos de anemia. Por se tratar, numa grande parte dos casos, de sintomas gerais (cansaço, tonturas, palpitações,…) pouco específicos e perante a fraca perceção de que possam estar associados a anemia, é admissível que não sejam devidamente valorizados, originando assim situações de anemia não diagnosticada.

O estudo EMPIRE revelou, previamente, uma elevada prevalência de défice de ferro na população portuguesa,21 com uma influência no desenvolvimento de anemia além do espectável para os países desenvolvidos.19,20 Aqui, o défice de ferro confirma-se como um forte preditor de anemia na população portuguesa, particularmente para níveis de ferritina inferiores a 50 ng/mL e a 30 ng/mL. Por isso, a intervenção no âmbito da anemia terá de concentrar esforços na prevenção, diagnóstico e tratamento da ferropénia que é, por si só, uma causa importante de morbilidade, porventura ainda menos reconhecida e/ou valorizada que a anemia.

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

O estudo EMPIRE foi desenhado e implementado, com vista a estudar uma amostra representativa da população portuguesa e, neste sentido, antevê-se que as estimativas fornecidas estejam bastante próximas da situação real da anemia no país. De qualquer modo, o estudo teve algumas limitações relacionadas sobretudo com o viés de memória associado às variáveis que foram avaliadas por questionário. Ainda assim, os elementos da equipa de investigação foram instruídos com as melhores técnicas de inquérito, de forma a maximizar a validade dos inquéritos conduzidos.

Conclusões e Comentários

Existe uma perceção de anemia preocupantemente baixa na população portuguesa, quando se considera que a doença é altamente prevalente, afetando aproximadamente um em cada cinco portugueses. Os portugueses desconhecem na sua maioria este problema de saúde pública.

Uma grande parte dos casos de anemia não está diagnosticada, e consequentemente, os afetados não recebem qualquer tipo de tratamento ou acompanhamento com prováveis consequências sociais e socio-económicas relevantes. Apesar de existirem diferenças entre os diversos grupos da população e regiões do país, a doença está claramente subvalorizada na generalidade.

Por isso, é urgente desenvolver estratégias direcionadas para aumentar a perceção, o rastreio, o diagnóstico e tratamento dos casos de anemia existentes na população portuguesa. Para além disso, é essencial desenvolver e/ou ajustar estratégias para a prevenção do desenvolvimento de anemia principalmente nos grupos de maior risco: mulheres, grávidas, idosos, baixos rendimentos e iliteracia. Dada a relevância do défice de ferro na população portuguesa, estas estratégias deverão compreender uma forte componente de educação nutricional. O aumento do reconhecimento da anemia desempenhará um papel crucial na redução do impacto deste problema de saúde pública.

Para além das avaliações levadas a cabo no estudo EMPIRE, no futuro será importante avaliar populações que não foram incluídas no estudo, sendo a população infantil aquela na qual esta avaliação será mais premente dada a conhecida propensão deste subgrupo para o desenvolvimento de anemia.1,14 Admite-se que a nível nacional o comportamento possa ir no mesmo sentido que o da população adulta e ter uma elevada prevalência a necessitar de medidas de saúde pública.

 

Referências

1. World Health Organization. Worldwide prevalence of anemia 1993-2005. WHO Global Database on Anaemia. Geneva: WHO; 2008.         [ Links ]

2. World Health Organization. Assessing the Iron Status of populations. Geneva: WHO; 2007.         [ Links ]

3. Balarajan Y, Ramakrishnan U, Ozaltin E, Shankar AH, Subramanian SV. Anaemia in low-income and middle-income countries. Lancet. 2011;378:2123–35.         [ Links ]

4. Carmel R. Nutritional anemias and the elderly. Semin Hematol. 2008;45:225–34.         [ Links ]

5. Steinberg MH. Genetic etiologies for phenotypic diversity in sickle cell anemia. Sci World J. 2009;9:46–67.         [ Links ]

6. Davis SL, Littlewood TJ. The investigation and treatment of secondary anaemia. Blood Rev. 2012;26:65–71.         [ Links ]

7. Weiss G, Goodnough LT. Anemia of chronic disease. N Engl J Med. 2005;352:1011–23.         [ Links ]

8. Kalaivani K. Prevalence & consequences of anaemia in pregnancy. Indian J Med Res. 2009;130:627–33.         [ Links ]

9. Bentley ME, Griffiths PL. The burden of anemia among women in India. Eur J Clin Nutr. 2003;57:52–60.         [ Links ]

10. Monarrez-Espino J, Martinez H, Greiner T. Iron deficiency anemia in Tarahumara women of reproductive-age in northern Mexico. Salud Publica Mex. 2001;43:392–401.         [ Links ]

11. Singh K, Fong YF, Arulkumaran S. Anaemia in pregnancy--a cross-sectional study in Singapore. Eur J Clin Nutr. 1998;52:65–70.         [ Links ]

12. Friedman AJ, Chen Z, Ford P, Johnson CA, Lopez AM, Shander A, et al. Iron deficiency anemia in women across the life span. J Womens Health. 2012;21:1282–9.         [ Links ]

13. Coad J, Pedley K. Iron deficiency and iron deficiency anemia in women. Scand J Clin Lab Invest Suppl. 2014;244:82–9; discussion 89.         [ Links ]

14. World Health Organization. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control. A guide for programme managers. Geneva: WHO; 2001.         [ Links ]

15. Marx JJ. Iron deficiency in developed countries: prevalence, influence of lifestyle factors and hazards of prevention. Eur J Clin Nutr. 1997;51:491– 4.         [ Links ]

16. Tolentino K, Friedman JF. An update on anemia in less developed countries. Am J Trop Med Hyg. 2007;77:44–51.         [ Links ]

17. Aspuru K, Villa C, Bermejo F, Herrero P, Lopez SG. Optimal management of iron deficiency anemia due to poor dietary intake. Int J Gen Med. 2011;4:741–50.         [ Links ]

18. Bungiro R, Cappello M. Twenty-first century progress toward the global control of human hookworm infection. Curr Infect Dis Rep. 2011;13:210–7.         [ Links ]

19. Johnson-Wimbley TD, Graham DY. Diagnosis and management of iron deficiency anemia in the 21st century. Ther Adv Gastroenterol. 2011;4:177–84.         [ Links ]

20. Hercberg S, Preziosi P, Galan P. Iron deficiency in Europe. Public Health Nutr. 2001;4:537–45.         [ Links ]

21. Fonseca C, Marques F, Robalo Nunes A, Belo A, Brilhante D, Cortez J. Prevalence of anaemia and iron deficiency in Portugal: the EMPIRE study. Intern Med J. 2016;46:470–8.         [ Links ]

22. Hoffmeyer-Zlotnik JH. New Sampling Designs and the Quality of Data. Dev Appl Stat. 2003;19:205–17.         [ Links ]

23. Sullivan KM, Dean A, Soe MM. OpenEpi: a web-based epidemiologic and statistical calculator for public health. Public Health Rep 2009;124:471–4.         [ Links ]

24. Stauder R, Thein SL. Anemia in the elderly: Clinical implications and new therapeutic concepts. Haematologica. 2014;99:1127–30.         [ Links ]

25. Dwyer JT. Nutritional consequences of vegetarianism. Annu Rev Nutr. 1991;11:61–91.         [ Links ]

26. Obeid R, Geisel J, Schorr H, Hubner U, Herrmann W. The impact of vegetarianism on some haematological parameters. Eur J Haematol. 2002/12/04. 2002;69(5–6):275–9.         [ Links ]

27. Kulnigg S, Gasche C. Systematic review: managing anaemia in Crohn’s disease. Aliment Pharmacol Ther. 2006;241507–23.         [ Links ]

28. Shah R, Agarwal AK. Anemia associated with chronic heart failure: current concepts. Clin Interv Aging. 2013;8:111–22.         [ Links ]

29. Lankhorst CE, Wish JB. Anemia in renal disease: diagnosis and management. Blood Rev. 2010;24:39–47.         [ Links ]

30. Wittwer I. Iron deficiency anaemia in chronic kidney disease. J Ren Care. 2013;39:182–8.         [ Links ]

31. Aapro M, Österborg A, Gascón P, Ludwig H, Beguin Y. Prevalence and management of cancer-related anaemia, iron deficiency and the specific role of i.v. iron. Ann Oncol. 2012;23:1954–62.         [ Links ]

32. Gilreath JA, Stenehjem DD, Rodgers GM. Diagnosis and treatment of cancer-related anemia. Am J Hematol. 2014;89:203–12.         [ Links ]

33. Gafter-Gvili A, Rozen-Zvi B, Vidal L, Leibovici L, Vansteenkiste J, Gafter U, et al. Intravenous iron supplementation for the treatment of chemotherapy-induced anaemia - systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Acta Oncol. 2013;52:18–29.         [ Links ]

34. Bormanis J, Quirt I, Chang J, Kouroukis CT, MacDonald D, Melosky B, et al. Erythropoiesis-stimulating agents (ESAs): do they still have a role in chemotherapy-induced anemia (CIA)? Crit Rev Oncol Hematol. 2013;87:132–9.         [ Links ]

35. Groopman JE, Itri LM. Chemotherapy-induced anemia in adults: incidence and treatment. J Natl Cancer Inst. 1999;91:1616–34.         [ Links ]

 

Correspondência: Filipa Marques pipasmarques@gmail.com
Serviço de Medicina 3, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital São Francisco Xavier, Lisboa, Portugal

 

Protecção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

Recebido: 16/09/2016

Aceite: 25/11/2016

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons