SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 número3A Importância da Recanalização na Trombose Venosa Intracraniana e Fatores PreditivosEndoftalmite Endógena e Urosépsis por Escherichia coli: Uma Associação Inesperada índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.3 Lisboa set. 2017

https://doi.org/10.24950/rspmi/29/2017 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

 

Estudo Prospectivo de Colonização por Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina um Serviço de Medicina Interna: População, Factores de Risco e Implicações

Prospective Study of Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus Colonization in an Internal Medicine Ward: Population, Risk Factors and Implications

Ana Sofia Carvalho1, Filipa Brás Monteiro1, Inês Cruz1, Nuno Monteiro1, Margarida Cardoso2, Rita Mendes1, Alberto Mello e Silva1

1Serviço de Medicina II, Hospital Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
2Serviço de Infecciologia, Hospital Egas Moniz,Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A infecção por Staphylococcus aureus meticilino-resistente (MRSA) é uma das infecções associadas aos cuidados de saúde mais importantes. Em 2014 surgiu uma Norma da Direcção-Geral da Saúde dirigida a esta problemática. Este trabalho visa quantificar os doentes com indicação para pesquisa de portador de MRSA, analisar os critérios, implicações e possíveis estratégias.

Material e Métodos: Recolha prospectiva de dados sobre os doentes admitidos num Serviço de Medicina em cinco semanas não consecutivas.

Resultados: A amostra inclui 224 doentes, maioritariamente do género feminino, com média de idades de 76 anos. A maioria (60,3%) apresentou indicação para rastreio, realizado em 39,3%; 28,3% foram positivos. Os critérios mais frequentes foram antibioterapia prévia (37,1%), internamento recente (32,1%) e transferência de uma instituição hospitalar (16,1%).

Discussão: Salienta-se a faixa etária avançada da população estudada, sendo que o factor idade parece influenciar a probabilidade de indicação para rastreio. A maioria dos doentes apresentou indicação para a pesquisa de portador (60,3%), o que constitui uma mudança de práticas de grande envergadura. Assume grande relevância o elevado peso da antibioterapia nesta amostra (37,1%). Numa maioria de doentes com indicação, o rastreio não foi realizado, sendo necessário sensibilizar a equipa médica e de enfermagem.

Conclusão: É importante exigir boas práticas dos profissionais de saúde para a implementação de novas regras e garantir condições de funcionamento nos serviços para que as mesmas possam ser aplicadas. Torna-se crucial que as estratégias não sejam implementadas isoladamente. O cidadão deve cumprir a sua parte, nomeadamente evitando a toma de antibióticos injustificada.

Palavras-chave:Departamentos Hospitalares; Infecção Hospitalar; Infecções Estafilocócicas; Medicina Interna; Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina

 


ABSTRACT

 

Introduction: The infection by Staphylococcus aureus methicillin-resistant (MRSA) is one of the most important healthcare-associated infections. In 2014 there was a rule from the National Directorate of Health addressed to this problem. This study aims to quantify the patients with indication to search for MRSA colonization, examine the criteria, implications and possible strategies.

Materials and Methods: Prospective data about patients admitted to an Internal Medicine Department in five non-consecutive weeks.

Results: The sample includes 224 patients, mostly female, with a mean age of 76 years old. The majority (60.3%) presented indication for screening, which was conducted in 39.3% of the patients; 28.3% were positive. The most common criteria presented were prior antibiotic therapy (37.1%), recent hospitalization (32.1%) and transfer from a hospital institution (16.1%).

Discussion: The age factor seems to influence the probability of indication for screening. Most patients showed indication to search for MRSA colonization (60.3%), which means a huge need for practices change. The high level of antibiotic therapy assumes great relevance in this sample (37.1%). In most of the patients, the screening was not done and it is necessary to sensitize the medical and nursing team.

Conclusion: It is important to require good practices from health professionals for the implementation of new rules and ensure operating conditions in the services in order they can be applied. It is crucial that the strategies are not implemented alone. The patient must fulfill his part by not taking unjustified antibiotics.

Keywords:Cross Infection; Hospital Departments; Internal Medicine; Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus; Staphylococcal Infections.

 


 

Introdução

1.ANTIBIOTERAPIA E INFECÇÕES NOSOCOMIAIS

Os antibióticos, utilizados pela primeira vez em 1940,1 revolucionaram o desenvolvimento humano. Desde cedo se descobriu que os microorganismos tinham a capacidade de desenvolver resistência aos antibióticos.2 O aumento da resistência antibiótica resultou numa crise de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a designada era pós-antibiótica, na qual infecções outrora facilmente tratáveis passarão a ser mortais, é uma possibilidade real para o século XXI.3 O aumento da resistência dos microrganismos aos antibióticos e as infecções associadas aos cuidados de saúde (IACS) são problemas relacionados e têm assumido uma importância crescente à escala mundial. Em 2012 Portugal era o nono país com maior consumo de antibióticos na União Europeia (EU).4 Os hospitais caracterizam-se por um elevada densidade de utilização antibiótica tornando-se alvos prementes de intervenção nesta área.5

Um estudo realizado pelo Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) em 2013 revelou uma prevalência de 5,7% de IACS nos hospitais europeus de doentes agudos. Em Portugal estas apresentam uma prevalência de 10,5%, superior à média europeia de 6,1%.4

Estas infecções agravam o prognóstico da doença de base, prolongando os internamentos e aumentando a mortalidade,6 com o inerente aumento dos custos.

2.INFECÇÃO POR STAPHYLOCOCCUS AUREUS METICILINO-RESISTENTE (MRSA) – PREVALÊNCIA EUROPEIA

A infecção por MRSA é uma das IACS mais importantes, no que toca a infecções por microorganismos multirresistentes7 e a sua incidência tem vindo a aumentar.8 Alguns estudos demonstram que os portadores de MRSA apresentam um risco aumentado de infecção por este microorganismo.9,10

Por estes motivos, a taxa de resistência à meticilina em Staphylococcus aureus é um dos indicadores de resistência aos antimicrobianos classicamente medidos. Em Portugal, em 2014 esta taxa era de 47,4%.4

Estima-se que pelo menos 20% das IACS possam ser prevenidas através de programas de controlo de infecção multifacetados.11 Na última década vários Países da União Europeia (UE) implementaram planos de acção nacionais dirigidos à redução das taxas de MRSA.

Os doentes colonizados por MRSA são considerados o principal reservatório de MRSA nos hospitais, acreditando-se que o principal meio de transmissão deste microorganismo é através das mãos do staff hospitalar.12

O caso de Inglaterra é frequentemente apresentado como um sucesso neste campo, tendo atingido em cinco anos uma redução de 62% na incidência reportada de bacteriémia por MRSA (2003-2008).13 Foi implementado um conjunto de medidas neste País: registo obrigatório das infecções e de todas as bacteriémias por MRSA, linhas de orientação para prevenção de IACS, campanha nacional de higienização das mãos e uso prudente de antibioterapia.14

Em França, um programa nacional permitiu atingir uma redução de 20% de bacteriémias por MRSA.15 Na Bélgica, observou-se uma diminuição de IACS por MRSA entre 2003 e 2014, verificando-se uma diminuição da taxa de resistência de 30,3% para 16,3%.16 Para este facto terá contribuído uma estratégia assente em várias linhas de intervenção (rastreios, vigilância prospectiva e promoção de utilização prudente de antibióticos).17

Permanece por provar até que ponto estas estratégias podem servir como exemplos de práticas adequadas a implementar noutros Países com estruturas e recursos distintos.18

3.MRSA - ESTRATÉGIAS NACIONAIS

Em Portugal tem ocorrido um aumento consistente das precauções básicas de controlo de infeção desde 2011.4 A taxa global de adesão dos profissionais às boas práticas na higiene das mãos foi de 70,3% em 2014.4

Neste ano surgiu a Norma 18/2014 da Direcção-Geral da Saúde (DGS),19 dirigida à problemática da infecção e colonização por MRSA, cuja implementação foi iniciada pela Comissão de Controlo de Infecção da instituição onde se realizou o presente estudo.

Segundo esta Norma devem ser colocados em isolamento de contacto e pesquisada a colonização por MRSA em todos os doentes que cumpram um ou mais dos seguintes critérios:

• Permanência no Serviço de Urgência (SU) mais do que 48 horas
• Transferência de unidade hospitalar com internamento mais do que 48 horas
• Antibioterapia nos últimos seis meses
• Internamento nos últimos seis meses
• Doente em programa de hemodiálise
• Doente internado em residência de cuidados continuados, lar ou residência de idosos
• Presença de dispositivos invasivos • Presença de feridas crónicas • Colonização prévia por MRSA

Todos os doentes cujo rastreio seja positivo devem ser mantidos em isolamento de contacto e submetidos ao protocolo de descolonização (com duração de cinco dias) e realizada a monitorização da sua eficácia até 16 dias após o seu término. Preconizam-se, assim, longos períodos de isolamento.

É de referir que as medidas específicas do isolamento de contacto incluem o uso adequado de luvas, bata ou avental, assim como individualização de materiais e equipamentos, descontaminação adequada da unidade do doente, gestão adequada dos resíduos e roupa e precauções no transporte destes doentes.20

Neste sentido, aconselha-se a colocação destes doen tes preferencialmente em quartos individuais; não sendo possível, aconselha-se a colocação do doente num quarto com outro(s) doente(s) com infecção pelo mesmo agente (isolamento em coorte). Se estas opções não estiverem disponíveis, deve ter-se em consideração a epidemiologia do agente e a população dos doentes ao definir a localização do doente.20 Opta-se frequentemente, nestas circunstâncias, por utilizar cortinas de separação para delimitar o espaço físico entre os diferentes doentes.

A Norma da DGS define ainda que a colonização por MRSA não constitui indicação para não dar alta hospitalar ao doente para a unidade de internamento de cuidados continuados integrados ou lar/residência para idosos, antes de completar a descolonização.

4.OBJECTIVOS DO TRABALHO

Este trabalho visa estudar a população de um Serviço de Medicina Interna, tendo como objectivos:
1) Quantificar o número de doentes com indicação para pesquisa de portador;
2) Definir quais os principais critérios que conferiram essa indicação;
3) Analisar as implicações dos resultados obtidos (número de doentes portadores de MRSA e critérios que conferem a indicação para rastreio) para o funcionamento dos Serviços;
4) Discutir as condições existentes nas instituições hospitalares (nomeadamente no local de realização do estudo) para a aplicação das novas regras, explicitadas na norma da DGS supra-citada;
5) Apresentar possíveis estratégias para a aplicação das novas regras da norma da DGS.

Material e Métodos

Procedemos à recolha prospectiva de dados clínicos e laboratoriais de todos os doentes admitidos no Serviço de Medicina (com um total de 36 camas) num período de cinco semanas não consecutivas (meses de Novembro e Dezembro de 2015, Janeiro, Fevereiro e Abril de 2016).

Em todos os doentes, foram recolhidos os seguintes dados por um elemento médico da equipa responsável pelo doente:
• Data de admissão
• Género
• Idade
• Permanência no SU mais do que 48 horas
• Transferência de unidade hospitalar com internamento mais do que 48 horas
• Antibioterapia nos últimos seis meses
• Nome do antibiótico
• Internamento nos últimos seis meses
• Doente em programa de hemodiálise
• Doente internado em residência de cuidados continuados integrados (CCI), lar ou residência de idosos
• Presença de dispositivos invasivos
• Feridas crónicas
• Colonização prévia por MRSA
• Indicação para rastreio de portador na admissão (basta a presença de um critério)
• Realização de rastreio de portador na admissão
• Resultado do rastreio
• Data de colheita do rastreio
• Diagnóstico de admissão
• Co-morbilidades

Os dados foram trabalhados recorrendo ao Microsoft Excel® 2007.

O teste do qui-quadrado (?2) foi utilizado para comparar proporções, tendo sido considerada como diferença estatisticamente significativa quando a probabilidade foi menor do que 0,05 (p < 0,05). Nesse caso, consideramos existir relação entre as duas variáveis analisadas.

O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde do Centro Hospitalar no qual o estudo teve lugar.

Resultados

A amostra obtida integrou por 224 doentes, constituindo o total de doentes admitidos no Serviço de Medicina no período em análise.

Esta amostra era maioritariamente constituída por elementos do género feminino (n = 118; 52,4%). A média de idade é de 76 anos e a mediana de 79 anos. A faixa etária mais prevalente situa-se entre os 74 e os 83 anos (Fig. 1).

Da análise dos diagnósticos principais que constituíram motivo de internamento na amostra em análise, salienta-se o elevado número de diagnósticos de pneumonia adquirida na comunidade (n = 43; 19,1%), insuficiência cardíaca descompensada (n = 28; 12,4%), pneumonia associada aos cuidados de saúde (n = 27; 12,0%), acidente vascular cerebral isquémico (n = 17; 7,6%), cistite e pielonefrite aguda (15 e 10, respectivamente; 6,7% e 4,4%). Apresentam-se, na Fig. 1, os dez diagnósticos mais prevalentes que motivaram o internamento no Serviço. A referir, ainda, a presença de múltiplas co-morbilidades nesta população, nomeadamente o elevado número de doentes com hipertensão arterial (n = 88; 16,8%), fibrilhação auricular (n = 55; 10,5%), diabetes mellitus tipo 2 (n = 46; 8,8%), doença renal crónica (n = 38; 7,3%), entre outras, também representadas na Fig. 1.

Da população estudada, a maioria (n = 135; 60,3%) dos doentes apresentou indicação para realização de rastreio de MRSA. Dos doentes com indicação para o rastreio, este foi realizado em 53 (39,3%), enquanto em 78 doentes (60,7%) este não foi realizado. Dos rastreios realizados (n = 53; 39,3%), cerca de um terço (n = 15; 28,3%) tiveram um resultado positivo (Fig. 2). Apenas um rastreio foi realizado através de exsudado de ferida cutânea, todos os restantes através de zaragatoa nasal (n = 52; 98,1%).

A maioria dos doentes com indicação para rastreio apresentou apenas um critério para a realização do mesmo (n = 58; 43,0%), 40 doentes (29,6%) apresentaram dois critérios, 26 doentes (19,3%) apresentaram três critérios e uma minoria apresentou, quatro (n = 8; 5,9%), cinco (n = 2; 1,5%) ou seis critérios (n = 1; 0,7%), conforme se representa na Fig. 2.

O critério mais frequente entre os doentes estudados, foi a medicação prévia com antibioterapia (n = 83; 37,1%), o internamento recente (n = 72; 32,1%), seguido do internamento durante mais de 48h numa instituição hospitalar (n = 36; 16,1%) e da proveniência de lar ou unidade de CCI (n = 34; 15,2%). A referir que, dos 36 doentes com internamentos durante mais de 48 horas, 22 (9,8%) foram provenientes do Serviço de Urgência.

Focando-nos na antibioterapia prescrita nos meses meses antes do internamento, a maioria dos doentes esteve medicado com amoxicilina/ácido clavulânico (n = 31; 31,0%), seguido de levofloxacina (n = 20; 17,2%) e de meropenem (n = 14; 12,1%), como representado na Fig. 3.

Dos doentes com indicação para rastreio, comparou-se a utilização prévia de antibioterapia dos doentes rastreados com aqueles a quem não foi realizado o rastreio. Dos 53 doentes a quem foi realizado o rastreio, 37 (69,8%) tinham sido recentemente medicados com antibioterapia; dos 82 a quem o rastreio não foi realizado, 46 (56,1%) (p > 0,05; 1 grau de liberdade).

Em relação aos restantes critérios, destaca-se que dos doentes transferidos a partir do SU, depois de aí terem permanecido durante mais de 48 horas (22 doentes; 9,8%), em sete (3,1%) foi realizado o rastreio e em todos foi negativo. A presença de dispositivos invasivos constituiu um critério em 28 doentes (12,5%), as feridas crónicas em sete doentes (3,1%). Apenas em três doentes (1,3%) já era conhecido o estado de portador de MRSA e dois doentes realizavam tratamento de hemodiálise (n = 2; 0,9%).

A presença de dispositivos invasivos foi ligeiramente mais prevalente no grupo dos 84 aos 93 anos (n = 9; 13,6%), seguido do grupo dos 54 aos 63 anos (n = 2; 12,5%) e dos 64 aos 73 anos (n = 5; 11%).

No que diz respeito ao tipo de dispositivos identificados, a maioria dos doentes era portadora de algália (n = 14; 50,0% dos doentes com dispositivos invasivos), seguido de nefrostomia (n = 5; 17,9%) e sonda nasogástrica (n = 3; 10,7%), apresentando-se a totalidade dos dispositivos identificados na Fig. 3.

Dos 28 doentes com dispositivos invasivos, 23 (82,1%) foram medicados com antibioterapia nos seis meses prévios. Por outro lado, dos doentes sem dispositivos invasivos (n = 196; 87,5,%), apenas (n = 60; 30,6%) realizaram recentemente antibioterapia (p < 0,01; 1 grau de liberdade). Verificou-se, assim, que a prescrição de antibioterapia foi mais frequente, de forma estatisticamente significativa, nos doentes portadores de dispositivos invasivos neste estudo.

Analisando os critérios de indicação para rastreio em cada um dos géneros, a prevalência de antibioterapia foi o critério mais prevalente em ambos: 42 (35,9%)dos doentes do género feminino e 41 (38,3%) dos doentes do género masculino. O internamento nos últimos 6 meses foi o segundo critério mais frequente: 31,6% (n = 37) das mulheres e 31,6% (n =37) dos homens. Das doentes do género feminino, 20,5% (n= 24) foram provenientes de lar, por oposição a 9,3% (n =10) dos doentes do género masculino (p < 0,05; 1 grau de liberdade, revelando uma maior prevalência de doentes do género feminino a residir em lar na população em estudo.

O critério de transferência de internamento há mais de 48 horas esteve presente em 17,9% (n = 21) das mulheres e 14,0% (n = 15) dos homens. Representa-se a distribuição dos critérios de rastreio por género na Fig. 2.

Do estudo da distribuição dos critérios de rastreio por faixas etárias, dos 24 aos 33 anos o critério de internamento recente foi o mais prevalente (três doentes; 33,3%); ao contrário de todos os outros grupos etários, em que o critério mais prevalente foi a antibioterapia nos seis meses prévios, seguido do internamento prévio (segundo critério mais frequente de rastreio).

A transferência de internamento de unidade hospitalar por mais de 48 horas foi o terceiro critério mais prevalente entre os 64 e os 83 anos. Entre os 84 e os 103 anos, este foi o quarto critério, precedido pela residência em lar ou unidade cuidados continuados, tal como esperado numa faixa etária superior. A distribuição dos critérios por faixa etária está representada na Fig. 3.

Observou-se que a maioria das amostras dos rastreios foi recolhida nas primeiras 48 horas após a chegada do doente (41 amostras (77,4% do total de amostras recolhidas)). Verificou-se que 12 amostras (22,6%) foram recolhidas entre os três e os 11 dias após a data de admissão dos doentes. Destas 12 amostras recolhidas após 48 horas de internamento no Serviço de Medicina, 4 (7,5%) revelaram-se positivas (realizadas ao 4º, 5º, 7º e 11º dia).

Discussão

O estudo decorreu durante um período de cinco semanas não consecutivas, abarcando diferentes estações do ano (Inverno e Primavera), o que pode ter contribuído para tornar a amostra mais heterogénea.

Salienta-se a faixa etária avançada da população estudada. O factor idade parece-nos influenciar de forma clara a probabilidade de um doente apresentar indicação para a pesquisa de portador de MRSA pois tem possivelmente repercussão num maior número de internamento recentes (em doentes com mais co-morbilidades) e ainda na proveniência de lar/residências de idosos/unidades de cuidados continuados, na presença de feridas crónicas ou de dispositivos invasivos. No entanto, quando estudadas as diferenças entre faixa etária, com excepção da transferência de lar, os outros critérios apresentaram valores de prevalência semelhantes dentro de cada grupo, salientando-se a relevância da utilização de antibioterapia e de internamento recentes. A distribuição dos critérios de rastreio por género revelou também uma distribuição semelhante, sendo o único critério com diferença entre géneros a proveniência de lar ou unidades de CCI, em que se registou um maior número de doentes do género feminino comparativamente com os doentes do género masculino. Não se observaram diferenças relevantes nos critérios de rastreio nas diferentes faixas etárias analisadas.

Verificou-se que a maioria dos doentes admitidos no Serviço apresentou indicação para a pesquisa de portador (60% da amostra), o que constitui, em consonância com a hipótese colocada, uma mudança de práticas de grande envergadura. Por um lado, obriga ao isolamento de contacto de 60% dos doentes no momento da admissão até ao momento em que se confirma ou não a hipótese de colonização por MRSA. A referir que na Europa, a percentagem mediana de quartos individuais documentada (em relação ao número total de quartos de internamento hospitalar) é de 24,%21 e de 11% de camas situadas em quarto individual (em relação ao número total de camas hospitalares). Em Portugal a percentagem mediana de camas em quarto individual é inferior a 5%,4 o que obriga a encontrar soluções num contexto diferente do restante panorama europeu.

Colocam-se, assim, algumas questões práticas para a aplicação das regras nacionais descritas:
• Na eventualidade de existirem um ou dois doentes portadores de MRSA em cada quarto, coloca-se o problema da ausência de sanitários nos quartos, obrigando a que os doentes realizem obrigatoriamente a sua higiene no quarto, o que poderá revelar-se problemático em unidades com doentes mais jovens e autónomos;
• Quando se opta pelo isolamento através de cortinas em torno da cama ou com a porta do quarto fechada, coloca-se a questão da menor vigilância por parte da Equipa de Enfermagem, possibilitando que situações emergentes sejam sinalizadas com menos rapidez.

Uma hipótese para colmatar alguns destes problemas é a construção de unidades coorte.22 Por exemplo, poder-se-ia endereçar um piso/enfermaria aos doentes colonizados por MRSA, de modo a que as limitações de deslocações para a higiene e mobilidade não se colocassem.

Há que contabilizar, para além deste facto, os custos do material de protecção individual utilizado nestas circunstâncias.

A salientar, ainda, que o resultado positivo de colonização demora, pelas técnicas convencionais (tal como realizada no centro hospitalar em questão à data de realização deste estudo), cerca de 48 horas. Torna-se premente, no actual contexto, implementar a utilização de biologia molecular, já que esta metodologia permite a obtenção de resultados mais rápidos.19

A referir que não existem dados científicos robustos que comprovem o benefício da utilização de isolamento de contacto em serviços com MRSA em valores endémicos.23 Inclusivamente, vários hospitais dispensam a utilização destas medidas, privilegiando um conjunto integrado de acções, como a higiene das mãos, limpeza adequada do ambiente e descolonização dos doentes. É necessário realizar mais e melhores estudos que verifiquem os benefícios desta prática. Parece-nos ainda de grande relevância a análise crítica dos principais factores que conferiram a indicação para rastreio. Salientamos, nomeadamente, o elevado peso da antibioterapia nesta amostra (37%), parecendo-nos um aspecto de relevo onde a margem de melhoria a nível nacional é muito relevante.

Adicionalmente, destaca-se que nos doentes com dispositivos invasivos o peso da antibioterapia é significativamente superior à prescrição de antibioterapia em doentes sem dispositivos invasivos (p < 0,01), facto que nos parece constituir um alerta nesta população em especial.

No último inquérito de prevalência de infecções à escala europeia, objectivou-se que quase metade dos doentes internados nos hospitais portugueses (45,3%) foram medicados com antibiótico no internamento estudado, enquanto nos hospitais europeus essa percentagem foi de 35,8%, pouco mais de um terço.4

Por outro lado, da análise dos antibióticos prescritos, a levofloxacina e o meropenem assumem um papel de grande destaque, o que pode constituir um sinal de necessidade de melhoria nas políticas de apoio à prescrição de antibioterapia a nível hospitalar.

Vários estudos mostraram que a exposição recente a aminoglicosídeos e fluoroquinolonas se revelaram predictores independentes de infecção por MRSA.24,25

Observou-se que numa maioria de doentes com indicação para a realização de rastreio, este não foi realizado. Há a referir que, durante uma semana do período em análise de rastreio, facto que constitui um alerta para a necessária preparação das unidades para a implementação destas normas.

Por outro lado, há que sensibilizar a equipa médica e de enfermagem. Neste caso concreto, a equipa médica que participou no estudo sinalizou todos os doentes admitidos no Serviço, tendo sido destacado um elemento para este registo que tinha a seu cargo apenas os doentes da própria equipa de trabalho. Mas este é um aspecto que tem que ser todavia melhorado, pois importa que toda a equipa, e não um só elemento, esteja alerta, caso contrário falharemos na identificação de todos os doentes.

Noutros casos, alguns rastreios não foram realizados em tempo útil (nas primeiras 24 horas, preferencialmente). Os factores que podem contribuir para este facto são, por exemplo, a admissão de doentes durante o fim-de-semana, que implica que o médico de urgência interna sinalize de imediato estes doentes.

Quanto aos resultados dos rastreios, verificou-se que apenas um terço se revelaram positivos. No entanto, dado que muitos dos doentes com indicação não foram rastreados, torna-se necessário repetir estudos que validem estes números e permitam uma quantificação mais fidedigna.

Em relação ao local de colheita da amostra para rastreio, praticamente na totalidade dos doentes foi realizado através de zaragatoa nasal. Pensa-se que este é o local mais frequentemente colonizado por MRSA e o seu tratamento revelou uma redução da colonização da pele em profissionais de saúde saudáveis.26 No entanto, a colonização nasal não foi encontrada em todos os portadores de MRSA com dispositivos invasivos, podendo o recto ser um reservatório importante no MRSA adquirido na comunidade. Pode ser pertinente abarcar mais locais do corpo para a pesquisa de colonização.26

Por outro lado, existe ainda o risco de recolonização dos doentes, uma vez que a erradicação do MRSA dos doentes portadores não é garantida nem permanente. Alguns estudos referem 50% a 75% de recolonização após 12 meses em trabalhadores de saúde saudáveis, podendo esta taxa ser maior em doentes dialisados ou VIH positivos.26

Em relação à utilização da mupirocina, devem ser pensadas alternativas, uma vez que este fármaco foi já associado ao aumento de resistência farmacológica e falha no sucesso da erradicação.sup>26

Este trabalho apresenta várias limitações, nomeadamente:
• O tempo relativamente curto do estudo;
• O reduzido número de rastreios realizados nos doentes com indicação impossibilita a interpretação do número de resultados positivos;
• Alguns dos resultados positivos são referentes a rastreios realizados depois de 48 horas de internamento, não se podendo descartar a possibilidade de ter havido colonização durante o período de permanência no serviço;
• A população pouco heterogénea ao nível da faixa etária condiciona a generalização dos resultados a outros serviços de internamento com populações distintas.

Conclusão

É necessário exigir boas práticas dos profissionais de saúde para a implementação de novas regras e garantir condições de funcionamento nos serviços (físicas e organizacionais) para que as mesmas possam ser aplicadas.

Torna-se crucial, perante objectivos tão ambiciosos como os que se nos apresentam actualmente, que as estratégias não sejam implementadas isoladamente, mas em articulação entre si, com envolvimento simultâneo das várias classes de técnicos de saúde.

Parece-nos, por fim, relevante salientar que este trabalho não cabe apenas aos profissionais de saúde. No eurobarómetro de Novembro de 2013 apenas 19% dos portugueses inquiridos responderam correctamente quando lhes foi perguntado se os antibióticos são eficazes contra infecções virais.27 O cidadão deve ser informado e ser chamado a cumprir a sua parte, nomeadamente evitando a toma de antibióticos injustificada.

 

Referências

1. Gould IM, Abhijit MB. New antibiotic agents in the pipeline and how they can help overcome microbial resistance. Virulence. 2013;185–91.

2. Ventola CL. The antibiotic resistance crisis: part 1: causes and threats. Pharm Therap. 2015;40.4:277-83.         [ Links ]

3. World Health Organization. Antimicrobial resistance: global report on surveillance. Geneve: WHO; 2014.         [ Links ]

4. Direção Geral da Saúde. Portugal – Prevenção e controlo de infeções
e de resistência aos antimicrobianos em números. Lisboa: DGS; 2015.

5. Owens RC, Rice L. Hospital-based strategies for combating resistance.
Clin Infect Dis. 2006;42(Suppl 4):173–81.

6. Revelas A. Healthcare–associated infections: A public health problem. Niger Med J. 2012;53:59-64.

7. European Centre for Disease Prevention and Control. Annual epidemiological report 2014. Antimicrobial resistance and healthcare-associated infections. Solna: ECDPC; 2015.         [ Links ]

8. Stamm A, Long M, Belcher B. Higher overall nosocomial infection rate because of increased attack rate of methicillinresistant Staphylococcus aureus. Am J Infect Control. 1993;21:70–4.

9. Datta R, Huang S. Risk of infection and death due to methicillin-resistant Staphylococcus aureus in long-term carriers. Clin Infect Dis. 2008;47:176–81.

10. Huang S, Platt R. Risk of methicillin-resistant Staphylococcus au reus infection after previous infection or colonization. Clin Infect Dis. 2003;36:281–5.

11. European Centre for Disease Prevention and Control. Point prevalence survey of healthcare associated infections and antimicrobial use in European acute care hospitals. Solna: ECDPC; 2013.         [ Links ]

12. Cox RA, Conquest C. Strategies for the management of healthcare staff colonised with epidemic methicillinresistant Staphylococcus aureus. J Hosp Infect. 1997;35:117–27.

13. Thelwall S, Nsonwu O, Wasti S, Elmi M, Gerver S, Davies J, et al. Annual Epidemiological Commentary Mandatory MRSA, MSSA and E. coli bacteraemia and C. difficile infection data 2015/16 [Internet]. [accessed 10-11-2016] Available from: https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/535635/AEC_final.pdf        [ Links ]

14. Chief Medical Officer. Winning Ways: Working together to reduce Healthcare Associated Infection in England. [Internet]. 2003. [accessed 10-11-2016] Available from: http://antibiotic-action.com/wp-content/uploads/2011/07/DH-Winning-ways-working-together-to-reduce-H-CAI.-2003.pdf        [ Links ]

15. Carlet J, Astagneau P, Brun-Buisson C, Coignard B, Tran B, Desenclos JC. French national program for prevention of healthcare-associated infections and antimicrobial resistance, 1992–2008: positive trends, but perseverance needed. Infect Control Hosp Epidemiol. 2009;30:737–45.

16. Jans B, Glupczynski Y, Goossens H, Denis O. Surveillance van antibioticaresistente bacteriën in Belgische ziekenhuizen: Jaarrapport 2014 [Internet]. [accessed 10-11-2016] Available from: http://www.nsih.be/download/MRSA/MRSA_ESBL_CPE_Y2014/RAPPORT_AMR_Y2014_NL.pdf        [ Links ]

17. GDEPIH - GOSPIZ. Guidelines for the control and prevention of methicillin-resistant Staphylococcus aureus transmission in Belgian hospitals. [Internet]. [accessed 10-11-2016] Available from: http://www.health.belgium.be/sites/default/files/uploads/fields/fpshealth_theme_file/4448393/ Guidelines for the control and prevention of methicillin-resistant Staphylococcus Aureus transmission in Belgian hospitals (June 2005) (SHC 7725).pdf        [ Links ]

18. Köck R, Becker K, Cookson B, van Gemert-Pijnen JE, Harbarth S, Kluytmans J, et al. Methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA): burden of disease and control challenges in Europe. Euro Surveill. 2010;15):19688.         [ Links ]

19. Direção Geral da Saúde. Prevenção e controlo de colonização e infeção por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) nos hospitais e unidades de internamento de cuidados continuados integrados 018/2014 (actualizada 27-04-2015). Lisboa: DGS; 2015.         [ Links ]

20. Direção Geral da Saúde. Recomendações para as precauções de isolamento. Precauções básicas e dependentes das vias de transmissão. [Internet]. 2007. [accessed 17-12-2016] Available from: http://www.dgs.pt/ms/3/default.aspx?pl=&id=5514&acess=0&codigo-no=00140015AAAAAAAAAAAAAAAA        [ Links ]

21. European Centre for Disease Prevention and Control. Point prevalence survey of healthcare associated infections and antimicrobial use in European acute care hospitals.Solna: ECDPC; 2013.         [ Links ]

22. Fitzpatrick F, Murphy OM, Brady A, Prout S, Fenelon LE. A purpose built
MRSA cohort unit. J Hosp Infect. 2000;46:271–9.

23. Morgan DJ, Murthy R, Munoz-price LS, Barnden M, Camins BC, Johnston BL, et al.Reconsidering contact precautions for endemic methicillin-resistant Staphylococcus aureus and vancomycin-resistant Enterococcus. Infect Control Hosp Epidemiol. 2015;36:1163–72.

24. Baraboutis AI, Tsagalou EP, Papakonstantinou I, Marangos MN, Gogos C, Skoutelis AT, et al. Length of exposure to the hospital environment is more important than antibiotic exposure in healthcare associated infections by methicillin-resistant Staphylococcus aureus : a comparative study. Braz J Infect Dis. 2011;15:426–35.

25. Tacconelli E, Angelis G De, Cataldo MA, Pozzi E, Cauda R. Does antibiotic exposure increase the risk of methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA) isolation ? A systematic review and meta-analysis. J Antimicrob Chemother. 2008;61:26–38.

26. Bradley SF. Eradication or decolonization of methicillin-resistant Staphylococcus aureus carriage: what are we doing and why are we doing it? Clin Infect Dis. 2007;44:186–9.

27. European Comission. Special Eurobarometer 407 Antimicrobial resis-
tance. Brussels: EC; 2013.         [ Links ]

 

 

 

Correspondência: Ana Sofia Carvalho asofia.dc@gmail.com
Serviço de Medicina II, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital Egas Moniz, Lisboa, Portugal
Rua Da Junqueira 126, 1349-019, Lisboa

 

Apresentações e Prémios: Os resultados preliminares foram apre- sentados em forma de apresentação oral no XXII Congresso Naional de Medicina Interna (Viana do Castelo, 2016).

Protecção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

 

Recebido: 10/02/2017

Aceite: 26/03/2017

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons