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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.4 Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.24950/rspmi/R58/17/2017 

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

Clínica Multidisciplinar de Insuficiência Cardíaca: Como Implementar

Multidisciplinary Heart Failure Clinic: How to Implement

Irene Marques1, Catarina Gomes2, Sofia Viamonte3, Gonçalo Ferreira4, Catarina Mendonça1

1Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal
2Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal
3Serviço de Fisiatria, Unidade de Prevenção e Reabilitação Cardíaca, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal
4Serviço de Medicin a Interna, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

O objetivo deste artigo é fazer uma breve revisão do estado da arte sobre clínicas de insuficiência cardíaca e divulgar a implementação da nossa clínica, como exemplo possível em contexto português. Assim, é revista a evidência científica que suporta as recomendações para a implementação dessas clínicas, a sua estrutura, os domínios que devem abordar, as intervenções necessárias e também o impacto associado à sua implementação. Após a revisão da escassa evidência em território português, descrevemos a implementação da nossa clínica multidisciplinar de insuficiência cardíaca, a sua constituição, o seu programa estruturado de seguimento e os principais resultados obtidos nos três primeiros anos de atividade assistencial, nomeadamente a redução da mortalidade e dos reinternamentos. Concluímos que os cuidados aos doentes com insuficiência cardíaca em Portugal podem melhorar, com a implementação de mais clínicas como a nossa, e esperamos que este artigo estimule esse processo.

Palavras-chave: Cuidados Ambulatórios; Hospitalização; Insuficiência Cardíaca; Prestação de Cuidados de Saúde.

 


 

ABSTRACT

The objective of this article is to briefly review the state-of-theart about heart failure clinics and to report the implementation of our clinic, as an example in the Portuguese reality. Thereby, the evidence supporting the recommendations to implement those clinics is reviewed, as well as their structure, domains that need to be addressed, necessary interventions and the impact on outcomes after their implementation. After revision of the scarce evidence from Portuguese reality, we reveal how we implemented our multidisciplinary heart failure clinic. We present our team, the structured follow-up program and the impact in the major outcomes after the first three years of clinical practice, namely mortality and readmission reduction. In conclusion, we think that care to heart failure patients in Portugal can improve, if more heart failure clinics are implemented, and we hope this article can promote that process.

Keywords: Ambulatory Care; Delivery of Health Care; Heart Failure; Hospitalization.

 


 

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é uma epidemia do século XXI, com prevalência = 10% acima dos 70 anos.1-3 De forma notável, representa o ponto de encontro das diversas doenças cardiovasculares no coração.

Nos países desenvolvidos é responsável por 1% - 2% dos custos globais em saúde, sobretudo à custa dos internamentos que acarreta. Estes internamentos têm aumentado, representando a causa mais frequente de internamento acima dos 65 anos.3-7 A mortalidade no primeiro ano após internamento por IC é elevada, na nossa região da Europa e nosso Serviço de Medicina Interna, rondando os 30%. A taxa de reinternamento por IC nesse período é também cerca de 30%.8,9 Estes reinternamentos têm um grande impacto na qualidade de vida e no prognóstico global dos doentes, assim como na saúde pública e na economia dos países desenvolvidos.6,7,10

As mais recentes recomendações internacionais deixam clara a importância da identificação dos doentes com pior prognóstico e da sua integração em programas de gestão multidisciplinar, também designadas Clínicas de IC. A atividade destas organizações centra-se no seguimento estruturado com educação dos doentes, otimização da terapêutica, suporte psicológico e acesso facilitado aos cuidados de saúde.1,4,11-14

O objetivo deste artigo é fazer uma breve revisão do estado da arte que suporta as recomendações relativas à criação de Clínicas de IC e dos domínios que devem abordar, assim como o impacto associado à sua implementação. Por outro lado, descrevemos a implementação da nossa Clínica multidisciplinar de IC no Centro Hospitalar do Porto, o GEstIC (Grupo de Estudo da Insuficiência Cardíaca), e os principais resultados obtidos após os três primeiros anos de atividade assistencial, no intuito de partilhar a nossa experiência e estimular a implementação de outras Clínicas de IC em Portugal.

Evidência científica

A implementação de Clínicas de IC como programas estruturados de gestão dos doentes com IC tem o mais elevado nível de evidência científica nas recomendações europeias publicadas em 2016.

Na última década, foram muitas as publicações que abordaram e definiram quais os doentes-alvo, os domínios de intervenção e as intervenções a incluir nestes programas, assim como a forma de avaliar o seu resultado.1,4,11,15

Destaca-se, contudo, um documento de consenso publicado em 2008 sob os auspícios da Heart Failure Society of America, que definiu claramente o que deve ser uma Clínica de IC.15 Os peritos envolvidos definiram que os objetivos destas estruturas são reduzir as taxas de mortalidade e de reinternamentos e melhorar a qualidade de vida dos doentes com IC, através de cuidados personalizados. Ficou clara a noção de que, para serem bem-sucedidas, estas clínicas teriam que ter recursos e infraestruturas adequadas, aplicar as recomendações para a prática clínica em vigor e pautarem-se por uma cultura de avaliação da qualidade. Apesar de vários tipos de organização poderem cumprir os objetivos delineados, o documento estabelece à partida os componentes que devem incluir de forma a otimizar os cuidados ao doente com IC. Antes de mais, define quais os doentes candidatos, dos quais se destacam todos os recentemente hospitalizados por descompensação da IC e outros considerados de alto risco: idosos com múltiplas comorbilidades, com doença renal ou pulmonar grave, diabéticos, com IC classe III ou IV habitual da classificação New York Heart Association (NYHA) e os que têm história de reinternamentos frequentes, depressão, demência, má adesão à terapêutica e/ou contextos sociais e económicos desfavorecidos. Estes são os doentes que, em Portugal, são habitualmente tratados pelos internistas. Por fim, define onze domínios a desenvolver numa Clínica de IC:
1. gestão da IC;
2. avaliação funcional;
3. avaliação da qualidade de vida;
4. avaliação da terapêutica médica e farmacológica;
5. avaliação da indicação para dispositivos médicos;
6. avaliação nutricional;
7. seguimento;
8. definição do plano de cuidados;
9. comunicação,
10. educação do cuidador e
11. avaliação da qualidade.
Para cada um destes domínios foi expressa a fundamentação e elencados os diversos componentes que o devem integrar.15

Mais recentemente, as recomendações europeias e americanas sobre IC consolidaram as ideias desse documento de consenso, estabelecendo quais as características dos doentes, componentes dos programas estruturados e recomendações para a gestão multidisciplinar e monitorização dos doentes incluídos nas Clínicas de IC. Salientam a importância da educação e auto-avaliação dos doentes, do desempenho de profissionais treinados, da monitorização dos idosos e da identificação atempada da necessidade de referenciação para cuidados paliativos.1,12,13

A chave para o sucesso destas organizações é a coordenação de cuidados, ao longo do trajeto da doença e dos diferentes níveis de cuidados de saúde prestados por diversos serviços. Isto só é possível através da estreita colaboração de profissionais destes serviços: cardiologistas, internistas, enfermeiros, nutricionistas, fisiatras, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, farmacêuticos e profissionais dos cuidados de saúde primários e cuidados paliativos. A estrutura e conteúdo do programa podem variar conforme as realidades nacionais e locais. As Clínicas de IC devem ser facilmente acessíveis aos doentes e seus cuidadores, o que frequentemente é conseguido através de uma linha telefónica para aconselhamento.1 Outros autores acreditam que existem três elementos essenciais para o sucesso: 1) todas as intervenções contarem com enfermeiros especializados em IC, 2) a educação dos doentes e/ou cuidadores sobre a IC e 3) haver acesso rápido a médicos com treino na área da IC.16 As intervenções que levam à redução dos reinternamentos são tão mais bem-sucedidas quanto mais intensivo é o seguimento e maior o envolvimento de enfermeiros.11,13,16,17

Quanto à educação dos doentes e cuidadores, diversas organizações recomendam o método Teach Back, nomeadamente a American Medical Association,17 como estratégia de melhorar a literacia em saúde. Esse método consiste em questionar informalmente o indivíduo previamente submetido a educação sobre o que compreendeu, estimulando-o a transmitir a informação recebida pelas suas próprias palavras. Se tiver havido falha na comunicação, pode rever-se a informação, assegurando-se que esta foi compreendida. Adicionalmente, o conceito de Zonas de IC pretende facilitar a compreensão de que existem áreas de perigo variável de descompensação, sendo a sua utilização recomendada por diversas sociedades científicas e sido adotado por diversos hospitais em todo o mundo, como facilmente se depreende após uma rápida consulta da Internet.

Para os doentes internados por IC descompensada é importante definir bem o plano para a alta. O agendamento de uma consulta após alta nesta altura mostrou reduzir a taxa de reinternamento e é uma das medidas de avaliação de qualidade dos hospitais pela American Medical Association.1,19 A implementação de intervenções de cuidados de transição hospital-domicílio que visam reduzir os reinternamentos, onde se incluem as Clínicas de IC e também os telefonemas estruturados, mostraram reduzir a mortalidade.20-23 As mais recentes recomendações americanas para a IC sugerem que esses doentes sejam contactados telefonicamente nos primeiros 3 dias e tenham uma consulta presencial nos primeiros 7-14 dias após a alta.12

O conjunto de instrumentos de avaliação e intervenção integrados nas Clínicas de IC têm um impacto positivo no prognóstico dos doentes provavelmente superior ao que seria obtido pela sua utilização individual, mas a sua dimensão é de difícil quantificação.14 Muitos deles estão diretamente relacionados com a mortalidade associada à IC, que continua a rondar os 50% aos 5 anos após diagnóstico, nas mais recentes estatísticas.13,24 Referimo-nos nomeadamente à depressão, níveis de NT-proBNP e distância percorrida no Teste de 6 Minutos de Marcha (T6MM).24 Neste âmbito, o T6MM mostra-se um instrumento valioso, uma vez que uma distância percorrida igual ou inferior a 300 metros é um indicador de risco de morte em doentes com IC ligeira a moderada.25 Zotter-Tufaro e colaboradores mostraram que a distância percorrida é um fator preditor independente de internamento por IC e/ou morte de causa cardíaca em doentes com IC crónica e fração de ejeção preservada (FEp).26

A avaliação funcional e da qualidade de vida, tal como a promoção do exercício físico, são componentes essenciais das Clínicas de IC. A integração destes doentes em programas de reabilitação cardíaca mostrou melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida relacionada com a saúde, assim como reduzir os sintomas e os reinternamentos por IC1,12, pelo que é especialmente recomendada. Apesar disto, no Reino Unido menos de 20% dos doentes hospitalizados por IC entre 2014 e 2015 foram referenciados para reabilitação cardíaca.21 Por outro lado, a avaliação regular da qualidade de vida é especialmente importante nos doentes com IC e FEp, habitualmente idosos, muito sintomáticos e com elevada prevalência de comorbilidades, para os quais não existe terapêutica farmacológica que tenha mostrado impacto na mortalidade ou morbilidade.1

Em relação aos resultados obtidos, a implementação de Clínicas de IC mostrou reduzir a mortalidade e o tempo de internamento dos doentes internados por IC, melhorar a adesão terapêutica e reduzir os reinternamentos por IC.1,4,17,20,21,23,27-29 Uma metanálise de 29 estudos aleatorizados mostrou que as estratégias multidisciplinares de gestão da IC reduziram em 43% o número total de internamentos por IC. Dessas, as que incluíam seguimento por uma equipa ou clínica multidisciplinar mostraram uma redução adicional da mortalidade por todas as causas em cerca de 25%, assim como dos internamentos por todas as causas em 20%. O impacto benéfico destas estratégias é semelhante à da prescrição de inibidores da enzima de conversão da angiotensina nos referidos indicadores, em populações similares.16,23

A favorável relação custo-efetividade destas estruturas é tanto mais importante quanto se reconhece o custo elevado da IC nas economias nacionais e sistemas de saúde, se prevê que esse custo nos Estados Unidos da América em 2030 sejam mais do dobro do atual e que os internamentos por IC aumentem em 50% no Reino Unido nos próximos 25 anos.2,4,5

Realidade portuguesa

Em Portugal, estima-se que existiam 380 000 doentes com IC30 e o cenário da IC é preocupante, sendo necessário maior investimento nas redes de cuidados.6,28

Os dados disponíveis reportam escassa organização dos cuidados aos doentes com IC e ainda mais escassos recursos de enfermagem dedicados a esta patologia.30-33 Ainda assim, num estudo observacional nacional, Azevedo e colaboradores constataram que os doentes integrados numa Clínica de IC em ambulatório tinham significativamente menor risco de morte ou reinternamento no primeiro mês após alta de internamento por IC. Estes doentes também mantinham um risco de morte significativamente menor e independente num seguimento longo, em média de 373 dias.34 Noutro contexto, Fonseca e colaboradores demonstraram redução do resultado composto mortalidade e reinternamento a curto e longo prazo nos doentes integrados numa Unidade de IC Aguda.35

Em relação à reabilitação cardíaca, foram recentemente publicados dados sobre a sua cobertura nacional. Contudo, não encontramos dados que reportem qual a percentagem de doentes com IC que têm acesso a estes programas. Sabemos apenas que, entre 2013 e 2014, a IC foi o motivo de referenciação em apenas 12,7% dos doentes integrados.36

Sobre as características dos doentes de alto risco, citadas como motivos de integração em Clínicas de IC, estas estão disseminadas na população de doentes internados por IC no nosso Serviço de Medicina Interna9 e, presumivelmente, na maioria dos seus congéneres nacionais. Por outro lado, estes doentes representam uma grande parte do total de internamentos nestes serviços. Assim, faz todo o sentido a implementação de Clínicas de IC, envolvendo à partida todas as áreas clínicas essenciais à abordagem multidisciplinar destes doentes, para cumprir a missão de oferecer os cuidados abrangentes, globais e integradores próprios da Medicina Interna.

Clínica Multidisciplinar de IC

A nossa Clínica multidisciplinar de IC nasceu no Serviço de Medicina Interna em 2009, após revisão da literatura, com uma Carta de Princípios que definiu os principais objetivos:
• Promover a formação de médicos, enfermeiros e doentes sobre a IC
• Envolver as áreas assistenciais com um papel relevante nos cuidados aos doentes com IC, nomeadamente Enfermagem, Cardiologia, Nefrologia, Medicina Física e de Reabilitação, Nutrição, Psiquiatria, Cuidados Paliativos e Serviço Social
• Promover o cumprimento das recomendações estabelecidas
• Desenvolver métodos de avaliação de prognóstico para os doentes tratados
• Promover estratégias de redução da mortalidade e dos reinternamentos por IC
• Implementar estratégias de melhoria do prognóstico
• Promover o relacionamento com os Cuidados de Saúde Primários
• Participar em estudos sobre novas terapêuticas para a IC
• Promover a atividade científica

Adotámos a designação de GEstIC - Grupo de Estudo da Insuficiência Cardíaca. Após apresentação pública da Carta de Princípios, a equipa multidisciplinar foi constituída por um elemento de cada serviço e enfermeiros do Serviço de Medicina Interna. Apresenta-se de seguida a organização atual, nomeadamente o programa estruturado aplicado aos doentes admitidos em 2017.

CONSTITUIÇÃO DA EQUIPA

Esta equipa integra duas internistas que asseguram a consulta de Insuficiência Cardíaca; uma cardiologista, uma fisiatra, uma psiquiatra, uma nutricionista, uma assistente social, uma fisioterapeuta e dez enfermeiros; neste momento não há nefrologista, o que aconteceu entre 2013 e 2015. Além deste núcleo, existe um enfermeiro-chefe e um grupo de internos da formação específica em Medicina Interna que colabora na atividade científica e de desenvolvimento do projeto.

A responsável pelo GEstIC é uma das internistas, que também coordena toda a equipa multidisciplinar. Um dos enfermeiros coordena a atividade da equipa de enfermagem.

Programa Estruturado de Gestão da IC

REFERENCIAÇÃO

A referenciação ocorre durante o internamento por IC aguda nos Serviços de Medicina Interna ou de Cardiologia ou por apresentação na Consulta de Grupo de IC. Os critérios de referenciação ao GEstIC apresentam-se na Tabela 1.

 

 

No internamento, a referenciação é formalizada informaticamente no Processo Clínico Eletrónico do doente, o que leva à inclusão do doente numa aplicação informática do GEstIC e gera atitudes e intervenções terapêuticas na visão de enfermagem do programa SClínico, desenvolvido pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.

GUIA E INTERVENÇÃO EDUCACIONAL SOBRE IC

Na primeira abordagem de educação é entregue um Guia sobre IC ao doente, familiar e/ou cuidador. O seu conteúdo resume a Intervenção Educacional sobre a IC e baseia-se em:
1. promoção de autocuidados em diversos domínios: alimentação, álcool, tabaco, medicação, exercício físico, restrição de sal e líquidos e peso corporal diário;
2. reconhecimento dos sinais de descompensação da IC, segundo Zonas da IC; e
3. atitudes a tomar perante a identificação das situações de descompensação da IC, como telefonar para um dos enfermeiros do GEstIC ou deslocar-se ao Serviço de Urgência.

A nossa versão das Zonas da IC foi adaptada37 para incluir rostos que personalizam o nível de perigo de cada zona. (Fig 1) Tem sido útil na educação de doentes daltónicos e como reforço visual da mensagem que se pretende transmitir.

Esta Intervenção Educacional é iniciada pelos enfermeiros da enfermaria onde se encontra internado o doente, os quais tiveram formação específica, e utiliza o método Teach Back.18

ALTA DE INTERNAMENTO POR IC

A responsável pelo GEstIC, quando contactada pelos médicos assistentes do doente no dia da alta, agenda um telefonema de um enfermeiro do GEstIC para o doente, 48 a 96 horas após a alta, assim como a primeira consulta externa de IC. Esta consulta é agendada sempre que possível nos 14 dias seguintes e por regra até 30 dias após alta.

TELEFONEMA PÓS-ALTA

Este telefonema é estruturado para cumprir objetivos:
1. deteção de sinais ou sintomas de descompensação da IC, nomeadamente qual a Zona da IC nesse dia;
2. esclarecimento de dúvidas;
3. revisão da medicação e
4. confirmação da data da primeira consulta de IC.

CONTACTO TELEFÓNICO DO DOENTE PARA O GESTIC

A posição na Zona da IC amarela deve motivar um telefonema do doente ou cuidador, através de um número de telemóvel dedicado, para um enfermeiro do GEstIC. Este serviço está disponível entre as 9 e as 12 horas dos dias úteis. Se necessário, este enfermeiro contacta uma das internistas, que orientará a situação.

CONSULTA DE IC

Em janeiro de 2013 foi criada a Consulta de Insuficiência Cardíaca, que inclui consulta médica e de enfermagem.

Na consulta de enfermagem é desenvolvida a Intervenção Educacional e avaliados diferentes domínios de acordo com os seguintes instrumentos:
1. capacidade funcional através do T6MM38 e do Duke Activity Score Index (DASI),39
2. qualidade de vida pelo Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire40,
3. ansiedade e depressão pela Hospital Anxiety and Depression Scale41,
4. capacidade cognitiva através do teste Mini-Cog42 e, se positivo, do Mini Mental State Examination.43

O seguimento dos doentes na consulta inclui avaliação regular de diversos parâmetros. O cronograma de seguimento (Tabela 2 e Tabela 3) determina a avaliação mínima em cada momento. Os problemas específicos de cada doente ditam o pedido de exames adicionais e a regularidade necessária do seguimento.

Em todas as consultas é entregue um calendário de autovigilância da IC, para preenchimento diário com os dados do peso corporal, edemas, Zona da IC e dose de furosemida (Figura 2). Em cada consulta médica é revista a terapêutica e elaborada uma folha de prescrição, que fica gravada no processo clínico eletrónico.

 

 

O tratamento é guiado por um protocolo terapêutico, que inclui a avaliação e o tratamento dos seguintes problemas:
1. IC crónica com Fração de Ejeção Reduzida,
2. IC crónica com Fração de Ejeção Preservada,
3. fibrilação auricular persistente ou permanente,
4. estratégia terapêutica diurética, refratariedade e intolerância aos diuréticos,
5. ferropenia,
6. doença óssea e osteoporose e
7. ansiedade e depressão.

CONSULTA DE GRUPO DE IC

Em maio de 2014 foi formalizada a Consulta de Grupo de Insuficiência Cardíaca. Semanalmente, durante uma hora, a equipa multidisciplinar reúne na Consulta de Grupo de IC. Estão presentes: a responsável pelo GEstIC, a outra internista, o enfermeiro-chefe responsável, pelo menos um dos enfermeiros e todos os elementos das áreas específicas.

Discute-se a referenciação às áreas específicas e orientação diagnóstica e terapêutica dos doentes.

REFERENCIAÇÃO PARA PROGRAMA DE REABILITAÇÃO CARDÍACA

Os doentes podem ser referenciados para Programa de Reabilitação Cardíaca na Unidade de Reabilitação e Prevenção Cardíaca, onde trabalha a nossa fisiatra, sob a direção de um cardiologista. Um protocolo estabelecido entre o GEstIC e a Liga dos Amigos do Hospital de Santo António, permite que esta suporte os custos com as deslocações para reabilitação cardíaca dos doentes mais carenciados.

Os candidatos são todos os doentes em classe I a III da NYHA, clinicamente estáveis e com capacidade funcional. Após exclusão de contraindicações, os doentes são submetidos a uma prova de esforço convencional, visando a prescrição do exercício, efetuada de acordo com as recomendações atuais.44 O Programa de Reabilitação Cardíaca é constituído por sessões de exercício com periodicidade bissemanal, sob supervisão médica, e tem a duração de 12 semanas.

ALTA

Os critérios de alta do GEstIC apresentam-se na Tabela 1. Contudo, note-se que os doentes que cumpram o primeiro critério para alta, não terão alta se se prever a necessidade uma intervenção médica a curto ou médio prazo. Os destinos pós-alta mais frequentes são as consultas de Cardiologia, Medicina Interna, Nefrologia e de Medicina Geral e Familiar.

DIFICULDADES E SOLUÇÕES ENCONTRADAS NO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO

A estratégia organizacional do GEstIC tem uma perspetiva abrangente da população com IC e assenta na atividade dos enfermeiros. A sua implementação foi um processo longo e difícil, apenas possível devido à convicção e resiliência de uma equipa dedicada à melhoria da qualidade. A determinação e apoio das direções dos Serviços de Medicina Interna e de Cardiologia foram decisivos para a sua concretização. Apesar da grande dificuldade na angariação de recursos humanos e disponibilização de horário, esta organização tornou-se uma mais-valia em termos de cuidados assistenciais e de valorização profissional.

A estreita relação entre o Serviço de Medicina Interna e o Serviço de Cardiologia, com corresponsabilidade e complementaridade na gestão dos doentes, tem permitido a investigação e tratamento céleres dos doentes com maior risco de complicações. O papel relevante da cardiologista é claro nos dados que mostram que foi solicitada para decisão em mais de 50% dos casos discutidos na Consulta de Grupo de IC. A presença das outras áreas nesta consulta é também preciosa na discussão das situações mais difíceis. A assistente social tem um papel fundamental na garantia de condições para tratamento e adesão às recomendações.

RESULTADOS DA ATIVIDADE ASSISTENCIAL ENTRE 2013-2015

Entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2015 foram integrados 259 doentes no GEstIC. O internamento por IC aguda, de novo ou crónica descompensada, foi a origem de 95% deles. Estes doentes contactaram a equipa através de 204 telefonemas, dos quais apenas 28% foram motivados por sinais de descompensação da IC.

Nesse período, foram realizadas 1009 consultas de IC e discutidas 371 situações clínicas na Consulta de Grupo de IC, das quais 54% com a nossa cardiologista. Apesar de referenciação de um razoável número de doentes para Programa de Reabilitação Cardíaca, apenas 26 doentes terminaram esse programa. Cento e cinquenta e dois doentes tiveram alta.

Como principais resultados do impacto da nossa atividade no mesmo período, analisamos a mortalidade e o número de reinternamentos por IC. Para isso, comparamos dois grupos: os doentes integrados no GEstIC e os doentes internados por IC no nosso Serviço de Medicina Interna em 2012, o ano prévio à implementação do GEstIC, previamente caracterizados (estudo PRECIC).9

Na Tabela 4 encontra-se a caracterização segundo o género, a idade e as taxas de mortalidade e de reinternamento por IC. A comparação dos resultados mostra uma redução absoluta de 5,7% e relativa de 35,4% da mortalidade entre o grupo do estudo PRECIC e o grupo integrado no GEstIC. No mesmo sentido, encontra-se uma redução absoluta de 4,6% e relativa de 15,1% dos reinternamentos por IC.

 

 

OUTRAS ATIVIDADES

De modo a cumprir os seus objetivos, a equipa multidisciplinar do GEstIC têm-se envolvido noutras atividades, nomeadamente: 1) organização anual do Dia de Sensibilização para a IC, sob o lema “Siga o seu Coração” 2) participação em estudos internacionais multicêntricos e aleatorizados, 3) publicação de artigos científicos, 4) formação pós-graduada, 5) partilha de experiência com outros hospitais, 6) criação de brochuras para doentes com IC, sobre alimentação e exercício físico, e 7) organização de um curso multidisciplinar de IC, destinado aos médicos e enfermeiros dos cuidados de saúde primários. Algumas destas atividades podem ser acompanhadas na nossa página do Facebook.

Conclusão

A implementação de Clínicas multidisciplinares de IC representa uma recomendação para a prática clínica suportada por evidência científica de elevada qualidade, com o objetivo de reduzir a mortalidade e morbilidade e melhorar a qualidade de vida dos, cada vez mais numerosos, doentes com IC.

Neste artigo, fazemos a revisão dessa evidência e divulgamos o modo de implementação e o programa estruturado da nossa clínica, o GEstIC, assim como o seu impacto na redução da mortalidade e dos reinternamentos por IC nos três primeiros anos de atividade.

O GEstIC possui as características definidas para uma Clínica de IC, quer em relação ao tipo de doentes que inclui, quer em relação aos domínios que abrange e avalia.1,15,45 Não temos conhecimento de outra clínica com estas características em Portugal. Contudo, temos um longo caminho a percorrer, no sentido de melhorar a articulação com os cuidados paliativos e com os cuidados de saúde primários, criar um Hospital de Dia de IC e um desenvolver um programa de Internamento Domiciliário.

Por fim, esperamos que a nossa experiência estimule a implementação de outras clínicas, ajude a ultrapassar barreiras locais e nacionais e a otimizar os recursos disponíveis, melhorando o panorama português na área da IC.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Dra. Sandra Magalhães e ao Enf. António Vila Pouca, em particular, e a toda a restante equipa do GEstIC pela sua dedicação.

A Dra. Sofia Viamonte trabalha atualmente no Centro de Reabilitação do Norte Dr. Ferreira Alves, Vila Nova de Gaia, Portugal.

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Correspondência:Irene Marquesmirenemarquesm@gmail.com
Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal
Largo Prof. Abel Salazar 4099-001 Porto

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Protecção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

 

Recebido: 13/03/2017

Aceite: 23/08/2017

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