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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.2 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/Editorial/2/2018 

EDITORIAL / EDITORIAL

Burnout e Liderança

Burnout and Leadership

João Sá

Editor-Chefe

Hospital da Luz, Lisboa, Portugal

 

“No matter what people tell you, words and ideas can change the world”
Robin Williams

“Sinto-me saturado! estou exausto! Se tivesse possibilidade mudava de vida! Gostava de me reformar! Deixei de sentir interesse e gosto pela clínica! Estou decepcionado! Ir para a consulta passou a ser um sacrifício! A urgência é um drama semanal! Estou indiferente e nada me satisfaz! Como profissional sinto-me a perder qualidades! Os relatos de doentes saturam-me! Os colegas aborrecem-me! A instituição não me apoia, ninguém me ajuda!...”

Infelizmente estas confissões fazem parte do discurso quotidiano de muitos médicos, de especialidades diversas, de gerações diferentes, de todos os patamares hierárquicos, de enquadramentos profissionais distintos (público e privado, hospital e centro de saúde).

As razões para o ambiente médico actual, de tonalidade depressiva, são quase impossíveis de enumerar. A celeridade que caracteriza todos os aspectos da vida dos nossos dias não deixa espaço para o lazer (relaxamento ou reflexão) que, frequentemente é sentido como vício ou luxo (a evitar sob pena de prejudicar terceiros, equipas ou organizações). O tempo escasso que é disponibilizado para o estudo de dossiers clínicos cada vez mais extensos (história e acervo muito volumoso de estudos complementares), por isso complexos, e a urgência de um diagnóstico e de proposta para um tratamento (o tempo em Medicina prende-se com janelas da oportunidade terapêutica). E o empowerment dos doentes e seus familiares, natural com a tomada de consciência de quem solicita qualidade e proximidade, encerrando uma partilha no modelo de cuidados, da análise à decisão clínica (desejável mas uma atitude ainda não interiorizada por muitos clínicos). E relembrem-se outros factores: a incerteza (particularmente nos extremos da carreira), a litigância crescente, os efeitos nefastos de alguma competitividade sem regras, as tensões geradas por alguns movimentos de especialização e hiperespecialização clínica, e as metas assistenciais. Adicionem-se ainda os efeitos da crise económica (persistente mas que alguns políticos pretendem arquivar num passado recente) e as questões decorrentes de estatutos remuneratórios cada vez menos favoráveis. E, como muitos médicos expressam em desespero e melancolia “ a minha família que não me tem!”.

Estes são alguns dos factores dos estados de sobrecarga-exaustão (física e emocional) conhecidos na literatura como burnout ou síndroma de burnout.

A entidade, ainda envolta em controvérsia pela falta de critérios de diagnóstico específicos, foi considerada na 10ª Classificação Internacional das Doenças (ICD10, Z 73.0). Mas uma revisão sumária da literatura permite extrair algumas variáveis: a relação com o ambiente de trabalho, a exaustão (sensação de astenia permanente), a despersonalização (indiferença, negativismo) e a perturbação do desempenho profissional (insegurança, desvalorização, quebra de qualidade).1

Este estado de mau equilíbrio, ou ausência dele, entre factores de sobrecarga e de reactividade positiva individual, não tem fronteiras definidas com outras situações como a depressão, o estado de ansiedade generalizada, a síndroma de fadiga crónica ou mesmo, especula-se, algumas situações de disfunção endócrina com expressão clínica menos típica (tiroideia e adrenal).

A literatura refere como especialidades médicas mais expostas a emergência e urgência, a Medicina Intensiva, a Medicina Interna, a Medicina Geral e Familiar, a Medicina Paliativa e a Anestesiologia mas, possivelmente, os factores individuais de susceptibilidade e as dificuldades no coping fazem com que não existam disciplinas médicas imunes (há descrições de burnout em membros de equipas de laboratório).

E este mal é bem conhecido doutras profissões que têm em comum cenários diversos de serviço público em ambiente de dificuldade: enfermeiros, técnicos de saúde, assistentes sociais, elementos das forças de segurança e magistrados.

Não existem terapêuticas rigorosas para uma situação que não está consensualmente considerada: repouso, evicção laboral, mudança de funções, terapia comportamental, exercício físico, consumo e fruição de bens culturais... (não existem estudos controlados que provem a eficácia destas soluções).

A solução pode residir na sua prevenção. E neste âmbito as lideranças, a clínica e a de administração, devem ter uma intervenção decisiva: a definição de uma missão, a dimensão das equipas, o equilíbrio dos horários, as condições de exercício clínico, o mérito e a sua recompensa são componentes de soluções reparadoras e estáveis.

Em estudo prospectivo publicado em 2015, e efectuado numa instituição de grande dimensão (Mayo Clinic - 4 polos, n= 2813)2 foi apurado um impacto favorável da liderança organizacional na satisfação de médicos (+9%) e na incidência de burnout (-3,3%). E citam-se as mensagens mais valorizadas, uma verdadeira cartilha da boa liderança: a orientação no desenvolvimento da carreira, a confiança, a valorização das qualidades e talentos, a proximidade, o interesse pela opinião do colaborador e o incentivo à produção de ideias com interesse para a organização, a partilha de informação institucional, a verbalização do reconhecimento de bons desempenhos (bem como o coaching), o tratamento respeitoso e digno e o impacto do “líder modelo” (role model).

A este propósito relembre-se William Osler:
“Be calm and strong and patient. Meet failure and disappointment with courage. Rise superior to the trials of life, and never give in to hopelessness or despair. In danger, in adversity, cling to your principles and ideals.”

 

Referências

1. Weber A, Jaekael-Reinard A, Burnout syndrome: a disease of modern societies? Occup Med. 2000; 50:512-17.         [ Links ]

2. Shanafelt TD, Gorringe G, Menaker R, Storz KA, Reeves D, Buskirk SJ, et al. Impact of organizational leadership on physician burnout and satisfaction. Mayo Clin Proc. 2015;90:432-40.         [ Links ]

 

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