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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.3 Lisboa set. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/O/30/19/3/2019 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Internamentos Prolongados numa Enfermaria de Medicina Interna

Prolonged Hospitalizations in an Internal Medicine Ward

 

Rita Pocinho1
https://orcid.org/0000-0002-3485-2098

Sofia Jardim1
https://orcid.org/0000-0002-8721-695X

Liliana Antunes1
https://orcid.org/0000-0003-3204-4932

Tiago Isidoro Duarte2
https://orcid.org/0000-0002-9806-0719

Isabel Baptista1
https://orcid.org/0000-0001-7320-2779

Júlio Almeida1
https://orcid.org/0000-0003-4594-9714

 

1Unidade Funcional Medicina 1.2, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Hospital de São José, Lisboa, Portugal
2Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente 7, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Hospital Curry Cabral, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

Resumo:

Introdução: As enfermarias de Medicina Interna acolhem doentes complexos, com múltiplas comorbilidades, idosos, frágeis, dependentes, frequentemente com problemas sociais, podendo condicionar internamentos longos. Pretende-se caracterizar a população com internamentos prolongados (IPs), avaliando se foram adequados à situação clínica ou relacionados com questões socioeconómicas.

Métodos: Estudo retrospetivo realizado durante o ano de 2014 numa enfermaria de Medicina Interna e que incluiu doentes com internamentos superiores a 20 dias. Os IPs foram classificados como apropriados pela complexidade do quadro clínico, intercorrências ou iatrogenias, e inapropriados se relacionados com falta de condições pós-alta.

Resultado: Cento e setenta e sete IPs (10,4% do total de internamentos); 53 homens, idade média 76 anos. Média de internamento 33,8 dias; 39% tiveram previamente alta clínica - dias de alta protelada: 1653. À admissão, 36% parcial- e 17% totalmente dependentes. Comorbilidades: hipertensão (75%), doença cerebrovascular (52%), diabetes (35%), demência (28%). Diagnósticos principais mais prevalentes: acidente vascular cerebral (21%), pneumonia (14%), neoplasia (11%); 14% com necessidade de cuidados intensivos/intermédios. Em 64% o factor de prolongamento preponderante foi clinicamente apropriado - 77% pela complexidade e 15% por infecções nosocomiais. Foram referenciados à Rede Nacional de Cuidados Continuados 23%. Mortalidade 13,0%. Nos 36 meses pós-alta, 59% foram internados, 23% apresentaram IPs e 57 doentes faleceram - mortalidade 37% aos 3 anos.

Conclusão: Os doentes com IPs são heterogéneos em relação aos diagnósticos e necessidades específicas. Apesar de 36% dos IPs ser condicionada pelas condições pós-alta, a maioria foi apropriada à gravidade, complexidade clínica ou intercorrências no internamento.

Palavras-chave: Avaliação Geriátrica; Hospitalização; Idoso; Idoso Fragilizado; Medicina Interna; Tempo de Internamento

 


 

Abstract:

Introduction: Internal Medicine wards host complex patients, elderly, frail, dependent, with multiple co-morbidities and frequently social issues, which may cause long hospitalizations. We intend to characterize the population with prolonged hospitalizations, analyzing whether they were adequate to the clinical situation or related to socioeconomic issues.

Methods: Retrospective study conducted during the year of 2014 in an Internal Medicine ward that included patients with hospitalization days higher than 20. Prolonged hospitalizations were classified as appropriate if due to complex clinical presentation, complications or iatrogenies, and inappropriate if related to lack of post-discharge conditions.

Results: One hundred and seventy seven prolonged hospitalizations (10.4% of all admissions); 53 men, mean age 76 years. Average 33.8 days of hospitalization; 39% had previous clinical discharge – 1653 days of postponed discharge. At admission, 36% were partial and 17% totally dependent. Comorbidities: hypertension (75%), cerebrovascular disease (52%), diabetes (35%), dementia (28%). Prevalent main diagnoses: stroke (21%), pneumonia (14%), neoplasia (11%); 14% required intensive/intermediate care units. In 64% the preponderant prolongation factor was clinically appropriate - 77% due to complexity and 15% to nosocomial infections. Referred to the National Network of Integrated Continuous Care were 23%. Mortality 13.0%. Thirty-six months post-discharge, 59% had been hospitalized, 23% had prolonged hospitalizations and 57 patients died - mortality rate of 37% in 3 years.

Conclusion: Patients with prolonged hospitalizations are heterogeneous with respect to diagnosis and specific needs. Despite 36% of prolonged hospitalizations being caused by post-discharge conditions, most were appropriate to the severity, clinical complexity or complications during the hospitalization.

Keywords:Aged; Geriatric Assessment; Hospitalization; Internal Medicine; Length of Stay

 


Introdução

A duração dos internamentos hospitalares tem sido extensamente debatida nas últimas décadas. A redução dos dias de hospitalização é apontada como uma estratégia importante para diminuir os custos dos serviços de saúde,1 sem afectar a sua qualidade.

Algumas características dos doentes como a idade, são frequentemente associadas a internamentos mais longos.2,3 Cruza-se com o aumento da esperança média de vida e o envelhecimento demográfico – em Portugal, mais de 20% dos residentes tem idade igual ou superior a 65 anos.4

Em 2017, a Direção-Geral da Saúde5 focou a necessidade de adaptação dos serviços de saúde aos idosos e os benefícios de internamentos hospitalares mais curtos. Para além da idade, a agudização de uma patologia crónica constitui um aumento da fragilidade,6 pela diminuição progressiva da reserva funcional, e pelos riscos inerentes ao próprio internamento, como infecções nosocomiais7 ou descondicionamento físico.8 A fragilidade é condicionada pelo acumular de patologias que diminuem a reserva homeostática, dificultando a resposta e recuperação de situações de stress. Estudos prévios mostraram uma associação entre parâmetros de fragilidade e internamentos prolongados.2 Outro grupo, mais difícil de identificar, corresponde aos doentes complexos, que, independentemente da idade, apresentam patologias graves, causando disfunção física, cognitiva, imunossupressão ou outros obstáculos ao estado de saúde. O conceito de “doente complexo” foi definido em 2011 pela instituição americana Agency for Healthcare Research and Quality como um doente “com duas ou mais patologias crónicas que influenciam o tratamento de outras doenças, limitando a esperança de vida, favorecendo interacções medicamentosas ou constituindo contraindicações directas às terapêuticas para outras patologias”.9 A organização não-governamental National Quality Forum10 realça o efeito sinérgico das patologias complexas, que colectivamente constituem um efeito negativo na saúde, funcionalidade e qualidade de vida. Loeb et al11 destacam as necessidades multidimensionais destes doentes, exigindo equipas interdisciplinares coordenadas. Rudin et al descrevem que “uma relativamente pequena proporção de doentes complexos (...) são responsáveis pela maioria dos custos de saúde. Especialmente para estes, a fragmentação e fraca coordenação dos cuidados de saúde pode levar a gastos desnecessários em análises e exames redundantes, idas desnecessárias às urgências ou internamentos.”12

A dificuldade na preparação da alta, os cuidados pós-alta e os apoios sociais têm estado no centro do debate social e político. Para além dos casos extremos de desresponsabilização dos familiares e abandono hospitalar, importam as situações em que os cuidadores têm dificuldade em proporcionar as condições adequadas aos doentes que se tornaram subitamente mais dependentes, necessitando de uma rápida adaptação do ambiente familiar ou de recursos materiais financeiramente exigentes, o que condiciona o prolongamento dos internamentos. A criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI)13 surge também neste sentido: reabilitar as pessoas em situação de dependência, promovendo a sua funcionalidade e autonomia, e receber os doentes com necessidade de cuidados de longa duração ou paliativos. Apesar do aumento progressivo das vagas na RNCCI (mais de 36 000 admissões em 2017), estas continuam insuficientes para as necessidades do país - em novembro de 2018 encontravam-se a aguardar vaga 1549 utentes.14 Este tempo de espera ocorre frequentemente no contexto de internamento, prolongando a permanência hospitalar após a alta clínica.

Ao longo do tempo, a Medicina Interna tem assumido uma grande proporção dos cuidados de uma população heterogénea de doentes. Assim, encontram-se nas enfermarias de Medicina, os factores clínicos e sociais que podem condicionar internamentos longos e dificuldade na efectivação da alta. Objectivos: Caracterização da população com internamentos prolongados num serviço de Medicina Interna e avaliação da incidência de novos internamentos (nomeadamente prolongados) e mortalidade, no período de 3 anos após a alta do internamento estudado. Foram analisados, ao longo de um ano, os internamentos com duração superior a 20 dias, definindo-os como internamentos prolongados (IP), tentando compreender quais foram adequados à situação clínica e quais se prenderam com problemas socioeconómicos ou necessidades de cuidados específicos, não preconizados para um hospital terciário de doentes agudos.

Material e Métodos

Estudo retrospectivo realizado durante os 12 meses do ano de 2014. Foram elegíveis todos os doentes internados em Enfermaria de Medicina Interna de um Hospital Universitário, tendo sido recrutados aqueles cujo internamento efectivo teve uma duração superior a 20 dias (definidos como IP). Foram excluídos os doentes transferidos para outras especialidades médicas ou cirúrgicas.

Definiu-se como internamento efectivo o período desde a admissão até à saída da enfermaria, independentemente de alta clínica prévia. Os IP foram classificados como apropriados quando justificados pela complexidade do quadro clínico inicial ou pela existência de intercorrências, nomeadamente infecciosas ou iatrogénicas. A complexidade do quadro clínico foi avaliada por duas das autoras, considerando os diagnósticos principais (gravidade, impacto funcional, influência de comorbilidades), investigação diagnóstica (realização de exames complementares, avaliação interdisciplinar), intervenções terapêuticas específicas (nomeadamente antibioterapia parentérica prolongada) e dificuldade nos ajustes terapêuticos (pela presença de outras patologias, risco de interacções medicamentosas ou necessidade de monitorização apertada). A duração do internamento foi considerada inapropriada quando prolongada pela espera de vaga na RNCCI, em outras instituições ou para reunião de condições no domicílio.

A Fig 1 representa a estratégia e critérios utilizados para a classificação dos internamentos.

Foram analisados dados demográficos e clínicos através da consulta do processo clínico electrónico. As variáveis contínuas foram descritas pela média e/ou mediana e as variáveis categóricas pela frequência relativa e valor percentual. Foram utilizados como testes estatísticos para comparação entre os diferentes grupos o teste t-student e o teste do qui-quadrado se variáveis contínuas ou categóricas, respectivamente. O tratamento estatístico dos dados foi realizado através dos programas Microsoft Excel® e IBM SPSS® v23. Foram assumidos resultados estatisticamente significativos se nível de significância inferior a 0,05.

Resultados

Dos 1695 internamentos no período de um ano, 177 apresentaram duração superior a 20 dias, correspondendo a 10,4% do total. Média de idade dos doentes com IP de 76 anos (Fig 2) – sobreponível à média de idade nesse ano, 75 anos, com discreto predomínio do sexo masculino (53%).

 

 

A duração média de internamento efectivo foi 33,8 dias, muito superior à duração média dos internamentos efectivos do serviço nesse ano, de 10,9 dias. Dos 177 doentes com IP, 69 (39%) tiveram alta clínica, ficando internados a aguardar reunião de condições para alta efectiva. A duração dos internamentos clínicos variou entre 3 e 67 dias (média 24,6, mediana 23 dias) enquanto os internamentos efectivos variaram entre 21 e 178 dias (média 33,8, mediana 28 dias) (Fig 3). Considerando apenas o internamento clínico, a duração média seria 24,6 dias, significativamente inferior à duração média dos internamentos efectivos de 33,8 dias.

 

 

A classificação dos episódios de internamento através dos grupos de diagnóstico homogéneo (GDH) agrupa doentes com internamentos clinicamente similares do ponto de vista do consumo de recursos, estipulando valores previstos para a duração de um internamento (entre outros), conforme o grupo atribuído.15 Dos 177 internamentos avaliados, a grande maioria, 75% (132 doentes), ultrapassou a demora média pura estipulada, 25% (45 doentes) ultrapassaram o limiar superior e 15 doentes ultrapassaram o limiar máximo definido para o GDH estabelecido, correspondendo estes 8% a episódios de internamento de evolução prolongada. Pela classificação GDH, 92% dos doentes apresentaram episódios de internamento normais/típicos para o GDH definido (duração de internamento entre o limiar mínimo e máximo).

A maioria dos doentes apresentava à admissão algum grau de dependência - 36% dos doentes foram considerados parcialmente e 17% totalmente dependentes para as actividades de autocuidado. Foram também analisadas as comorbilidades mais frequentes (Tabela 1). A grande maioria dos doentes (86,4%) apresentava um ou mais factores de risco cardiovascular. Foi calculado o índice de Charlson, com um valor médio de 3,6, correspondendo a 52% de mortalidade a 1 ano.16 Dos diagnósticos principais (Tabela 2) realçam-se os mais prevalentes: acidente vascular cerebral (21%), pneumonia (14%) e neoplasia (11%).

 

 

 

 

A maioria dos doentes foi admitida directamente do Serviço de Urgência; 20% foi transferida de outros serviços hospitalares, 11% com necessidade prévia de Cuidados Intensivos e 14% de Cuidados Intermédios. Oito doentes (5%) foram transferidos para outros serviços hospitalares. No total, 25% dos internamentos avaliados tiveram passagem por outras unidades que não a medicina interna.

Relativamente às causas de prolongamento dos internamentos (Tabela 3), em 64% dos IP (113), o factor preponderante foi clínico e apropriado à situação. Metade dos IP apropriados deveu-se à complexidade do quadro inicial. A situação clínica/diagnósticos à admissão foram a causa em 20% dos doentes, cinco destes encontravam-se em fim de vida. Dos 16% de doentes cujo factor foi a investigação diagnóstica, 8% apresentavam diagnóstico de novo de neoplasia. As intercorrências durante o internamento causaram 14% dos IP – 9% por infecções nosocomiais, 1% por intercorrências iatrogénicas (ex. pneumotórax) e 4% por outras intercorrências (pneumonite de aspiração, trombose venosa). Setenta e oito doentes (44%) desenvolveram infecções nosocomiais durante o internamento, com um total de 95 infecções - as mais frequentes urinárias (42), seguidas das respiratórias (34) e bacteriémias sem foco (9).

Trinta e seis por cento dos IP foram classificados como clinicamente inapropriados. Estes 64 doentes corresponderam a 1514 dias de internamento inadequado (dias de internamento após a alta clínica). Do total de 41 doentes (23%) referenciados à RNCCI, oito faleceram à espera de vaga (cinco de longa duração e três de cuidados paliativos).

Relativamente à autonomia, 32% dos doentes ficou mais dependente depois do internamento. A taxa de mortalidade da população com IP correspondeu a 13,0% (23 doentes) comparando com 8,4% de mortalidade global do serviço. Dos restantes 154 doentes, 23% (35) foram reinternados em enfermarias de Medicina Interna no período de 30 dias pós-alta (10 com novos IP), 8 faleceram no reinternamento. Nos 12 meses após a alta, 51% dos doentes foram novamente hospitalizados, 17% dos casos com novos IP, sendo que 39 faleceram. Durante o período de 36 meses, 59% (91 doentes) foram internados, 23% apresentaram novos IP e 57 doentes faleceram. Assim, dos 177 doentes inicialmente analisados, apenas 98 (55%) sobreviveram 3 anos após a alta do internamento (Fig 4.

 

 

Na análise estatística não foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre os grupos de internamentos apropriados e inapropriados com a idade (p = 0,765), sexo (p = 0,692), grau de dependência (p = 0,097) ou mortalidade (p = 0,134). Também no período de 3 anos após a alta não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos relativamente a novos internamentos (p = 0,164) ou mortalidade (p = 0,281).

Discussão

A população analisada apresenta idade avançada e pluripatologia crónica, como descrito em estudos prévios.17 A avaliação do factor responsável pela duração da hospitalização não é linear - a maioria dos doentes apresentava mais que um factor concorrente, tendo-se seleccionado a situação com maior impacto no tempo de internamento. Admite-se que esta avaliação tem um componente subjectivo, pelo que o intuito não é aplicar estes resultados à população geral, mas sim descrever e trazer à reflexão algumas características de uma população com IP e o impacto destes em internamentos subsequentes e mortalidade.

A definição de internamento prolongado não é consensual. Alguns estudos definem internamentos prolongados acima de 7 dias,17 outros focam-se em períodos superiores, como 28/30 dias.2,21 Uma análise britânica de mais de 100 000 admissões hospitalares, concluiu que os internamentos superiores a 100 dias, correspondendo a 0,6% do total, eram responsáveis por 11% da taxa de ocupação, tendo maior impacto na utilização inapropriada dos recursos hospitalares.18 A avaliação da duração do internamento através da classificação por GDH, apresenta a desvantagem de reflectir todo o episódio hospitalar e não só o internamento na medicina interna. Uma vez que na nossa população 25% dos doentes tem origem ou é posteriormente transferida para outros serviços hospitalares, considerámos que a avaliação baseada essencialmente por GDH ia criar um viés ao nosso objectivo primordial – reflectir sobre os internamentos prolongados na Medicina Interna.

No presente estudo de 177 IP ocorridos num ano, na maioria (64%) o factor de prolongamento do internamento foi clínico e directamente relacionado com as patologias e necessidade de cuidados de saúde hospitalares. O quadro inicial foi o responsável em 50% dos casos, compatível com os diagnósticos principais descritos, pela gravidade e impacto funcional dos mesmos, e tendo em conta as múltiplas comorbilidades. Os diagnósticos principais foram congruentes com a revisão da literatura.18,19 O acidente vascular cerebral (AVC) foi o diagnóstico principal mais frequente e tem sido associado a IP em outros estudos, principalmente em idosos, diabéticos, com infecções ou incapacidade significativa.19 A doença cerebrovascular crónica e a demência surgem num estudo italiano como factores preditores de IP associados a outros marcadores de fragilidade.20 Uma análise das altas proteladas no Canadá associou o diagnóstico de AVC, em conjunto com diagnósticos psiquiátricos e obesidade com permanência hospitalar mais longa.21 As infecções ocupam 30% dos diagnósticos principais, frequentemente não só pela infecção em si, mas também pela descompensação das patologias crónicas, em doentes frágeis e com pouca reserva funcional. Destacam-se os 10% de doentes com infecções de partes moles/musculo-esqueléticas, que correspondem em grande parte aos doentes com necessidade de antibioterapia endovenosa prolongada. Nestes casos, a administração de terapêutica parentérica em Hospital de Dia ou Unidades de Hospitalização Domiciliária poderia evitar ou abreviar internamentos.

A marcha diagnóstica correspondeu a 16% dos IP. Se em algumas situações é possível prosseguir a investigação em ambulatório, neste grupo o internamento foi indispensável atendendo à gravidade do quadro, complexidade das comorbilidades, necessidade de apoio para realização de exames mais invasivos, ou dificuldade na articulação com outras especialidades. No presente estudo, não foi avaliado especificamente o impacto do tempo de espera para realização/ interpretação dos exames. Um estudo norte-americano relacionou 35% dos dias de internamento desnecessários para cuidados agudos com atrasos na realização de exames/intervenções ou na articulação interdisciplinar.22

As infecções nosocomiais foram as complicações mais frequentes - 44% dos doentes, em 7% já após alta clínica – sendo a causa de morte de 4 doentes. À presença de organismos multirresistentes e utilização de dispositivos invasivos11 associam-se outros factores de risco, como as patologias imunossupressoras (35% diabéticos) ou dependência (apenas 47% dos doentes eram totalmente autónomos à admissão). As infecções nosocomiais têm sido apontadas como uma das principais limitações à alta – num estudo em Singapura, protelaram a alta em 34,3% dos casos.19 O espectro de microorganismos resistentes também já foi associado a um aumento da morbilidade, mortalidade e duração do internamento.23,24

Um número importante de doentes (36% dos IP) manteve-se internado após a data da alta clínica, aguardando resolução social ou vaga na RNCCI. Um estudo francês chegou a resultados semelhantes, classificando 32,4% como inapropriados à condição clínica do doente,25 sendo o factor principal o défice de estruturas pós-cuidados agudos. Também Carey et al22 concluíram que esse foi o motivo responsável por 84% dos dias de internamento desnecessários por causas não-médicas. Para além da rápida referenciação à RNCCI, é essencial a disponibilização de mais vagas em unidades especializadas. No total, 41 doentes (23%) com IP foram referenciados à RNCCI. Destes, o tempo de espera de vaga foi o factor de prolongamento em 31 casos, enquanto os restantes 10 apresentaram outros factores, nomeadamente o desenvolvimento de intercorrências.

Os factores socioeconómicos foram responsáveis por 15% dos IP – a falta de condições físicas no domicílio, necessidade de cuidador/apoio domiciliário e dificuldade em conseguir vaga em instituição social (frequentemente limitada por carências económicas) foram os motivos para o prolongamento do internamento pós-alta clínica. As dificuldades descritas são transversais: um estudo italiano prevê como “altas hospitalares difíceis” os doentes que apresentam fragilidade social (residirem sozinhos ou sem suporte familiar), barreiras arquitectónicas no domicílio ou apoio domiciliário prévio.20 Lim et al descrevem a necessidade de identificar a sobrecarga do cuidador, planeando cuidados integrados pós-alta e evitando a exaustão do mesmo.3

Na análise estatística não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre os factores avaliados e o desenvolvimento de IP apropriados ou inapropriados, nem diferenças entre estes em relação ao risco de novos internamentos ou mortalidade aos 3 anos. Estes dados reflectem a necessidade da realização de outros estudos, prospectivos e com amostras maiores, dada a complexidade e heterogeneidade desta população. Ainda assim, destaca-se o mau prognóstico dos doentes com IP com elevadas taxas de reinternamento (23%, 51% e 59% aos 30 dias, 1 ano e 3 anos, respectivamente), sendo que no total 35 doentes (23%) apresentaram novos IP. Treze por cento dos doentes faleceram no internamento estudado, 22% no período de 1 ano e 37% aos 3 anos, com uma mortalidade global de 45%. Estes dados são semelhantes a outros estudos com taxas de mortalidade entre 28% - 55% e taxas de readmissão hospitalar aos 30 dias entre 9% - 22%.17 Estes doentes têm um grande risco de reinternamentos, com elevada morbimortalidade associada, podendo indicar a necessidade de um acompanhamento em ambulatório especializado. Um estudo Norte-Americano realça a importância do registo informático, partilha das informações entre os profissionais envolvidos e alertas de eventos (internamentos ou recurso à urgência) para prevenir actos médicos redundantes ou fúteis.12 A identificação de factores de fragilidade e complexidade em doentes internados pode permitir uma sinalização mais precoce a equipas multidisciplinares, podendo ter impacto na prevenção de agudizações e preservação da qualidade de vida.

Conclusão

A população de doentes com IP é heterogénea em relação aos diagnósticos e às necessidades específicas de cuidados de saúde e sociais. A idade avançada, dependência, acumulação de comorbilidades e gravidade da patologia aguda tornam os internamentos complexos, tanto na investigação como no tratamento, condicionando internamentos inevitavelmente mais longos. Estes factores tornam os doentes mais vulneráveis a infecções nosocomiais e outras intercorrências e condicionam frequentemente perda de autonomia e necessidade de reabilitação pós-alta. A gestão da alta pode ser um desafio para a família e cuidadores, sendo essencial um bom plano de cuidados e seguimento, que passa pela RNCCI, apoio domiciliário e prevenção terciária.

 

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Correspondência: Rita Pocinho ritapocinho@gmail.com
Unidade Funcional Medicina 1.2, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Hospital de São José, Lisboa, Portugal Rua José António Serrano, 1150-199 Lisboa

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

Provenance and peer review. Not commissioned; externally peer reviewed

Publicado / Published: 20, de Setembro de 2019

 

Recebido: 19/02/2019

Aceite: 30/06/2019

 

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