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Medicina Interna
versão impressa ISSN 0872-671X
Medicina Interna vol.26 no.4 Lisboa dez. 2019
https://doi.org/10.24950/rspmi/Opiniao/C.Fiolhais/4/2019
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Livros Médicos do Renascimento: Tesouros do Conhecimento*
Renaissance Medical Books: Treasures of Knowledge
Carlos Fiolhais https://orcid.org/0000-0002-1527-0738
Departamento e Centro de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
Resumo:
A moderna ciência médica nasceu no Renascimento, sendo consensual que a obra fundadora é De Humani Corporis Fabrica (1543), do médico belga André Vesálio. Para além desse e de outros livros em latim escritos por Vesálio, apresentam-se neste artigo outros, em francês, deixados pelo médico francês seu contemporâneo Ambroise Paré. Os dois maiores médicos portugueses da época foram ambos cristãos-novos e viveram ambos a experiência do exílio: Amato Lusitano, na Europa, e Garcia da Orta, na Índia. Descrevem-se também as suas principais obras, respectivamente Curatorium Medicinalium centuriae e Colóquio dos Simples, e drogas he cousas medicinais da Índia. Por último, regista-se a imprensa médica em Portugal no século XVI, designadamente as principais obras dos professores de Medicina da Universidade de Coimbra. Como biblioteca de referência tomou-se a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, que inclui a Biblioteca Joanina, sendo enumerados os livros médicas mais notáveis desse período que integram as suas colecções.
Palavras-chave: Educação Médica/história; História do Século XVI; Livros/história.
Abstract:
Modern medical science was born in the Renaissance, being consensual that the founding work is De Humani Corporis Fabrica (1543), of the Belgian doctor Andreas Vesalius. In addition to this and other Latin books written by Vesalius, this article presents others in French, left by the French physician his contemporary Ambroise Paré. The two greatest Portuguese medical doctors of the time were both New Christians and both lived the experience of exile: Amatus Lusitanus in Europe, and Garcia da Ort, in India. Their main works are also described, respectively Curatorium Medicinalium centuriae and Colóquio dos Simples, e drogas he cousas medicinais da Índia. Finally, the medical press in Portugal in the 16th century is referred to, namely the main works of the professors of Medicine at the University of Coimbra. As reference library the General Library of the University of Coimbra, which includes the Kings John Library (“Joanina”), was chosen, being here listed the most notable medical books of that period which are part of its collections.
Keywords: Books/history; Education, Medical/history; History, 16th Century.
I. Renascença: tempo de mudança
O século XVI foi um extraordinário tempo de mudança: foi o tempo do humanismo, o tempo em que o homem passou a ser visto como principal autor e destinatário da história, e o tempo em que surgiu a ciência moderna, um novo método de apreender a realidade baseado na observação, na experimentação e no raciocínio lógico, que inclui obviamente o corpo humano. É curioso que no mesmo ano de 1543 tenham sido publicados dois livros essenciais da história da ciência: De Humani Corporis Fabrica(“Sobre a Estrutura do Corpo Humano”), do médico belga André Vesálio(Bruxelas 1514 Zakynthos 1564),1 e De Revolutionibus Orbium Coelestium (“Sobre a Revolução dos Corpos Celestes”), do astrónomo polaco Nicolau Copérnico (Thorn 1473 Frauenburg 1543).2 Esses dois livros, tal como outros que lhe seguiram, são verdadeiros “tesouros do conhecimento,” pois em todo o mundo só algumas bibliotecas se orgulham de os guardar.3 Algumas dessas cópias raras estão hoje acessíveis a todos em reprodução digital na Internet.
A “invenção da ciência”4 não poderia ter sido feita sem o extraordinário alargamento de horizontes que foi proporcionado pela expansão marítima realizada pelos portugueses, desde a chegada à ilha da Madeira em 1419 até ao desembarque dos primeiros portugueses no Japão, em 1542.5 Pontos destacados desse processo foram a chegada de Vasco da Gama à Índia em 1498 e de Pedro Álvares Cabral ao Brasil em 1500. A expansão marítima espanhola seguiu-se à portuguesa, sendo de relevar a chegada de Cristóvão Colombo à América em 1492 e a primeira viagem de circum-navegação iniciada por Fernão de Magalhães e completada por Sebastian del Cano, entre 1519 e 1521.
O século XVI foi um tempo de intensas guerras religiosas na Europa, após a reforma que o alemão Martinho Lutero introduziu em 1509 na Igreja cristã. A Santa Sé respondeu com o Concílio de Trento, realizado entre 1543 e 1574, que despoletou um processo de contra reforma. A Inquisição desempenhou um papel relevante nessa época: em Portugal chegou em 1536, sob o impulso de D. João III, tendo estado particularmente vigilante contra os judeus.
O surgimento da ciência moderna processo que, nos nossos dias, é chamado “Revolução Científica” representa a emancipação do pensamento face à teologia, que dominava a mundividência. Os pensadores passaram a estudar a Natureza com um olhar mais atento e o pensamento tendeu a matematizar-se: as conclusões da observação, incluindo essa forma de observação controlada que é a experimentação, passaram a prevalecer sobre a palavra das autoridades antigas. Ao contrário da “ciência antiga,” que resultava mais de congeminações, a “ciência nova” era arrancada da Natureza pela aplicação do método científico, que exigia comunicação aos pares e o confronto com a crítica destes.
A comunicação de ciência e, mais em geral, da perspectiva humanista não teria sido possível sem a introdução da imprensa que foi feita pelo alemão Johannes Gutenberg e seus colaboradores por volta de 1452 na cidade de Mainz, na Alemanha. O astrofísico e divulgador de ciência americano Carl Sagan, no seu livro Cosmos6(que foi o guião de uma série de televisão de 1980), conta como a imprensa de caracteres móveis surgiu na Europa Central, expandindo-se rapidamente:
“Então, na China, entre os séculos II e VI, o papel, a tinta e a imprensa, com blocos de madeira esculpidos, foram inventados, permitindo a confecção de várias cópias de um trabalho e a distribuição do mesmo. Passaram-se mil anos até a ideia sair da sua origem e chegar à Europa. Então, subitamente, livros foram impressos em todo o mundo. Pouco antes da invenção do tipo móvel, por volta de 1450, não havia mais do que algumas dezenas de milhares de livros em toda a Europa, todos escritos à mão; cerca da mesma quantidade que a China no ano 100 a.C. e um décimo da Grande Biblioteca de Alexandria. Cinquenta anos mais tarde, em 1500, havia dez milhões de livros impressos. Aprender tornou-se possível para quem soubesse ler. A magia estava difundida.”
A maior parte dos primeiros livros impressos (as obras do século XV chamam-se “incunábulos”) eram de índole religiosa. Mas, embora poucas, imprimiram-se também nessa época algumas obras científicas. Para entender o fenómeno da rápida difusão do conhecimento através dos livros a Fig. 1 mostra o número de livros editados na Europa sob a forma de manuscritos e sob a forma impressa (as duas formas coexistiram durante o século XV, mas a forma impressa ganhou rapidamente). Um incunábulo de medicina intitulado Fascicolo di medicina, saiu em Veneza em 1493. Era uma sebenta sobre conhecimentos médicos medievais, para uso de estudantes de medicina, que está associada ao nome do alemão Johannes de Ketham (Kirchheim unter Teck 1415 - Ofen 1470), embora este deva ter sido o possuidor e não o autor.7 Nessa obra, pode verificar-se que a medicina era ensinada a partir da leitura de livros antigos, havendo apenas ocasionalmente práticas anatómicas realizadas por barbeiros e não pelo lente da cadeira. Pode também verificar-se como era muito primitiva a representação do corpo humano.
O corpo humano já tinha sido representado de modo mais realista. Uma figura que faz a transição entre os séculos XV e XVI e que pode ser considerado um pré-cientista, em particular graças aos seus trabalhos de anatomia e de representação anatómica,8 é o polímato italiano Leonardo da Vinci (Vinci 1452 Amboise 1519),9 cuja obra junta arte e ciência de um modo singular. Engenheiro, arquitecto e cientista os seus desenhos anatómicos, de grande rigor, baseiam-se em dissecações realizados pelo próprio), Leonardo revelou uma enorme capacidade de observação dos fenómenos naturais e também uma boa intuição para compreender a sua dinâmica, embora lhe tivesse faltado o rigor que só o método científico, ajudado pela matemática, pode fornecer. Leonardo publicou em vida uma única obra e nela só desempenhou papel secundário: ilustrou o livro De Divina Proportioni, do matemático italiano Luca Paccioli OFM (Sansepolcro 1445 Sansepolcro 1517), saído em Veneza em 1609. Os sues desenhos anatómicos ficaram nos vários livros de apontamentos que foi enchendo, dos quais só uma parte chegou até nós.
2. Os “pais” da medicina moderna: Vesálio e Paré
Se na Antiguidade viveram médicos famosos como Hipócrates (Cós c. 460 Tessália c. 370 a.C.) e Galeno (Pérgamo 129 Sicília c. 217), cujos ensinamentos, juntamente com os dos árabes Avicena (Bucara c. 980 Hamadan 1037) e Averróis (Córdoba 1126 Marraquexe 1198), foram transmitidos pelas universidades medievais, só no Renascimento surgiram observações médicas fundadas no método científico.
André Vesálio ou Andreas Vesalius é um dos grandes autores da medicina moderna.10 Depois de ter estudado Medicina em Paris e Lovaina, tornou-se Professor de Anatomia e Cirurgia na Universidade de Pádua, em Itália, uma das mais antigas universidades do mundo. Após a publicação em 1543, da sua obra maior, De Humani Corporis Fabrica, deixou a academia para se tornar médico do primeiro do imperador Carlos V e depois do rei Filipe II de Espanha (I de Portugal). Morreu com apenas 50 anos após um naufrágio no Mediterrâneo, durante uma viagem à Terra Santa.De Humani Corporis Fabrica (Fig. 2), dedicado ao imperador Carlos V, é um atlas do corpo humano ricamente ilustrado com a ajuda de um discípulo de Ticiano, o holandês Johan Stefan van Kalkar (Kalkar 1499 - Nápoles 1546), que está dividido em sete partes (contemplando os ossos, músculos, circulação, nervos, abdómen, coração-pulmões e cérebro), e que foi sumariada na Epitome (1563). Do livro maior a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC), que é a mais antiga biblioteca pública nacional e que inclui a célebre Biblioteca Joanina,11 possui um exemplar bem conservado, embora falte a bela página do frontispício (existe um exemplar com essa página na Biblioteca Pública Municipal do Porto12). Eis a referência do exemplar de Coimbra:
-Andreae Vesalii Bruxellensis, Scholae Medicorum Patavinae Professoris, De humani corporis fabrica libri septem, Basileia: ex officina Ioannis Oporini, 1543. Cota: 4 A-21-14-1 (Biblioteca Joanina).
Este livro foi recuperado em 2010 ao abrigo do Programa "SOS Livro Antigo", numa parceria com a Semana Internacional do Cérebro, uma iniciativa promovida pela Sociedade Portuguesa de Neurociências em colaboração com a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica - Ciência Viva, a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, o Centro de Neurociências e Biologia Celular e a Bayer Portugal. A sua reprodução digital, que foi preparada nessa altura, pode ser vista no repositórioAlma Mater - Biblioteca Digital de Fundo Antigo da Universidade de Coimbra (http://am.uc.pt).
As outras obras de Vesálio, inexistentes na BGUC, são:
-Tabulae anatomicae sex, Veneza: B. Vitale, 1538. Conjunto de seis desenhos anatómicos impressos, que foram usados com fins pedagógicos em Pádua e que serviram de prelúdio da sua obra prima, onde voltaram a ser reproduzidos.
-Epistola, docens venam axillarem dextri cubiti in dolore laterali secandam. Veneza: Cominum de Tridino Montisferrati, 1544.
-Epistola rationem modumque propinandi radicis Chynae decocti, Joannis Oporini, Basileia, 1546. Opúsculo sobre uma planta, a raiz dos Chinas, que os portugueses trouxeram da China e que o Garcia de Orta vai descrever no seu Colóquio dos Simples.
-Anatomicarum Gabrielis Fallopii observationum examen. Veneza: Francesco de’ Franceschi da Siena, 1564. Muitas vezes chamado só Examen, é um comentário bastante elogioso a uma obra de anatomia do médico italiano Gabriele Falopio (Modena 1523 Pádua 1562), publicada em Veneza em 1561, que tinha em Pádua continuado a obra de Vesálio, e a quem se deve a identificação das trompas de Falópio.
Se Vesálio era professor de medicina e, por isso, um médico letrado, cujas obras foram todas escritas em latim, a língua franca da ciência da época, o médico francês Ambroise Paré (Laval 1510 Paris 1590) representa bem um outro tipo de médico que nessa altura emergiu a partir da classe dos barbeiros, os “cirurgiões-barbeiros”.13 Paré aprendeu anatomia e cirurgia no Hospital Hôtel Dieu em Paris. Tendo ganho estatuto profissional com realização de tratamentos nos campos de batalha, então muito numerosos, alcançou o título de cirurgião-mor de quatro reis de França. Encontrou-se uma só vez com Vesálio (os dois fizeram parte da junta médica que se reuniu à volta do rei Henrique II, ferido gravemente num torneio e que faleceu passado pouco tempo). Autor de numerosos livros, Paré publicou um resumo da Fabrica em francês para uso dos cirurgiões-barbeiros com dificuldade de leitura do original (Anatomie Universelle du Corps Humain, Paris: Jehan Le Royer, 1561). É justamente considerado o “pai da cirurgia”. Inovou no tratamento de feridas por armas de fogo, tendo usado o que hoje se pode chamar método de análises clínicas com controlo, e técnicas de amputação, que recorriam a instrumentos cirúrgicos necessariamente primitivos.
A BGUC apenas tem uma obra de Paré (Fig. 3):
- Opera. Paris: apud Iacobum Du-Puys, 1582. Cota: 4 A-21-2-16 (Biblioteca Joanina).
A introdução da obra de Paré em Portugal ocorreu num dos livros do Curso Conimbricense (Commentarii Colegii Conimbricensis S. J. In Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae, Coimbra: António Mariz, 1592; com cópia digital) provavelmente da autoria do jesuíta Manuel de Góis (Portel 1543 Coimbra 1597).14
Da extensa lista de obras de Paré, devem destacar-se também:
-La maniere de traicter les playes faictes tant par hacquebutes, que par flèches, & les accidentz d’icelle comme fractures & caries des os, gangrene & mortification, avec les pourtraictz des instrumentz necessaires pour leur curation…, Paris : Veuve Jean de Brie, 1551.
-Dix livres de la chirurgie: avec le magasin des instrumens necessaires à icelle, Paris: Jean Le Royer, 1564 (Fig. 3).
-Les uvres de M. Ambroise Paré,...: avec les figures & portraits tant de l’anatomie que des instruments de chirurgie, & de plusieurs monstres, Paris: Gabriel Buon , 1575. Original da obra de Paré existente na BGUC.
3. Dois médicos portugueses no mundo
Os dois maiores médicos portugueses do século XVI foram João Rodrigues de Castelo Branco ou Amato Lusitano (Castelo Branco 1511 - Salónica 1568)15,16 e Garcia de Orta (Castelo de Vide c. 1501 Goa 1568).15,17 Os dois saíram de Portugal no ano de 1536, pouco antes de a Inquisição se estabelecer entre nós. Amato foi um judeu errante pela Europa do Norte e do Sul e teve problemas em Itália pela sua condição de judeu. Pelo contrário, Orta conseguiu esconder a sua condição, e só depois de morto, depois de descoberto pela Inquisição o judaísmo da sua família, foi, em 1580, vítima de um auto-de-fé post-mortem.
Nascido em Castelo Branco, Amato Lusitano (nome que adoptou no estrangeiro) foi cedo estudar Medicina para Salamanca. Regressado a Portugal, exerceu clínica em Lisboa. Exilou-se em 1534 para Antuérpia, onde permaneceu durante sete anos. Publicou o seu primeiro livro em 1536, Index Dioscoridis, uma descrição de plantas medicinais baseadas na obra do médico e farmacêutico grego Dioscórides (Anazarbus c. 40 c. 90), famoso botânico grego. Haveria de voltar a esse autor numa outra obra de 1558. Em 1541 era professor de Medicina na Universidade de Ferrara, Itália, onde em 1547 terá descoberto as válvulas da veia ázigos, juntamente com o seu colega italiano Giambattista Canano (Ferrara 1515 Ferrara 1579). De facto, essas válvulas foram referidas pela primeira vez pelo francês Charles Estienne (Paris 1504 Paris 1564) no seu livro De dissectione, publicado em Paris em 1545, e foram redescobertas mais tarde.18 Em 1550 Amato foi chamado a Roma para tratar o Papa Júlio III. Publicou então a 1.ª Centúria dedicada a Cosme de Medicis. Deambula a seguir por Itália, tendo passado por Ancona e Pesaro. Em 1556, já estava em Ragusa (hoje, Dubrovnik, na Croácia). Em 1859 mudou-se para Tessalónica (hoje Salónica), então no Império Turco e hoje na Grécia. Apanhado pela peste morre aí.
A sua obra maior são as Centúrias, conjunto de sete livros contendo cem relatos médicos cada um, que publicou em vários sítios (o primeiro saiu em 1549 em Ancona e o último em 1561 em Veneza) e que foram compiladas postumamente (a primeira edição conjunta saiu em 1590 em Lyon, mas uma edição famosa é a de Bordéus de 1620). Esses livros contêm pormenorizadas descrições de casos, diagnósticos e tratamentos, comentados com particular erudição. Há uma tradução moderna.19 Amato refere em vários passos Vesálio, embora em geral em tom crítico. Houve uma disputa entre Amato e Vesálio a propósito das válvulas venosas, que o segundo não conseguiu observar.20 No comentário a Falópio, Vesálio faz uma referência ao médico português.
A BGUC possui as seguintes obras de Amato (por ordem cronológica):
- Excellentissimi Joa[n]nis Roderici sacr[a]e Cesare[a]e imperatricis medici peritissimi Tractatus contra sex conclusiones XII Principiorum Francisci de Villalobos sacr[a]e cesare[a]e majestatis medici una cum aliis conclusionibus novarum fantasiarum nunc ab eodem Joanne Roderico in lucem ediditis. Turim: per Magistru[m] Petrum Paulu[m] de Porris, 1526. die. V. mensis Maii.] Existem duas cópias com cotas: 2-6-13-8 (Biblioteca Joanina) e CF B-9-2 c.2.
- Curationum medicinalium centuria prima, multiplici variaque rerum cognitione referta. Praefixa est eiusdem auctoris commentatio in qua docetur quomodo se medicus habere debeat in introitu ad aegrotantem, simulque de crisi, & diebus decretoriis, iis qui artem medicam exercent, & q. Florença: [Ex]cudebat Laurentius Torrentinus, 1551. Cota: 4-7-41-29 (Biblioteca Joanina)
- In Dioscoridis Anazarbei De medica materia libros quinque, Amati Lusitani doctoris medici ac philosophi celeberrimi enarrationes eruditissimae. Accesserunt huic operi praeter correctiones Lemmatum, etiam adnotationes R. Constantini, necnon simplicium picturae ex Leonharto Fuchsio, Jacobo Dalechampio Lugduni: apud Theobaldum Paganum: [excudebat vidua Balthazar Arnolleti], 1558. Cota: R-40-15. Com cópia digital.
- Curationum medicinalium: centuriae duae tertia et quarta. Cum indice omnium curationum & rerum memorabilium quae ipsis centuriis continentur. Lyon: apud Gulielmum Rouillium, sub scuto Veneto, 1565. Cota 2-4-1-21 (Biblioteca Joanina). Junção num só volume das 2ª, 3ª e 4.ª Centúrias.
- Curationum medicinalium Amati Lusitani ... Centuria septima Thessalonice curationes habitas continens, varia multiplicique doctrina referta. Veneza: apud Vincentium Valgrisium, 1566. Cota; 2-19-1-20 (Biblioteca Joanina).
- Curationum medicinalium centuriae septem, varia multiplicique rerum cognitione refert[a]e & in hac ultima editione recognitae & valde correct[a]e... Accesserunt duo novi indices, unus curationum medicinalium secundum morbos partes corpori humani infestantes, alter rerum memorabili. Bordéus: ex typographia Gilberti Vernoy, 1620. Edição conjunta das Centúrias. Existem duas cópias com cotas 2-18-7-65 (Biblioteca Joanina) e 4 A-27-20-20 c.2.
Alguns destes textos estão censurados, provavelmente pela Inquisição, uma vez que as obras de Amato estiveram nos Indice de livros proibidos.21
Por sua vez, Garcia de Orta estudou Medicina em Salamanca e Alcalá de Henares, em Espanha.Foi professor na Universidade de Lisboa. Embarcou em 1534 para a Índia como médico de Martim Afonso de Sousa. Trabalhou no Hospital de Goa, tendo escrito um só livro (Fig. 4):
- Colóquios dos simples e drogas he cousas medicinais da Índia e assi dalgumas frutas achadas nella onde se tratam algumas cousas tocantes a medicina, pratica, e outras cousas boas pera saber. Goa: Ioannes de endem, 1563.
Essa obra, que compreende um total de 58 colóquios, descreve as drogas (aloés, melão, cânfora, ruibarbo, sândalo, etc.), suas origens e propriedades terapêuticas, em diálogo do próprio autor com Ruano, um outro médico desconhecedor das realidades orientais. A escrita denota conhecimentos firmes, denotando a enorme confiança de Orta nos novos saberes vindos da observação e da experiência: “Não me ponhais medo com Dioscórides nem Galeno, porque não hei de dizer senão a verdade, e o que sei." Orta faz uma referência crítica a Vesálio a propósito da raiz da China e, no colóquio da canela, cita Amato. Nem Vesálio nem Amato citaram Orta, por desconhecerem a sua obra.
Luís de Camões (Lisboa? c. 1524 Lisboa 1580), que estava em Goa em 1563, fez um “prefácio” em verso desta obra, com o título “Ode ao Conde de Redondo”. São os primeiros versos de Camões impressos:“Favorecei a antiga / Ciência que já Aquiles estimou./ Olhai que vos obriga / Verdes que em vosso tempo se mostrou / O fruto daquela Orta onde florescem / Plantas novas que os doutos não conhecem.(…)“
No século XIX foi publicada uma versão comentada pelo botânico amador Conde de Ficalho,23 que teve uma reimpressão na Imprensa Nacional Casa da Moeda no século XX. Só saiu uma nova edição recentemente, integradas nas Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa.24
O Colóquio dos Simples teve uma edição muito limitada em Goa, o que explica a inexistência de qualquer cópia na BGUC. Existem, porém, várias edições de resumos comentados em latim feitos pelo médico belga Charles l’Écluse ou, em latim, Carolus Clusius(Arras 1526 Leiden 1609), e, em espanhol, pelo médico português Cristóbal Acosta ou Cristóvão da Costa (Tânger? 1515 Huelva 1594). Foram estes autores que tornaram o livro famoso, já que a escrita em português não facilitava uma leitura alargada. A edição original do primeiro é:
- Carolus Clusius, Aromatum et Simplicium aliquot medicamentorum apud Indios nascentium historia ante biennium quidem Lusitanica língua… conscripta, D. Garcia ab Horto auctore, Antuérpia: Cristóvão Plantin, 1567. Existe fac-simile moderno, com texto em português e latim.25
A edição original do segundo é:
- Cristóbal Acosta, Tractado de las drogas, y medicinas de las Indias Orientales, Burgos: Martin de Victoria, 1578. Desta edição também uma versão moderna em português26:
Na BGUC não existe a edição original dos Colóquios (só existem 12 exemplares em Portugal), nem a primeira edição de Clusius, mas existem as seguintes edições das referidas obras de Clusius e Acosta (uma das quais representada na Fig. 4):
- Caroli Clusii Atreb. aliquot notae in Garciae Aromatum Historiam eiusdem descriptiones nonnullarum Stirpium, & aliarum exoticarum rerum, qu[a]e [sic] à Generoso viro Francisco Drake ..., & his observatae sunt, qui eum in longa illa Nauigatione, qua proximis annis universum orbem circumiuit, comitati sunt & quorundam peregrinorum fructuum quos Londini ab amicis accepit. Antuérpia: Christophori Plantini, 1582. Cota: R-40-16.
Esta edição do livro de Clusius contém traduções latinas feitas por ele de extractos anotados do Tratado de las drogas medicinas y plantas de las Indias Orientales de Acosta, e do Dos libros, el uno que trata de todas las cosas que traen de nuestras Indias Occidentales de Monardes.
- Due libri dell’historia de i semplici, aromati, et altre cose che vengono portate dall’Indie Orientali pertinenti all’uso della medicina / Di Don Garzia Dall’Horto...; con alcune brevi annotationi di Carlo Clusio; et due altri libri parimenti di quelle che si portano dall’Indie Occidentali di Nicolò Monardes... Veneza: Apresso Francesco Ziletti, 1582. Cota: R-74-41 (tradução em italiano dos Colóquios, em 2.ª edição, pois a 1.ª saiu em 1576).
- Aromatum, et simplicium aliquot medicamentorum apud Indos nascentium historia / primùm quidem lusitanica lingua [dialogikos] conscripta à D. Garçia ab Horto …; Deinde latino sermone in epitomen contracta, & iconibus ad viuum expressis, locupletioribiusq[ue] annotatiunculis illustrata à Carolo Cl Quarta editio, castigatior, & aliquot locis auctior. Antuérpia: ex Officina Plantiniana: apud Viduam, & Ioannem Moretum, 1593. Existem duas cópias com cotas RB-33-13 c.2 (Biblioteca Joanina) e 3-19-1-23. Com cópia digital. Contém traduções de textos de Acosta e Monardes, tal como a edição de 1582.
Se os portugueses traziam plantas da Índia, os espanhóis traziam-nas da América, do outro lado do meridiano de Tordesilhas. Um dos espanhóis que as tratou foi Nicolás Monardes (Sevilha c. 1508 Sevilha 1588). A BGUC tem as seguintes obras desse autor (além disso traduções em latim de Monardes aparecem em obras de Clusius, como foi referido):
- Dos libros, el uno que trata de todas las cosas que traen de nuestras Indias Occidentales, que sirven al uso de la Medicina, y el otro que trata de la Piedra de Bezaar, y de la yerba Escuerçonera. / Cõpuestos por el doctor Nicoloso de Monardes Medico de Sevilla. Sevilha: Hernando Diaz, 1569. Cota: A-14-19-9 (Biblioteca Joanina).
- Segunda parte del libro de las cosas que se traen de nuestras Indias Occidentales que sirven al uso de medicina...; Va añedido un libro de la nieve... Sevilha: Alonso Escriuano, 1571. Cota: RB-33-18.
- Primera y segunda y tercera partes de la Historia medicinal de las cosas que se traen de nuestras Indias occidentales, que siruen en medicina; Tratado de la piedra bezaar y de la yerua escuerçonera; Dialogo de las grandezas del hierro y de sus virtudes medicinales; Tratado de la nieue y del beuer, Sevilha: Fernando Diaz, 1580. Cota: R-71-3.
4. A medicina em Coimbra no século XVI
A Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra sofreu várias metamorfoses ao longo do século XVI quando a medicina estava a mudar, colocando o seu ensino novas exigências.27-30 Em 1503 ocorreu ainda em lisboa a Reforma de D. Manuel (que estabelecia duas cadeiras de Medicina). Em 1537, quando a Universidade mudou para Coimbra, teve lugar a Reforma de D. João III (na qual passou a haver quatro cátedras e duas catedrilhas, ou cátedras menores, de Medicina). O médico espanhol Enrique de Cuellar (Cuellar 1480 - 1544) fez a lição inaugural na casa do Reitor para apenas seis alunos. Em 1538 Tomás Rodrigues da Veiga (Évora 1513 Coimbra 1579) foi nomeado lente da cadeira de véspera. Em 1556 foi criada a cadeira de Anatomia atribuída a Alfonso Rodríguez de Guevara (Granada c. 1520 Lisboa 1587). Em 1557 foi criada a cadeira de Cirurgia, também atribuída a Guevara. Em 1561 João Bravo, denominado o Chamisso (Serpa 15? Coimbra 1636), que acabou perseguido pela Inquisição, sucedeu a Guevara, que foi para Lisboa.
Na BGUC existe um livro de Cuellar (Fig. 5), curiosamente um comentário a Hipócrates que sai no mesmo ano em que se publica De Humanis Corporis Fabrica de Vesálio:
- Enrici a Cuellar medice facultatis professoris primi opus insigne ad libros tres predictionum Hippocr.; Cõmento etiã Gal. aposito et exposito; Anotationes eiusdem sup[er] primo libro que interlege[n]dum occurrere... Coimbra: ex offi. Iohã[n]nis Aluari & Iohã[n]nis Barrerij, 1543. Cota R - 21 -16.
De Rodrigues da Veiga existem dois livros (um dos quais representado na (Fig. 5):
- Thomae Roderici à Veiga Eborensis, Commentarij in libros Claud. Galeni duos, de febrium differentijs. Cum facultate supremi Senatus sanctae Inquisitionis & Ordinarij. Coimbra: apud Ioannem Barrerium, 1578. Cota R-13-16. Há cópia digital
- Thomae Roderici a Veiga... Practica medica cui accessit ejusdem auctoris tractatus de Fontanellis & cauterijs. opus posthmum nunc primum in lucem editum. Lisboa: Ex Typographia Ioannis a Costa Senioris: Sumptibus Iosephi Ferreira Bibliopolae, 1668. Cota RB-27-40.
De Rodríguez de Guevara existe uma só obra (Fig. 6), que explicita no título que se trata de uma defesa de Galeno contra Vesálio (tinham passado 17 anos sobre a publicação da obra principal de Vesálio):
- Alphonsi Rod. de Gueuara Granatensis in Academia Conimbricensi rei medicae professoris & inclytae reginae medici physici in pluribus ex ijs quibus Galenus impugnatur ab Andrea Vesalio Bruxele[n]si in co[n]structione & usu partium corporis humani, defensio... Coimbra: apud Ioan. Barrerium, 1559. Existem duas cópias: R-12-8 e R-73-22 c.2
De Chamisso também existe uma só obra (Fig. 6):
- Ioannis Bravo Chamisso... De medendis corporis malis per manualem operationem: Tomus primus. Coimbra: Typis Emmanuelis de Araujo, 1605. Existem duas cópias com cotas 4 A-2-8-5 c.2 (Biblioteca Joanina) e R-12-1.
Deve acrescentar-se que o primeiro autor de um tratado de medicina na língua portuguesa é Manuel Constâncio (Constância 1726 Lisboa 1817), médico que ensinou e trabalhou no Hospital de Todos os Santos em Lisboa tal como Paré vindo da classe dos barbeiros.23 A obra, que ficou manuscrita, é uma postila de anatomia escrita por alunos a partir das suas aulas (1575). Tem uma edição moderna na colecção Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa.31 Mas essa já não é uma obra da Renascença, mas sim do Iluminismo.
5. Conclusões
Recorrendo às colecções da BGUC, apresentámos algumas das obras mais representativas da medicina, quando ela se constituiu como ciência na época da Revolução Científica. Os livros de Vesálio e de Paré saídos no século XVI são emblemáticos. Mas contribuíram também para o desenvolvimento da medicina, na época muito ligada à farmácia, dois portugueses exilados, Amato Lusitano na Europa e Garcia de Orta na Índia. O segundo tem a particularidade de ter sido escrito em português, oferecendo à ciência uma das primeiras obras escritas não em latim, mas numa língua nacional. Por último, enumerámos as obras essenciais dos lentes da Universidade de Coimbra, então a única universidade nacional com Faculdade de Medicina, durante o referido século, todas elas impressas localmente. Embora a anatomia e a cirurgia só tenham chegado à Universidade de Coimbra coimbrã com algum atraso, pode-se dizer que existiu na cidade uma imprensa de elevada qualidade.
O Alma Mater, Repositório de Livro Antigo da Universidade de Coimbra, mostra cerca de milhares de itens do rico espólio bibliográfico e documental existente nas várias bibliotecas da Universidade de Coimbra, a começar pela maior, a BGUC, disponibilizando assim gratuita e universalmente um conjunto assaz relevantes obras do património cultural da Universidade e do país. Algumas das obras aqui referidas encontram-se aí em cópia digital.
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Responsabilidades Éticas
Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.
Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.
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Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.
Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship
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Correspondence / Correspondência:
Carlos Fiolhais tcarlos@uc.pt
Departamento e Centro de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
Rua Larga, 3004-516. Coimbra
Received / Recebido: 31/10/2019
Accepted / Aceite: 03/11/2019
Publicado / Published: 11 de Dezembro de 2019