A hospitalização domiciliária teve início na América em 1945. A primeira unidade na Europa surgiu em França em 1957.1,2Em Portugal, a primeira unidade de hospitalização domiciliária foi formada no Hospital Garcia de Orta em 2015. No artigo “Hospitalização Domiciliária: Balanço de um Ano da Primeira Unidade Portuguesa” os autores descrevem as vantagens deste modelo de internamento e consideram-no como uma alternativa válida ao internamento hospitalar convencional, apresentando um balanço de 281 doentes tratados e poupando ao hospital 2531 dias de internamento convencional.2,3
Segundo o Relatório Anual de Acesso a Cuidados de Saúde, em 2019 estavam criadas 24 unidades nos hospitais do SNS, sendo o objectivo do SNS abrir mais 10 unidades até final de 2021. No sector privado, o grupo José de Mello foi o primeiro a disponibilizar de hospitalização domiciliária, abrangendo actualmente as regiões de Grande Lisboa e Grande Porto. A rede Hospital da Luz disponibiliza este serviço no Hospital da Luz Arrábida servindo a região norte.
Com o objectivo de melhorar os serviços de saúde prestados, promovendo a sua proximidade e a humanização, sem perder de vista a qualidade, a viabilidade e a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde (SNS), foram implementadas estratégias de modernização do SNS. Este processo de modernização tem como foco o “cuidar em casa”, havendo uma deslocalização da prestação dos cuidados das instituições para o domicílio, com uma perspetiva multidisciplinar e de continuidade, incluindo não só os cuidados de saúde, como também o apoio aos cuidados pessoais e a articulação com as respostas da comunidade.4
Nesse contexto, em 2018, foi regulamentado pelo Despa-cho n.º 9323-A/2018 a estratégia de implementação de Unidades de Hospitalização Domiciliária no SNS. Ainda no mesmo ano, a Direcção Geral da Saúde (DGS) publicou a Norma de Orientação Clínica (NOC) nº 020/2018 referente à qualidade organizacional de hospitalização domiciliária em idade adulta.
A hospitalização domiciliária é considerada uma alternativa ao internamento convencional para doentes agudos ou crónicos agudizados.1,4,5Esta tipologia de internamento é caracterizada pela prestação de cuidados de saúde de nível hospitalar no domicílio.5-7
Segundo a NOC nº 020/2018 da DGS, a unidade de hospitalização domiciliária procede à inclusão, admissão ou readmissão dos doentes no âmbito da hospitalização domiciliária, bem como à sua exclusão. Os doentes elegíveis precisam de cumprir determinados critérios para admissão na hospitalização domiciliária1:
- Critérios clínicos - diagnóstico clínico que requer internamento e que apresente estabilidade clínica de acordo com a legis artis, situação clínica transitória e comorbilidades controláveis no domicílio.
- Critérios sociais - existência de um cuidador que pode ser facultativo para o doente autónomo nas actividades de vida diária, domicílio com condições higiénico-sanitárias básicas e de habitabilidade adequadas para a situação clínica do doente.
- Critérios geográficos - residência localizada numa distância que permita a deslocação em tempo útil da equipa de saúde em caso de agravamento da condição clínica (a distância preconizada é a que permite uma deslocação em menos de 30 minutos a partir da unidade de hospitalização)
Os doentes serão excluídos na presença de um ou mais dos seguintes critérios1:
- Incumprimento de um ou mais critérios de admissão referidos acima.
- Doentes com dependência de substâncias ilícitas ou alcoólica com consumos activos.
- Doentes com ideação suicida, agitação psicomotora, psicose aguda e doenças com risco epidemiológico.
- Incapacidade mental, física ou emocional do doente ou do cuidador que condicione a os cuidados e tratamentos necessários.
- Não ter um telefone no domicílio que permita contactar a equipa de saúde em caso de intercorrências
A admissão neste modelo de internamento é voluntária, com a assinatura de um consentimento informado por escrito por parte do doente ou representante legal.1,5As patologias elegíveis para a hospitalização domiciliária são múltiplas, podendo variar entre patologia infecciosa aguda (ex.: infecções respiratórias), patologia crónica agudizada (ex.: insuficiência cardíaca crónica descompensada), cuidados no pós-operatório ou mesmo doenças progressivas incuráveis em fase terminal.1,4,5
A rotina diária da hospitalização domiciliária varia de unidade para unidade, mas de modo geral, a equipa de saúde é composta por um médico e um enfermeiro, que visitam diariamente os doentes no seu domicílio. Em determinados casos, pode haver mais do que uma visita programada por dia por vários motivos: administração de fármacos com mais do que uma toma diária, reabilitação física, ensinos (insulinoterapia por exemplo), entre outros.1,5Em algumas unidades estão disponíveis dispositivos de telemonitorização que facilitam a vigilância destes doentes.5
Os doentes internados na hospitalização domiciliária, ou os respectivos cuidadores, têm um contacto telefónico directo com a equipa de saúde que está disponível 24 horas por dia para responder em caso de dúvida ou qualquer intercorrência aguda. Sempre que necessário, a equipa de saúde desloca-se ao domicílio, e se a agudização exigir um nível superior de vigilância, o doente pode ser transportado de volta para a unidade hospitalar de referência.1,5
No domicílio é possível a realização de vários exames complementares de diagnóstico e procedimentos terapêuticos, nomeadamente análises de sangue e urina, electrocardiograma, ecografia, administração endovenososa de medicamentos de uso exclusivo hospitalar, oxigenoterapia, ventilação não invasiva, tratamento de feridas, entre outros. No caso de ser necessário realizar um exame ou procedimento não passível de ser realizado no domicílio ou uma consulta por outras especialidades médicas, que implique avaliação presencial, o doente é transportado para a unidade hospitalar de referência para a realização desses procedimentos.1,5
Este modelo de assistência hospitalar proporciona uma abordagem personalizada e adaptada à realidade individual de cada doente no seu meio habitual. Estão descritas como vantagens da hospitalização domiciliária a redução de infecções nosocomiais, quedas, úlceras de pressão, episódios de síndrome confusional agudo, tempo de internamento, declínio do estado funcional e desnutrição. Por outro lado, melhora a qualidade de sono dos doentes e a satisfação dos doentes pelo maior conforto proporcionado.3-6,8-10
Faz parte da política de saúde a promoção da literacia para a saúde, permitindo às pessoas compreender, aceder e utilizar melhor a informação sobre saúde, de modo a decidirem de forma consciente e informada, tal como o reconhecimento do importante papel do cuidador informal, a sua responsabilização e capacitação para a prestação, com qualidade e segurança, dos cuidados básicos regulares e não especializados que realizam. A lei estabelece o estatuto dos cuidadores informais de pessoas em situação de doença crónica, deficiência, dependência parcial ou total, transitória ou definitiva, ou noutra condição de fragilidade e necessidade de cuidados.11 No caso da hospitalização domiciliária é definido como cuidador(es), a pessoa ou pessoas designadas pelo doente, ou seu representante legal, que, sendo familiar directo ou não, assegura a articulação entre o doente e os profissionais de saúde.1,4
O papel de cuidador é exigente, principalmente em situações de dependência agravada ou necessidade de manuseamento de determinados dispositivos médicos (como a sonda nasogástrica, algália, entre outros) que muitas vezes acompanham o internamento de forma transitória ou permanente. A ligação directa entre a equipa de saúde, o doente e os seus cuidadores fora do ambiente hostil do hospital, e ao mesmo tempo sem perder a segurança e a qualidade dos cuidados, permite reforçar a humanização da Medicina, melhorar a percepção da doença e criar oportunidades de educação e promoção da saúde únicas, personalizadas para aquele doente ou família.3-6,9,10,12
O envelhecimento da população e o aumento da prevalência das doenças crónicas geram uma pressão crescente no número de camas hospitalares disponíveis.3,2,10,13O bem-estar e qualidade de vida durante o envelhecimento é um direito, numa perspetiva inclusiva e ativa que favoreça a capacidade de decisão e controlo da sua vida, através da criação de mecanismos adaptativos de autonomia e independência.11
A nível nacional temos ainda pouca literatura publicada sobre UHD, sabe-se que o número de doentes tratados tem vindo a aumentar progressivamente, no primeiro trimestre de 2021 foram tratados 1640 doentes em UHD.3,14A maioria dos doentes internados em UHD são oriundos de serviços de internamento de medicina interna e do serviço de urgência, apresentando um leque de patologias semelhantes aos doentes internados em enfermaria convencional de Medicina Interna. Doentes com pluripatologia e polimedicados, cujo motivo principal de internamento são intercorrências infecciosas ou descompensação de doenças crónicas.2,3Durante a pandemia algumas UHD adaptaram a equipa para receber doentes com COVID-19, libertando camas valiosas de hospital.5,15Os outcomes de internamento em UHD apresentam altos índices de satisfação e baixas taxas de intercorrências e de óbitos,2,3estes dados são corroborados com casuísticas nacionais recentemente apresentadas no último Congresso Nacional de Medicina Interna.
Na perspectiva de sustentabilidade do SNS, a hospitalização domiciliária reduz os custos e as complicações inerentes à hospitalização convencional, podendo ser uma solução para problema de sobrelotação, com as vantagens clínicas para o doente acima descritas.2,3,10,13