A desnutrição hospitalar é um factor de risco importante nos internamentos hospitalares, estando associado a aumento da morbimortalidade, declínio funcional, internamentos mais prolongados e readmissões assim como a um aumento do risco de infecções.1 Dependendo dos critérios de avaliação e definição, e da população em estudo, estima-se que entre 20%-50% dos doentes internados apresentem risco nutricional (RN).2 A desnutrição adquirida durante o internamento é, também, associada a um aumento da duração do tempo de internamento em, aproximadamente, mais 7 dias, comparativamente, com a ausência de desnutrição quer na admissão, que no final do internamento.3
Em 2018, a Direcção Geral de Saúde (despacho nº6634/2018) recomendou a realização da avaliação nutricional a todos os doentes internados por um período superior a 24 horas, a ser realizada à admissão e a cada 7 dias, utilizando a ferramenta Nutritional Risk Screenning 2002 (NRS-2002).4 Esta escala consiste num questionário que tem em conta a deterioração do estado nutricional do doente, assim como a gravidade de doença.
Nos primeiros 4 meses de 2022 procedeu-se à consulta dos processos clínicos de todos os doentes admitidos numa enfermaria de medicina, com o objectivo de estudar a prevalência dos doentes em RN, e a correcta aplicação do NRS-2002 (realizada por nutricionistas), bem como a sua relação com complicações imediatas.
Dos 336 doentes internados 27,5% (n = 86) apresentavam RN. Deste grupo, 50% apresentava um índice da escala de Katz < 4 e 80% tinham idade ≥ 70 anos. O grupo de doentes com RN quando comparado ao grupo de doentes sem RN apresentou maior taxa de morte a 30 dias (25% vs 6%), internamentos mais prolongados (38% vs 26%), maior prevalência de infecções nosocomiais (30% vs 10%) e de úlceras cutâneas (13% vs 9%), associando-se ainda a critérios de doença grave segundo o NRS-2002.
Da amostra total, 7% (n = 25) dos doentes foram excluídos por ausência de avaliação nutricional. De referir que em 25% (n = 21,5) dos doentes em RN, a avaliação foi incorrecta não tendo sido realizado plano nutricional, ou por não contabilização de parâmetros de deterioração do estado nutricional (70%) ou por não contabilização de parâmetros de gravidade de doença (60%). Neste grupo de doentes verificou-se 26% de mortes a 30 dias, 47% de estadia hospitalar prolongada, 22% de readmissões em 30 dias, e 30% com infeções nosocomiais.
De referir ainda que em 55% (n = 185) dos doentes o NRS-2002 não foi avaliado semanalmente durante o internamento, o que certamente tem um peso importante na subavaliação da desnutrição em contexto hospitalar sobretudo em internamentos prolongados em que o ajuste de dieta é fulcral.
O RN representa assim uma comorbilidade com importante implicação prognóstica, presente num número significativo de doentes, estando, contudo, subavaliado em virtude quer da omissão da sua avaliação, quer da incorreta aplicação das ferramentas de avaliação. É necessária formação aos profissionais para uma valorização da importância da nutrição no internamento e uma correcta aplicação do NRS-2002.
Se a desnutrição é diagnosticada precocemente os tratamentos baseados em abordagens alimentares, de baixo custo, são eficazes e suficientes.
Este trabalho visa assim reforçar a importância da correta aplicação do NRS-2002 e consequente implementação do plano nutricional, tão relevantes como as demais abordagens terapêuticas de fase aguda.