Ramalho et al, na última edição desta revista, levantam a questão da integração do ensino de ecografia point-of-care (EcoPOC) no internato de Medicina Interna (MI).1 A evolução da EcoPOC enquanto complemento à anamnese e exame físico rigorosos na marcha diagnóstica permitiu reduzir o leque de diagnósticos diferenciais e, consequentemente, o tempo até ao diagnóstico e ao respetivo tratamento; assim como aumentar a eficácia e segurança na realização de procedimentos. O reconhecimento da relevância da EcoPOC pelos internos de formação específica de MI é um passo essencial para garantir o fluxo contínuo de formação e a continuidade das próximas gerações na vanguarda da prática médica.
No entanto, apesar de firmemente estabelecida a utilidade de EcoPOC e respetiva importância do seu ensino, encontra-se ainda em debate o método para a sua implementação. Os autores levantam três importantes questões: a acessibilidade a aparelhos de ultrassonografia (AUS), a ausência de um curriculum uniformizado de formação e a necessidade de docentes adequadamente treinados.
Atendendo à tendência para maior portabilidade e redução de custo dos AUS, e sabendo que muitos hospi-tais portugueses possuem já algum tipo de AUS disponível, o primeiro ponto será provavelmente ultrapassado a curto prazo. A sua maior disponibilidade comparativamente a out-ros exames complementares reforça a importância da apre-ndizagem e disseminação da EcoPOC entre internistas.
Quanto à formulação de um curriculum estruturado, é global a preocupação e o debate sobre o caminho a percorrer.2-4Atenta a esta discussão, a Federação Europeia de Medicina Interna (EFIM) incluiu a EcoPOC no seu curriculum oficial e em 2020 publicou um documento de consenso que estabelece competências básicas em ecoPOC para o internista assim como os cenários clínicos nos quais a sua utilização é recomendada.5 O documento define metas para o ensino de EcoPOC, assim como sugere objetivos de número de estudos e tempo de ensino a cumprir em programa de treino.
Em Portugal, até ao momento, o ensino de EcoPOC tem passado maioritariamente por cursos organizados por entidades dedicadas ao ensino médico pós-graduado, um primeiro passo natural e essencial para a implementação da EcoPOC no país. No entanto, uma formação que vise a utilização autónoma e adequada desta técnica no quotidiano do internista terá que implicar um plano mais estruturado de educação que propicie um treino contínuo e consistente ao longo do internato.
A relevância da integração da formação de EcoPOC durante o internato prende-se também com a garantia de perpetuação do ensino da técnica através da consequente aquisição de docentes capazes e qualificados, dado garantir que todo o especialista em MI obterá uma base de conhecimentos em EcoPOC que lhe permita formar outros.
Compreendendo a importância deste tema, o serviço de MI a par com o Serviço de Urgência e o de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar Universitário do Porto, instituíram recentemente a formação dos internos de MI em EcoPOC. Inicia-se no primeiro ano e prolonga-se durante todo o internato, com a aplicação de forma tutelada de EcoPOC no internamento de medicina, cuidados intensivos e urgência de acordo com as recomendações da EFIM.
Acresce a discussão integrada dos exames realizados, realização de journal clubs, apresentação de casos clínicos e estímulo à investigação científica na área. Da mesma forma, sob aprovação pelo Colégio de Especialidade, pretende-se manter formação inter-hospitalar, em estágios trimestrais, dirigidos a internos de MI com indisponibilidade de recursos humanos e materiais ao ensino de EcoPOC.
A formação em EcoPOC integrada no internato é uma realidade que o nosso centro, a par de outros, já aplica, mas terá de expandir-se para corresponder às expectativas das gerações futuras de Internistas no que toca a esta tão necessária competência.