A vida de um Médico é repleta de acontecimentos marcantes: desde a primeira aula de anatomia até o Juramento de Hipócrates, passando pela primeira noite “sozinho” num Serviço de Urgência, até o primeiro elogio de um doente quando melhora e que contrasta com o falecimento inesperado de outro.
A vida de um Médico tem dado para fazer tantas novelas, romances e dramas, que é difícil encontrar em outras práticas profissionais tanto manancial que alimente a escrita narrativa como na prática da medicina. Isto vem desde os tempos da antiguidade.
Mas há algo que permeia a vida de um Médico e que é muito moderno. Permeia de tal maneira que nem damos por ela, é como se fosse um ruído de fundo que pela monotonia já não nos impressiona. Como médicos somos assombrados por uma quantidade de informação científica que a cada fração de tempo aumenta de tal forma que um ser humano não pode abarcar.
Desde que foi editada a primeira publicação científica no século XVII, estima-se que atualmente temos ao nosso dispor mais de 30 000 publicações do foro científico, que no seu conjunto lançam mais de 2 000 000 de artigos por ano. Ler no papel é cada vez mais a exceção, e os conteúdos digitais são a norma, o que torna este crescimento de nível cosmológico.
Onde se posiciona a nossa Revista Medicina Interna (RPMI) neste Universo Editorial? Porquê ler a nossa revista? As questões são quase cosmológicas, pelo que temos que ir aos princípios da RPMI para as responder.
O primeiro editorial da RPMI, assinado pelo Dr. Barros Veloso, fala nas principais razões que fundamentaram a sua criação.1 Foi editado no volume de Abril/Junho de 1994, portanto fazendo agora 29 anos. Enumero aqui as razões em 4 pontos:
“(...) existindo hoje em Portugal um elevado número de internistas que resistiram à atração das subespecialidades médicas e que participam ativamente em congressos e jornadas, parecia ter chegado o momento oportuno para criar um espaço editorial onde poderiam publicar a sua produção científica.”
“(...) entendemos que uma revista médica deve ter também, pelo seu estilo de atuação, um importante papel pedagógico.”
“(...) através de uma posição editorial exigente pretende-se exercer, desde já, uma função corretora no sentido de melhorar a qualidade da produção científica dos portugueses”.
“A revista ‘Medicina Interna’ estará, pois, aberta aos artigos de opinião, pretendendo estimular o debate e atrair a colaboração de todos os médicos, independentemente da sua área de especialidade.”
Neste intervalo de tempo desde 1994, pelos números acima descritos, foram publicados artigos que em número ultrapassam os 6 dígitos, o que contrasta e torna mais espetacular, que os princípios fundamentais da RPMI lançados há quase três décadas estejam ainda presentes.
É assim com muita honra que me apresento como Editor-Chefe da RPMI, e vou aos princípios da sua fundação porque honestamente creio que são esses os que nos devem orientar. Mantive a maioria do corpo editorial do legado do meu antecessor em continuidade e não em disrupção. Porque o trabalho é de continuidade desde o princípio da RPMI.
Continuidade dá uma ideia de movimento e persistência das características de um dado contexto. Espero não entrar em paradoxo, mas isto não impede que se continue e que se cresça, e se continue com mudança. Queremos aumentar a indexação, melhorar os tempos de resposta aos autores, sem perder o rigor e a qualidade científica. Não é fácil. As estruturas de publicação internacionais sobejamente conhecidas no mundo médico, possuem recursos gigantescos, com os quais eu diria é irracional competir. Por outro lado, não deixaremos de crescer também acompanhando as novas tendências. A criação dos Podcasts é um exemplo. O risco de que estou ciente e trabalharei para o contrariar é o de entrar em crescimento não sustentado. No entanto, temos um recurso precioso - o humano dos nossos internistas. A nossa revista é o órgão oficial da Sociedade Portuguesa de Medicina Inter-na e daí não se pode dissociar dos seus sócios. Publicar na nossa Revista tem que ser algo que nos orgulhe. E não ficarmos fechados. A RPMI tem que ser algo que nos ensine, e que ensine outros na sua Vida de Médico.
Saliento a diversidade de tipologias de publicação que a RPMI apresenta, que fazem dela uma revista de nível Internacional. Faz sentido continuar a insistir na publicação numa revista médica portuguesa, com uma expressão relativamente pequena na literatura internacional? Tenho a forte convicção de que o crescimento de publicações a nível mundial, apesar de vir com um risco de publicação de material não significante, permite por outro lado a publicação de material genuíno da prática real, e democratiza o acesso a informação científica. E aqui não posso deixar de referir algo que é inigualável e que a RPMI pode ajudar a livremente expressar - a comunidade de médicos de língua portuguesa.
Queremos fazer as coisas com passos seguros no percur-so da vida de um médico.