Com a transferência progressiva do local de morte do domicílio para o hospital, a morte afastou-se de um local humanizado. Portugal não é exceção e, enquanto em 1984 60% das mortes ocorreram em casa,1 em 2019 a morte ocorreu em 60% dos casos no hospital.2
Esta realidade tem contribuído para uma menor oportunidade de preparação para a morte, resultado também do ambiente hospitalar como um contexto frequentemente impreparado e pouco capaz de atender a esta solicitação.1 Conforme Díez-Manglano, Freire e Carneiro et al,3 no Guia de Consenso para a Prática Clínica sobre Boas Práticas nos Cuidados em Fim de Vida das Sociedades Espanhola e Portuguesa de Medicina Interna, melhorar a qualidade da assistência às pessoas nas últimas horas ou dias de vida (UHDV), no ambiente hospitalar, é um imperativo ético. O Projeto MiMI (Morte Iminente em Medicina Interna),4 promovido pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna em conjunto com o International Collaborative For The Best For The Dying Person e Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica, dará neste contexto um importante contributo.
Partilhamos a experiência em curso do projeto Bem Cuidar no Fim de Vida, concebido por uma equipa de suporte intra-hospitalar de Cuidados Paliativos (CP) de um hospital universitário após uma reflexão conjunta do referido guia.3 Este teve início em novembro de 2021 no Serviço de Medicina Interna. Após revisão bibliográfica do tema, foi elaborado um “Guia de Boas Práticas em UHDV”, um fluxograma para facilitar a identificação da pessoa em UHDV e um documento recordatório com os principais aspetos da sua abordagem.
Até maio de 2023, foram organizadas treze ações de formação, orientadas por dois elementos da equipa de CP e dirigidas a grupos multidisciplinares, a 120 profissionais das unidades de Medicina Interna [62 médicos (24 especialistas em Medicina Interna e 38 internos), 54 enfermeiros (13 especialistas) e 4 assistentes sociais]. Alguns dos dados sobre a percepção dos profissionais, recolhidos antes e depois das sessões de formação, revelaram que a quase totalidade (n = 114, 95,0%) dos profissionais reconhece ter contacto com doentes em UHDV e a maioria dos profissionais discorda que os doentes morram com considerável sofrimento (n = 77, 64,1%), opinião maioritária dos médicos (44, n = 71,0%) mas não dos enfermeiros, que em 46,3% (n = 25) concordam ou concordam totalmente. Salienta-se que quase metade dos profissionais não tinha qualquer formação em CP (n = 57, 47,5%).
A fase inicial do projeto Bem Cuidar no Fim de Vida parece ter cumprido o objetivo de “colocar na ordem do dia o cuidado dos doentes em UHDV”3 desta instituição. A recetividade do projeto revelou que esta é uma área de interesse clínico e reafirmou-a como uma necessidade reconhecida pela maioria dos profissionais. No entanto, esta parece não vir acompanhada dos meios necessários à sua concretização. Propostas como o projeto Bem Cuidar no Fim de Vida podem facilitar a discussão e a atuação conjunta dos profissionais nesse sentido. Os resultados do Projeto MiMI4 irão com certeza contribuir para a sua melhoria.