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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.31 no.3 Lisboa set. 2024  Epub 26-Set-2024

https://doi.org/10.24950/rspmi.2542 

CARTAS AO EDITOR/ LETTERS TO EDITOR

O Papel da Medicina Interna numa Missão Humanitária em Guiné-Bissau

The Role of Internal Medicine in a Humanitarian Mission in Guinea-Bissau

1Serviço de Medicina Interna 2.5, Unidade Local de São José, Hospital Santo António dos Capuchos, Lisboa, Portugal.

2Serviço de Medicina Interna, Unidade Local de São José, Hospital de São José, Lisboa, Portugal


As missões humanitárias são intervenções prestadas em resposta a crises provocadas pelo ser humano e catástrofes naturais.1

A relevância da participação de internistas em missões humanitárias tem menos visibilidade quando comparada com outras especialidades. Neste artigo, os autores pretendem realçar a importância da medicina interna em contexto humanitário, através do retrato de uma missão com duração de 15 dias, decorrida em Abril de 2022 no Hospital Nacional Simão Mendes, em Bissau.

A República da Guiné-Bissau (RGB) é um país que tem vivido situações de instabilidade política e institucional encontrando-se sob dependência quase total da comunidade internacional na área da saúde e educação.2

Segundo a Organização Mundial de Saúde, existe um elevado número de doenças transmissíveis, contudo, em 2019, foi estimado que 33% dos óbitos tenham sido atribuídos a doenças não transmissíveis (cardiovasculares, respiratórias crónicas, oncológicas e metabólicas),3representando um desafio relevante para a saúde e onde a medicina interna pode ter um papel significativo.

A atividade assistencial na missão humanitária repartiu-se entre a consulta externa e internamento nas enfermarias de medicina interna e unidade de cuidados intensivos (UCI).

A nossa participação no internamento consistiu em observação, discussão e delineação de um plano de tratamento dos doentes em conjunto com os seus médicos assistentes. Colaborámos na observação e discussão de 78 doentes, 59% (n = 46) do sexo masculino, idade média 47 anos (±17,04). As patologias mais frequentemente identificadas, com recurso aos exames complementares disponíveis, foram a anemia, não especificada (26%, n = 20), a insuficiência cardíaca descompensada de etiologia indeterminada (15%, n = 12), a lesão renal aguda não especificada (9%, n = 7) e a doença hepática crónica descompensada não especificada (9%, n = 7). Adicionalmente, com base na história clínica e no exame objetivo, foram presumidos outros diagnósticos, tais como infeções oportunistas em doentes infetados por vírus de imunodeficiência humana (VIH) (13%, n = 10) e acidente vascular cerebral (10%, n = 8). Como comorbilidades mais comuns, destaca-se a hipertensão arterial (27%, n=21), infeção por VIH (19%, n = 15), infeção por hepatite B (15%, n = 12) e diabetes (15%, n = 12). Durante a nossa permanência, contabilizaram-se 16 óbitos, conferindo uma taxa de mortalidade de 21%.

Existem múltiplas dificuldades ao diagnóstico e tratamento dos doentes, nomeadamente o facto de tudo ser pago pelo próprio doente. Ademais, os familiares permanecem 24 horas com os doentes, sendo estes os responsáveis pela compra de medicação, alimentação, higiene e reabilitação.

Atendendo à ausência de formação específica4 a atividade formativa é prioritária, tendo-se realizado sessões clínicas sobre tratamento da diabetes no internamento, complicações agudas, antibioterapia e paracentese.

Participámos também na visita médica da UCI, que corresponde a uma unidade de nível 2. As limitações que apresenta, e que são um desafio para todos os profissionais de saúde, são: escasso treino das equipas locais, a falta de recursos humanos, a não existência de técnicas respiratórias não invasivas, técnica dialítica ou outro suporte de órgão, a não manutenção dos equipamentos e por vezes, a existência de cortes de eletricidade. Em relação à consulta externa, é uma consulta geral, não existindo uma triagem.

Os desafios sentidos por nós nesta missão foram muitos, destacando-se como os mais expressivos: complexidade de patologias, falta de recursos técnicos, inexistência de formação pós-graduada, dificuldade no acesso aos cuidados de saúde e iliteracia em saúde da população. A Medicina Interna, especialidade que se dedica ao estudo de doentes ainda sem diagnóstico ou de doentes complexos, demonstra-se fundamental na abordagem dos doentes que referimos neste artigo. É a especialidade que se adapta ao contexto descrito pelo seu conhecimento abrangente, capacidade de ensino, adaptabilidade a recursos limitados, coordenação de equipas multidisciplinares e capacidade de gerir emergências. Por estes motivos, o seu reconhecimento e integração em missões humanitárias é urgente.

REFERÊNCIAS

1. Welling DR, Ryan JM, Burris DG, Rich NM. Seven sins of humanitarian medicine. World J Surg. 2010;34:466-70. doi: 10.1007/s00268-009-0373-z. [ Links ]

2. Sá Guerreiro C, Paulo Silva A, Cá T, Ferrinho P. Planeamento estratégico no setor da saúde da Guiné-Bissau: evolução, influências e processos. An Instit Higiene Med Trop.2017;16:55-68. [ Links ]

3. World Health Organization, African Region. Country Disease Outlook: Guinea-Bissau. Geneva: WHO; 2023. [ Links ]

4. Ferrinho P, Sidat M, Fresta MJ, Rodrigues A, Fronteira I, da Silva F, et al. The training and professional expectations of medical students in Angola, Guinea-Bissau and Mozambique. Hum Resour Health. 2011;9:9. doi: 10.1186/1478-4491-9-9. [ Links ]

Declaração de Contribuição AA, BS, FC - Elaboração e revisão do artigo Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada. Contributorship Statement AA, BS, FC - Drafting and revising the article All authors approved the final version to be published.

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Pessoas e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pela Comissão de Ética responsável e de acordo com a Declaração de Helsínquia revista em 2013 e da Associação Médica Mundial.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki as revised in 2013).

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer re-viewed.

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e Revista SPMI 2024. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC 4.0. Nenhuma reutilização comercial. © Author(s) (or their employer(s)) and SPMI Journal 2024. Re-use permitted under CC BY-NC 4.0. No commercial re-use.

Recebido: 17 de Janeiro de 2024; Aceito: 28 de Fevereiro de 2024

Correspondence / Correspondência: Andreia Amaral - andreia.amaral85@gmail.com Serviço de Medicina Interna 2.5, Unidade Local de São José, Hospital Santo António dos Capuchos, Lisboa, Portugal. Alameda Santo António dos Capuchos, 1169-050 Lisboa

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