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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.16 n.5 Lisboa nov. 2009

 

Hepatite B Crónica

 

Teresa Moreira*, Jorge Areias*

 

 

INTRODUÇÃO

 

A hepatite B crónica constitui um importante problema de saúde pública a nível mundial. Estima-se que existam cerca de 2 mil milhões de infectados pelo vírus da hepatite B (VHB) e cerca de 400 milhões de pessoas com hepatite B crónica em todo o mundo.

Cerca de 15-40% dos portadores do vírus irão desenvolver complicações graves ao longo da vida. Este vírus é responsável por 0,5-1,2 milhões de mortes por cirrose hepática e hepatocarcinoma, anualmente.

A prevalência do AgHBs varia muito a nível geográfico e os países podem ser definidos como tendo prevalência elevada (≥ 8%),

intermédia (2-7%) ou baixa (<2%). Nos países desenvolvidos a prevalência é mais elevada entre os imigrantes de países de prevalência elevada ou intermédia e naqueles com factores de risco. A história natural da hepatite B crónica é complexa e causa um espectro clínico da doença variado.

O risco de desenvolver infecção crónica pelo VHB após a exposição aguda varia de cerca de 90% nos recém-nascidos de mães AgHBe +, a 25-30% em crianças de idades < 5 anos até < 5% em adultos. O risco é também superior em indivíduos imunocomprometidos.

 

DEFINIÇÕES

Hepatite crónica B

Doença necro-inflamatória do fígado, causada pela infecção persistente com o VHB. Pode ser dividida em AgHBe (+) ou AgHBe (-)

1. AgHBs (+) > 6 meses

2. DNA VHB > 20.000 IU/L (105 cópias/ml)

Valores entre 2.000 e 20.000 IU/L (104-105 cópias/ml) são habitualmente observados na hepatite crónica B AgHBe (-)

3. Elevação persistente ou intermitente da ALT/AST

4. Histologia: hepatite crónica com infiltrado necroinflamatório moderado a severo (score necroinflamatório ≥ 4)

 

Estado de portador inactivo

Infecção persistente do fígado pelo VHB, sem doença necroinflamatória significativa.

1. AgHBs (+) 6 meses

2. AgHBe (-), Anti-HBe (+)

3. DNA VHB 2.000 IU/L (104/cópias/ml) < 20.000 IU/L (105 cópias/ml) – segundo alguns autores

4. ALT/AST persistentemente normal (implica um seguimento longitudinal)

5. Histologia confirma a ausência de hepatite significativa (score necroinflamatório < 4)

 

Hepatite B resolvida

Infecção pelo VHB passada, sem evidência de infecção activa virulógica, bioquímica ou histológica ou doença.

1. História prévia conhecida de hepatite B aguda ou crónica, ou a presença de anti-HBc +/- anti-HBs

2. AgHBs (-)

3. Níveis de DNA VHB indetectáveis

4. ALT normal

 

Definições e termos utilizados

- Exacerbação aguda ou flare de hepatite B

- Reactivação

- Eliminação AgHBe

- Seroconversão AgHBe

- Reversão AgHBe

 

HISTÓRIA NATURAL

O início da hepatite B crónica é marcado pela persistência do AgHBs, níveis elevados de virémia e presença de AgHBe. Na infecção adquirida na fase perinatal, os doentes tendem a apresentar níveis normais de transaminases, com DNA do VHB elevado e persistência de AgHBe (fase imunotolerante). Embora a biopsia hepática não seja habitualmente realizada nesta fase, existem estudos que demonstram actividade inflamatória ou fibrose mínimas ou inexistentes. Na infecção adquirida na vida adulta, a fase inicial da infecção acompanha-se por marcada actividade da doença, com transaminases elevadas, numa tentativa de clearence dos hepatócitos infectados (fase imunoactiva). A histologia demonstra marcada actividade necroinflamatória, com graus variados de fibrose. Durante esta fase pode ocorrer a seroconversão AgHBe (perda do AgHBe e aquisição do anticorpo anti-HBe) que ocorre a uma taxa de 8-12% ao ano; acompanha-se normalmente de uma queda do DNA VHB para níveis inferiores a 20.000U/l, e representa a transição para fase de portador inactivo (fase de imuno-control). Alguns doentes também perdem o AgHBs, tratando-se de uma resolução espontânea da hepatite crónica B. A perda do AgHBs ocorre espontaneamente a uma taxa de 0,5%/ano.

 

 

Alguns doentes nos quais ocorre seroconversão AgHBe apresentam novamente níveis elevados de DNA do VHB e transaminases elevadas. Estes doentes apresentam uma forma mutante do VHB, com mutação nas regiões do precore ou promotor do core, que impede ou “down-regulates” a produção de AgHBe (fase de imuno-escape). Esta forma de hepatite é chamada de hepatite crónica B AgHBe negativo e cursa com níveis de DNA mais baixos que a Hepatite B AgHBe (+). Estes doentes são habitualmente mais velhos e apresentam doença hepática mais avançada, uma vez que a Hepatite B AgHBe (-) representa uma fase mais tardia da infecção.  A distinção entre o estado de portador inactivo e hepatite crónicaB AgHBe (-) requer um seguimento/avaliação longitudinal, devido à flutuação dos valores de transaminases e DNA.

 

OBJECTIVOS DO TRATAMENTO

 Objectivos a longo prazo:

1. Prevenir e atrasar o desenvolvimento de complicações: cirrose e hepatocarcinoma.

 

Objectivos imediatos:

1. Supressão vírica (DNA VHB < 2.000 IU/L)

2. Normalização da ALT

3. Melhoria histológica

4. Seroconversão AgHBe (apenas na Hepatite cónica B AgHBe+)

5. Perda do AgHBs

 

INDICAÇÕES PARA O TRATAMENTO

É importante definir o ponto da história natural em que cada doente se encontra. Esta categorização é feita com base: presença ou ausência de AgHBe, replicação vírica (DNA VHB), valor de ALT e histologia hepática. Esta avaliação permite definir o perfil de cada doente de forma a determinar a melhor estratégia de tratamento.

 

Caracterização da Doença

• AgHBe positivo ou negativo

• Replicação vírica (DNA VHB)

• ALT elevada ou normal

• Histologia hepática (fibrose)

 

FÁRMACOS DISPONÍVEIS

Peginterferão alfa-2a (Pegasys) - 180 mcg/semana – 48 semanas

• Vantagens

- Duração de tratamento definida (48 semanas)

- Taxa de resposta sustentada elevada

- Elevada taxa de seroconversão HBe – 27%

- Elevada taxa de supressão DNA VHB – 25%

- Elevada taxa de seroconversão HBs

- Ausência de resistências

 

• Desvantagens

- Via de administração: injectável

- Efeitos laterais frequentes

- Contra-indicado na cirrose descompensada

- Custo

 

Peg IFN - O doente ideal

• Idade jovem

• ALT elevada (> 5 x ULN)

• DNA VHB baixo (< 200,000 IU/mL)

• Raça negra

• Sem contra-indicações para o seu uso

• Genotipo A (melhor que D) ou B (melhor que C)?

 

Análogos dos núcleos(t)ideos:

1. Lamivudina (Epivir-HBV®): 100 mg/dia, via oral (aprovado pela FDA em 1998)

• Vantagens

- Bem tolerada; via de administração oral

- Excelente perfil de segurança

- Baixo custo

 

• Desvantagens

- Elevada taxa de resistências (YMDD) e resistências cruzadas com outros análogos nucleosídeos.

- Taxas modestas de seroconversão AgHBe: ~ 20% no 1º ano, que aumenta com a duração do tratamento

- Seroconversão AgHBs rara

 

Quando usar a Lamivudina?

• Não deverá ser de 1ª linha

• Tratamentos de curta duração (p.ex. prevenção de reactivação durante QT, Imunossupressão).

• Segurança: Durante a gravidez.

• Custo: Hepatite Crónica B nos países em desenvolvimento ou sub-desenvolvidos.

 

2. Adefovir dipivoxil (Hepsera®): 10 mg/dia, via oral (aprovado pela FDA em 2002)

• Vantagens

- Bem tolerado; via de administração oral

- Baixa incidência de resistências, especialmente nos 1º e 2º anos

- Eficaz contra VHB resistente à lamivudina

 

• Desvantagens

- Reposta lenta e taxa elevada de não-respondedores

- Taxas de seroconversão de AgHBe modestas: ~ 12% no 1º ano, que aumenta com a duração do tratamento

- Seroconversão AgHBs rara

- Potencial de toxicidade renal? (ajuste de dose se TFG<50 ml/min).

- Custo superior ao tenofovir

 

3. Entecavir (ETC) (Baraclude®): 0.5 mg/dia (doentes naive); 1.0 mg/dia (doentes resistentes à lamivudina), via oral

(aprovado pela FDA em 2005)

• Vantagens

- Bem tolerado; via de administração oral

- Elevada potência anti-vírica

- Baixa incidência de resistências em doentes “naive” (1% aos 5 anos)

- Eficaz no VHB resistente à lamivudina, mas necessárias doses superiores e elevado risco de resistências (51% aos 5 anos)

- Excelente fármaco de primeira linha

 

• Desvantagens

- Taxas de seroconversão AgHBe modestas (21% a 1 ano, mas aumenta com a duração do tratamento)

- Seroconversão AgHBs rara

- Dados sobre eficácia e segurança a longo prazo ainda escassos

 

4. Tenofovir (TDF) (Viread®): 300 mg/dia, via oral (aprovado pela FDA em 2008)

Recentemente aprovado para o tratamento da Hepatite crónica B, é um fármaco estruturalmente relacionado com o adefovir, mas com potência anti-vírica muito superior (supressão vírica – DNA < 400 cópias/mL: 76% vs 13%). Bem tolerado. Sem evidência de toxicidade renal significativa. Sem resistências conhecidas até à data (0%). Por estes motivos, constitui um excelente fármaco de primeira linha. Ausência de dados sobre segurança e tolerabilidade a longo prazo.

 

5. Telbivudina (LdT) (Tyzeka®, Sebivo®): 600 mg/dia, via oral (aprovado pela FDA em 2006) L-Nucleosídeo, com potente actividade anti-vírica, mais potente que a lamivudina na supressão da replicação do VHB. Contudo está associada a elevada taxa de resistências (até cerca de 25% aos 2 anos), com resistências cruzadas com a lamivudina (YMDD). Bem tolerada, com perfil de segurança sobreponível ao da lamivudina. Ainda não disponível para uso no nosso país.

 

DURAÇÃO DO TRATAMENTO COM OS ANÁLOGOS?

• Hepatite B AgHBe (+)

- Tratar até à seroconversão AgHBe + 6 meses após (tratamento de consolidação)

- Monitorizar após a suspensão do tratamento (risco de recidiva)

• Hepatite B AgHBe (-)

- Tipicamente necessitam de terapêutica de longa duração

- Suspender se houver clearance do AgHBs

- Supressão vírica sustentada associa-se a melhoria histológica e do prognóstico (cirrose, CHC)

• Cirrose Compensada: Tratamento de longa duração

• Cirrose descompensada: Tratamento de longa duração (de preferência combinado LAM+ADV).

 

RESISTÊNCIAS

Consequências das Resistências

• ↑↑ HBV DNA

• ↑↑ ALT

• Agravamento da histologia

• Possível descompensação clínica (mau prognóstico em doentes cirróticos).

 

NOMENCLATURA

Não reposta (primary treatment failure)

Diminuição <1 log10 IU/ml do DNA do VHB após 3 meses de tratamento. Habitualmente relacionada com a má adesão à terapêutica.

Resistência genotípica: Mutação no genoma do VHB que se desenvolve durante o tratamento anti-vírico e que confere resistência (e diminuição da eficácia) ao agente anti-vírico.

Breakthrough virulógico: Rebound do DNA do VHB (> 1 log10 IU/ml) durante o tratamento após o desenvolvimento de resistências genotípica.

Breakthrough clínico e bioquímico: Elevação da ALT. Coincide frequentemente com uma elevação da carga viral e pode resultar num flare de hepatite e mais raramente em descompensação hepática.

 

 

ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DE RESISTÊNCIAS

Prevenção

• Maximizar o tratamento anti-vírico: Evitar tratamentos desnecessários; Seleccionar o regime antivírico mais eficaz, com a mais baixa taxa de resistências.

• Maximizar as barreiras géneticas às resistências: Evitar monoterapia sequencial; evitar interrupções de tratamento; Escolher fármacos que requerem múltiplas mutações para a resistência.

• Aumentar as barreiras farmacológicas: Assegurar a adesão do doente ao tratamento.

 

Monitorização

• Modificação precoce da estratégia de tratamento (antes da elevação da carga viral).

 

Tratamento das resistências

• Lamivudina-R: Adicionar tenofovir ou adefovir

• Adefovir-R: Adicionar lamivudina; Alterar ou adicionar entecavir

• Entecavir-R: Alterar ou adicionar tenofovir ou adefovir

• Telbivudina-R: Alterar ou adicionar tenofovir ou adefovir.

 

 

 

 

*Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

 

Data de elaboração: Junho de 2008