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Jornal Português de Gastrenterologia
versão impressa ISSN 0872-8178
J Port Gastrenterol. v.16 n.6 Lisboa dez. 2009
Colonografia por TAC– A necessidade de definir o alvo
CT Colonography – The need to set up a target
Rui A. Silva*
Neste número do Jornal Português de Gastrenterologia é publicado um estudo sobre a acuidade diagnóstica da colonografia por tomografia computorizada (CTC) nas lesões colo-rectais. Como o seu autor reconhece, são vários os factores que poderão estar implicados na baixa sensibilidade demonstrada pela CTC. A amostra, além de pequena e com um número reduzido de lesões significativas, era amplamente heterogénea, sendo que apenas 5% dos participantes eram assintomáticos e apresentavam um risco médio de cancro colo-rectal. Da mesma forma, a ausência de desocultação por segmentos e a não utilização de contrastes fecais, nomeadamente quando 27% das CTC apresentavam uma deficiente preparação intestinal, poderão também ter contribuído para a reduzida acuidade da CTC. Por outro lado, a percentagem de doentes que preferiram a CTC em relação à colonoscopia óptica (56%) poderá ter sido subestimada pelo facto da insuflação colónica ter sido efectuada manualmente com ar ambiente e não automatizada e com CO2 como recomendado. Além disso e como referido no estudo, mesmo se preterida em termos de desconforto em relação à CTC, se o doente souber que se algum pólipo for detectado durante a colonoscopia óptica este pode ser removido durante o procedimento, isso pode aumentar a sua aceitação em relação ao exame. Mesmo com estas limitações, o estudo confirma algo que já sabíamos - a colonoscopia óptica é o método de maior acuidade para o diagnóstico das lesões colo-rectais. No entanto, nos últimos anos múltiplos estudos têm avaliado a CTC como método alternativo à colonoscopia óptica para a detecção de neoplasia colo-rectal, nomeadamente no âmbito do rastreio. A publicação, em Março de 2008, de uma actualização da Joint Colorectal Cancer Screening Guidelines, em que a CTC é considerada um método de rastreio aceitável para o cancro colo-rectal, levantou uma série de questões quanto à forma como esta tecnologia deverá vir a ser integrada na nossa prática clínica1. De notar que esta task force incluía representantes das principais sociedades de gastrenterologia e endoscopia digestiva dos Estados Unidos, além da American Cancer Society e American College of Radiology, isto na tentativa de criar uma aura de consenso que reforçasse a importância do rastreio entre os médicos de família e a própria população. Apesar de controversa, a inclusão da CTC era inevitável uma vez que esta demonstrou ser mais eficaz e mais bem tolerada que o clister opaco de duplo contraste, que fazia parte das recomendações anteriores. Esta actualização foi influenciada pelos resultados de estudos multicêntricos publicados nos últimos anos como o do American College of Radiology Imaging Network (ACRIN 6664), englobando um elevado número de indivíduos assintomáticos e utilizando a técnica e a metodologia mais recentes, em que a CTC demonstrou uma sensibilidade por pólipo e por doente de 84 e 90%, respectivamente, e uma especificidade por doente de 86%, para pólipos com ≥ 10 mm de diâmetro2. Estes resultados excedem a taxa de detecção do clister opaco com duplo contraste e assemelham-se aos da colonoscopia óptica convencional. Entre as principais vantagens da CTC encontra-se o facto de permitir uma avaliação diagnóstica minimamente invasiva do cólon, com consequente aumento previsível da adesão da população aos programas de rastreio. Na realidade, muitas pessoas apresentam ainda alguma relutância em realizar o rastreio por colonoscopia e o conceito de um exame seguro e indolor que permita visualizar o cólon e detectar lesões significativas é apelativo para parte importante da população. E essa permanece actualmente a questão em aberto mais importante, porque se a CTC aumentar a aderência aos programas de rastreio, isso deverá levar à detecção de lesões significativas num número elevado de doentes, sendo que a colonoscopia com polipectomia desses pólipos poderá ajudar a prevenir o desenvolvimento de cancro colo-rectal. Se, pelo contrário, a CTC vier a desviar doentes da colonoscopia óptica, então isso poderá reduzir a taxa de polipectomias e aumentar a incidência de cancro colo-rectal. E quem melhor que os gastrenterologistas para decidir quem poderá beneficiar da CTC, que pólipos deverão ser submetidos a polipectomia endoscópica e informar as pessoas dos riscos relativos associados à CTC e à colonoscopia óptica? Recentemente foi publicada nesta revista a posição da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia em relação às principais indicações actuais e ao papel da CTC no rastreio do cancro colo-rectal3. A impossibilidade de realização de colonoscopia óptica completa devido a contra-indicação médica ou anestésica, dificuldade técnica ou lesão obstrutiva, constituem actualmente as principais indicações para a realização de CTC. De igual modo, a CTC pode também constituir um método alternativo de rastreio de cancro colo-rectal em doentes com contra-indicação relativa para a colonoscopia óptica ou que recusam outros métodos de rastreio. Em relação ao rastreio do cancro colo-rectal, uma vez que o diâmetro do pólipo pode ser utilizado como um marcador de histologia avançada, a perspectiva é a de que a CTC poderia funcionar como um filtro selectivo, ignorando as lesões diminutas e seleccionando apenas os doentes de maior risco para a realização de colonoscopia. No entanto, não existem estudos controlados adequados a longo prazo que confirmem ser seguro não remover pequenos pólipos do cólon e as recomendações actuais são para referenciar para colonoscopia óptica todos os doentes em que são diagnosticados pólipos, independentemente do seu tamanho. De igual modo, não existem estudos que avaliem a eficácia dessa estratégia na redução da morbilidade e da mortalidade por cancro colo-rectal, devendo por isso a utilização da CTC como método de rastreio ser considerada investigacional. Outras recomendações para se obterem resultados com elevada acuidade diagnóstica incluem a utilização de uma técnica e metodologia adequadas e a necessidade da leitura e interpretação dos dados ser efectuada por radiologistas e gastrenterologistas treinados e com experiência. Este último aspecto tem sido considerado uma das principais razões apontadas para a ampla variação de sensibilidades que têm sido descritas entre os vários estudos publicados. O problema reside no facto da maior parte dos dados na literatura reflectirem a experiência de centros de referência na realização e leitura de CTC e que podem não ser extensivos à nossa prática clínica, estando inclusivamente descrita a existência de uma curva de aprendizagem. O treino de leitura e interpretação de 25-50 exames que geralmente se faz durante um curso de formação em CTC poderá não ser suficiente para um especialista adquirir competência e se tornar autónomo, sendo necessária uma experiência tutelada adicional. Deste modo, deverá ser considerada a implementação de programas de treino e de competências recomendadas de uma forma estandardizada, para que a CTC possa vir a alcançar a sensibilidade e especificidade apropriadas.
BIBLIOGRAFIA
1. Levin B, Lieberman DA, McFarland B, et al. Screening and surveillance for the early detection of colorectal cancer and adenomatous polyps, 2008: A joint guideline from the American Cancer Society, the US Multi-Society task force on colorectal cancer and the American College of Radiology. Ca Cancer J Clin 2008; 58: 130-160.
2. Johnson CD, Chen MH, Toledano AY, et al. Accuracy of CT Colonography for Detection of Large Adenomas and Cancers. N Engl J Med 2008; 359: 1207-1217.
3. Silva RA. Colonografia por Tomografia Computorizada - Posição da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. J Port Gastrenterol 2009; 16: 96-97. [ Links ]
Correspondência:
*Consultor de Gastrenterologia; Serviço de Gastrenterologia do Instituto Português de Oncologia do Porto; rsgastro@sapo.pt