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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.17 n.2 Lisboa mar. 2010

 

Ecoendoscopia e lesões subepiteliais/compressões extrínsecas do tubo digestivo inferior

 

Carla Sousa Andrade, Fernando Castro-Poças, Paula Lago, Jorge Areias

Sector de Ultra-Sons – Serviço de Gastrenterologia Hospital Geral de Santo António, Porto

Correspondência

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Introdução: A diferenciação entre compressão extrínseca e lesões subepiteliais e, no caso destas últimas, entre lesões benignas e malignas, é difícil durante a endoscopia convencional. OBJECTIVO: Determinar a utilidade da ecoendoscopia na avaliação das lesões subepiteliais/compressão extrínseca do tubo digestivo inferior. MATERIAL E MÉTODOS: Análise retrospectiva de 128 doentes submetidos a ecoendoscopia por suspeita de lesão subepitelial do tubo digestivo inferior, no período compreendido entre 01/01/2000 e 31/12/2007. Utilizado o ecoendoscópio radial (55,5%) ou mini-sonda de ultra-sonografia endoscópica de 12 MHz (44,5%). RESULTADOS: Sexo feminino: 57%; Idade média 58,4 anos; Exame normal: 17,97%. Compressão extrínseca: 25,8%; 60,6% com significado patológico. Relação estatística significativa entre identificação de compressão extrínseca com significado patológico e idade < 50 anos e localização distal. Lesão parietal: 56,3%; 51,3% com origem na camada submucosa; 27,7% na camada muscular própria; dimensão média 18 mm; contornos regulares 86,1%; sem calcificações 90,2%. Sugerido o diagnóstico de tumor mesenquimatoso com características ecoendoscópicas não agressivas: 59,7%; com características agressivas: 8,3%. Relação estatística significativa entre suspeita de tumor mesenquimatoso e idade ≥ 50 anos. CONCLUSÃO: A ecoendoscopia é uma excelente ferramenta na suspeita de lesões subepiteliais do tubo digestivo inferior, permitindo o diagnóstico e/ou a estratificação dos doentes em grupos de risco.

Palavras-chave: Ecoendoscopia; Lesões subepiteliais; Compressão extrínseca; Tubo digestivo inferior.

 

Ultrasound endoscopy in the diagnosis of subetpithelial lesions/extrinsic compressions of the lower digestive tract

Abstract

INTRODUCTION: Differentiating between subepithelial lesions and extrinsic compression and between benign and malignant lesions may be difficult during regular endoscopic evaluation. AIM: To determine the utility of endosonography in the evaluation of subepithelial lesions/extrinsic compression in the lower gastrointestinal tract. METHODS: 8 years retrospective study of 128 patients with suspicion of subepithelial lesions of the lower digestive tract referred for EUS evaluation. A radial echoendoscope (55,5%) and an ultrasonography endoprobe (12 MHz) (44,5%) were used. RESULTS: Female patients: 57%. Mean age: 58,4 years. Normal exam: 17,97%. Extrinsic compression: 25,8%; 60,6% with pathological meaning. Identification of an extrinsic compression with pathological meaning in patients aged < 50 years and in those with distal lesions had statistic significance. Parietal lesion: 56,3%; 51,3% from submucosa; 27,7% from muscularis propria; mean size 18 mm; regular margins: 86,1%; no calcifications: 90,2%. The diagnosis of mesenchimatous tumor without aggressive endosonographic characteristics was suggested: 59,7%; with aggressive characteristics: 8,3%. Identification of a mesenchimatous tumor in patients aged 50 or more had statistical significance. CONCLUSION: Endosonography is an excellent tool in further characterization of subepithelial lesions of the lower gastrointestinal tract, allowing stratification into risk groups.

Keywords: Endosonography; Subepithelial lesion; Extrinsic compression; Lower digestive tract.

 

 

INTRODUÇÃO

A designação de lesão subepitelial engloba uma variedade de condições com origem nas camadas mais profundas da parede do tracto gastrointestinal, nomeadamente nas camadas muscular mucosa, submucosa e muscular própria. Por definição a camada mucosa não está envolvida, contudo em algumas situações pode estar erosionada ou ulcerada. Neste contexto a diferenciação entre lesões benignas e malignas, com importantes implicações em termos de abordagem e prognóstico, pode ser difícil durante a avaliação endoscópica convencional, até porque as biópsias endoscópicas são frequentemente superficiais e não diagnósticas1-6.

Por outro lado, o abaulamento intraluminal da parede coberta por mucosa normal, o aspecto característico das lesões subepiteliais, pode ser causado por compressão por estruturas ou órgãos extrínsecos ao tracto gastrointestinal. A acuidade da endoscopia e dos exames imagiológicos, nomeadamente da ultra-sonografia, dos exames contrastados e da tomografia computorizada, é baixa quando consideramos esta diferenciação1-5.

A ecoendoscopia fornece imagens detalhadas da parede do tracto gastrointestinal, bem como das estruturas ou órgãos adjacentes. Desta forma desempenha um papel fundamental nos casos de suspeita de lesão subepitelial do tubo digestivo permitindo, no caso das lesões parietais, a determinação da camada de origem e a avaliação precisa da ecoestrutura, dos limites e das dimensões. Paralelamente tem sido reconhecida à ecoendoscopia uma acuidade próxima dos 100% na diferenciação destas lesões com compressões extrínsecas1.

Vários estudos têm sido publicados acerca do papel da ecoendoscopia na abordagem das lesões subepiteliais do tubo digestivo proximal7-9. Contudo, têm surgido escassas publicações acerca da sua aplicação no tubo digestivo inferior, a totalidade respeitante a séries pouco representativas, nomeadamente com 8, 46 ou 35 doentes10-12.

O objectivo do trabalho foi determinar a utilidade da ecoendoscopia na avaliação das lesões subepiteliais/compressão extrínseca do tubo digestivo inferior

 

MATERIAL E MÉTODOS

Procedemos a uma análise retrospectiva de 128 ecoendoscopias consecutivas realizadas no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007, cuja indicação para o exame foi suspeita endoscópica de lesão subepitelial do tubo digestivo inferior. Na totalidade dos casos os achados endoscópicos convencionais e as biopsias endoscópicas não foram diagnósticas. A ecoendoscopia foi considerada a técnica gold standard para o estudo das lesões subepiteliais. Nos casos em que uma segunda ecoendoscopia foi executada no mesmo doente e com a mesma indicação, durante o período em análise, apenas o primeiro exame foi considerado.

Os exames foram realizados por dois operadores, com mais de 10 e 3 anos de experiência em ecoendoscopia, e que realizam uma média, cada um, entre 350 e 400 procedimentos/ano. Foi utilizado o ecoendoscópio radial em 55,5% dos casos e a mini-sonda de ultra-sonografia endoscópica de 12 MHz em 44,5% dos doentes.

Quanto à localização, o termo “distal” foi atribuído às lesões com sede no recto, cólon sigmóide, cólon descendente e ângulo esplénico, tendo todas as outras sido consideradas como localização proximal.

Foi considerada a existência de compressão extrínseca quando o abaulamento visualizado na endoscopia era atribuído ao efeito de massa sobre a parede de uma estrutura ou órgão extrínsecos ao tubo digestivo, mantendo a parede a sua estrutura pentalaminar habitual. Consideramos que esta compressão não tinha significado patológico quando podia ser atribuída a uma estrutura anatómica (vaso ou órgão) normal.

Nas lesões parietais a camada de origem foi identificada como a que apresentava continuidade com a lesão. A natureza da lesão foi avaliada de acordo com a sua dimensão, camada de origem, características da ecoestrutura e contornos.

Nos casos de suspeita de tumor mesenquimatoso foram consideradas características ecoendoscópicas sugestivas de agressividade (malignidade), a dimensão superior a 30 mm e/ou a ecoestrutura heterogénea e/ou os contornos e limites irregulares ou mal definidos e/ou a presença de adenopatias peridigestivas com características suspeitas.

O exame foi considerado normal quando não foi identificada qualquer lesão parietal ou compressão extrínseca.

Nos casos em que as características ecoendoscópicas não permitiam a sugestão de apenas um diagnóstico, mas de vários diagnósticos alternativos, foi considerado haver “dúvida diagnóstica”.

As comparações foram feitas, no caso das variáveis categóricas, usando o método de x2. A média e o desvio-padrão foram utilizados para as variáveis numéricas. A análise estatística foi realizada com SPSS versão 11.5 (SPSS Inc, Chicago, Illinois), e um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.

 

RESULTADOS

No período de estudo considerado foram realizadas 128 ecoendoscopias por suspeita de lesão subepitelial do tubo digestivo inferior. A idade média dos doentes foi de 58,4 ± 15,6 anos, com uma idade mínima de 20 anos e máxima de 87 anos. Verificou-se predomínio de indivíduos do sexo feminino (57%). Inicialmente havia suspeita de lesão distal em 68,7% dos casos, das quais 72,7% estariam localizadas no recto, 20,4% no cólon sigmóide e 6,8% no cólon descendente. O exame foi considerado normal em 17,9% dos casos.

Identificada lesão distal em 68,8% dos casos, das quais 72,7% estariam localizadas no recto, 20,5% no cólon sigmóide e 6,8% no cólon descendente.

O exame foi considerado normal em 18% (23 casos).

Foi identificada compressão extrínseca em 25,8% (33 casos), dos quais 39,4% não tinham significado patológico, tendo-se identificado compressão parietal do tubo digestivo pelo útero (69,2%), por ansas de intestino delgado (23,1%) e por estruturas vasculares (7,7%).

Dos doentes com compressão extrínseca com significado patológico 75% eram do sexo feminino. As lesões tinham uma dimensão média de 31,3 ± 18,3 mm, com uma dimensão mínima de 10 mm, e foram identificadas na gordura peri-intestinal (10%), na gordura perirectal (35%), no espaço perirectal (20%), no septo recto-vaginal (20%) e no útero (5%), sendo impossível definir a sua localização em 10% dos casos. Foi sugerido o diagnóstico de endometriose em 40% dos casos (dimensão média de 21,5 mm, com ecoestrutura predominantemente hipoecogénica), de neoformação extrínseca em 25%, de abcesso em 10%, de lesão cística em 5%, de lesão vascular (hemangioma) em 5%, não tendo sido sugerido diagnóstico pela natureza incerta da lesão (as características ecoendoscópicas não sugeriam nenhuma forte possibilidade diagnóstica) em 15% dos casos.

O quadro 1 resume os achados relativos à compressão extrínseca.

 

Quadro 1. Compressão extrínseca

 

Foi encontrada relação estatística significativa (p < 0,05) entre a identificação de compressão extrínseca com significado patológico e a idade < 50 anos (Quadro 2) e a localização distal (Quadro 3).

 

Quadro 2. Relação entre a identificação de compressão extrínseca com significado patológico e o grupo etário (p<0,05)

 

Quadro 3. Relação entre a identificação de compressão extrínseca com significado patológico e a localização distal das lesões (p<0,05)

 

Foi identificada lesão parietal em 56,2% dos casos, com origem na camada mucosa em 16,6%, na camada muscular mucosa em 4,2%, na camada submucosa em 51,4% e na camada muscular própria em 27,8%. A dimensão média das lesões era de 18,1 ± 10,5 m, com uma dimensão mínima de 3,3 mm e os contornos eram regulares em 90,3%, tendo sido identificadas calcificações intralesionais e adenopatias perirectias em apenas 5,6% dos casos.

O quadro 4 resume os achados relativos às lesões parietais.

 

Quadro 4. Lesões parietais

 

Foi sugerido o diagnóstico de tumor mesenquimatoso com características ecoendoscópicas não agressivas (benignas) em 59,7% dos casos. Destes, 65,1% tinham origem na camada submucosa e ecoestrutura homogénea e hiperecogénica, compatível com lipoma; estas lesões tinham uma dimensão média de 17,5 mm e estavam localizadas por ordem decrescente de frequência no cólon ascendente (21,4%), no cólon sigmóide (17,9%), no cego e no cólon transverso (cada 14,3%) e no ângulo hepático, no cólon descendente e no recto (cada 10,7%). Dada a dimensão das lesões (superior a 30 mm) e a sua presença em doentes sintomáticos, foi sugerida exérese cirúrgica em 10,7% dos casos. Nos restantes casos não foi sugerido qualquer follow-upe/ou terapêutica.

As restantes lesões compatíveis com tumor mesenquimatoso com características não agressivas tinham origem na camada muscular própria, tendo sido sugerido o diagnóstico de tumor do estroma em 73,3% dos casos e de leiomioma nos restantes (estes últimos exames foram realizados previamente a 2002). As lesões compatíveis com tumor do estroma eram hipoecogénicas, tinham dimensão média de 21,5 mm e apresentavam contornos regulares. Estavam localizadas no recto (36,4%), no cólon sigmóide (36,4%), no cólon transverso (18,2%) e no cólon descendente (9%). Foi sugerida vigilância ecoendoscópica em 27,3% dos casos, exérese cirúrgica em 27,3% e punção aspirativa com agulha fina (PAAF) guiada por ecoendoscopia em 9,1%. Não foi sugerida abordagem após o exame nos restantes casos, tendo esta sido deixada ao critério do Médico Assistente. As lesões sugestivas de leiomiomas eram igualmente hipoecogénicas, com dimensão média de 13,2 mm, a totalidade com contornos regulares.

Foi sugerido o diagnóstico de tumor mesenquimatoso com características ecoendoscópicas agressivas (malignas) em 8,3% dos casos; na sua totalidade estas lesões tinham origem na camada muscular própria, localizadas no recto, ecoestrutura heterogénea, contornos irregulares e com uma dimensão média de 33,4 mm. Em 66,7% dos casos existiam adenopatias perirectais. Em 50% dos casos a lesão era sugestiva de tumor do estroma (dimensão média de 29,1 mm), em 33,3% de leiomiossarcoma (dimensão média de 35 mm) e em 16,7% de recidiva de sarcoma. Foi sugerida PAAF em 50% dos casos e exérese cirúrgica nos outros 50%.

Considerando a identificação de lesões suspeitas de corresponderem a tumores mesenquimatosos, não agressivos e agressivos, foi identificada uma relação estatística significativa para a idade ≥ 50 anos (Quadro 5) e não significativa para o sexo (Quadro 6) e localização distal (Quadro 7).

 

Quadro 5. Relação entre a identificação de lesão sugestiva de tumor mesenquimatoso e o grupo etário (p<0,05)

 

Quadro 6. Relação entre a identificação de lesão sugestiva de tumor mesenquimatoso e o sexo (p=NS)

 

Quadro 7. Relação entre a identificação de lesão sugestiva de tumor mesenquimatoso e a localização distal (p=NS)

 

Foram ainda sugeridos os seguintes diagnósticos, por ordem decrescente de frequência: pólipos (11,1%), Pneumatosis coli (2,8%), Tumor neuroendócrino (2,8%), mucocelo do apêndice (2,8%), divertículo evaginado (1,4%), hemangioma cavernoso (1,4%) e pâncreas ectópico (1,4%). Em 8,3% dos casos surgiu “dúvida diagnóstica”.

 

DISCUSSÃO

As lesões subepiteliais do tubo digestivo inferior continuam a ser achados raros, embora pareça existir um aumento da sua incidência, associado a uma maior divulgação e acuidade dos exames imagiológicos e endoscópicos. Contudo, a caracterização precisa destas lesões, nomeadamente no que diz respeito a dimensões, camada de origem e natureza histológica, continua a ser um desafio10,11.

Alguns autores fazem referência à possibilidade de diagnóstico de lesões subepiteliais colorectais por Tomografia Computorizada (TC), embora associada à incapacidade de detectar lesões com diâmetro inferior a 10 mm11,12.

Neste contexto, o desenvolvimento da ecoendoscopia abriu uma nova dimensão no diagnóstico das lesões do tubo digestivo inferior. Comparada com a endoscopia, com a ultra-sonografia abdominal, com a Tomografia Computorizada e com a Ressonância Magnética Nuclear, a ecoendoscopia é a técnica com maior acuidade na avaliação das lesões subepiteliais13. Permite a visualização da ecoestrutura pentalaminar da parede que apresenta correlação com as camadas histológicas: camada 1 – interface dos ultra-sons com a porção superficial da mucosa; camada 2 – muscular mucosa (porção profunda da mucosa); camada 3 – submucosa; camada 4 – muscular própria; camada 5 – subserosa, serosa ou adventícia (dependendo do local do tubo digestivo que se encontra a ser avaliado)1-6. Desta forma a camada de origem pode ser determinada pela demonstração da continuidade da lesão com uma das camadas constituintes da parede11,12. No nosso estudo, no caso das lesões parietais, verificámos que em 16,6% as lesões tinham origem na camada mucosa, em 4,1% na camada muscular mucosa, em 51,3% na camada submucosa e em 27,7% na camada muscular própria.

A dimensão das lesões parietais também pode ser definida com precisão pela ecoendoscopia, havendo referência na literatura a identificação de lesões com apenas 2 mm de maior diâmetro11,12. Nos doentes analisados a dimensão média das lesões parietais foi de 18 ± 10,4 mm; contudo, foi possível a identificação de uma lesão com apenas 3,3 mm.

A ecoestrutura das lesões pode ser determinante na sua caracterização. Neste sentido, um dos grandes objectivos e, simultaneamente um dos grandes desafios, da avaliação ecoendoscópica é a diferenciação concreta entre lesões benignas e malignas. Continua a existir na literatura alguma controvérsia quanto às características preditivas de malignidade, embora seja consensual que a ecoestrutura heterogénea e/ou as grandes dimensões (habitualmente> 3-4 cm) e/ou os contornos irregulares estão entre os mais importantes1,2. No nosso estudo foi sugerido o diagnóstico de tumor mesenquimatoso com características ecoendoscópicas benignas, ou seja, não agressivas, nomeadamente lipoma, tumor do estroma ou leiomioma, em 59,7% dos casos. Todas as lesões sugestivas de lipoma tinham origem na camada submucosa, apresentavam uma ecoestrutura homogénea e hiperecogénica e, tal como descrito na literatura14, o maior número de lesões (21,4%) foi identificada no cólon ascendente. Uma vez confirmado o diagnóstico de lipoma por ecoendoscopia, não é necessária a integração do doente em programas de vigilância nem a orientação para qualquer atitude terapêutica, a não ser nos casos de lipomas sintomáticos (hemorragia ou suboclusão/oclusão) ou de dúvida diagnóstica13. No estudo em apreço foram orientados para exérese cirúrgica 10,7% dos casos de lipoma uma vez que a sintomatologia dos doentes foi atribuída às dimensões do lipoma.

Os tumores do estroma estão entre as lesões mesenquimatosas mais frequentemente detectadas no tracto gastrointestinal. Na definição do prognóstico dos doentes com tumores do estroma é recomendado que não seja utilizado o termo “benigno” para estas lesões, tendo sido sugerida a utilização de uma estratificação do “risco de comportamento agressivo”, na medida em que nenhuma destas lesões pode ser considerada inequivocamente benigna, uma vez que todas possuem algum potencial maligno. Aproximadamente 10-30% dos casos são verdadeiramente malignos1-6,13. A sensibilidade e a acuidade da ecoendoscopia no diagnóstico dos tumores do estroma é de 95 e 87%, respectivamente13. A sensibilidade na detecção das lesões malignas varia entre os 80 e os 100%, contudo a ausência de critérios ecoendoscópicos preditivos de malignidade não permite a exclusão de potencial maligno15,16. Neste contexto, a PAAF guiada por ecoendoscopia e a punção biópsia com colheita de material para citologia, estudo imunohistoquímico e histologia aumenta a acuidade diagnóstica17,18. A abordagem dos tumores do estroma é controversa. As lesões pequenas (<1 cm), assintomáticas, raramente são malignas, pelo que uma estratégia de vigilância poderá ser adequada. A excisão é aconselhável quando se verifica aumento das dimensões ou uma modificação no padrão ecoestrutural. O tratamento cirúrgico está indicado para lesões sugestivas de malignidade13.

No nosso estudo, tal como descrito na literatura, as lesões suspeitas de corresponderem a tumores do estroma com características ecoendoscópicas não agressivas tinham origem na camada muscular própria, eram hipoecogénicas, tinham dimensão média de 21,4 mm e apresentavam contornos regulares. Foi sugerida vigilância ecoendoscópica em 27,2% dos casos, exérese cirúrgica em 27,2% e punção aspirativa com agulha fina (PAAF) guiada por ecoendoscopia em 9%. Nos casos de suspeita de tumor do estroma com características ecoendoscópicas agressivas, a totalidade das lesões tinha origem na camada muscular própria, apresentavam ecoestrutura heterogénea, contornos irregulares e uma dimensão média de 29 mm, tendo sido sugerida PAAF na totalidade das lesões.

Os leiomiossarcomas representam 1 a 2% das neoplasias malignas do tracto gastrointestinal e, destas, 10% surgem no cólon e 6% no recto, onde representam cerca de 1% das neoplasias malignas. A distinção entre leiomioma e leiomiossarcoma baseia-se nos critérios adoptados para a generalidade dos tumores mesenquimatosos e nos resultados da PAAF (3,12,18). Esta última, aliada à imunohistoquímica, permite ainda a diferenciação dos tumores do estroma. Até 2002, altura em que surgiu a nova classificação clínico-patológica dos tumores do estroma gastrointestinal19, as lesões actualmente sugestivas de GIST eram anteriormente designadas de leiomioma. A evidência actual mostra que apenas no esófago é que os leiomiomas são mais frequentes, enquanto os GIST predominam no estômago e intestino1,19. No nosso estudo, uma vez que as características dos leiomiomas e dos tumores do estroma não diferem substancialmente, a designação de leiomioma poderá ainda ter a ver com a utilização da nomenclatura previamente aplicada. Contudo, apenas a PAAF e o estudo imunohistoquímico permitiriam a diferenciação precisa.

No presente estudo as lesões suspeitas de leiomiossarcoma tinham origem na muscular própria, uma dimensão média de 35 mm, contornos irregulares e ecoestrutura heterogénea, tendo sido sugerida excisão cirúrgica na totalidade das lesões.

A identificação de lesões suspeitas de corresponderem a tumores mesenquimatosos, benignos e malignos, foi mais frequente em indivíduos com idade igual ou superior a 50 anos (p < 0,05). Não foram identificadas referências a esta associação na literatura.

Na diferenciação entre lesões parietais e compressão extrínseca, a ecoendoscopia também apresenta acuidade superior à endoscopia, à ultra-sonografia abdominal e à TC. Quando a ecoendoscopia demonstra a integridade de todas as camadas da parede entre o lúmen intestinal e a lesão, é seguro afirmar que se trata de uma impressão causada por uma estrutura extraluminal, a qual pode ser fisiológica ou patológica13. No estudo em apreço a compressão extrínseca sem significado patológico foi induzida maioritariamente pelo útero e, em menor proporção, por ansas do intestino delgado e estruturas vasculares. No caso de compressão extrínseca com significado patológico foi sugerido diagnóstico de endometriose em 40% dos casos, apresentando as lesões uma dimensão média de 21,5 mm, e uma ecoestrutura predominantemente hipoecogénica. A identificação de compressão extrínseca com significado patológico é mais frequente no sexo feminino, embora esta diferença não tenha significado estatístico, contrariamente ao que acontece para a identificação destas lesões em indivíduos com idade inferior a 50 anos e suspeita de lesão subepitelial de localização distal (para ambas p < 0,05). Tal como para a identificação de tumor mesenquimatoso não foram identificadas referências semelhantes na literatura, sendo necessários estudos subsequentes no sentido de validar estas observações.

Do total da amostra o exame foi normal em 17,9% dos casos, evitando desta forma investigações subsequentes desnecessárias.

Em conclusão, tal como já havia sido demonstrado para o tubo digestivo proximal, a ecoendoscopia é um exame de primeira linha na avaliação das lesões subepiteliais/compressão extrínseca do tubo digestivo inferior, permitindo o diagnóstico e/ou a estratificação dos doentes em grupos de risco e, desta forma, definir uma estratégia de follow-upe/ou terapêutica.

 

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Correspondência: Carla Sousa Andrade; Rua Dr. Pita, Jardim dos Barreiros, Bloco B1, AN2; 9000-160 Funchal; E-mail: carlasousaandrade@gmail.com; Tel: +351 918 538 824

 

Recebido para publicação: 30/04/2008 e Pronto para publicação: 08/02/2010