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Jornal Português de Gastrenterologia
versão impressa ISSN 0872-8178
J Port Gastrenterol. v.17 n.6 Lisboa nov. 2010
Doença de Behçet intestinal
Intestinal Behçet's disease
Rosa Ferreira1, Emília Trigo2, Joana Torres1, Cláudia Agostinho1, Jorge Fortuna2, Mário Júlio Campos1
1Serviço de Gastrenterologia, 2Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Coimbra, EPE – Hospital Geral
Doente de sexo feminino, de 64 anos, com história de osteoporose, dislipidemia e coxartrose bilateral, foi internada no Serviço de Medicina Interna por úlceras oro-genitais recorrentes, associadas a febre, sudorese nocturna e perda ponderal de 10%, com cerca de 3 meses de evolução. Negava dor abdominal ou alteração dos hábitos intestinais. Ao exame objectivo, apresentava-se febril (38ºC) e hemodinamicamente estável. Observaram-se múltiplas úlceras dispersas na mucosa oral, língua e palato, medindo entre 5 e 8 mm de diâmetro (Fig. 1).
Fig. 1. Úlcera da mucosa oral do lábio inferior.
O abdómen era mole e depressível, ligeiramente doloroso à palpação da fossa ilíaca e flanco direitos. Laboratorialmente destacavam-se leucopenia de 3,05 x 103/iL (VR 4 - 10), hipoalbuminemia de 27 g/L (VR 35 - 50), elevação da velocidade de sedimentação de 100 mm/h (VR < 20) e da proteína C reactiva de > 9 mg/dL (VR < 0,5). Por suspeita de doença linfoproliferativa realizou TC toraco-abdominal que mostrou espessamento e irregularidade das paredes do íleon terminal e cego. Neste contexto, foi referenciada ao Serviço de Gastrenterologia para realização de colonoscopia com ileoscopia terminal. No exame endoscópico, visualizou-se, no íleon terminal, uma úlcera escavada, irregular, de fundo fibrinoso, com maior eixo no sentido longitudinal, atingindo cerca de 20 mm (Fig. 2).
Fig. 2. Úlcera profunda e longitudinal do íleon terminal (seta).
No cólon ascendente e transverso foram observadas, ainda, duas úlceras aftóides (Fig. 3). As biópsias revelaram um processo inflamatório crónico da lâmina própria, sem evidência de granulomas. Os marcadores serológicos foram negativos para ASCA e ANCA e positivos para HLA-B51.
Fig. 3. Úlcera aftóide no cólon transverso
O teste patérgico revelou-se positivo.
A presença de úlceras oro-genitais recorrentes associadas a um teste patérgico positivo preencheram os critérios estabelecidos pelo International Study Group for Behçet’s Disease1.
Embora a positividade para HLA-B51 não seja patognomónica desta patologia, ela corrobora o diagnóstico. A doente foi medicada com prednisolona 0,5 mg/kg/dia com melhoria clínica e endoscópica objectivada às 4 semanas.
A doença de Behçet é numa vasculite sistémica, cujas manifestações típicas incluem úlceras orais e genitais e alterações oculares2. Cerca de 3 a 16% dos doentes apresentam envolvimento gastrointestinal, que pode ocorrer ao longo de todo o tubo digestivo2. A sintomatologia mais comum consiste em dor abdominal, diarreia, hemorragia digestiva e perda de peso3. A doença de Behçet intestinal é usualmente acompanhada de lesões ulceradas no intestino delgado e no cólon3. O achado endoscópico típico caracteriza-se pela presença de algumas úlceras profundas, arredondadas, de margens bem delimitadas, localizadas na região ileo-cecal3. Menos frequentemente, tal como no presente caso, estas úlceras podem adquirir morfologias longitudinais, ovaladas, irregulares ou de tipo aftóide, tornando difícil o seu diagnóstico diferencial com a doença de Crohn3-4.
O tratamento farmacológico da doença de Behçet intestinal consiste em aminossalicilatos, corticoesteróides, imunossupressores, nutrição entérica e parentérica total, de acordo com a gravidade da doença5. O tratamento cirúrgico, por sua vez, é recomendado quando surgem complicações (estenose, fístula ou hemorragia severa) ou refractariedade ao tratamento médico5. No caso descrito, a presença de febre, elevação da proteína C reactiva e da velocidade de sedimentação associadas à profundidade da úlcera ileal justificou a opção da corticoterapia.
Em suma, embora o envolvimento intestinal da doença de Behçet seja raro, pode surgir com escassos sintomas gastrointestinais, o que atribui à colonoscopia com ileoscopia terminal um papel essencial não só para o diagnóstico, mas também para avaliação da gravidade desta patologia.
REFERÊNCIAS
1. International Study Group for Behçet's Disease. Criteria for diagnosis of Behcet’s disease. Lancet 1990;335:1078-1080.
2. Sakane T, Takeno M, Suzuki N, et al. Behçet’s disease. N Engl J Med 1999;341:1284-1291. [ Links ]
3. Lee CR, Kim WH, Cho Ys, et al. Colonoscopic findings in intestinal Behçet’s disease. Inflamm Bowel Dis 2001;7:243-249.
4. Lee SK, Kim BK, Kim TI, et al. Differential diagnosis of intestinal Behçet's disease and Crohn's disease by colonoscopic findings. Endoscopy 2009;41:9-16.
5. Kobayashi K, Ueno F, Bito S, et al. Development of consensus statements for the diagnosis and management of intestinal Behçet’s disease using a modified Delphi approach. J Gastroenterol 2007;42:737-745.
Rosa Liliana de Abreu Ferreira;
Travessa de S. Romão, nº 22 – S. João.
4815-455 Vizela - Portugal;
Tel: +351 966 510 601;
E-mail: rosa.l.ferreira@gmail.com
Recebido para Publicação: 21/12/2009 e Aceite para Publicação: 24/08/2010.