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Jornal Português de Gastrenterologia
versão impressa ISSN 0872-8178
J Port Gastrenterol. v.18 n.4 Lisboa jul. 2011
Terapêutica de Manutenção da Remissão na Colite Ulcerosa Moderada a Grave
Fernando Magro1,2,3, Elisabete Benito-Garcia4,Isabelle Cremers5, Luís Correia6, José Cotter7, Maria Antónia Duarte8, Paula Lago9, Susana Lopes3, Paula Ministro10, Paula Peixe11, Francisco Portela12, Maria Lurdes Tavares5, Ana Isabel Vieira13
1Instituto de Farmacologia e Terapêutica; 2Faculdade de Medicina, Universidade do Porto; 3Serviço de Gastroenterologia, Hospital de São João, Porto; 4BioEPI, Clinical & Translational Research Center; 5Serviço de Gastrenterologia, Hospital de São Bernardo, Setúbal; 6Serviço de Gastrenterologia, Hospital de Santa Maria, Lisboa; 7Serviço de Gastrenterologia, Centro Hospitalar do Alto Ave, Guimarães; 8Serviço de Gastrenterologia, Hospital do Divino Espírito Santo, Ponta Delgada; 9Serviço de Gastrenterologia Hospital Geral de Santo António, Porto; 10Serviço de Gastrenterologia, Hospital S. Teotónio, Viseu; 11Hospital Egas Moniz, Lisboa; 12Hospitais da Universidade de Coimbra, Coimbra; 13Serviço de Gastrenterologia Hospital Garcia de Orta, Almada
RESUMO
INTRODUÇÃO: A Colite Ulcerosa (CU) é uma doença inflamatória crónica com grande impacto na qualidade de vida. As formas mais extensas de CU conferem um maior risco de mortalidade e de carcinoma colo-rectal. Na doença moderada a grave, corticodependente ou corticoresistente, recomenda-se a utilização de um imunossupressor com o objectivo de induzir e manter a remissão e de poupar os corticosteróides. OBJECTIVOS: Actualizar o conhecimento quanto a esta terapêutica e definir orientações aplicáveis à prática clínica nacional através de recomendações baseadas na evidência. MÉTODOS: Elaborou-se uma meta-análise e realizou-se uma reunião de consenso com peritos de gastrenterologia usando a Técnica de Grupo Nominal. RESULTADOS: A terapêutica com imunossupressores aumentou significativamente a taxa de doentes que permaneceram em remissão (RR = 1,58; IC 95% 1,40 - 1,78). Observou-se uma associação positiva entre a idade precoce de diagnóstico e a propensão para atitudes imunomoduladoras; não se encontrou associação entre imunossupressão e idade, sexo e duração da doença. CONCLUSÕES: Existe evidência de que, tanto o Infliximab como a Azatioprina são fármacos úteis na manutenção da remissão da CU. O Infliximab deve ser considerado o fármaco de 1ª linha em doentes com CU moderada refractários à Azatioprina.
PALAVRAS-CHAVE: Colite ulcerosa; terapêutica com imunossupressores; recomendações
Maintenance Therapy in Moderate to Severe Ulcerative Colitis
ABSTRACT
INTRODUCTION: Ulcerative Colitis (UC) is a chronic inflammatory disease, highly affecting quality of life. More extensive UC is associated with an increased risk of mortality and colorectal cancer. In moderate to severe corticodependent or corticoresistant cases, immunosuppression is indicated to induce and maintain remission while reducing or withdrawing steroids. OBJECTIVES: To update our knowledge on therapeutic strategies for the medical management of UC and define guidelines for clinical practice through evidence-based national recommendations. METHODS: After performing a meta-analysis, a consensus meeting envolving gastroenterology experts was done using the Nominal Group Technique. RESULTS: Immunosuppression significantly increased the proportion of patients who remained on remission (RR = 1.58; IC 95% 1.40 - 1.78). A positive association between early age of onset and the need for immunosuppression was identified; no association was found between immunosuppression and patients age, sex and disease duration. CONCLUSIONS: There is evidence that both Infliximab and Azathioprine are useful drugs able to maintain disease remission. Infliximab is the first line drug in patients with moderate UC refractory to Azathioprine.
KEY-WORDS: Ulcerative colitis; Immunosuppression; Guidelines
INTRODUÇÃO
A Colite Ulcerosa (CU) é uma doença inflamatória crónica, recidivante do cólon, de causa desconhecida. Afecta primordialmente o recto, mas pode estender-se proximalmente, afectando o cólon na sua totalidade1-2. O pico de incidência ocorre entre os 15 e os 25 anos de idade, sendo a idade média de diagnóstico nacional de 37,5 anos (DP 15,4 anos)3. A CU afecta grandemente a qualidade de vida1-3. Na doença mais extensa, o risco de carcinoma colo-rectal e de mortalidade aumenta1. A incidência da CU foi estimada em 10,4/100 000 na Europa e em 8,8/100 000 nos EUA4-5. Em Portugal a prevalência da CU tem aumentado de 42 por 100 000 em 2003 para 71 por 100 000 em 20076. A terapêutica recomendada para induzir e manter a remissão na CU ligeira ou moderada tem sido a sulfassalazina e 5-ASA1. Na CU grave, os corticosteróides sistémicos têm sido o fármaco de eleição1. Em situações de corticoresistência ou corticodependência,a utilização de um fármaco imunossupressor como a azatioprina (AZA) ou 6-mercaptopurina (6 - MP) é a opção recomendada3,7. A cirurgia é a solução na CU grave, refractária à terapêutica médica e nas formas de CU grave com hemorragia maciça, no megacolon tóxico, em situações de perfuração, displasia grave ou neoplasia3. Embora a colectomia seja curativa, não é isenta de morbilidade e complicações1-3,8.
Vários estudos apontam o benefício da terapêutica com infliximab (IFX) na CU grave ou refractária à terapêutica convencional3,9,10. O IFX demonstrou boa tolerância e eficácia, proporcionando uma melhoria da sintomatologia e da qualidade de vida dos doentes2,9,11. As recomendações internacionais recomendam a terapêutica com IFX nas agudizações moderadas a graves, refractárias aos corticosteróides1,3.
Devido à crescente incidência da CU e ao impacto negativo na qualidade de vida, é fundamental fazer-se uma reflexão baseada na evidência sobre uma estratégia terapêutica assertiva nesta doença. O aparecimento de vários ensaios clínicos com IFX na terapêutica da CU obrigou a uma actualização do conhecimento e posicionamento terapêutico deste fármaco, bem como à definição de orientações aplicáveis à prática clínica nacional, criando recomendações baseadas na evidência.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi desenvolvida uma reunião de consenso com o objectivo de delinear orientações sobre a terapêutica de manutenção de remissão na CU moderada a grave, utilizando-se os padrões da Conference on Guideline Standardization (COGS) Checklist for Reporting Clinical Practice Guidelines12.
1. Determinação da necessidade de consenso
Embora existam recomendações para o tratamento da CU a nível Europeu (recomendações de 2009 da ECCO), foi necessário adaptar estas recomendações à realidade clínica nacional13. A terapêutica de indução, bem como a terapêutica de manutenção de remissão, estão bem determinadas e são consensualmente aceites. O aparecimento de novos fármacos, como o IFX, tornou pertinente fazer uma revisão da literatura e estruturar recomendações quanto à sua utilização na terapêutica de indução bem como de manutenção da remissão em doentes com CU moderada a grave, seguidos nas unidades de referência de tratamento de doenças inflamatórias do intestino (DII) em Portugal.
2. Selecção do grupo de consenso
A nomeação dos médicos a integrar o consenso foi efectuada por identificação de pelo menos dois dos seguintes critérios: 1) médicos com consulta especializada em doença inflamatória intestinal, 2) actividade científica desenvolvida e publicada em DII, 3) participação activa no GEDII, 4) membros efectivos da European Crohn and Colitis Organization (ECCO). Os especialistas identificados que não participaram tinham actividades concorrentes previamente agendadas.
3. Determinação dos assuntos relevantes
Elaborou-se uma lista de tópicos considerados relevantes para discussão, dada a sua importância clínica e possibilidade de serem esclarecidos através da evidência científica publicada na literatura. A partir desses tópicos foram produzidas as questões a serem trabalhadas pelos grupos e debatidas na reunião de consenso.
4. Pesquisa bibliográfica sobre os tópicos a ser discutidos
Foi feita pesquisa bibliográfica sobre populações de doentes com CU moderada a grave, hospitalizados ou não, adultos, com formas corticodependentes ou não e corticoresistentes ou não. Os estudos foram identificados através de pesquisa electrónica, analisando listas de referências e consultando peritos. Foram usados vários motores de busca, MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library, não tendo sido impostos limites de datas de publicação. Os termos usados na pesquisa foram: "Maintenance"[Title/Abstract] AND (("colitis, ulcerative"[MeSH Terms] OR ("colitis"[All Fields] AND "ulcerative"[All Fields]) OR "ulcerative colitis"[All Fields] OR ("ulcerative"[All Fields] AND "colitis"[All Fields])) AND ("maintenance"[MeSH Terms] OR "maintenance"[All Fields])) AND ("humans" [MeSH Terms] AND Randomized Controlled Trial[ptyp]). Foram também pesquisadas revisões e meta-análises para identificar estudos adicionais.
5. Elaboração de meta-análise e respectivo relatório
Após esta pesquisa, foi elaborada uma meta-análise para avaliar a eficácia das principais terapêuticas, actualmente aceites como convencionais, com efeito imunossupressor para o tratamento da CU. Esta meta-análise incluiu os principais ensaios clínicos que avaliaram a eficácia dessas terapêuticas, na manutenção da remissão em doentes com CU moderada a grave. Foram incluídos estudos com qualidade da evidência I e alguns II, isto é, todos os ensaios clínicos controlados e aleatorizados que compararam com placebo ou outros agentes para a terapêutica de manutenção de remissão em doentes com CU moderada a grave. Na sua maioria os estudos eram multicêntricos e realizados em dupla ocultação. Pela escassez de publicações, foi necessário incluir também estudos abertos. Da meta-análise foram excluídas publicações preexistentes sobre recomendações, artigos de revisão, outras revisões sistematizadas, meta-análises, estudos observacionais, ensaios não aleatorizados, ensaios com doentes com CU ligeira a moderada, e ensaios cujo objectivo primário não era a manutenção da remissão, nomeadamente indução da remissão ou terapêutica de resgate. Para avaliar a eficácia da terapêutica de manutenção, focalizou-se a análise no seguinte resultado: manutenção da remissão clínica. Os resultados da meta-análise serviram de base ao grupo nominal de peritos para a criação das recomendações. Os onze estudos incluídos na metaanálise tinham de preencher os critérios definidos e ter como população doentes com CU moderada a grave. A qualidade da evidência e a força da recomendação foram classificados de acordo com a classificação do Oxford Centre for Evidence-based Medicine Levels of Evidence14 (Quadro 1).
Quadro 1. Classificação do Oxford Centre for Evidence-based Medicine Levels of Evidence.
6. Distribuição da documentação referida no ponto anterior aos elementos do grupo
Tanto a meta-análise como a respectiva literatura foram fornecidas antes da sessão aos participantes, de modo a permitir uma leitura e análise dos resultados da meta-análise e dos artigos.
7. Distribuição dos tópicos pelos elementos do grupo para análise detalhada
Os grupos de trabalho foram previamente divididos de forma aleatória. Cada questão foi entregue a um grupo de trabalho.
8. Reunião de Consenso
A reunião de consenso decorreu na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), em Lisboa, na manhã do dia 24 de Abril de 2010. Foram colocadas as seguintes quatro questões previamente consensualizadas:
1) Existem subgrupos de doentes com CU com maior propensão para atitudes imunomoduladoras?
2) Quando iniciar a imunossupressão na CU moderada a grave?
3) Que classe terapêutica deverá constituir a primeira primeira linha para a imunomodulação (AZA / IFX) na CU moderada? E na CU grave?
4) Baseada na evidência, o IFX poderá ser considerado o fármaco de primeira linha em doentes refractários a AZA na CU com actividade moderada? Quanto tempo esperar para considerar o doente não respondedor à AZA?
A reunião de consenso decorreu de acordo com as normas da Técnica de Grupo Nominal (T.G.N.) ou método de Delbecq15. Esta técnica possibilita a obtenção de consensos de um modo estruturado através da discussão de um problema específico. Existe um moderador que tem o papel de mediar a discussão e fazer cumprir as regras durante a sessão. Durante a reunião, as questões foram introduzidas pelo responsável e desenvolvidas pelo seu respectivo grupo de trabalho. As respostas que emergiram da discussão foram enumeradas e votadas por todos os elementos do grupo de trabalho. Na discussão das várias questões cada participante pode responder anonimamente. Da votação saíram as principais conclusões da reunião de consenso.
9. Submissão do relatório final aos participantes
Após a elaboração do relatório final, este foi feito circular por todos os participantes que puderam ajudar na melhoria e adição de informação relevante.
DEFINIÇÕES
Remissão: A definição de remissão depende das escalas/índice usados, mas deverá ter em conta a frequência de dejecções, ausência de urgência e ausência de sangue nas fezes. Para fins da meta-análise, usou-se a classificação de Mayo e a remissão foi definida pela proporção de doentes que se mantiveram sem recidiva. Assim, a remissão foi definida por um índice de actividade Mayo <= 2 com nenhuma subescala individual > 1 e sem reaparecimento de sintomatologia clínica ou evidência endoscópica de actividade.
Imunossupressão: Modulação do sistema imunitário pela utilização de fármacos.
DISCUSSÃO
Na reunião foram colocadas as quatro questões acima descritas e foram analisados os principais resultados obtidos na meta-análise sobre a eficácia das principais terapêuticas actualmente convencionadas com efeito imunossupressor na manutenção da remissão em doentes com CU moderada a grave.
Questão 1 Existem subgrupos de doentes com CU com maior propensão para atitudes imunomoduladoras?
Para investigar a existência de subgrupos com maior propensão para atitudes imunomoduladoras, definiram-se grupos de comparação: (1) AZA vs placebo; (2) AZA + Olsalazina vs AZA; (3) IFX vs placebo; e (4) metotrexato vs placebo. Focalizou-se a análise no resultado: manutenção da remissão clínica. Estudou-se a heterogeneidade e o efeito de subgrupo para explorar o impacto de certas características da população em estudo. O uso de imunossupressores aumentou significativamente a taxa de doentes que permaneceram em remissão (RR = 1,58; IC 95% 1,40 - 1,78) (Fig. 1). No entanto, verificou-se uma marcada heterogeneidade entre os onze estudos, sendo que 86,7% da variação reflectida no risco relativo era devido a esse factor. Nos ensaios analisados visualizou-se associação positiva entre a idade precoce de diagnóstico e a propensão para atitudes imunomoduladoras (RR = 1,09; IC 95% 1,00 - 1,18); Quadro 2. Relativamente à associação de atitudes imunomoduladoras com o factor extensão da colite, observou-se que para os casos de pancolite e de colite esquerda não há associação (RR = 0,99; IC 95% 0,97 - 1,00; RR = 1,02; IC 95% 0,97 - 1,08, respectivamente; Quadro 2), mas existe uma tendência decrescente à medida que a proporção de doentes com proctite aumenta (RR = 1,39 IC 95,%1,10 - 1,74) (Fig. 2). Não se verificou a existência de associações com os factores idade, sexo e duração da doença (Quadro 2). No que diz respeito ao consumo de tabaco, a omissão deste dado importante em vários ensaios e a existência de um pequeno número de fumadores nas populações dos ensaios, não permitiu determinar a associação entre este factor e a propensão para atitudes imunomoduladoras.
Fig. 1. Efeito dos medicamentos com efeito imunossupressor na manutenção da remissão em doentes com colite ulcerosa moderada a grave quando comparado com placebo ou outros comparadores, utilizando o modelo de efeitos fixos.
Quadro 2. Meta regressão que analisa por subgrupos as potenciais fontes de heterogeneidade (idade, sexo duração, extensão da CU, gravidade da CU, tempo de follow-up, Intention-to-treat, tipo de estudo, corticoresistente e corticodependente).
Fig. 2. Efeito dos medicamentos com efeito imunossupressor na manutenção da remissão em doentes com (proctpct = 0) ou sem proctite (proctpct > 0) utilizando o modelo de efeitos aleatórios em formato exponencial.
Na prática clínica, o painel de peritos considerou que existem três factores preditivos da necessidade de imunomodulação: a idade à data do diagnóstico, a ausência de consumo de tabaco e a extensão da doença (pancolite). Na meta-análise, foi possível identificar dois desses factores: a idade precoce de diagnóstico e a extensão da doença. O painel de peritos identificou divergências entre a prática clínica e a meta-análise, que podem dever-se às diferenças existentes entre as populações de doentes destas duas realidades, as populações superseleccionadas (por critérios de inclusão e exclusão) dos ensaios clínicos aleatorizados e controlados versus as populações mais heterogéneas da prática clínica.
Os peritos presentes na reunião de consenso consideraram discutível a tendência observada entre atitudes imunomoduladoras e a proctite. Assim, não foi possível obter uma resposta completa para a questão da existência, ou não, de subgrupos com maior propensão para imunomodulação. Para isso será necessário proceder a uma recolha de informação em estudos observacionais e em coortes mais representativos da população em geral.
Questão 2 Quando iniciar a imunossupressão na CU moderada a grave?
Para responder a esta questão teve-se em conta os vários significados que o quando poderia adquirir: a idade, a duração da doença/tempo, a gravidade da doença, o tipo de resposta aos corticosteróides, a existência de factores de risco. A informação existente nos ensaios clínicos incluídos na meta-análise não permitiu responder à questão por heterogeneidade significativa das formas moderadas a graves, uma vez que os estudos juntam estes dois extractos de doença. Supõe-se que haja informação relevante em estudos observacionais e em estudos retrospectivos não contemplados. No entanto, é provável que seja difícil fazer uma avaliação epidemiológica adequada destes dados clínicos e analíticos, pela sua escassez e pela forma como os mesmos se apresentam. Dos ensaios disponíveis em doentes com CU grave verificou-se uma falta de eficácia na manutenção da remissão (RR = 1,20 IC 95%; 0,81 - 1,78) (Fig. 3).
Fig. 3.Efeito dos medicamentos com efeito imunossupressor na manutenção da remissão em doentes com colite ulcerosa moderada a grave vs grave utilizando o modelo de efeitos aleatórios em formato exponencial.
A existência de alguma heterogeneidade na prática clínica, resultante da ausência de estudos clínicos que explorem esta questão, também dificulta a sua valorização como evidência científica. Apesar destas limitações, o grupo de peritos, baseado na sua experiência clínica, identificou três factores importantes para a introdução de terapêutica imunossupressora com o objectivo de manter os doentes com CU moderada a grave em remissão: falência à corticoterapia (corticodependência ou corticoresistência), ausência de resposta a salicilatos, forma de apresentação grave. O grupo de peritos sugeriu o seguimento das recomendações da ECCO para a introdução de imunossupressão (6F)13. Esta recomendação da ECCO aconselha imunossupressão em doentes que tiveram recidiva precoce e frequente com 5 - ASA, em doentes corticodependentes, em doentes alérgicos ao 5 - ASA e nos que responderam à indução da remissão com ciclosporina.
Questão 3 Que classe terapêutica deverá constituir a 1ª linha para a imunomodulação (AZA / IFX) na CU moderada? E na CU grave?
Uma vez que os estudos referentes a AZA e IFX têm populações diferentes e não existem estudos comparativos directos, tornouse impossível escolher entre os dois fármacos qual deveria ser de primeira linha na CU moderada. Na tentativa de obter uma melhor abordagem do problema, o grupo nominal fez uma reestruturação das questões, resultando três perguntas chave:
Existe evidência que a AZA é um fármaco de manutenção na CU moderada a grave?
Existe evidência que o IFX é um fármaco de manutenção na CU moderada a grave?
Qual é, na prática clínica, o fármaco de primeira linha na terapêutica da CU moderada a grave?
Após essa reestruturação, isolando a AZA e o IFX, a meta análise já possui informação susceptível de responder às novas questões. Foi reconhecido pelo grupo de peritos existir evidência quanto ao IFX ser um fármaco de manutenção na CU moderada a grave. O grupo considerou o mesmo relativamente à AZA (75%). Aproximadamente 80% dos peritos escolheriam a AZA como fármaco de primeira linha para a terapêutica de manutenção na CU moderada a grave. Apesar desta escolha, salientaram-se as limitações/desvantagens da AZA: perda de resposta ao longo do tempo para um valor inferior a 40% e inexistência de evidência de cicatrização da mucosa. Não foram explorados alguns factores que poderiam ter ajudado na escolha entre terapêuticas, como a separação das populações de acordo com a gravidade da doença (moderada e grave), o tipo de falência a corticosteróides (corticodependência e corticoresistência) e a experiência prévia relativamente a imunossupressores (doentes sob imunossupressão e doentes naives). Outra limitação teria sido o momento de avaliação do efeito dos fármacos sobre a manutenção da remissão, ou seja, não ter sido feita uma avaliação da introdução do fármaco sem ser no contexto de episódio de agudização da doença. Finalmente, o grupo achou que estudos de comparação directa entre fármacos AZA e IFX, bem como estudos de associação de medicação, poderiam enriquecer esta avaliação.
Questão 4 Baseado na evidência, o IFX poderá ser considerado o fármaco de primeira linha em doentes refractários a AZA na CU com actividade moderada?
Quanto tempo esperar para considerar o doente não respondedor à AZA?
O IFX foi considerado, por unanimidade, o fármaco de primeira linha em doentes com CU moderada refractários à AZA. Embora existam apenas 2 ensaios clínicos, os ACT 1 e ACT 2, a evidência científica foi considerada forte pelo facto de se tratar de ensaios aleatorizados e controlados. Nestes ensaios clínicos, 46% dos doentes incluídos eram refractários à terapêutica imunomoduladora em curso. Relativamente ao intervalo de tempo para definir falência à AZA, a maioria dos participantes considerou que se deveria esperar 3 a 6 meses (75%). Os restantes consideraram que se deveria esperar um intervalo de tempo superior a 6 meses (17%) e outros que deveria ser inferior a 3 meses (8%).
RECOMENDAÇÕES
Existem subgrupos de doentes com CU com maior propensão para atitudes imunomoduladoras?
Recomenda-se a necessidade de imunomodulação, considerando factores como a extensão da doença, a idade do diagnóstico e o consumo de tabaco. (Qualidade da Evidência e Força da Recomendação: 5D).
Quando iniciar a imunossupressão na CU moderada a grave?
Recomenda-se iniciar imunossupressão na falência à corticoterapia, na ausência de resposta aos salicilatos, e/ou na existência de uma forma de apresentação grave. O clínico deve ter sempre em conta a recomendação internacional da ECCO 6F13. (Qualidade da Evidência e Força da Recomendação: 5D)
Existe evidência de que a AZA e o IFX são fármacos de manutenção na CU moderada a grave?
Sim, existe evidência de que a AZA e o IFX são tratamentos adequados à manutenção da remissão na CU moderada a grave. (Qualidade da Evidência e Força da Recomendação: 1A)
Baseado na evidência, o IFX poderá ser considerado o fármaco de primeira linha em doentes refractários à AZA na CU com actividade moderada?
Sim, pode considerar-se o IFX como o fármaco de 1ª linha em doentes refractários à AZA. (Qualidade da Evidência e Força da Recomendação: 1A)
O Quadro 3 apresenta a Qualidade de Evidência e a Força da Recomendação utilizada neste consenso.
Quadro 3. Qualidade da evidência e força das recomendações deste consenso.
CONCLUSÕES
Atendendo que a CU tem elevado impacto na qualidade de vida do doente, a terapêutica de manutenção da remissão torna-se cada vez mais relevante. O nosso objectivo consistiu na actualização do conhecimento quanto a novas terapêuticas de manutenção da remissão em doentes com CU moderada a grave e na sua adaptação à prática clínica nacional, através de recomendações baseadas na evidência.
Na reunião de consenso, o grupo nominal concluiu ser importante iniciar terapêutica imunossupressora na falência à corticoterapia (corticodependência ou corticoresistência), existindo evidência de que tanto o IFX como a AZA, são fármacos capazes de manter a remissão na CU moderada a grave. Na prática clínica nacional, a AZA é o fármaco mais usado como primeira linha na terapêutica de manutenção da remissão da CU moderada a grave. O IFX foi considerado o fármaco de primeira linha em doentes com CU moderada refractários à AZA, sendo esta afirmação suportada pela maior evidência científica. Na sua prática clínica, o médico deve sempre ter em conta as recomendações desta reunião e as recomendações internacionais actuais (ECCO)13.
O grupo nominal constatou que a literatura sobre terapêutica de manutenção é escassa e muito heterogénea. Houve concordância quanto à necessidade de estudos adicionais sobre este problema em que se ultrapassem as limitações encontradas e sejam abordadas as questões pendentes, nomeadamente a escolha de grupos populacionais sobreponíveis, a comparação directa entre diferentes opções de terapêutica de manutenção e o controle dos factores capazes de influenciar a resposta à terapêutica, que permitam que se tomem decisões com maior evidência.
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Correspondência: Fernando Magro, Instituto de Farmacologia e Terapêutica Faculdade de Medicina do Porto, serviço de Gastrenterologia do Hospital de São João, Alameda Professor Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto - Portugal; E-mail: fm@med.up.pt
Recebido para publicação: 23/12/2010 e Aceite para publicação: 19/02/2011.