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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.18 n.4 Lisboa jul. 2011

 

Colecistectomia Videolaparoscópica Transumbilical Single Site com Equipamento de Laparoscopia Convencional.

Transumbilical Videolaparoscopic Cholecystectomy (Single Site) With Standart Laparoscopyc Instruments

 

Carla Rolanda1

1Serviço de Gastrenterologia do Hospital de Braga & Domínio de Investigação em Ciências Cirúrgicas - ICVS

 

O artigo intitulado “Colecistectomia videolaparoscópica transumbilical (single site) com equipamento de laparoscopia convencional” recentemente publicado por Alves Júnior e colaboradores mereceu-nos atenção e algumas considerações que gostaria de partilhar. Embora aborde uma temática tradicionalmente adstrita à Cirurgia Geral, vale a pena revisitar alguns conceitos e perceber o contexto actual da cirurgia minimamente invasiva (MIS), onde também temos lugar enquanto gastrenterologistas.

A colecistectomia é um dos procedimentos abdominais mais comuns, sendo por isso uma referência na evolução cirúrgica. Tal como descrevem os autores do artigo em apreciação, a primeira colecistectomia laparoscópica foi realizada em 1987 pelo ginecologista francês Phillipe Mouret, esta abordagem tornou-se rapidamente gold standard. Na actualidade, a maioria dos procedimentos, com excepção do transplante, pode ser feita por via laparoscópica ou toracoscópica, com grande vantagem para o doente – cicatrizes mínimas, reduzidos índice de dor e tempo de internamento e retoma mais célere da actividade quotidiana. Foram-se os tempos do “grande cirurgião, grande incisão” e chegava o advento do minimamente invasivo. Enquanto isto, a endoscopia digestiva tornava-se mais e mais interventiva e, na verdade, os actores do palco gastrointestinal – cirurgiões minimamente invasivos e gastrenterologistas de intervenção – tornaram-se cada vez mais parecidos, acompanhando os trabalhos por videoendoscopia, separados apenas pela parede do tracto digestivo. Porém, essa barreira também se esfumou no pioneirismo de Reddy, Rao e Anthony Kalloo, este último descrevendo em 2004 a realização da peritoneoscopia transgástrica com biopsia hepática em modelo porcino (pequena correcção à descrição de Alves Júnior e col.). Emergia assim o conceito de cirurgia endoscópica por orifícios naturais (NOTES), augurando ainda menos invasividade do que a laparoscopia – ausência de cicatrizes e dor, menor necessidade anestésica, opção preferencial em obesos e doentes com infecção, queimadura ou herniação da parede. Depois da abordagem transgástrica exploraram-se em modelo animal as vias transvesical1, trancólica2, transvaginal e transesofágica3, em procedimentos de maior ou menor complexidade. Como seria de esperar a colecistectomia, agora dita de 3ª geração, foi uma das intervenções mais testadas e a primeira descrição é de Per-Ola Park em 20054, apontando limitações da abordagem transgástrica sobretudo na triangulação dos instrumentos e na capacidade de tracção/manipulação dos tecidos. Alguns destes aspectos foram colmatados nos nossos trabalhos, combinando a via transgástrica com a via transvesical5,6. Note-se a diferença entre o conceito de combinação de vias naturais (NOTES puro) versus híbrido (acesso natural e transparietal em simultâneo). Claro está que neste processo de experimentação se identificaram entraves técnicos à translação imediata do NOTES para humanos, sobretudo relacionados com a criação e encerramento seguro das portas transviscerais. Eis a razão porque foi recuperada a colpotomia posterior, uma conhecida abordagem ginecológica7 que permite o acesso abdomino-pélvico, com dimensão passível de extracção de peças e possibilidade de criação e encerramento sob visualização directa. O facto de se conhecer a sua segurança desde longa data permitiu-lhe a projecção subsequente a partir do mediatismo da primeira colecistectomia por NOTES em Strasbourg pelo grupo de Jacques Marescaux8. Desde então, a cirurgia híbrida usando orifícios naturais, em particular a transvaginal, disseminou-se por vários pontos do mundo, com recurso a mais ou menos trocars de apoio para colmatar com segurança os défices técnicos dos endoscópios convencionais, naquilo que Alves Júnior e col. referem como transição prática entre a laparoscopia e o puro NOTES9,10. Entretanto, o entusiasmo inicial da indústria no patrocínio do NOTES foi um pouco refreado pela pressão do mercado laparoscópico, nesta sequência surgiu a cirurgia transumbilical e o conceito single-port uma forma de cirurgia sem cicatriz (disfarçada pela cicatriz natural) ao encontro da demanda estética dos pacientes. Aqui se enquadra o trabalho de Alves Júnior e col., verificando-se que tal como outros semelhantes na literatura apenas confirma a exequibilidade da técnica (ainda que mais complexa) e o benefício estético, falta demonstrar se os índices de segurança são semelhantes à laparoscopia clássica (triangulada) e se acrescenta mais-valias relativamente à dor e tempos de convalescença. Qual a impressão dos autores sobre estes aspectos? Isto é deveras importante para consagrar a colecistectomia por porta-única como uma abordagem competitiva com a laparoscopia clássica triangulada de 5 mm com recurso a 3-4 trocars. E é tanto mais verdade quando se evidencia que o conceito scarless pode também ser conseguido pela laparoscopia triangulada se se usarem instrumentos de 3 mm sem recurso a trocars através da inserção directa de instrumentos na cavidade abdominal, naquilo que os cirurgiões pediátricos descreveram como laparoscopia triangulada por stab-incisions ou mini-laparoscopia que não deixa na parede abdominal qualquer sequela cicatricial. A evolução biomédica dos instrumentos cirúrgicos, a comparação dos resultados das primeiras séries de diferentes abordagens concorrentes (Single-port ou porta-única, mini-laparoscopia triangulada, NOTES transvaginal) com a laparoscopia clássica e a demanda dos pacientes determinarão no futuro próximo qual a melhor técnica minimamente invasiva para realizar colecistectomia.

 

REFERÊNCIAS

1. Lima E, Rolanda C, Pêgo JM, et al. Transvesical endoscopic peritoneoscopy: a novel 5 mm port for intra-abdominal scarless surgery. J Urol 2006;176:802-805.        [ Links ]

2. Pai RD, Fong DG, Bundga ME, et al. Transcolonic endoscopic cholecystectomy: a NOTES survival study in a porcine model (with video). Gastrointest Endosc 2006;64:428-34.        [ Links ]

3. Sumiyama K, Gostout CJ, Rajan E, et al. Transesophageal mediastinoscopy by submucosal endoscopy with mucosal flap safety valve technique. Gastrointest Endosc 2007;65:679-683.        [ Links ]

4. Park PO, Bergström M, Ikeda K, et al. Experimental studies of transgastric gallbladder surgery: cholecystectomy and cholecystogastric anastomosis (videos). Gastrointest Endosc 2005;61:601-606.        [ Links ]

5. Rolanda C, Lima E, Pêgo JM, et al. Third-generation cholecystectomy by natural orifices: transgastric and transvesical combined approach (with video). Gastrointest Endosc 2007;65:111-117.        [ Links ]

6. Rolanda C, Lima E, Correia-Pinto J. Searching the best approach for third-generation cholecystectomy. Gastrointest Endosc 2007;65:354.        [ Links ]

7. Decker A. Culdoscopy a method for visual diagnosis of gynaecologic disease. Ciba Clin Symp 1952;4:201-210.        [ Links ]

8. Marescaux J, Dallemagne B, Perretta S, et al. Surgery without scars: report of transluminal cholecystectomy in a human being. Arch Surg 2007;142:823-826.        [ Links ]

9. Moreia-Pinto J, Lima E, Correia-Pinto J, et al. N.O.T.E.S.: a Review. World J Gastroenterol 2011 (in press).        [ Links ]

10. Lima E, Rolanda C, Autorino R, et al. Experimental foundation for natural orifice transluminal endoscopic surgery and hybrid natural orifice transluminal endoscopic surgery. BJU Int 2010;106:913-918.        [ Links ]

 

Resposta à carta ao Editor:

 

António Alves Júnior1, Izabele Rabelo de Oliveira2, Milena Passos Lima2, Alessandra Freitas Vasconcelos Barros3, José Jeová de Oliveira Filho4, Hernan Augusto Centurion Sobral5

1Professor Adjunto do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS); 2Académicas de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS); 3Médica residente em cirurgia geral do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS) 4Médico cirurgião do aparelho digestivo; 5Médico cirurgião coloproctologista

 

Nossos melhores cumprimentos à Prof. Doutora Carla Rolanda mediante os comentários originários a partir do artigo “Colecistectomia videolaparoscópica transumbilical (single site) com equipamento de laparoscopia convencional” publicado na edição Maio/Junho do Jornal Português de Gastrenterologia.

Toda e qualquer inovação cirúrgica requer um tempo para tornar-se exequível, rotineira ou até mesmo substitutiva de algum procedimento já considerado padrão. São necessárias curvas de aprendizado, comprovação de segurança e demonstração dos potenciais benefícios do procedimento inovador na tentativa de estabelecer respaldo científico e permitir a divulgação/ execução do novo método. Na evolução da cirurgia, vivemos a era da cirurgia minimamente invasiva representada, na actualidade, pelas cirurgias orificiais, conhecidas como NOTES, e pelas cirurgias por via transumbilical (TUES).

O resultado estético da técnica TUES, que permite o desaparecimento de cicatrizes visíveis uma vez que a cicatriz é somente umbilical, pode ser evidenciado na literatura1,2. Tal resultado também pode ser alcançado com a utilização de instrumental da minilaparoscopia. Entretanto, a redução no diâmetro dos instrumentos cirúrgicos minilaparoscópicos também trouxe consigo algumas limitações na execução da técnica, impossibilitando que a mesma pudesse ser aplicada sistemicamente em todos os pacientes3.

Desde 2008, a nossa equipa executa cirurgias por via transumbilical. Desde então, não apenas colecistectomias, mas também biópsias hepáticas, associadas ou não a herniorrafia umbilical e inguinal, além de apendicectomia foram realizadas totalizando 51 procedimentos via transumbilical. O tempo cirúrgico foi inicialmente maior quando comparado à técnica convencional, mas deve-se considerar a curva de aprendizado uma vez que se trata de uma inovação no acesso cirúrgico. O acompanhamento ambulatorial de tais pacientes se fez sem quaisquer complicações pós-operatórias além do efeito estético extremamente satisfatório, com cicatrizes intra-umbilicais apenas, demonstrando que a cirurgia por via transumbilical é segura e factível, mesmo utilizando o instrumental de videolaparoscopia convencional assim como o faz outros autores4.

Nossa experiência leva a crer que pacientes obesos, com história de cirurgias abdominais prévias ou aderências são menos propensos a se beneficiarem com a técnica por acesso único.

Nosso intento é continuar nesta linha de pesquisa e, no futuro, tentar demonstrar os aspectos comparativos referentes à dor e à resposta metabólica nos procedimentos videolaparoscópicos convencionais e naqueles executados por via transumbilical. Além disso, ressaltamos a grande importância do aperfeiçoamento de instrumental articulado, já utilizado por Guo e cols. (2008) e Martins e cols. (2009)5,6.

 

REFERÊNCIAS

1. Nguyen NT, Reavis KM, Hinojosa MW, et al. Laparoscopic transumbilical cholecystectomy without visible abdominal scars. J Gastrointest Surg 2009;13:1125-1128.

2. Tacchino R, Greco F, Matera D. Single-incision laparoscopic cholecystectomy: surgery without a visible scar. Surg Endosc 2009;23:896-899.

3. Dávila-Ávila FD, Tsin DA. Cirugía por orificios naturales (NOTES y manos) ¿La tercera revolución quirúrgica? Asociación Mexicana de Cirugía Endoscópica 2006;7:6-13.

4. Bucher P, Pugin F, Buchs N, et al. Single port access laparoscopic cholecystectomy (with video). World J Surg 2009;33:1015-1019.

5. Guo W, Zhang ZT, Han W, et al. Transumbilical single-port laparoscopic cholecystectomy: a case report. Chin Med J 2008;121:2463-2464.

6. Martins MVDC, Skinovsky J, Coelho, DE. Colecistectomia videolaparoscópica por trocarte único (SITRACC®) – Uma nova opção. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões 2009;36:177-179.