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Jornal Português de Gastrenterologia
versão impressa ISSN 0872-8178
J Port Gastrenterol. vol.18 no.5 Lisboa set. 2011
Carcinoma de Pequenas Células do Esófago Apresentação de dois Casos
Luís Alberto Schlittler1, Nicolas Silva Lazaretti1, Rodrigo Ughini Villaroel1, Sibele Klitzke2, Viviane Weiller Dallagasperina2
1Médico Oncologista do Hospital da Cidade de Passo Fundo/ RS/Brazil; 2Académica de Medicina da Universidade de Passo Fundo
RESUMO
O carcinoma de pequenas células de esófago é uma patologia rara, caracterizada por mau prognóstico, sobretudo pelo seu comportamento biológico agressivo. A sua incidência corresponde a 0,8% a 2,4% das patologias malignas de esófago, tendo sido relatados cerca de 350 casos na literatura1-3. Os autores apresentam dois casos de pacientes do sexo masculino, com carcinoma de pequenas células de esófago, tratados com quimioterapia e radioterapia.
PALAVRAS-CHAVE: Carcinoma de pequenas células, esófago.
Small Cell Carcinoma of the Esophagus
ABSTRACT
Primary small cell carcinoma of the esophagus is a rare disease, characterized by an aggressive course with poor overall outcome. The incidence rate ranges from 0,8% to 2,4% of all esophageal malignancies, with approximately 350 cases described in the literature1-3. Authors report two cases of male patients, with esophageal small cell carcinoma, treated with chemotherapy and radiotherapy.
KEYWORDS: Small cell carcinoma, esophagus.
INTRODUÇÃO
O carcinoma de pequenas células caracteriza-se por um comportamento biológico agressivo e um mau prognóstico. Esta neoplasia, que tem como origem mais comum o pulmão, tende a disseminar-se precocemente e, em mais de 60% dos casos, o paciente apresenta doença disseminada no momento do diagnóstico. Este tipo de tumor tem uma boa resposta inicial à quimioterapia, porém na maioria das vezes esta resposta é temporária. A localização esofágica do carcinoma é rara, com uma incidência estimada de 0,8% a 2,4% das neoplasias malignas do esófago. Actualmente, existem cerca de 350 casos publicados desde a sua primeira descrição em 1952, e na maioria, evidenciam a sua agressividade, mau prognóstico e incertezas quanto à natureza da patologia e qual a melhor opção terapêutica1-3.
CASO CLÍNICO
Caso 1: Paciente D.S., sexo masculino, de 64 anos, procurou apoio médico em Dezembro de 2006, com queixas de disfagia progressiva e perda de peso (16 kg) há oito meses. Referia ser ex-alcoólico (90 a 120 gramas de etanol/dia durante 20 anos, abstinente há 5 anos) e manter hábitos tabágicos (aproximadamente 30 cigarros/dia há 45 anos). Fazia-se acompanhar do resultado da Endoscopia Digestiva Alta (EDA) que evidenciou uma lesão úlcero-vegetante aos 20 cm da arcada dentária, friável e sangrante ao toque do aparelho e determinando estenose parcial do lúmen esofágico. Foram realizadas biopsias da lesão que revelaram um carcinoma neuroendócrino de pequenas células, o que foi confirmado pelo estudo imuno-histoquímico (Fig. 1 e 2).
Fig. 1. Fotomicrografia de ninho de células tumorais Caso I. (Hematoxilina e Eosina 200 x).
Fig. 2. A. Painel imuno-histoquímico Pancitoqueratina 400 x.
Fig. 2. B. Painel imuno-histoquímico Sinaptofisina 400 x.
Fig. 2. C. Painel imuno-histoquímico TTF1 400 x.
No momento da admissão, o paciente apresentava anemia normocítica e normocrómica, sem outras alterações em exames laboratoriais. Foi realizada Tomografia Computadorizada (TC) de Tórax, que evidenciou a presença de dois processos expansivos arredondados, estreitamente relacionados com as paredes esofágicas, com efeito compressivo extrínseco sobre o lúmen, situados na porção superior do esófago. Estas lesões expansivas estavam estreitamente relacionadas e exerciam efeito compressivo sobre a aurícula esquerda e as veias pulmonares superiores e inferiores anteriormente, sendo que posteriormente, estendiam-se até a coluna vertebral e aorta. Adicionalmente, observou-se uma grande lesão expansiva mediastínica apresentando áreas sugestivas de necrose no seu interior, comprometendo a porção distal do esófago de maneira circunferencial, iniciando-se na porção intertraqueobrônquica e estendendo-se caudalmente, aparentemente fazendo corpo com uma lesão ganglionar localizada inferiormente à carina. O parênquima pulmonar não apresentava alterações, excepto por enfisema pulmonar com múltiplas bolhas subpleurais. A ecografia abdominal era normal.
Foi instituído tratamento com quimioterapia associada à radioterapia por se tratar de um tumor localmente avançado. O paciente foi submetido a seis ciclos de quimioterapia com a combinação dos agentes etoposido e carboplatina. Seguiu-se tratamento com radioterapia sobre o mediastino, na dose de 50 Gy, que terminou em Setembro 2007.
Houve remissão da doença, com melhoria dos sintomas. A EDA realizada cinco meses após o tratamento não evidenciou lesão neoplásica. Porém, a resposta obtida com a terapêutica não se manteve, havendo progressão local e sistémica da doença, com óbito devido a infecção respiratória e metástases 16 meses após o diagnóstico.
Caso 2: Paciente A.E.S., sexo masculino, 61 anos, procurou apoio médico em Maio de 2009, com queixas de pirose há 6 meses, de início insidioso, progressiva, agravada pela ingestão de alimentos cítricos, acompanhada de anorexia, perda de peso (12 Kg em 6 meses) e disfagia para sólidos. Refere tabagismo (20 cigarros/dia há 40 anos) e história de etilismo (60 a 90 gramas de etanol/dia nos dias úteis e quantidades superiores a 150 gramas de etanol/dia nos fins-de-semana durante 30 anos, abstinente há 10 anos).
A EDA revelou lesão irregular no segmento distal do esófago, junto à junção esofago-gástrica, friável e sangrante ao toque da pinça, determinando estenose parcial do lúmen esofágico. Foi realizada a biópsia da lesão, que revelou um carcinoma neuroendócrino de pequenas células, o que foi confirmado pelo estudo imuno-histoquímico (Fig. 3 e 4). A TC de Tórax evidenciou espessamento parietal circunferencial do terço distal do esófago, determinando estenose luminal, sem sinais de obstrução completa, de aspecto indeterminado, provavelmente neoplásico. O parênquima pulmonar e grandes vasos apresentavam-se sem alterações, excepto sinais de enfisema centro-acinar e subpleural. A TC do Abdómen evidenciou pequenas formações nodulares hipodensas no fígado, medindo aproximadamente 1 cm de diâmetro, somente visualizadas na fase portal, localizadas nos segmentos hepáticos VII e VIII, de aspecto indeterminado. A Cintigrafia Óssea demonstrou captação aumentada, em grau moderado, de 99 mTc MDP, na extremidade anterior do sétimo arco costal direito, não podendo excluir-se doença metastática.
Fig. 3. Fotomicrografia de ninho de células tumorais Caso II. (Hematoxilina e Eosina 200 x).
Fig. 4. Fotomicrografia de ninho de células tumorais evidenciando núcleos ovais, atípicos e hipercromáticos Caso II. (Hematoxilina e Eosina 400 x).
Instituiu-se tratamento com quimioterapia e radioterapia local, devido à extensão da doença. Após finalizar o quarto ciclo de quimioterapia com os agentes Etoposido e Cisplatina e receber tratamento com radioterapia na dose de 46Gy, observou-se excelente resposta ao tratamento, com resolução completa dos sintomas. Aguardam-se exames complementares após a terapêutica para correcta avaliação prognóstica e eventual abordagem posterior.
DISCUSSÃO
O carcinoma de pequenas células de esófago caracteriza-se por uma rápida progressão e agressividade, que resulta numa curta sobrevida e elevada mortalidade. A sobrevida média estimada dos pacientes com carcinoma de pequenas células de esófago é de 5,1 meses, independentemente do tratamento instituído4. No 1º caso relatado neste artigo, o paciente teve uma sobrevida de 16 meses após o diagnóstico, superando a média observada nos estudos publicados. Casas e col (1996) realizaram a revisão dos casos de 199 pacientes e estimaram o tempo de sobrevida média em 8 meses para pacientes com doença limitada, com uma sobrevida de 17% aos 24 meses. O tempo de sobrevida média foi de 3 meses5. Já Beyer e col (1997) realizaram uma revisão de 134 casos e evidenciaram um tempo de sobrevida média de 5,3 meses, com uma probabilidade de sobrevida de 10% aos 24 meses2. Em relação à apresentação clínica, o sintoma mais frequente é a disfagia que, geralmente, surge dois a três meses antes de ser efectuado o diagnóstico7. Os dois pacientes dos casos relatados neste artigo tinham como queixa a disfagia, embora um deles tenha valorizado mais a pirose. A idade média dos pacientes varia dos 58 anos aos 63,8 anos5,6. A patologia é mais prevalente no sexo masculino, com proporções relatadas que variam de 1,3:1 a 3,2:15,7.
Histologicamente, define-se o carcinoma de pequenas células do esófago pela presença de células pequenas, redondas, ovais ou poligonais, com núcleo hipercromático e escasso citoplasma. A presença de grânulos neurosecretores na microscopia electrónica é frequente, porém não essencial para o diagnóstico4,5,8. Vários trabalhos relatam uma combinação do carcinoma de pequenas células do esófago com o carcinoma de células pavimentosas, o que evidencia a heterogeneidade da apresentação histológica, que pode ter origem em reservatórios de células pluripotentes10. Há positividade para determinados marcadores celulares, como o SYN, CD56, NSE e TTF - 1, o que indica que eles podem ser úteis para o diagnóstico diferencial deste tumor. A verdadeira etiologia e histogénese do tumor permanecem controversas4.
O tratamento mais eficaz para o carcinoma de pequenas células de esófago ainda não foi estabelecido pelo pequeno número de casos descritos e falta de estudos com um número satisfatório de pacientes11. Até ao momento, poucos pacientes obtiveram resposta completa ao tratamento e uma sobrevida prolongada12. O tratamento a instituir aos pacientes e o prognóstico são determinados pelo estadiamento na ocasião do diagnóstico. Infelizmente, a maioria dos pacientes com tumores do esófago apresenta-se com lesões localmente avançadas ou metástases em outros órgãos, e já não são passíveis de tratamento curativo13. Quimioterapia em combinação com radioterapia local é uma opção efectiva para carcinomas em estadio inicial, uma vez que resultam em remissão clínica aparente neste grupo de pacientes4,5. Um regime de quimioterapia neoadjuvante, seguido de radioterapia e quimioterapia adjuvante foi descrito por Casas (1995), num caso com remissão completa da doença e sobrevida superior a seis anos após a terapêutica15. Já a quimioterapia isolada não está indicada pois não induz remissão clínica e não promove sobrevida livre de doença4,5. Em tumores localmente avançados, sugere-se que a terapêutica principal seja baseada na quimioterapia11,12. No tratamento por quimioterapia, a cisplatina ou a associação entre carboplatina e etoposido são as alternativas sugeridas4. Os dois pacientes tiveram regressão tumoral importante e melhoria sintomática após terapêutica com quimioterapia associada a radioterapia, entretanto um deles teve recidiva tumoral meses após terminar o tratamento.
Devido à rápida progressão da doença, a ressecção cirúrgica não é considerada tratamento de escolha14, porém, talvez esta afirmação possa ser contestada no futuro, uma vez que há casos descritos com tempo de sobrevida superior a cinco anos após a ressecção cirúrgica15. Uma opção defendida é a de que pacientes com lesões macroscópicas com possibilidade de ressecção e sem metástases à distância possam ser submetidos a cirurgia após quimioterapia4. Deve-se evidenciar, no entanto, que muitos dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico têm recorrência precoce com metástases à distância e que micrometástases, que não são detectadas antes da cirurgia, estão frequentemente associadas ao carcinoma de pequenas células de esófago5.
CONCLUSÃO
O carcinoma de pequenas células de esófago é uma patologia rara, de etiologia e histogénese pouco conhecidas. Trata-se de uma doença com frequente disseminação sistémica, agressiva, cujo estudo clínico é importante para determinar qual a melhor opção terapêutica.
REFERÊNCIAS
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Correspondência: Sibele Klitzke; rua Marcelino Ramos, no 70/402, Centro - Passo Fundo/Rio Grande do Sul/Brasil, Código Postal:99010-160. E-mail: sibeleklitzke@yahoo.com.br
Recebido para publicação: 16/11/2009 e Aceite para publicação: 14/05/2010.