SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.19 número3Uso do infliximab na consulta de gastrenterologia pediátricaUso do infliximab na consulta de gastrenterologia pediátrica índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.19 no.3 Lisboa maio 2012

 

O cancro colorretal e o rastreio: conhecimentos e atitudes dos portuenses

 

The colorectal cancer and the screening: Portuenses’ knowledge and attitudes

 

Silvia Esteves Alves do Fornoa, ∗, F. Castro Poças a,b e Maria Eduarda Gomes Domingues dos Santos Matosc

aServiço de Gastrenterologia, Hospital Santo António, Porto, Portugal

bDepartamento de Medicina, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal

cDepartamento de Saúde Comunitária, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal

*Autor para correspondência

 

 

Resumo

Introdução: Se, por um lado, o cancro colorretal é um problema de saúde mundial que mata cerca de 600 000 indivíduos por ano, por outro, é o tumor maligno mais suscetível de ser prevenido.

Objetivos: Investigar conhecimentos e atitudes em relação ao cancro colorretal e ao seu rastreio de forma a identificar fatores que possam contribuir para a baixa adesão ao mesmo.

Métodos: Aplicação de 696 questionários com questões sobre: dados sociodemográficos, conhecimentos, atitudes, comportamentos e informação sobre o cancro colorretal. Amostra selecionada por quotas, de acordo com a proporção de indivíduos de ambos os sexos, a partir dos 40 anos, residentes em cada uma das 15 freguesias da cidade do Porto.

Resultados: A maioria dos inquiridos (63,2%) conhecia, pelo menos, um dos principais exames de rastreio, de onde se destacou a associação positiva entre este conhecimento e a fonte de informação «médicos e enfermeiros», com 10,51 vezes mais respostas corretas. A população em geral tinha uma atitude positiva em relação à utilidade dos exames de rastreio do cancro colorretal, com 49,7% dos inquiridos a atribuir a pontuação máxima à sua utilidade. Apenas 20,4% dos indivíduos tinha uma atitude positiva em relação à realização de exames de rastreio do cancro colorretal, tendo realizado, pelo menos, um exame; esta atitude foi associada de forma significativa, unicamente, com a recomendação de, no mínimo, um exame de rastreio.

Conclusões: Os portuenses evidenciaram poucos conhecimentos quanto ao rastreio do cancro colorretal, mas mostraram-se recetivos ao mesmo. Contudo, a percentagem de indivíduos com práticas anteriores de rastreio foi reduzida, relacionada com a falta de recomendação médica de exames. Os médicos e enfermeiros tiveram influência positiva como fonte de informação sobre o cancro colorretal. Evidenciou-se a necessidade de investir tanto na prevenção primária, através de educações para a saúde sobre o cancro colorretal e o seu rastreio, como na prevenção secundária, através do acesso gratuito ao rastreio a todos os cidadãos.

PALAVRAS-CHAVE Cancro colorretal; Prevenção; Rastreio; Pesquisa de sangue oculto nas fezes; Colonoscopia

 

Abstract

Introduction: If, on one hand, the Colorectal Cancer is a worldwide health problem that kills around 600,000 people each year, on the other hand, it’s the malignant tumor that is most likely to be prevented.

Objectives: To investigate knowledge and attitudes towards Colorectal Cancer and its screening in order to identify the factors that may contribute to its low acceptance.

Methods: Application of 696 questionnaires with questions about: socio-demographic data, knowledge, attitudes, behaviors and information on Colorectal Cancer. Sample selected by quotas, according to the proportion of individuals of both sexes, from the age of 40, resident in each of the 15 parishes of Oporto.

Results: Most respondents (63.2%) knew at least one of the main screening tests, of which we highlight the positive association between this knowledge and the information source ‘‘doctors and nurses’’ with 10.51 times more correct answers. The population in general had a positive attitude towards the utility of screening tests for Colorectal Cancer, with 49.7% of the respondentes assigning the highest score on their usefulness. Only 20.4% of the individuals had a positive attitude towards having screening tests for Colorectal Cancer, having had at least one test; this attitude was significantly associated only with the recommendation for having at least one screening test.

Conclusions: Despite having showed little knowledge about the Colorectal Cancer screening, the population from Oporto was receptive to it. However, the percentage of individuals with past practice of screening was reduced, related to the lack of medical recommendation for tests. Doctors and nurses had a positive influence as a source of information on Colorectal Cancer. It became evident the need to invest in both primary prevention, through health educations on Colorectal Cancer and its screening, and secondary prevention, through the free screening to all citizens.

KEYWORDS Colorectal Cancer; Prevention; Screening; Fecal Occult Blood Testing; Colonoscopy

 

 

Introdução

Segundo dados da International Agency for Research on Cancer, o cancro colorretal (CCR) está entre os cancros mais frequentes a nível mundial, tendo registado 1 235 108 novos casos e 609 051 óbitos, no ano de 20081. Em Portugal, a mortalidade por CCR tem aumentado nas últimas décadas. Em 1999, contribuiu com cerca de 13% da mortalidade por cancro, percentagem que determinou, pela primeira vez entre nós, que o CCR fosse a principal causa de morte por cancro2.

O CCR é caracterizado por uma progressão lenta e uma fase benigna precursora longa que é dominada pelo adenoma de remoção fácil por meios endoscópicos3, o que torna o CCR o cancro do aparelho digestivo mais prevenível e um dos cancros mais preveníveis entre todos os outros4.

As recomendações de rastrear os indivíduos de risco padrão e de vigiar diferenciadamente os indivíduos com história familiar da doença são unânimes5, embora ainda não exista um teste de rastreio totalmente aceite pela população e pelos profissionais de saúde6. Entre os portugueses, são válidas as recomendações do Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas 2007-2010: pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) em homens e mulheres dos 50 aos 74 anos e realização de colonoscopia total na presença de um teste positivo7.

O rastreio efetivo do CCR tem como potencial barreira o conhecimento inadequado da doença e das várias opções de exames8. A atitude de rastreio resulta da validação deste conceito, ou seja, de que o cancro não é um acontecimento isolado, mas um longo processo evolutivo desde a célula normal até à célula metastática, possibilitando intervenções de modulação de fatores de risco e de identificação da doença em fases iniciais ou mesmo das suas lesões precursoras2. Neste sentido, o principal objetivo deste estudo foi investigar conhecimentos e atitudes quanto ao CCR e ao seu rastreio, de forma a identificar fatores que pudessem contribuir para as reduzidas taxas de rastreio.

 

Material e métodos

O estudo, do tipo observacional transversal, foi conduzido nos meses de janeiro e fevereiro de 2009, constituído por 696 indivíduos (0,5% da população alvo), com idade igual ou superior a 40 anos, residentes na cidade do Porto. O número total de inquiridos foi selecionado por quotas, de acordo com a proporção de indivíduos em cada freguesia relativamente ao total de residentes da cidade do Porto. Foi concedida autorização, pela Administração Regional de Saúde do Norte, para a aplicação dos questionários nos Centros de Saúde e Extensões de Saúde da cidade do Porto. Posteriormente, os indivíduos foram inquiridos segundo uma amostra de conveniência através de questionário escrito, anónimo e de preenchimento individual. A versão original deste questionário provém de um estudo italiano9, redigido na língua inglesa (realizada a tradução para a língua portuguesa e posterior retroversão para o inglês).

 

 

O questionário utilizado na colheita de dados foi dividido em 5 partes:

1. Características sociodemográficas: dados pessoais dos participantes como a idade, género, estado civil, agregado familiar, escolaridade, profissão, peso e altura, perceção pessoal do estado atual de saúde e história pessoal ou familiar de CCR. A perceção do estado de saúde foi conseguida através da escala Ten-Point Likert-Type Scale, que oscila entre 1 e 10, inclusive, em que o 1 significa mau estado de saúde e o 10 indica muito bom estado de saúde.

2. Conhecimentos acerca do CCR: definição de CCR, fatores de risco para o CCR e exames de rastreio para a prevenção do CCR. Esta secção exigiu respostas em vários formatos: resposta aberta para a definição de CCR (foram aceites as respostas cancro, tumor ou neoplasia do reto ou do intestino); seleção da(s) resposta(s) correta(s) para os fatores de risco do CCR; «sim», «não» ou «não sei», para os exames de rastreio do CCR.

3. Atitudes relativas ao CCR: perceção pessoal do risco de contrair CCR, perceção pessoal acerca da utilidade dos exames de rastreio do CCR e relativamente à possibilidade de prevenção e de tratamento do CCR. A perceção do risco de contrair CCR e da utilidade dos exames de rastreio foram avaliados segundo a escala Ten-Point Likert-Type Scale. No caso da perceção do risco de ter CCR, o 1 significa nenhum risco, enquanto o 10 denota elevado risco. Na perceção da utilidade dos exames de rastreio o 1 designa nenhuma utilidade e o 10 traduz muita utilidade. As convicções sobre a prevenção e o tratamento do CCR foram medidas através da escala Three-Point Likert-Type Scale, que varia entre 1 e 3, segundo a qual 1 significa «concordo», 2 «discordo» e 3 «incerto».

4. Comportamentos acerca dos cuidados de saúde: modificação dos hábitos alimentares ou de atividade física para prevenção do CCR, exame(s) de rastreio recomendado(s) para a prevenção do CCR, participação em atividade(s) de prevenção do CCR e se fez algum exame de rastreio do CCR. Este grupo de perguntas tinha respostas fechadas de escolha múltipla e de «sim» ou «não».

5. Tipo de fonte de informação sobre o CCR, com várias respostas fechadas possíveis e a necessidade de obter mais informação referente ao CCR, com respostas de «sim» ou «não».

A análise estatística foi conduzida em 2 etapas. Primeiro, procedeu-se à análise descritiva das variáveis em estudo através das frequências e percentagens. Foram consideradas as variáveis presentes no questionário e, ainda:

·         o conhecimento dos 2 principais fatores de risco modificáveis para o CCR (baixa atividade física e a elevada ingestão de gorduras) --- CFRM;

·         o conhecimento de pelo menos um dos principais exames de rastreio do CCR: PSOF e/ou fibrosigmoidoscopia (PSF) e/ou colonoscopia --- CER;

·         a atitude positiva em relação à realização de exames de rastreio: realização de, pelo menos, um dos principais exames de rastreio do CCR (PSOF e/ou PSF e/ou colonoscopia) - APRER.

Relativamente às variáveis escala, apresentaram-se também medidas de tendência central e de dispersão. Posteriormente, foram efetuadas análises bivariadas de modo a testar possíveis associações entre as variáveis independentes apresentadas no questionário e as seguintes variáveis, consideradas como dependentes: CFRM, CER, APRER e atitude positiva em relac¸ão à utilidade dos exames de rastreio do CCR --- APUER (variável existente no questionário: perceção da utilidade dos exames de rastreio). Seguiram-se análises de regressão logística multivariadas a fim de identificar, num conjunto alargado de variáveis, quais as que contribuíam de forma independente e significativa para o resultado com o objetivo de obter um modelo preditivo. A importância de cada variável preditora foi avaliada segundo o teste de Wald. Para traduzir a diferença entre proporções e quantificar a força da associação encontrada, apresentaram-se os valores de Odds Ratio (OR) e correspondentes

Intervalos de Confiança (IC) a 95%.

Todas as análises foram executadas com o Statistic Package for the Social Sciences, versão 17,0, considerando testes de significância bilaterais e um erro de Tipo I de 5%10.

 

Resultados

As principais características do grupo em estudo são apresentadas na tabela 1. A idade média dos participantes foi de 60 anos, 64,7% do sexo feminino, 71,3% com o nível básico de escolaridade, 2,3% com história pessoal e 12% com história familiar de CCR.

 

Tabela 1 Dados sociodemográficos e informação adicional relevante

 

A tabela 2 resume os dados relativos ao nível de conhecimento sobre os fatores de risco e estratégias de prevenção do CCR. Apenas 40,5% dos respondentes foram capazes de dar a definição de CRC. As percentagens de respostas corretas sobre os fatores de risco de CCR não ultrapassaram os 52,2% para o fator de risco pólipos, seguido de 51,6% para elevada ingestão de gorduras, 46,8% para o tabaco, 42,8% para a história familiar de CCR e, por último, 29,9% para a baixa atividade física. Nos fatores de «não» risco para o CCR houve grandes oscilações, desde 80,2% para a ingestão de frutas e vegetais até 18,4% para as infeções intestinais. Relativamente ao conhecimento dos exames de rastreio do CCR, 50,6% dos indivíduos identificou corretamente a PSOF e, logo a seguir, 49,9% a colonoscopia.

 

Tabela 2 Conhecimentos sobre o CCR

 

A análise dos resultados relativos às atitudes dos portuenses abrangeu a perceção do risco e da utilidade dos exames de rastreio do CCR e a atitude em relação à prevenção e ao tratamento do CCR (tabela 3). Na perceção individual do risco de contrair a doença, mais de 50% dos inquiridos respondeu não ter qualquer risco (1 valor) ou ter risco intermédio (5 valores). Quanto à perceção acerca da utilidade dos exames de rastreio, quase metade dos indivíduos classificou com a pontuação máxima. Relativamente à prevenção e ao tratamento, 78,3% dos inquiridos concordaram que o CCR pode ser prevenido e 83,2% assentiram que o CCR pode ser tratado.

 

Tabela 3 Atitudes em relação ao CCR

 

No que concerne à recomendação de exames de rastreio, a colonoscopia foi aconselhada a 21% dos participantes e a PSOF a uma minoria de 8,2%. Em relação aos exames de rastreio realizados, a colonoscopia foi efetuada por 13,2% dos indivíduos, seguida da PSOF, realizada por 9,8%. A maioria dos indivíduos (64,7%) referiu nunca ter realizado nenhum exame de rastreio do CCR.

De acordo com a análise descritiva das variáveis dependentes dos modelos estudados, no modelo 1 a baixa atividade física e a elevada ingestão de gorduras foram identificados, em simultâneo, como os 2 principais fatores de risco modificáveis para o CCR apenas por 25,4%. No modelo 2, o conhecimento de, pelo menos, um dos principais exames de rastreio do CCR foi demonstrado pela maioria dos inquiridos (63,2%). Quanto ao Modelo 3, a atitude positiva em relação à utilidade dos exames de rastreio do CCR foi evidenciada pela população em geral, visto que 49,7% da amostra atribuiu pontuação máxima à utilidade dos exames de rastreio do CCR (tabela 3). Por fim, no Modelo 4, a atitude positiva em relação à realização de exames de rastreio verificou-se em 20,4% dos indivíduos, os quais realizaram pelo menos um exame de rastreio do CCR.

Após selecionar as variáveis que tiveram significado estatístico na análise bivariada, procedeu-se ao estudo multivariado, do qual os resultados são apresentados na tabela 4.

 

Tabela 4 Regressão logística multivariada, indicando associações entre as variáveis independentes em estudo e as 4 variáveis dependentes

 

Quanto ao modelo 1, das variáveis potencialmente significativas, o conhecimento da definição de CCR foi a única associada ao CFRM (OR = 2,41; IC 1,64-3,55) (modelo 1, tabela 4). No modelo 2, referente à variável CER, grande parte das variáveis do questionário estiveram associadas significativamente: idade (quanto mais idade, menos conhecimento) (OR = 0,97; IC 0,94-0,99), nível de escolaridade mais elevada (OR = 2,90; IC 1,16-1,18), ter conhecimento da definição de CCR (OR = 3,01; IC 1,67-5,43), ter uma maior perceção do risco de CCR (OR = 1,38; IC 1,22-1,56), concordar com a existência de tratamento para o CCR (OR = 4,05; IC 1,41-11,59), recomendação de, pelo menos, um exame de rastreio (OR = 4,51; IC 2,01-10,11), todas as fontes de informação que obtiveram do CCR (principalmente médicos/enfermeiros) (OR = 10,51; IC 3,52-31,36) e a necessidade de mais informação sobre o CCR (OR = 2,89; IC 1,60-5,22) (modelo 2, tabela 4). No modelo 3, das 4 variáveis independentes selecionadas, apenas 2 foram associadas significativamente à APUER: conhecimento da definição do CCR (OR = 1,77; IC 1,03-3,02) e terem informação sobre o CCR, tanto através dos médicos/enfermeiros (OR = 2,71; IC 1,19-6,19), como da comunicação social (OR = 2,42; IC 1,41-4,13) (modelo 3, tabela 4). Por último, o modelo 4, com a variável dependente APRER, apenas a recomendação de no mínimo um exame de rastreio apresentou significado estatístico (OR = 10,03; IC 3,10-32,53) (modelo 4, tabela 4).

 

Discussão

Apesar de, em Portugal, o rastreio do CCR estar dirigido à uma população com idades entre os 50 e os 74 anos, o nosso estudo abrangeu indivíduos a partir dos 40 anos, sem idade limite máxima estabelecida, obtendo uma média de idades de 60 anos.

Consideramos a inclusão destes indivíduos uma mais valia, na medida em que acedemos aos conhecimentos e às atitudes, tanto dos que ainda não se encontravam em rastreio, valorizando a sensibilização antecipada da população, como dos que, apesar de não estarem em idade de rastreio efetivo, já foram, teoricamente, alvo do mesmo.

No âmbito dos conhecimentos acerca do CCR, os nossos resultados indicaram lacunas quanto à definição, aos fatores de risco e aos exames de rastreio do CCR. A maioria dos inquiridos (cerca de 60%) não conhecia uma definição válida de CCR. As percentagens de respostas corretas referentes ao conhecimento dos fatores de risco do CCR oscilaram entre os 29,9% para a baixa atividade física e os 52,2% para os pólipos. Menos de 1/3 dos portuenses associou a baixa atividade física ao risco de ter CCR, fração reduzida para um dos principais fatores de risco modificáveis do CCR. A PSOF e a colonoscopia foram os 2 exames de rastreio mais relatados corretamente pelos inquiridos, com percentagens muito próximas (50,6 e 49,9%, respetivamente).

A análise dos resultados relativos às atitudes dos portuenses quanto à perceção do risco e da utilidade dos exames de rastreio, à prevenção e ao tratamento do CCR foram, de um modo geral, positivos. Os resultados quanto à perceção individual do risco de contrair CCR foram os menos satisfatórios, com respostas situadas em 2 grandes grupos: perceção de risco inexistente (1/4 das respostas) e de risco intermédio (1/5 das respostas), indicando uma fraca sensibilização para o risco pessoal de ter CCR. Quanto à perceção acerca da utilidade dos exames de rastreio, quase metade dos indivíduos classificou-o com a pontuação máxima, o que indica uma atitude positiva para com os mesmos. Relativamente à prevenção e ao tratamento, a grande maioria dos inquiridos concordou que o CCR pode ser prevenido (78,3%) e assentiu que o CCR pode ser tratado (83,2%). Ou seja, os portuenses pareceram estar recetivos aos exames de rastreio do CCR na medida em que demonstraram uma boa perceção da utilidade dos mesmos e que acreditam na sua prevenção e tratamento.

Quanto aos exames de rastreio, a colonoscopia foi o exame mais recomendado pela classe médica e também o exame mais realizado pela nossa amostra. Quer isto dizer que os profissionais de saúde não se regem pelo consignado no Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas, recomendando preferencialmente a colonoscopia e não a PSOF como exame de rastreio para o CCR. Situação semelhante verificou-se num estudo realizado em Portugal Continental11, em que 65% dos inquiridos respondeu ter realizado endoscopia nos últimos 5 anos e apenas 35% PSOF.

No modelo 1, não se identificou associação estatisticamente significativa entre os indivíduos com CFRM e um grau de escolaridade elevado, praticantes de atividade física, que mudaram hábitos alimentares e com hábitos de atividade física, conforme se esperava. Já o resultado da regressão de um estudo realizado no sul de Itália9 com uma amostra de 595 indivíduos, para o qual foi construído semelhante modelo, obteve significado estatístico para as 4 variáveis mencionadas. Uma possível justificação seria a diferença entre as amostras quanto à escolaridade (italianos melhor instruídos).

Em relação ao modelo 2, quanto à recomendação de, pelo menos, um exame de rastreio, os indivíduos responderam 4 vezes e meia mais corretamente ao CER do que os indivíduos aos quais nunca foi recomendado nenhum exame. Este resultado constitui não só um fator de alerta para os profissionais de saúde, mas também uma confirmação de que vale a pena informar, na medida em que as recomendações de rastreio estão intrinsecamente relacionadas com os conhecimentos dos participantes. No que diz respeito à fonte de informação sobre o CCR, os inquiridos que responderam «médicos e enfermeiros» tiveram 10,5 vezes mais respostas corretas ao CER do que os indivíduos sem informação nenhuma sobre o CCR, realçando a forte influência positiva dos médicos e enfermeiros. Os indivíduos que reconheceram a necessidade de obter mais informação sobre o CCR tiveram 2,8 vezes mais respostas acertadas no CER do que os indivíduos que não responderam ou que responderam não necessitar de mais informação, demonstrando que os participantes com resultados mais satisfatórios foram os que reconheceram a necessidade de informação. Importa, então, transmitir informação sobre os exames de rastreio àqueles que nada sabem e que, mesmo não procurando informação, necessitam dela.

Relativamente ao modelo 3, os indivíduos que receberam informação sobre o CCR através dos médicos ou enfermeiros tiveram melhores resultados, tendo respondido aproximadamente 3 vezes melhor a APUER do que os indivíduos sem nenhuma fonte de informação. Os resultados evidenciaram, novamente, a importância dos médicos e enfermeiros como fontes de informação sobre o CCR.

Finalmente, no modelo 4, os indivíduos com a recomendação de, pelo menos, um exame de rastreio do CCR responderam 10 vezes melhor a APRER do que os sem nenhuma recomendação. Estes resultados indicam que os indivíduos agiam de acordo com as recomendações médicas, ou seja, se lhes fosse prescrito algum exame, faziam, se não fosse, não faziam.

Podemos inferir que a grande percentagem de indivíduos que não realizou exames de rastreio (64,7%) deveu-se à não recomendação médica e não a uma fraca adesão da população.

Segundo os nossos resultados, podemos afirmar que os indivíduos estão predispostos a fazer os exames de rastreio, mas não são autónomos nesta matéria. Para isso, é fundamental haver uma mobilização da população para o rastreio, através da divulgação da temática CCR, da sensibilização para o rastreio, da recomendação do exame apropriado e da referenciação para instituições.

Parecem existir divergências entre o que o Ministério da Saúde preconiza e o que a classe médica faz efetivamente na prática. Seria fundamental que chegassem a um consenso, para que caminhássemos todos na mesma direção, com o mesmo objetivo: combater o cancro que mais mata em Portugal.

O nosso estudo apresentou algumas limitações. Dado tratar-se de um estudo transversal, não permitiu o estabelecimento de uma relação causa-efeito entre as diferentes variáveis e o CCR. O facto de o questionário ter sido de preenchimento individual poderá ter levado a um maior número de questões sem resposta (cerca de 16%) e maior falta de veracidade na resposta às mesmas. Por último, o número de perguntas sem resposta deixa-nos sem saber o motivo da não resposta, o que poderia ser importante. Como vantagem, a nossa amostra foi representativa da população-alvo, permitindo a generalização dos resultados. Que seja do nosso conhecimento, não há outros estudos a nível nacional para além do nosso que tenham estudado conhecimentos e atitudes sobre o CCR e o seu rastreio de uma região específica portuguesa. Poderia ser interessante a aposta na investigação em diferentes áreas metropolitanas do país, nomeadamente nas regiões Centro e Sul.

 

 

Bibliografia

1. GLOBOCAN 2008, International Agency for Research on Cancer. Cancer information: Cancer incidence and mortality Worldwide in 2008. [consultado 14 Ago 2011]. Disponível em: http://globocan.iarc.fr/).         [ Links ]

2. Soares JM. Rastreio do Carcinoma do Cólon e do Reto no mundo e em Portugal. ENDOnews. 2006;13:8-13.         [ Links ]

3. Leitão NC. Rastreio do Cancro do Cólon e Reto: recomendac¸ões da SPED. ENDOnews. 2004;8:2.         [ Links ]

4. Rosen L, Abel ME, Gordon PH. The Americam Society of Colon and rectal surgeons standarts task force. Practice parameters for the detection of colorectal neoplasms, supporting documentation. Dis Colon Rectum. 1992;35:391-4.         [ Links ]

5. Guerreiro H. Rastreio do Carcinoma do Cólon e do Reto. Jornal Português de Gastrenterologia. 2003;10:198-9.         [ Links ]

6. Melo M, Braga R. Rastreio do Cancro do Cólon e do Reto. Ver Port Clin Geral. 2003;19:471-82.         [ Links ]

7. Plano Oncológico Nacional 2001-2005. DR Ia Série-B n◦ 199.5233-300.         [ Links ]

8. Brown ML, Podolsky AL, Thompson GB, Kessler LG. The knowledge and use of screening tests for Colorectal and Prostate Cancer: data from the 1987 National Health Interview Survey. Preventive Medicine. 1990;19:562-74.         [ Links ]

9. Sessa A, Abbate R, Di Giuseppe G, Marinelli P, Angelillo I. Knowledge, attitudes, and preventive practices about Colorectal Cancer among adults in an area of Southern Italy. BioMed Central Cancer. 2008;8:1-8.         [ Links ]

10. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. Em:Wiley-Intersciencie Publication, editor. Wiley series in Probability and Statistics. 2a ed. New York: John Wiley & Sons; 2000.         [ Links ]

11. Estudo Universidade Católica para a SPED. Cancro do intestino é o que mais mata em Portugal e Governo ignora prevenção. ENDOnews 2004;8 (Junho).         [ Links ]

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: fornosilvia@gmail.com (S. Esteves Alves do Forno).

 

Recebido a 21 de junho de 2011; aceite a 9 de setembro de 2011