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Revista Portuguesa de Pneumologia

versão impressa ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol v.15 n.4 Lisboa ago. 2009

 

Coordenador: Renato Sotto-Mayor

Autor: Fátima Rodrigues

 

A DPOC como uma doença de envelhecimento acelerado*

COPD as a disease of accelerated lung aging*

 

Kazuhiro Ito

Peter J Barnes

 

Resumo

A DPOC constitui um problema de saúde global de importância crescente, com enorme impacto nos custos directos e indirectos em recursos de saúde. Apesar do seu impacto, pouco se sabe ainda sobre os mecanismos celulares, moleculares e genéticos desta doença, e as terapêuticas farmacológicas actualmente disponíveis não influenciam a progressão da doença ou a mortalidade.

A limitação do débito aéreo avaliada pela redução do volume expiratório máximo no 1.º segundo (FEV1) progride muito lentamente ao longo de várias décadas, condicionando o aparecimento de sintomas em adultos acima dos 40 anos ou já na terceira idade. Desta forma, a prevalência da DPOC é dependente da idade, sugerindo uma relação íntima entre a patogénese da DPOC e a do envelhecimento.

A senescência ou processo de envelhecimento define-se como o declínio progressivo da homeostasia que ocorre após estar completa a fase reprodutiva da vida e conduz a um risco aumentado de doença e de morte. Segundo Kirkwood1, o envelhecimento resulta da interacção entre a lesão e a reparação, como resultado da energia produzida pelo indivíduo para manter a integridade orgânica e proteger o ADN da agressão oxidativa. A falência orgânica ou celular na manutenção ou reparação resulta de uma acção integrada entre genes, ambiente e defeitos intrínsecos do organismo.

Subjacente ao processo de envelhecimento, existe uma acumulação progressiva de danos a nível molecular.

As alterações a nível celular causam reacções inflamatórias, e estas, por sua vez, exacerbam as lesões celulares existentes. Desta forma, os factores inflamatórios e anti-inflamatórios modulam a evolução do envelhecimento.

As alterações inflamatórias e estruturais associadas ao envelhecimento resultam da falência em eliminar os radicais de oxigénio (ROS), da falência em reparar o ADN lesado e do encurtamento do telómero.

Os telómeros protegem as extremidades dos cromossomas, mas, quando se encontram expostos a elevados níveis de stress oxidativo, vão-se encurtando progressivamente à medida que as células se dividem. Com o envelhecimento, a perda e encurtamento dos telómeros condicionam o declínio da capacidade para as células se dividirem – senescência replicativa.

O stress oxidativo causa lesão do ADN, o que acelera o processo de envelhecimento e aumenta o risco de cancro (exemplo, a senescência da glândula mamária e o risco elevado de cancro da mama).

Os gases ambientais, como o fumo do cigarro ou outros poluentes, podem acelerar o envelhecimento do pulmão ou agravar os eventos relacionados com o envelhecimento pulmonar através de uma resolução defeituosa da inflamação. A redução das moléculas anti-envelhecimento como as histona desacetilases e as sirtuínas, pode igualmente induzir a progressão acelerada para a DPOC.

Ainda não é claro como é que o processo de envelhecimento está envolvido no declínio da função pulmonar e na inflamação da DPOC. Contudo, o pulmão do idoso e o pulmão do doente com DPOC apresentam muitas semelhanças. A lesão provocada pelo fumo do cigarro e outros pneumopoluentes conduz a um declínio mais acelerado da função pulmonar, com falência dos mecanismos de reparação e de manutenção.

A presença de inflamação nos dois processos (envelhecimento e DPOC) traduz-se em acumulação de neutrófilos, na activação da NF-kB e na elevação dos níveis plasmáticos de interleucinas IL-6, IL-8 e TNF-á. Também os telómeros das células alveolares tipo II, das células endoteliais e das células mononucleares em doentes com enfisema são significativamente mais curtos do que em indivíduos não fumadores da mesma idade.

Neste artigo, os autores descrevem ainda estudos recentes sobre os mecanismos de transdução de sinal, como as vias da acetilação das proteínas envolvidas no processo de envelhecimento, identificando assim novas moléculas anti-envelhecimento que poderão constituir abordagens inovadoras na terapêutica da DPOC. Os antioxidantes actualmente disponíveis, como a N-acetilcisteína, não são suficientemente potentes para reduzir o stress oxidativo nos pulmões.

Existem vários fármacos em desenvolvimento, como os novos análogos da glutationa e da superoxido dismutase (exemplo, o sulforafano) e novas moléculas antienvelhecimento com maior controlo sobre a resistência ao stress oxidativo, a reparação do ADN e a inflamação, como os activadores das sirtuínas (exemplo, o resveratrol, o activador específico da SIRT1 ou o activador da SIRT6).

 

 

Comentário

No processo natural de envelhecimento, o sistema respiratório sofre um conjunto de alterações morfológicas e fisiológicas, de que são exemplo a acentuação da cifose dorsal, o aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax, a diminuição da mobilidade da parede e a atrofia dos músculos respiratórios2. A nível do parênquima pulmonar, verifica-se uma progressiva dilatação dos bronquíolos respiratórios, dos canais alveolares e dos espaços alveolares, com aumento do volume residual e da compliance pulmonar e a diminuição da retracção elástica3.

Estas alterações parenquimatosas, em conjunto com a diminuição da densidade capilar, promovem um aumento do espaço morto fisiológico, alterações da relação ventilação/perfusão e diminuição da perfusão2,3. Verbeken e colaboradores demonstraram que as alterações decorrentes do envelhecimento, como a dilatação dos espaços aéreos, diferem da que ocorre no doente com enfisema porque, no primeiro, a dilatação é homogénea, regular, sem inflamação ou fibrose associadas (pulmão senil), enquanto no enfisema se verifica concomitante destruição das paredes alveolares4.

Neste artigo, os autores vão mais longe na relação entre as alterações próprias do envelhecimento e a ocorrência de um estado de inflamação crónica, não só na DPOC como em várias outras doenças associadas à idade, como a doença de Alzheimer, as cataratas, a artrite reumatóide, a osteoporose e as doenças cardiovasculares.

Este “ambiente” inflamatório inclui infiltração por células inflamatórias, elevados níveis circulantes e concentrações locais de citocinas pró-inflamatórias, aumento de produção de radicais livres de oxigénio e de factores de transcrição de genes que codificam moléculas pró-inflamatórias, aumento da expressão do óxido nítrico (iNOS) e aumento do número de neutrófilos e da produção da elastase dos neutrófilos.

No caso particular dos pulmões, é difícil separar o efeito atribuível exclusivamente ao envelhecimento fisiológico do efeito cumulativo da acção do ambiente, já que o sistema respiratório está directamente exposto ao ar ambiente e aos pneumopoluentes.

As alterações celulares provocadas pelo envelhecimento e as que são provocadas pelo fumo do tabaco podem envolver mecanismos patogénicos que se interrelacionam. O envelhecimento pode reduzir o limiar de lesão ou amplificar os mecanismos envolvidos na destruição pulmonar pelo fumo do cigarro. Por seu lado, o fumo do tabaco pode actuar como um factor ambiental que perturba a reparação e a manutenção orgânicas, contribuindo para o processo de envelhecimento5.

Do melhor conhecimento dos mecanismos patogénicos envolvidos na DPOC resultará a descoberta de novas abordagens terapêuticas.

A terapêutica farmacológica actualmente disponível consiste nos broncodilatadores de longa duração de acção. Estão a ser desenvolvidos novos inaladores com efeito beta2-adrenérgico e antimuscarínico (e combinações de ambos) de longa duração6. Peter Barnes e colaboradores já haviam indicado como uma abordagem terapêutica promissora a reversão da resistência aos corticosteróides através do aumento da actividade da HDAC2 (histona desacetilase), com fármacos do tipo da teofilina; antioxidantes mais eficazes e macrólidos não antibióticos7. De forma ideal, os novos fármacos deverão interferir com a progressão da doença e, quem sabe, retardar o processo de envelhecimento do pulmão.

 

Mensagem

1. Sabe-se hoje que existe uma relação próxima entre o processo de envelhecimento e os mecanismos patogénicos de várias doenças inflamatórias crónicas, de que é exemplo a DPOC;

2. O stress oxidativo envolvido na patogénese e progressão da DPOC promove igualmente um envelhecimento acelerado do pulmão;

3. O envelhecimento do pulmão cursa com um declínio progressivo da função respiratória, acompanhado de um aumento da inflamação pulmonar e de alterações estruturais associadas;

4. O futuro da terapêutica da DPOC poderá passar por novas moléculas anti envelhecimento (histona desacetilases), antioxidantes mais potentes ou por fármacos que ultrapassem a resistência aos corticosteróides. De forma ideal, os novos fármacos deverão interferir com a progressão da doença e, quem sabe, retardar o processo de envelhecimento do pulmão.

 

 

Bibliografia

1. Kirkwood TB. Understanding the odd science of aging. Cell 2005; 120:437-447.

2. Gamboa T, Rendas A. Fisiologia e fisiopatologia respiratória no idoso. In Gomes MJM, Ávila R. Patologia respiratória no idoso. Hospital de Pulido Valente, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa: 33-52.

3. Figueiredo A. Pneumonia no idoso. Rev Port Pneumol 2001; VII(6):485-493.         [ Links ]

4. Verbeken EK, Cauberghs M, Mertens I, Clement J, et al. The Senile Lung. Comparison with normal and emphysematous lungs. 1. Structural Aspects. Chest 1992; 101:793-799.

5. Tuder RM. Aging and cigarette smoke: Fueling the fire. Am J Respir Crit Care Med 2006; 174:490-491.

6. Barnes P. Frontrunners in novel pharmacotherapy of COPD. Curr Opin Pharmacol 2008; 8(3): 300-307.

7. Barnes PJ, Shapiro SD, Pawels RA. Chronic obstructive pulmonary disease: molecular and cellular mechanisms. Eur Respir J 2003; 22: 672-688.

2009-03-01

* Chest Translating Basic Research Into Clinical Practice 2009; 135:173-180