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Revista Portuguesa de Pneumologia
versão impressa ISSN 0873-2159
Rev Port Pneumol v.15 n.5 Lisboa out. 2009
Subtipos respiratório e não respiratório do transtorno de pânico: Comparações clínicas e de qualidade de vida
Valfrido Leão de-Melo-Neto 1
Anna Lucia Spear King 2
Alexandre Martins Valença 3
Rafael Christophe da Rocha Freire 1
Antonio E Nardi 4
Resumo
Objectivo: comparar os scores dos diversos domínios de qualidade de vida e quadro clínico entre os doentes com subtipos respiratório e não respiratório de transtorno de pânico (TP) em tratamento no Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ.
Método: estudo transversal com 32 doentes com TP com ou sem comorbidades em tratamento ambulatorial, selecionados consecutivamente e diagnosticados através do MINI v.4.4. Destes, 12 (37,5%) apresentam o subtipo respiratório (SR) e 20 (62,5%) o subtipo não respiratório (SN), de acordo com Briggs et al.
Resultados: Em relação aos índices de qualidade de vida, houve apenas diferença no domínio psicológico, sendo que os doentes do subgrupo SN apresentaram piores scores. Os diferentes subtipos de TP (SR e SN) não apresentaram diferenças significativas quanto à distribuição por género, idade, escolaridade, ocupação, estado civil, tabagismo e comorbidades. Clinicamente também não foram encontradas diferenças significativas nos scores de ansiedade, nem de gravidade do TP (BAI, STAI -T, STAI -S, PAS), bem como não se observaram diferenças quanto à idade de início do transtorno ou tempo de evolução da doença.
Conclusão: Doentes do subtipo não respiratório, que apresentam índices semelhantes de ansiedade e gravidade do TP, quando em tratamento, apresentam piores scores de qualidade de vida psicológica do que os do subtipo respiratório.
Palavras-chave: Ansiedade, transtorno de pânico, qualidade de vida, subtipo respiratório.
Respiratory and non-respiratory panic disorder subtypes: Clinical and quality of life comparisons
Abstract
Aim: to compare the scores of the WHOQOL quality of life domains with the clinical features of patients with respiratory and non-respiratory panic disorders (PD) treated at the UFRJ Panic and Respiration Laboratory.
Method: cross sectional study. Thirty-two PD outpatients under treatment were consecutively selected and evaluated by the MINI v.4.4. They were divided into two different groups according to Briggs et al. classification of respiratory and non-respiratory PD subtypes. Twelve (37.5%) patients had the respiratory subtype (SR) and 20 (62.5%) the non-respiratory subtype (SN).
Results: the SN patients presented worse scores in the psychological domain of the WHOQOL. There were no differences between groups in gender, age, level of schooling, occupational status, marital status, smoking and comorbidities. There were no differences in the anxiety questionnaires and PD questionnaire (BAI, STAI-T, STAI-S, PAS) scores and in the age at the beginning of the disorder and the disorders duration.
Conclusion: non-respiratory subtype patients presented worse scores in the psychological domain of WHOQOL than the respiratory subtype group, when they had similar anxiety and PD scores.
Key-words: Anxiety, panic disorder, quality of life, respiratory subtype.
Introdução
O transtorno de pânico (TP) é um transtorno de ansiedade reconhecido como entidade nosológica distinta desde 19801.
A sua prevalência é de cerca de 3% na população geral2. É dispendioso3,4 e provoca grande prejuízo na qualidade de vida dos acometidos3,5.
Actualmentem, o TP é determinado como uma associação entre ataques de pânico, ansiedade antecipatória e esquiva fóbica6. Os ataques de pânico englobam uma lista de treze sintomas físicos e cognitivos, entre os quais queixas respiratórias (desconforto torácico, falta de ar e sensação de sufocação) e medo de morrer6. Tal constructo pode ser mais bem definido a partir das experiências de Klein, na década de 19607.
Ele observou que um determinado grupo de doentes com sintomas de ansiedade respondia bem à imipramina. Mais tarde, Klein postulou que tais doentes apresentavam um alarme falso de sufocação devido a uma hipersensibilidade à hipercapnia cerebral transitória8. Testes provocativos, nos quais se administrava uma mistura de 5% de CO2 no ar respirado em doentes com TP foram realizados e observou-se que isto desencadeava ataques de pânico com a mesma frequência da infusão de lactato de sódio9. Desde então, vários estudos têm replicado esse achado e reforçado a ideia de que os doentes com TP apresentam hipersensibilidade ao CO2 de um modo diferenciado da população geral e de outros doentes ansiosos10. Também se tem determinado uma maior associação entre TP e doenças respiratórias (como asma e DPOC) do que na população geral11,12. Abelson et al.13 sugeriram que doentes com TP apresentavam padrões irregulares de respiração devidos a uma desregulação no tronco cerebral. Outros investigadores afirmam, porém, que o mecanismo do tronco encefálico é secundário a uma activação central, na amígdala14. Devido à grande heterogeneidade de síndromas que podem ser classificadas como ataques de pânico, muitos investigadores têm-se esforçado por definir subtipos de TP, a fim de descrever com mais precisão a sua psicopatologia, resposta terapêutica e prognóstico. Briggs et al.15 definiram dois tipos de TP, um com sintomas respiratórios proeminentes e outro com poucos sintomas respiratórios, ou sintomas respiratórios não proeminentes. Eles perceberam que os doentes com sintomas respiratórios proeminentes respondiam melhor ao tratamento com imipramina, ao contrário do outro grupo, que respondia melhor ao alprazolam.
Na avaliação de base, os doentes com o subtipo respiratório apresentavam maior prejuízo funcional, maior incidência de ataques de pânico espontâneos e menos ataques de pânico situacionais15. Estudos subsequentes demonstraram diferentes padrões nos testes de indução de AP laboratorial, aos quais os doentes do subtipo respiratório se mostravam mais sensíveis16. Além de maior sensibilidade nos testes provocativos, Biber e Alkin16 observaram que os doentes com sintomas respiratórios proeminentes apresentavam mais ataques de pânico espontâneos e nocturnos, mais experiência prévia de sufocação traumática, história prévia de doença respiratória, história de tabagismo pesado e longa duração de doença. Também confirmaram que tais doentes apresentavam melhor resposta terapêutica aos tricíclicos16. Apesar de todo o esforço que tem sido feito para entender melhor tais subtipos de TP, ainda não se sabe o impacto que cada subtipo de pânico determina nos diferentes domínios (físico, psicológico, social, ambiental) da qualidade de vida dos doentes.
O objectivo do presente estudo é comparar os scores dos diversos domínios de qualidade de vida e medidas de ansiedade entre os doentes com subtipos respiratório e não respiratório de TP em tratamento no Laboratório de Pânico e Respiração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Método
Foi realizado um estudo transversal com 32 doentes com TP, diagnosticados através do MINI v.4.417, tratados no Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ, consecutivamente seleccionados quando chegavam para continuarem o tratamento ambulatorial. Destes, 12 apresentavam o subtipo respiratório (SR) e 20 o subtipo não respiratório (SN), de acordo com Briggs et al.15. Foram utilizados como instrumentos um questionário semiestruturado elaborado para a pesquisa para colher dados sociodemográficos; o grau de ansiedade foi investigado utilizando-se o inventário de ansiedade de Beck (BAI)18 e os inventários de estado e traço ansioso de Spielberg (STAI-S e STAI-T)19; o estado actual e gravidade do TP foram avaliados pela escala de pânico e agorafobia (PAS)20; a qualidade de vida foi investigada utilizando-se o questionário da Organização Mundial de Saúde, versão abreviada (WHOQOL-bref)21; também foi investigado o funcionamento global do indivíduo através da escala de funcionamento global do DSM-IV-TR, eixo V (GAF)6. O inventário de ansiedade de Beck18 é um questionário autoaplicável com 21 itens desenhado para mediar a gravidade dos sintomas ansiosos em populações psiquiátricas adultas; os seus scores variam de 0 a 63, quanto mais alto o score maior a gravidade da ansiedade. Os inventários de Spielberger (para traço e estado ansioso)19 são dois questionários autoaplicáveis, com 20 questões em cada, que avaliam o nível de ansiedade, sendo que quanto mais alto o score maior a ansiedade. A escala de pânico e agorafobia20 consiste numa escala de 13 itens onde cada item varia de 0 a 4 e a soma total equivale à gravidade do TP; também quanto maior o score maior a gravidade do transtorno. A escala de funcionamento global do indivíduo6 varia de 0 a 100 e avalia o grau de funcionamento do indivíduo; quanto maior o score melhor o funcionamento. As comparações entre os grupos das variáveis demográficas foram realizadas através do teste t de Student. Já as correlações das variáveis clínicas foram realizadas tanto pelo teste t de Student como pela correlação de Spearman. O programa estatístico utilizado para realização dos testes foi o SPSS 12.0. O estudo foi aprovado pelo comité de ética local e estava de acordo com os princípios da Declaração de Helsínquia. Os critérios de inclusão foram ter entre 18 e 60 anos, escolaridade de no mínimo 4 anos e estarem em tratamento no Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ. O critério de exclusão foi apresentar relato de comorbidade clínica ou psiquiátrica de maior desconforto para o doente do que o TP.
Resultados
Dos 32 doentes avaliados, 12 (37,5%) apresentavam o subtipo respiratório de acordo com a classificação de Briggs et al.15. Os diferentes subtipos de TP (respiratório e não respiratório) não apresentaram diferenças significativas quanto à distribuição por género, idade, escolaridade, ocupação, estado civil e tabagismo (Quadro I). Clinicamente, também não foram encontradas diferenças significativas nos scores de ansiedade, nem de gravidade do TP (BAI, STAI-T, STAI-S, PAS), bem como não se observaram diferenças quanto à idade de início do transtorno ou tempo de evolução da doença (Quadro II). Em relação aos índices de qualidade de vida, houve apenas diferença no domínio psicológico, sendo que os doentes do subgrupo não respiratório apresentaram piores scores (Quadro II).
Quadro I - Avaliação dos dados demográficos de acordo com o subtipo de TP
Variáveis demográficas | Subtipo respiratório | Subtipo não respiratório | p* | df* |
Género | ||||
Masculino | 04 | 06 | 0,85 | 22,44 |
Feminino | 08 | 14 | ||
Média de idade (DP) | 39,58 (9,13) | 40,20 (11,03) | 0,87 | 26,80 |
Escolaridade (DP) | 12,83 (3,41) | 12,60 (3,47) | 0,85 | 23,65 |
Ocupação | ||||
Activo | 8 | 12 | ||
Inactivo | 2 | 6 | 0,38 | 23,69 |
Estudante | 2 | 2 | ||
Estado civil | ||||
Solteiro | 03 | 06 | ||
Casado | 09 | 07 | 0,19 | 29,86 |
Separado ou viúvo | 00 | 07 | ||
Tabagismo | ||||
Sim | 02 | 05 | 0,58 | 20,72 |
Não | 10 | 15 |
* Teste t Student.
Quadro II - Correlações entre subtipos de TP e características clínicas
Variáveis clínicas | Média e desvio-padrão ou frequência (%) | Teste t de Student p (df) | Spearman p (2-tailed) | Coeficiente de correlação |
Idade de início do TP | 0,65 (22,89) | 0,73 | -0,06 | |
SR | 33,58 (±9,18) | |||
SN | 32,05 (±8,97) | |||
Duração do TP | 0,43 (25,72) | 0,33 | 0,18 | |
SR | 06,58 (±6,54) | |||
SN | 08,60 (±7,44) | |||
Comorbidade psiquiátrica | 0,37 (24,08) | 0,37 | 0,16 | |
SR | 04 (33,33%) | |||
SN | 10 (50,00%) | |||
Comorbidade médica | 0,43 (22,09) | 0,42 | 0,15 | |
SR | 06 (50,00%) | |||
SN | 13 (65,00%) | |||
WHOQOL físico | 0,71 (17,67) | 0,88 | -0,03 | |
SR | 58,63 (±23,71) | |||
SN | 55,64 (±16,77) | |||
WHOQOL psicológico | 0,01 (28,09) | 0,02 | 0,41 | |
SR | 64,26 (±15,20) | |||
SN | 48,13 (±19,93) | |||
WHOQOL social | 0,38 (22,76) | 0,44 | -0,14 | |
SR | 63,87 (±22,55) | |||
SN | 56,66 (±21,90) | |||
WHOQOL ambiental | 0,50 (16,77) | 0,41 | -0,15 | |
SR | 53,39 (±22,32) | |||
SN | 48,44 (±14,64) | |||
BAI | 0,40 (22,13) | 0,40 | 0,15 | |
SR | 23,75 (±15,92) | |||
SN | 28,60 (±14,95) | |||
STAI-S | 0,59 (16,06) | 0,19 | 0,24 | |
SR | 47,17 (±15,01) | |||
SN | 46,80 (±09,21) | |||
STAI-T | 0,37 (16,86) | 0,26 | 0,20 | |
SR | 47,92 (±15,08) | |||
SN | 52,40 (±09,98) | |||
PAS | 0,35 (20,84) | 0,25 | 0,21 | |
SR | 15,58 (±13,22) | |||
SN | 20,00 (±11,54) | |||
Frequência de AP | 0,69 (21,31) | 0,56 | 0,11 | |
SR | 0,69 (±1,09) | |||
SN | 0,85 (±0,97) | |||
Evitação | 0,48 (24,30) | 0,45 | 0,14 | |
SR | 0,83 (±1,31) | |||
SN | 1,18 (±1,38) | |||
Ansiedade antecipatória | 0,50 (18,66) | 0,47 | 0,13 | |
SR | 1,96 (±1,48) | |||
SN | 2,30 (±1,13) | |||
Prejuízo | 0,36 (22,62) | 0,26 | 0,20 | |
SR | 1,30 (±1,34) | |||
SN | 1,76 (±1,29) | |||
Preocupações com saúde | 0,12 (16,53) | 0,14 | 0,26 | |
SR | 1,30 (±1,20) | |||
SN | 1,94 (±0,77) | |||
Escala AGF | 0,48 (06,72) | 0,61 | -0,23 | |
SR | 64,68 (±21,51) | |||
SN | 56,38 (±15,82) |
TP=transtorno de pânico, SR=subtipo respiratório, SN=subtipo não respiratório, WHOQOL=escala de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde, BAI=inventário de ansiedade de Beck, STAI-T= inventário de Spielberger de traço de ansiedade, STAI-S= inventário de Spielberger de estado de ansiedade, PAS=escala de pânico e agorafobia, AP= ataque de pânico, AGF=escala de avaliação do funcionamento global
Discussão
No presente estudo encontramos scores de qualidade de vida psicológica mais comprometidos entre os doentes com o subtipo não respiratório, apesar de esses grupos não diferirem nos scores de ansiedade e gravidade de TP.
Este resultado discorda de estudos anteriores como o de Briggs et al 15, no qual os doentes do grupo respiratório apresentavam na linha de base maior prejuízo funcional, maior incidência de ataques de pânico espontâneos e menos ataques situacionais do que o grupo não respiratório. Este achado pode dever-se ao pequeno número de doentes incluídos no presente estudo. Entretanto, ambos os grupos apresentaram scores de qualidade de vida mais baixos do que os de um grupo-controlo avaliado anteriormente pelo nosso centro de pesquisa (domínio físico = 78,75, psicológico = 73,54, social = 73,75 e ambiental = 56,72)22.
Os scores de qualidade de vida (QOL) têm sido usados como medidas de prognóstico e podem avaliar a eficácia terapêutica. Têm uma natureza subjectiva e os seus scores são obtidos segundo a óptica dos doentes23. Os transtornos de ansiedade podem afectar a QOL24 e o TP relaciona-se com saúde física e mental pobres e com alto grau de sofrimento psicológico25. O TP prejudica os scores de QOL na mesma proporção de outras doenças reconhecidamente dramáticas, como cardiopatias26-29. O tratamento do TP melhora os índices de QOL28. Ao avaliar-se os doentes com TP sem os diferenciar em subgrupos, observa-se que os doentes com TP em geral experimentam importante prejuízo funcional29, além de apresentarem elevadas taxas de abuso de substâncias, dependência30 e desemprego5. O TP está associado ao prejuízo da qualidade de vida, às vezes superior ao prejuízo causado pela depressão maior3. Comorbidade com depressão maior, elevado neuroticismo e idade mais avançada, menor escolaridade e maior gravidade do desconforto torácico são factores relacionados com piores scores de qualidade de vida28,31. Especificamente, nos primeiros estágios do TP, ansiedade e sintomas depressivos, frequência das crises e esquiva agorafóbica parecem ser os achados mais relevantes associados a menores scores de qualidade de vida32.
Klein8, ao distinguir dois grupos de doentescom TP, caracterizou um grupo como apresentando defeito no monitor de sufocação que possuía hipersensibilidade para leves alterações nos níveis de CO2, enquanto o outro grupo apresentaria AP mediados mais cognitivamente. Já no modelo de Ley33, o grupo de doentes com TP tipo III (cognitivo) experimentam mais ansiedade apreensiva (que terror) e muitos menos sintomas respiratórios. Este subgrupo pode ser o análogo do segundo subgrupo de Klein. De acordo com o modelo cognitivo de Clark34, o TP poderia resultar da interacção entre interpretações catastróficas de sensações corporais e memórias ameaçadoras. Os doentes com TP seriam mais propensos a interpretar certas sensações corporais como uma ameaça à saúde34. Segundo Gorman et al 35, a errónea interpretação de sintomas respiratórios induzidos aumenta o medo e a actividade autonómica resultando em aumento da frequência respiratória que mais tarde dissipa o CO2 e intensifica os sintomas da hipocapnia.
Em 2001, Moynihan e Gervitz36 encontraram doentes do subtipo respiratório que apresentavam pCO2 do volume residual, em repouso, menor do que o grupo cognitivo; já este não diferia dos controlos. A partir desta teoria desenvolveram-se modelos de provocação de AP laboratoriais pela inalação contínua de CO2 a 5% ou inalação únide CO2 a 35%. Nardi et al 37 e Valença et al 38 encontraram doentes com sintomas respiratórios proeminentes que apresentavam mais AP laboratoriais do que aqueles com sintomas respiratórios não proeminentes.
Beck et al 39 realizaram um estudo com doentes com TP, os quais foram submetidos a um teste respiratório com hipóxia, no qual inalavam O2 a 12% por cinco minutos e tinham medidas respiratórias e de ansiedade aferidas. O subgrupo respiratório apresentou maiores flutuações no Vt e menores níveis de Pet CO2.
Em artigo de 2004, Nardi et al 40 explicam que após estudarem a relação entre hiperventilação e ataques de pânico, contrastando doentes com TP com controlos normais e com parentes em primeiro grau de doentes com TP e doentes com TP e outros transtornos psiquiátricos, constataram que em todas as investigações o grupo TP apresentou maior sensibilidade e sintomas de ansiedade em ataques de pânico induzidos por hiperventilação (HPA).
O grupo HPA em geral apresentou mais história de transtorno psiquiátrico na família, iniciou o TP mais tarde e teve mais episódios depressivos prévios. O artigo conclui dizendo que há diferenças entre os grupos HPA e não HPA e mostra uma associação entre o subtipo respiratório e hiperreatividade a um teste provocativo com hiperventilação aguda.
Verburg et al 41 relataram que os doentes com TP apresentam uma prevalência prémórbida de doenças respiratórias e indicam uma possível relação entre doenças respiratórias e TP.
Afirmam que uma possível explicação para esta alta prevalência seria a de que doenças respiratórias podem ser um factor predisponente para TP.
A presença de comorbidade resulta em maior gravidade dos sintomas ansiosos e depressivos, maior frequência de outras condições comórbidas e pior resposta e adesão ao tratamento42. Goisman et al 43 observaram que o TP com ou sem agorafobia coexiste com pelo menos um outro transtorno de ansiedade 37% das vezes.
Roy-Byrne et al 44 encontraram uma frequência elevada da associação de TP e depressão maior na população geral. A maioria dos estudos mostra que a resposta ao tratamento em doentes com TP e depressão comórbida é pior do que nos doentes com TP puro45.
O TP e as doenças obstrutivas pulmonares são problemas de saúde pública mundial e relacionam-se com importantes prejuízos sociais, económicos e de qualidade de vida dos doentes46. Vários estudos com pequenas amostras de indivíduos com asma ou DPOC têm encontrado taxas de prevalência para TP variando de 8 a 24%11. Estas taxas estão bem acima das referidas na população geral12.
Doentes com idade de início mais precoce do TP tendem a apresentar mais comportamento evitativo, hipervigilância a sinais fisiológicos, sintomatologia mais grave durante os ataques, nível de funcionamento mais baixo e maior prevalência de agorafobia do que os indivíduos mais velhos47.
Porém, neste estudo, observamos que não houve diferenças significativas em características como idade de início do TP, tempo de transtorno, gravidade dos sintomas ansiosos e de TP, comorbidades (psiquiátrica e médica) e que todos os doentes se encontravam em tratamento. Tendo características clínicas e demográficas semelhantes, fomos surpreendidos com o achado de que doentes do subtipo não respiratório apresentavam pior score de qualidade de vida psicológica. Como relatado na literatura em geral, este grupo (não respiratório) poderia corresponder ao grupo cognitivo do TP, com resposta inferior aos ADT e maior disfunção cognitiva. Este grupo pode apresentar interpretações mais catastróficas sobre seu estado de saúde e grau de sofrimento, na ausência de sintomas de TP proeminentes, justificando o porquê de apresentarem piores índices da qualidade de vida psicológica. Contudo, um estudo mais aprofundado da influência de co morbidades não pôde ser realizado, dado o número baixo da amostra, o que se apresenta como uma limitação deste estudo. Outra limitação é o carácter transversal do estudo, não fazendo distinção do estádio de tratamento em que os doentes se encontram, apesar de que, independente do estádio, podemos observar que os grupos são clinicamente homogéneos.
Não foi possível fazer a distinção precisa da influência do tratamento nos scores de qualidade.
Uma outra limitação do estudo foi o facto de não termos distinguido as comorbidades médicas apresentadas, para determinarmos se houve maior comprometimento entre aqueles com comorbidades respiratórias. Também não fizemos a avaliação do impacto da comorbidade com depressão maior. Porém, a diferenciação dos doentes em subgrupos e a consequente avaliação da qualidade de vida com amostras maiores poderão sinalizar importantes peculiaridades a serem abordadas nas intervenções terapêuticas que podem ter prioridades distintas a depender do subgrupo em questão.
Conclusão
Doentes do subtipo não respiratório, que apresentam índices semelhantes de ansiedade e gravidade do TP, quando em tratamento, apresentam piores scores de qualidade de vida psicológica do que os do subtipo respiratório.
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1 Psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Investigador do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil/Physchiatrist. MsC, Phsychiatry, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Researcher, Panic and Respiration Laboratory, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brazil
2 Psicóloga. Mestre em Saúde Mental. Aluna do Doutorado em Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Investigadora do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil/Pshychologist. MsC, Mental Health. PhD student Physchiatry and Mental Health, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Researcher, Panic and Respiration Laboratory, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brazil
3 Doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Investigador do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. Professor de Psiquiatria da Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói, Brasil, e da Universidade Severino Sombra,Vassouras, Brasil/PhD, Psychiatry, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Researcher, Panic and Respiration Laboratory, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. Psychiatry Professor, Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói, Brazil and Universidade Severino Sombra,Vassouras, Brazil
4 Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Investigador do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil/Associate Professor, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Researcher, Panic and Respiration Laboratory, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, Brazil Laboratório de Pânico e Respiração, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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Director: Prof. Dr. Marcio Versiani
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Recebido para publicação/received for publication: 08.10.20
Aceite para publicação/accepted for publication: 09.02.25