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Revista Portuguesa de Pneumologia

versão impressa ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol v.15 n.6 Lisboa nov. 2009

 

A asma e os seus diagnósticos diferenciais

 

Alexandra Bento1

Ana Maria Arrobas2

 

Resumo

A aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) ocorre em doentes não imunocomprometidos e é uma patologia de hipersensibilidade induzida pelo Aspergillus5.

Estima-se que esteja presente em cerca de 7-14% dos casos de asma crónica corticodependente e o no mesmo número de casos de fibrose quística. A maioria das ABPA são identificadas pela 30-50.ª décadas de vida, mas podem surgir na infância1.

O diagnóstico baseia-se na presença de uma combinação de critérios clínicos, biológicos e radiológicos5.

A doença apresenta-se com largo espectro de gravidade, pode ser reconhecida precocemente e tratada agressivamente, impedindo a sua progressão para um estádio de doença grave e debilitante requerendo transplante pulmonar1.

Os autores relatam o caso de uma doente de 41 anos, com antecedentes de asma alérgica desde a infância.

Uma asma grave, de difícil controlo e com recurso a corticoterapia sistémica por longos períodos.

Palavras-chave: Asma, aspergilose broncopulmonar alérgica, critérios de diagnóstico.

 

Asthma and its differential diagnoses

Abstract

Allergic bronchopulmonary aspergillosis (ABPA) occurs in immunocompetent patients and belongs to the Aspergillus5 induced hypersensitivity disorders. It is estimated that ABPA complicates approximately 7-14% of cases of chronic steroid-dependent asthma and the same amount of cases of cystic fibrosis. A diagnosis of ABPA is based on a combination of clinical, biological and radiology criteria5.

There is a broad spectrum of disease severity. Early detection and aggressively management will impede progressive lung damage to a severe and debilitating disease requiring lung transplantation1.

The authors describe the case of a 41 year-old female with a history of allergic asthma from childhood1. It was a severe, difficult to control asthma treated with systemic corticosteroids for long periods.

Key-words: Asthma, allergic bronchopulmonary aspergillosis, diagnostic guidelines.

 

Introdução

A aspergilose broncopulmonar alérgica é uma reacção inflamatória pulmonar idiopática que se caracteriza por uma resposta inflamatória à colonização fúngica do pulmão1.

A doença é causada por uma reacção alérgica exagerada a diversas espécies de fungos, particularmente ao Aspergillus fumigatus (90% dos casos), mas a Cândida albicans, Helminthosporidium spp, Curvularia lunata, Drechslera spp e Stemphylium spp também podem estar implicados1,6.

A magnitude da reacção à colonização crónica da via aérea pelo Aspergillus depende de factores genéticos do hospedeiro que irão contribuir para uma reacção de hipersensibilidade tipo I, mediada por IgE; tipo III, mediada por IgG; e tipo IV, mediada por células6. A reacção inflamatória crónica é responsável por uma progressiva destruição brônquica, que irá permitir maior penetração do Aspergillus na parede brônquica, amplificando essa reacção. Se o ciclo se mantiver por um intervalo de tempo longo, culmina na formação de bronquiectasias1.

A asma é o factor contributivo mais comum, mas a ABPA também pode estar presente em doentes que apresentam fibrose quística ou outras patologias que cursam com bronquiectasias6.

Podemos encontrar condições associadas, como a rinite alérgica, a sinusite alérgica fúngica, a granulomatose broncocêntrica, a dermatite atópica e a dermatite de contacto6.

Tipicamente, os doentes apresentam história de asma de difícil controlo, relatando sintomas frequentes de dispneia, tosse, pieira e intolerância ao exercício1,6. Quando estão presentes bronquiectasias, há produção crónica de expectoração, com rolhões de muco espesso e acastanhado e maior risco de infecções respiratórias bacterianas1,4,6.

Os critérios de diagnóstico apresentados (Quadro I) não são absolutos e têm vindo a evoluir ao longo do tempo; no entanto, são uma ajuda preciosa para um diagnóstico precoce da doença1. Os doentes com os 5 critérios major apresentam ABPA com bronquiectasias centrais (ABPA-CB); a ausência de bronquiectasias sugere o diagnóstico de ABPA seropositiva (ABPA-S). Os critérios minor suportam o diagnóstico, não são obrigatórios e podem estar presentes nas agudizações da doença6.

 

Quadro I1,6

 

Os diagnósticos diferenciais da ABPA incluem: asma corticodependente sem ABPA, fibrose quística, tuberculose, infecções parasitárias, pneumonia de hipersensibilidade, síndroma de Churg Strauss, pneumonia eosinófilica, linfoma, síndroma eosinofilica idiopática, patologia autoimune, drogas inaladas (cocaína/crack) e fibrose Q1.

As alterações radiológicas típicas possíveis de encontrar são variadas: (a) infiltrados irregulares, transitórios e com localização preferencial nos lobos superiores; (b) bronquiectasias cilíndricas e saculares centrais; (c) imagens de impactação mucóide dos brônquios dilatados, como por exemplo opacidades em “dedo de luva”1,6,8.

No estudo funcional respiratório dos estádios I a IV da ABPA encontramos uma síndroma obstrutiva e no estádio V, para além da obstrução, há também restrição e diminuição da difusão alveoloarterial do CO1.

O tratamento é estabelecido de acordo com o estádio (Quadro II) em que se encontra a doença. As exacerbações agudas, estádio I ou III, devem ser tratadas com corticosteróides orais, 0,5 a 1 mg/kg/dia de prednisolona.

 

Quadro II1 – Estadiamento da ABPA

 

Estes serão mantidos até resolução dos sintomas, dos infiltrados e da descida da IgE total pelo menos 35%, sendo reduzidos num período entre 3 a 6 meses. A remissão é definida como estabilização de sintomas e IgE total por um período de 6 meses sem corticoterapia6. Devem monitorizar-se os doentes com IgE total mensalmente ou bimensalmente, radiografia torácica cada três meses no primeiro ano e estudo funcional respiratório anual. Nos casos em que haja duplicação da IgE total, deve considerar-se aumentar a dose de corticosteróides1.

O estádio IV é definido pela incapacidade de parar o tratamento com corticosteróides. Com o objectivo de minimizar a toxicidade, deve ser mantida a menor dose possível com controlo dos sintomas6. No estádio V recomenda-se o uso de corticosteróides apesar da sua fraca eficácia nesta fase da doença.

Nestes doentes, o prognóstico é reservado e muitos deles desenvolvem infecções bacterianas recorrentes. Uma possível opção de tratamento é o transplante pulmonar1,6.

Os corticosteróides inalados devem ser usados, pois ajudam no controlo do broncospasmo e funcionam como poupadores da corticoterapia sistémica. O tratamento adjuvante com broncodilatadores auxilia no controlo do broncospasmo1.

Os agentes antifúngicos mostraram ser terapia adjuvante eficaz e devem ser considerados nos doentes corticodependentes, naqueles em que há agudizações frequentes, nos estádios tardios da doença e se os corticosteróides não se mostrarem eficazes ou apresentem elevada toxicidade1,6,7.

O agente antifúngico que se mostrou mais eficaz, em estudos realizados, foi o itraconazol 400 mg/dia por 16 semanas1,6,7. Outros agentes, como o voriconazol, estão a ser estudados, ainda sem resultados definitivos6.

Os doentes com ABPA desenvolvem uma hipersensibilidade mediada por IgE contra esporos do fungo Aspergillus fumigatus, originando elevação dos níveis de IgE. Perante a farmacologia do anticorpo omalizumab, ele pode mostrar-se útil em doentes com ABPA1. Na literatura encontramos algumas publicações que descrevem o uso do omalizumab após a falência de terapêutica convencional com corticosteróides. Nesses casos, os doentes melhoraram sintomaticamente após o início da terapêutica e a corticoterapia sistémica foi suspensa ou reduzida significativamente9,10.

 

Caso clínico

Doente do sexo feminino com 41 anos, antecedentes de asma extrínseca desde a infância e pneumonia aos 18 anos. Trabalhava numa cerâmica, realizando a cromagem de louça. Nos antecedentes familiares relatava tios com rinite alérgica, o pai com bronquite, irmão com história de asma até aos 7 anos de idade.

Nos últimos anos a doente foi observada e medicada por diversos especialistas em vários centros, manteve sempre um controlo parcial da asma e múltiplos episódios de supuração brônquica durante o ano. Realizou corticoterapia sistémica por períodos prolongados, com benefício. As queixas brônquicas motivaram dois internamentos e 7-8 cursos de antibioterapia no último ano.

Nega queixas nasais. Ao observar a doente em consulta de alergologia, havia queixas de tosse com expectoração mucopurulenta e pieira diárias, bem como dispneia ao exercício físico.

Ao exame físico apresentava-se eupneica, sem cianose central, facies cuxingóide, hipocratismo digital, unhas em vidro de relógio, e na auscultação pulmonar havia roncos e crepitações bilaterais. Verificou-se teste de hipersensibilidade imediata cutânea positivo para Aspergillus fumigatus.

Nos exames laboratoriais (Quadro III) destacavam-se uma marcada elevação de IgE total e da IgE especifica a Aspergillus fumigatus.

 

Quadro III – Estudo analítico

 

A telerradiografia torácica (Fig. 1) apresentava marcado reforço broncovascular bilateral, múltiplas imagens arredondadas, saculares, de parede espessada para-hilares bilaterais.

 

Fig. 1 – Telerradiografia do tórax PA – Marcado reforço broncovascular bilateral, múltiplas imagens arredondadas, saculares, de parede espessada para-hilares bilaterais

 

Na tomografia computorizada torácica (Fig. 2) observaram-se inúmeras imagens sugestivas de bronquiectasias, do tipo varicoso e quístico, de parede brônquica espessada, envolvendo ambos os pulmões, de distribuição mais abundante nos 2/4 intermédios dos campos pulmonares e nos brônquios segmentares.

 

Fig. 2 – Tomografia computorizada – Observaram-se inúmeras imagens sugestivas de bronquiectasias, do tipo varicoso e quístico, de parede brônquica espessada, envolvendo ambos os pulmões, de distribuição mais abundante nos 2/4 intermédios dos campos pulmonares e nos brônquios segmentares. São de referir algumas imagens sugestivas de impactação mucosa nos lobos inferiores

 

São de referir algumas imagens sugestivas de impactação mucosa nos lobos inferiores.

A tomografia computorizada dos seios perinasais revelou hipertrofia da mucosa de revestimento dos seios esfenoidais.

No estudo funcional respiratório apresentava um padrão obstrutivo grave, com hiperinsuflação pulmonar e prova da broncodilatação com salbutamol positiva (FVC 1,53 l (52%); FEV1 0,74 l (29%); FEV1/FVC 48%; CV 1,6 l; TLC 3,8 l (84%); VR 2,2 l (147%); CV/TLC 58%). Havia insuficiência respiratória global na gasometria com FiO2 21% (PCO2 48,2 mmHg, PO2 56,3 mmHg). Iniciou tratamento com prednisolona 30 mg/dia, incrementou-se a terapêutica com corticosteróides e broncodilatadores inalados (budesonida, formoterol e tiotrópio), prescreveu-se um curso de antibioterapia com espectro para Klebsiella azaenae.

 

Discussão

No caso clínico descrito, a doente apresentava história de asma de difícil controlo e episódios de supuração brônquica frequentes.

Verificou-se a existência do teste de hipersensibilidadecutânea positiva a Aspergillus.

Perante uma asma moderada a grave e hipersensibilidade positiva a Aspergillus fumigatus, a hipótese de ABPA deve ser ponderada1.

Na continuação da investigação observou-se elevação da IgE total superior a 1000 UI//ml, IgE especifica para Aspergillus fumigatus e a tomografia computorizada torácica revelou bronquiectasias centrais. Nesta altura estavam presentes os cinco critérios major para ABPA. São de referir critérios minor presentes, impactação mucóide na tomografia computorizada torácica já citada e anticorpos precipitantes para Aspergillus fumigatus positivos.

O teste da condutividade [NaCl] (teste do suor), negativo numa doente adulta, permitiu excluir o diagnóstico de fibrose quística.

A cultura da expectoração foi negativa para Mycobacterium tuberculosis, parasitas e fungos, e excluiu a existência de outra etiologia infecciosa. A cultura da expectoração positiva para um agente bacteriano (Klebsiella ozaenae) está de acordo com a presença de bronquiectasias.

Consideramos que a doente apresenta uma aspergilose broncopulmonar alérgica com bronquiectasias centrais em contexto de asma alérgica.

A doença encontra-se em estádio de agudização (I ou III), não permitindo fazer afirmação do estádio definitivo.

Iniciou-se medicação com corticoterapia sistémica, e, de acordo com a evolução clínica, analítica, funcional e radiológica, poderá proceder-se ao ajuste terapêutico necessário.

Consideraremos a introdução de antifúngico nas condições já referidas. Há também a possibilidade de tratamento com o anticorpo anti-IgE omalizumab. Nos casos encontrados descritos na literatura foi administrado cada 2-4 semanas em doses calculadas a partir da tabela específica, de acordo com os níveis de IgE séricos9.

 

Bibliografia

1. Alfred P. Fishman, Fishman’s pulmonary diseases and disorders, fourth edition, McGraw-Hill Medical Companies, 2008: 1532-1534.

2. Fauci B, Kasper H, Longo J, Loscalzo H. Principles of internal medicine, Seventeenth Edition, McGraw-Hill Companies 2008, chapter 374.

3. Gomes MJM, Sotto-Mayor R. Tratado de Pneumologia da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, 2003, capítulo 117.

4. Spiro S, Albert R, Jett J. Tratado de Neumología, 1.ª edição, Hardcourt, 2001, capitulo 74, secção 18.

5. Tillie-Leblond, et al. Allergic bronchopulmonary aspergillosis. Allergy 2005; 60(8):1004-1013.        [ Links ]

6. Cheezum, et al. Allergy & clinical immunology; allergic bronchopulmonary aspergillosis; Medscape; 2008.

7. Stevens, et al. A randomized trial of itraconazole in allergic bronchopulmonary aspergillosis. N Engl J Med 2000; 342(11):756-762.

8. Viswanath, et al. Allergic bronchopulmonary aspergillosis: challenges in diagnosis. Medscape General Medicine 1999; 1(3).

9. Collins J, et al. Allergic bronchopulmonary aspergillosis treated successfully with omalizumab: three case reports. Ann Alllergy Asthma Immunol 2008; 100 (Suppl):A7.

10. Adaobi Kanu, et al. Treatment of allergic bronchopulmonary aspergillosis (ABPA) in CF with anti-IgE antibody (omalizumab). Pediatric Pulmonology 2008; 43(12):1249-1251.

 

1 Interna do Internato Complementar de Pneumologia da Unidade de Saúde Local EPE Guarda

2 Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia do Centro Hospitalar de Coimbra, EPE

Centro Hospitalar de Coimbra EPE

Serviço de Pneumologia

São Martinho do Bispo 3000 - Coimbra

e-mail: alexitbento@gmail.com

 

Recebido para publicação/received for publication: 09.04.13

Aceite para publicação/accepted for publication: 09.05.14