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Revista Portuguesa de Pneumologia
versão impressa ISSN 0873-2159
Rev Port Pneumol v.15 n.6 Lisboa nov. 2009
Tuberculose testicular: Caso clínico
Filipa Viveiros2
David Tente3
Paulo Espiridião4
Resumo
A tuberculose testicular é uma entidade clínica rara que ocorre em aproximadamente 3% dos doente com tuberculose genital. Clinicamente, a tuberculose do testículo não pode ser distinguida de lesões como o tumor testicular ou enfarte, podendo em alguns casos mimetizar uma torção testicular. Os homens com idades compreendidas entre os 20 e os 50 anos são os mais frequentemente afectados e queixam-se habitualmente de dor ou aumento de tamanho do testículo. A ecografia e actualmente a melhor técnica para a visualização e a orientação diagnostica de lesões testiculares.
Os autores apresentam o caso de um homem de 58 anos, seguido em consulta de Pneumologia por tuberculose pulmonar, que inicia quadro de dor e aumento testicular direito ao 2.o mês de tratamento antibacilar e cuja avaliação inicial, secundada por ecografia, foi sugestiva de lesão neoplásica. O diagnóstico final revelou tratar-se de uma tuberculose testicular.
Palavras-chave: Tuberculose, testiculo.
Testicular tuberculosis: Case report
Abstract
Testicular tuberculosis is rare, occurring in approximately 3% of patients with genital tuberculosis. It is often clinically indistinguishable from lesions such as testicular tumour and infarction and may even mimic testicular torsion. Men aged 20-50 years old are most commonly affected and often present with painful or painless enlargement of the scrotum. Ultrasound (US) is currently the best technique for imaging the scrotum and its contents and for diagnosing testicular lesions.
We present the case of a 58 year-old male, followed in pneumology for pulmonary tuberculosis, who complained of pain and right scrotum enlargement in the second month of anti-tuberculosis chemotherapy. First assessment, seconded by US, suggested a neoplasic lesion, and the final diagnosis revealed testicular tuberculosis.
Key-words: Tuberculosis, testicule.
Introdução
A incidência da tuberculose extrapulmonar tem vindo a aumentar nas últimas décadas, principalmente devido a epidemia do VIH1,2. O tracto genitourinario é o local mais frequentemente afectado e clinicamente representam 2,34% dos casos; no entanto, o seu envolvimento é observado em 7% dos doentes com tuberculose no momento da autopsia1,2,3.
A tuberculose do testículo pode resultar de uma extensão retrograda da infecção a partir da próstata e vesículas seminais, assim como de propagação hematogenea1,2,3. Também foram postuladas a disseminação através do sistema linfático pélvico e a transmissão venerea3,4.
A infecção habitualmente afecta primeiro o epididimo, sendo que a orquite ocorre como resultado da extensão contígua e reflecte um estádio tardio no processo da doença1,2,3. A orquite tuberculosa isolada, por disseminação hematogenea e sem envolvimento do epididimo, é rara1,3. Assim sendo, a tuberculose testicular é uma entidade clínica rara que ocorre em aproximadamente 3% dos doentes com tuberculose genital2,3.
Clinicamente, não pode ser distinguida de lesões como o tumor testicular, infecção aguda (bacteriana ou virica), infecção granulomatosa (como a sarcoidose) ou enfarte, podendo até, em alguns casos, mimetizar uma torção testicular1,2,3. A sua cuidadosa distinção é importante para um tratamento apropriado1.
Os homens sexualmente activos, com idades compreendidas entre os 20 e os 50 anos, são os mais frequentemente afectados e queixam-se habitualmente de dor ou aumento de tamanho do testiculo1,2,3,4. A presença de sintomas urinários e piuria estéril sugerem fortemente uma associação ao envolvimento renal3.
A ecografia do testículo é actualmente a melhor técnica para a visualização e orientação diagnóstica das lesões testiculares1,2,3.
Caso clínico
AJP, sexo masculino, 58 anos, fumador de 57 UMA, com clínica de bronquite crónica tabágica, reformado de operário em fábrica de fundição e minas de volfrâmio com resultante silicose. Seguido em consulta de Pneumologia por tuberculose pulmonar (Fig. 1), confirmada em exame directo e cultural de expectoração (> 36 bacilos por campo), e cujo antibiograma apresentava sensibilidade a todos os fármacos de primeira linha.
Fig. 1
A serologia para o vírus de imunodeficiência humana era negativa. Iniciou tratamento antibacilar com boa evolução clinicorradiologica e conversão das baciloscopias ao 1.o mês de tratamento. Ao 2.o mês inicia dor em moedeira e aumento do testículo direito, sendo orientado para a consulta de Urologia. O doente negava história prévia de traumatismo ou orquite. Ao exame físico apresentava uma volumosa massa palpável a nível do saco escrotal direito, ocupando todo o volume do saco e alterando a forma das estruturas intraescrotais.
O toque rectal revelou uma próstata com aproximadamente 50g e nódulo palpável a nível do terço médio do lobo direito.
Do estudo efectuado será de salientar um antigénio específico da próstata (PSA) aumentado (10,88), com relação PSA livre/total diminuída (13,5%); os doseamentos da beta-gonadotrofina corionica humana (β-HCG), alfa-fetoproteina (α-FP) e DHL foram normais.
Realizou posteriormente ecografia testicular e vesicoprostática que demonstrou um testículo direito com múltiplas formações nodulares, pericentimétricas, sugestivas de processo neoplásico (Fig. 2). Salientava-se a existência de múltiplas adenopatias da cadeia inguinal direita. Perante a avaliação inicial sugestiva de lesão neoplásica, o doente foi submetido a cirurgia com orquidectomia radical direita (Fig. 3).
Fig. 2 – Ecografia testicular
Fig. 3 – Testículo com lesão heterogénea branco-amarelada, com necrose que envolve a quase totalidade da polpa testicular. Hidrocelo de pequeno volume
O resultado histológico revelou um processo granulomatoso necrosante Ziehl-Neelsen positivo, compatível com o diagnostico de orquite granulomatosa necrosante de etiologia tuberculosa (Fig. 4).
Fig. 4 – C – Parênquima testicular (à esquerda) e processo inflamatório granulomatoso necrosante (à direita). A – Granulomas epitelióides com necrose. B – Bacilos álcool ácido-resistentes, observados após coloração pelo método de Ziehl-Neelsen
Comentário
As manifestações de tuberculose extrapulmonar podem surgir já no decurso do tratamento da tuberculose pulmonar, mesmo com tratamento correctamente orientado e em indivíduos imunocompetentes. Os doentes com orquite bacilar têm habitualmente uma boa resposta a terapêutica antibacilar.
Preconiza-se um tempo de tratamento antibacilar com o esquema habitual (isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol – 2HRZE + 4HR) de 6 meses de duração; no entanto, em algumas situações, pode ser necessária intervenção cirúrgica2,4.
A cirurgia está indicada em casos graves, ou perante a falta de resposta clínica ao tratamento, com aumento no tamanho e edema do testículo ou formação de abcesso2,4. É importante o diagnóstico diferencial com outras entidades clínicas; nomeadamente quando os achados clínicos mimetizam os de um tumor testicular. O diagnóstico de infecção tuberculosa é facilmente perdido, pelo facto de os tumores serem a causa mais comum de massa testicular1.
A nível ecográfico, a presença de um aumento do epididimo em conjunto com lesão testicular é mais sugestivo de infecção do que de etiologia neoplásica2,3. Os padrões ecográficos associados com a orquite tuberculosa são vários e incluem: um aumento difuso, heterogéneo e hipoecoico do testículo; um aumento difuso e homogéneo do testículo; um aumento nodular e heterogéneo e a presença de múltiplos e pequenos nódulos hipoecoicos num testículo aumentado1,2,3.
Este último, também conhecido como padrão miliar, é característico da tuberculose do testiculo1,2. Outros achados ecograficos associados são o espessamento da pele escrotal, o hidrocelo, as calcificações intraescrotais extratesticulares, o abcesso escrotal e o tracto sinuoso escrotal1,2,3. A adição do ecodoppler, para avaliação do fluxo sanguíneo, pode ajudar a diferenciar entre a presença de enfarte, tumor ou inflamação do testiculo1,2.
A epididimorquite tuberculosa deve ser considerada no diagnóstico diferencial de edema escrotal por tumor, infecção aguda ou orquite inflamatória. A evidência de tuberculose fora do tracto genitourinario, a falência da terapêutica antibiótica convencional, a presença de calcificações no escroto, o abcesso, os tractos sinuosos do testículo e a imunodepressão ajudam no diagnóstico de tuberculose do testiculo1,2,3.
Bibliografia
1. Muttarak M, Wilfred PGC, Lojanapiwat B, Chaiwun B, Tuberculous epididymitis and epididymo-orchitis. Am J Roentg 2001; 176:1459-1466.
2. Muttarak M, Wilfred PGC, MBBS, FRCP, FRCR. Case 91: Tuberculous epididymo-orchitis. Radiology 2006; 238:748-751. [ Links ]
3. Shahl H, Shah K, Dixit R, Shah KV. Isolated tuberculosis epididymo -orchitis. Indian J Tuberc 2004; 51:159-162.
4. Rajpall S, Dhingra VK, Malik MM, Kumar R. Tuberculous epididymo-orchitis treated with intermittent therapy: a case report. Indian J Allergy Asthma Immunol 2002; 16(1):51-54.
1 Centro Diagnóstico Pneumológico de Vila Nova de Gaia
2 Serviço de Pneumologia
3 Serviço de Anatomia Patológica
4 Serviço de Urologia
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho
5 Faculdade de Medicina. Universidade do Porto
e-mail: filipaviveiros@gmail.com
Recebido para publicação/received for publication: 09.03.02
Aceite para publicação/accepted for publication: 09.05.15