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Revista Portuguesa de Pneumologia

versão impressa ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol v.15 n.6 Lisboa nov. 2009

 

Falsa asma – A propósito de um caso clínico

 

Alexandra Bento1

Ana Paula Gonçalves2

 

Resumo

A maioria dos bócios mediastinicos são extensões de bócios cervicais. Geralmente os doentes são do sexo feminino e só muito raramente apresentam sintomas4.

As queixas mais frequentemente relatadas são sensações de “massa cervical”, dispneia, disfagia e tosse1.

Os autores relatam o caso de uma doente de 67 anos, que recorreu ao serviço de urgência por  queixas de dispneia, desconforto e sensação de aperto cervical anterior. O quadro descrito tinha alguns meses de evolução e havia agravamento na semana previa. A doente referiu antecedentes de asma brônquica, para a qual estava medicada, mas constatou-se que se tratava de um bócio mergulhante.

Palavras-chave: Bocio mediastinico, compressão traqueal, asma.

 

Asthma mimic – A clinical case report

Abstract

Most mediastinal goiters are extensions of cervical goiters. Patients are generally female and only occasionally have symptoms4. Patients most commonly complain of a mass-like sensation, dyspnoea, dysphagia and cough1. The authors describe the case of a 67 year-old female who presented at the emergency room with dyspnoea, anterior cervical discomfort and tightness which had onset a few months prior but which had worsened in the last week. The patient cited a history of bronchial asthma, for which she was under medication, but the true diagnosis was mediastinal goiter.

Key-words: Mediastinal goiter, tracheal compression, asthma.

 

Introdução

A maioria dos bócios mediastinicos são extensões de bócios cervicais, denominados bócios mergulhantes1,3. Estima-se que 1% dos casos de bócio sejam do tipo bócio mergulhante6.

Um bócio completamente intratoracico sem componente cervical e extremamente raro4.

O bócio mergulhante e mais frequente em indivíduos do sexo feminino, com mais de 50 anos de idade3. O quadro clínico e de evolução insidiosa e assintomática em até 65% dos casos6.

Nao se compreendem exactamente os mecanismos que levam a invasão da cavidade torácica pela glândula tiróide. Supõe-se que o tamanho do pescoço, a musculatura cervical hipertrofiada e a cifose acentuada possam ser factores predisponentes6.

A sintomatologia apresentada relaciona-se com a compressão de estruturas adjacentes.

Os sintomas referidos mais comuns são a dispneia e a disfagia progressivas, os relacionados com a sindroma da veia cava superior e com a insuficiência respiratória aguda6.

Podem também surgir tosse, rouquidão, sensação de massa cervical ou estridor. Este apenas surge quando a via aérea superior apresenta diâmetro inferior a 5 mm1,3,5.

O doseamento das hormonas tiroideias e obrigatório, mas e raro encontrar alterações da função tiroideia3,6.

A telerradiografia torácica revela em grande parte dos casos uma massa cervicotoracica sem afectação traqueal4, mas em alguns casos pode observar-se um desvio nítido da traqueia3.

Os exames de eleição para diagnostico e avaliação destas lesões são a TC e a RMN. Na maioria dos casos a cintigrafia tiroidea pode ser diagnostica, mas em alguns casos não contrasta a porção intratoracica da tiroide1,3.

O aspecto caracteristico na TC e uma massa de contornos regulares, no mediastino superior, com áreas quisticas e calcificações grosseiras3.

Nos tumores volumosos com grande desvio da traqueia recomenda-se a realização de fibroscopia para avaliar o grau de malacia da traqueia3.

Os bócios sintomáticos ou grandes podem ser submetidos a tratamento cirurgico4. Alguns autores recomendam excisão cirúrgica mesmo em doentes assintomáticos devido a probabilidade de encontrar lesões malignas (2-20% dos submetidos a intervenção cirúrgica), pelo potencial de obstrução da via aérea e por se tratar de um procedimento cirúrgico relativamente seguro1, com reduzidas taxas de morbimortalidade, baixo índice de complicações e pequena taxa de recidiva6.

As complicações mais comuns oriundas da cirurgia são: a lesão do nervo laríngeo recorrente; o hipoparatiroidismo transitório e a disfonia. Em doentes mais idosos e com elevado risco cirúrgico, a tendência na literatura e a de adoptar conduta conservadora6.

 

Caso clínico

Doente do sexo feminino com 64 anos, antecedentes de hipertensão arterial, asma bronquica, obesidade ligeira e sindroma depressiva. Medicada habitualmente com lisinopril+hidroclorotiazida, furosemida, ramipril, fluticasona+salmeterol, levocetirizina, teofilina, zolpidem, trazadone, lorazepam.

A doente referia queixas de dispneia, desconforto e sensação de aperto cervical anteriores. Tinha tido alguns episódios de tosse seca despertados pelo decúbito dorsal e por vezes acompanhados de tonturas e sudorese. Negava tosse com expectoração, febre ou emagrecimento. O quadro descrito tinha alguns meses de evolução e havia sofrido agravamento na semana previa a vinda ao serviço de urgência.

Ao exame físico não foram encontradas alterações de relevo.

Os exames laboratoriais não revelaram alterações da função tiroideia.

A telerradiografia torácica (Figs. 1 e 2) apresentava alargamento do mediastino superior e marcado desvio para a esquerda da coluna de ar traqueal.

 

Fig. 1 – Telerradiografia do tórax PA (06-04-2006). Alargamento do mediastino superior e desvio para a esquerda da coluna de ar traqueal

 

Fig. 2 – Telerradiografia do tórax perfil direito (06 -04 -2006). Alargamento do mediastino superior

 

A tomografia computorizada cervical e torácica (Fig. 3) mostrou um apreciável aumento do volume da tiróide, particularmente do lobo direito, comprimindo acentuadamente o segmento faringolaringeo, condicionando acentuada redução do seu lúmen. Observava-se ainda um volumoso bócio mergulhante, deprimindo a porção inicial da traqueia. O estudo funcional respiratório, tal como o electrocardiograma, eram ambos normais.

 

Fig. 3 (a,b,c,d) – Tomografia computorizada cervical e torácica (26-04-2006). TC cervical – Apreciável aumento do volume da tiróide, particularmente do lobo direito, comprimindo acentuadamente o segmento faringo laríngeo, com acentuada redução do lúmen. TC torácica – Volumoso bócio mergulhante deprimindo a porção superior da traqueia

 

A doente foi encaminhada para a cirurgia torácica, onde foi submetida a tiroidectomia parcial. O resultado anatomopatologico revelou um bócio nodular não tóxico. Verificou-se o desaparecimento das queixas da doente e a normalização da telerradiografia do torax PA e perfil esquerdo após intervenção cirúrgica (Fig. 4).

 

Fig. 4 – Telerradiografia do tórax PA após tiroidectomia parcial (11-07-2006). Coluna de ar traqueal centrada e sem desvios. Não se observa alargamento do mediastino superior

 

Discussão

No caso apresentado pelos autores, a doente referia sintomas que se relacionavam com o bócio mergulhante: dispneia; tosse e desconforto cervical anterior, com acentuação no decúbito. Estas queixas levaram ao diagnostico de asma brônquica, e a doente encontrava-se medicada com broncodilatadores e corticosteroides inalados sem se verificar beneficio sintomático.

Na obstrução da via aérea superior e traqueia, por vezes constata-se agravamento dos sintomas com as mudanças de posição do corpo, nomeadamente o decúbito, tal como o caso relatado1. Em determinados caso, essa obstrução pode ser causa de apneia do sono1,7.

Um corpo estranho endobronquico ou uma obstrução extrinseca da via aérea podem ser erradamente tratados como uma asma bronquica1.

Nos exames complementares realizados no serviço de urgencia foi possível suspeitar da existência de uma massa mediastinica superior, pois eram evidentes o desvio da traqueia e o alargamento do mediastino superior.

A detecção de massa mediastinica na telerradiografia torácica e um achado comum4,6, mas só em alguns casos pode observar-se um desvio nítido da traqueia3.

A TC torácica e cervical veio a confirmar a existência de uma grave compressão extrínseca da porção inicial da traqueia condicionada pela existência de um volumoso bócio mergulhante.

Na obstrução da via aérea superior e traqueia as alterações fisiopatologicas só se tornam aparentes no estudo da função pulmonar quando estamos perante uma obstrução severa1. A espirometria desta doente era normal.

Era evidente a indicação para intervenção cirurgica devido há sintomatologia apresentada pela doente. Após tiroidectomia parcial verificou-se uma completa resolução dos sintomas descritos.

 

Bibliografia

1. Alfred PF. Fishman’s pulmonary diseases and disorders, fourth edition, McGrawHill Medical Companies, 2008; 1532 -1534.

2. Fauci B, Kasper H, Longo JL. Harrison’s principles of internal medicine. Seventeenth edition, McGraw–Hill Companies 2008, Chapter 374        [ Links ]

3. Gomes MJM, Sotto-Mayor R. Tratado de Pneumologia da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, 2003, Capitulo 117.

4. Spiro S, Albert R, Jett J. Tratado de Neumologia, 1.a ed., Hardcourt 2001, Capitulo 74, secção 18.

5. Melissant, et al. Lung funtion, CT-scan and X-ray in upper airway obstruction due to thyroid goitre. Eur Respir J 1994; 7:1782-1787.

6. Frederico FRM, et al. Bocio mergulhante – Quando operar? Arq Bras Endocrinol Metab 2002; 46(6):708-715.

7. Deegan, et al. Goiter: a cause of obstructive sleep apneoea in euthyroid patients. Eur Respir J 1997; 10:500-502.

 

1 Interna do Internato Complementar de Pneumologia.

2 Assistente Graduada de Pneumologia

Unidade de Saúde Local EPE Guarda

Serviço de Pneumologia

Avenida Rainha D. Amélia

6300 Guarda

e-mail: alexitbento@gmail.com

 

Recebido para publicação/received for publication: 09.03.09

Aceite para publicação/accepted for publication: 09.04.20