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Revista Portuguesa de Pneumologia
versão impressa ISSN 0873-2159
Rev Port Pneumol v.16 n.3 Lisboa jun. 2010
A asma promove alterações na postura estática? Revisão sistemática
Juliana Albuquerque Baltar1, Maria do Socorro Brasileiro Santos2, Hilton Justino da Silva3
1 Fisioterapeuta, Mestranda em Patologia pela Universidade Federal de Pernambuco, Especialista em Fisioterapia Dermato-Funcional, e-mail: julianabaltar@hotmail.com
2 Fisioterapeuta, Professora Adjunto do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Pernambuco, Doutora em Ciências, e-mail: sbrasileiro@yahoo.com.br
3 Fonoaudiólogo, Professor Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco, Doutor em Nutrição. e-mail: hiltonfono@hotmail.com
Estudo realizado no Programa de Pós-graduação em Patologia, coordenado pelo Prof. Dr. Nicodemos Teles de Pontes Filho, na Universidade Federal de Pernambuco
Resumo
Introdução: Considerada um problema de saúde pública, a asma é uma doença inflamatória crónica das vias aéreas que induz uma obstrução ao fluxo aéreo, apresentando manifestações clínicas e respostas terapêuticas heterogéneas. Essa obstrução presente nos doentes asmáticos leva a encurtamentos musculares que por compensação podem promover alterações posturais, prejudicando ainda mais a mecânica respiratória. Portanto, faz-se necessário sintetizar as evidências disponíveis na literatura sobre alterações da postura estática em asmáticos, a fim de ajudar a guiar a prática clínica.
Material e métodos: Foi realizada uma revisão de literatura nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SCIELO, referente aos anos de 1980 a 2008, utilizando as palavras-chave: asthma, posture e suas correspondentes em português; além da busca manual nas referências dos artigos seleccionados.
Resultados: Quatro estudos foram identificados, dos quais 2 (dois) encontraram diferenças significativas na postura estática entre asmáticos e não asmáticos, enquanto os demais, que avaliaram somente a coluna vertebral, não encontraram alterações posturais significativas.
Discussão: Algumas alterações posturais foram identificadas em asmáticos: maior incidência de protração e elevação da cintura escapular, semiflexão do braço, protracção da cabeça e rectificação torácica. Porém, as evidências são contraditórias em relação à coluna vertebral, o que pode estar atribuído às diferenças metodológicas, amostrais, além de outras variáveis não verificadas em todos os estudos, como a realização de actividade física, tratamento fisioterápico, frequência das crises e internações, rinite, respiração oral.
Conclusão: Os artigos sobre o assunto ainda são insuficientes para chegar a uma conclusão, sendo necessários estudos cuidadosamente desenhados para esclarecer estas questões.
Palavras-chave: Asma, postura, mecânica respiratória.
Does asthma promote changes in static posture? Systematic review
Abstract
Introduction: Considered a public health problem, asthma is a chronic inflammatory disease of the airways that induces an airflow obstruction, presenting clinical manifestations and heterogeneous therapeutic responses. That obstruction present in asthma patients leads to muscle shortening, which in compensation can promote postural changes, further impairing respiratory mechanics. Therefore, is necessary to synthesize the evidence available in the literature about changes in static posture in asthma patients in order to help guide clinical practice.
Materials and methods: We performed a literature review in the databases MEDLINE, LILACS and Sci- ELO, covering the years 1980 to 2008, using the descriptors: asthma and posture and its correspondents in Portuguese; asthma and spinal and its correspondents in Portuguese, besides the manual search in the references of selected articles.
Results: Four studies were identified of which two (2) found significant differences in static posture between asthmatic and non -asthmatics, while others, who evaluated only the spine, found no significant postural changes.
Discussion: Some postural changes were identified in asthmatics: higher incidence of elevation and protraction of the scapular girdle, semi flexion of the arm, protraction of the head and rectification of the thoracic spine. However, the evidence is contradictory on the spine, which can be attri buted to methodological and sample differences, and other variables not found in all study how the performance of physical activity, physiotherapy treatment, frequency of seizures and hospitalizations, rhinitis, mouth breathing.
Conclusion: The articles about this are still insufficient to reach a conclusion; carefully designed studies are needed to clarify these issues.
Key-words: Asthma, posture, respiratory mechanics.
Introdução
A asma é uma doença inflamatória crónica de alta prevalência, caracterizada por obstrução variável ao fluxo aéreo e hiperreatividade ou hiperresponsividade brônquica, resultante de uma interacção entre genética e exposição ambiental1. Os seus sintomas são tosse, sibilância e taquidispneia, que se manifestam de forma intermitente ou persistente, e requer tratamento profiláctico2, 3.
O crescimento de crianças com asma tem despertado interesse por ser esta uma doença crónica e por serem utilizadas no seu manejo fármacos que podem prejudicar o processo de desenvolvimento4.
No doente asmático, ocorre recrutamento excessivo dos músculos inspiratórios acessóriose expiratórios, em resposta à obstrução ao fluxo aéreo, o que leva a uma hipertrofia adaptativa5, 6. Esses músculos, quando colocados sob muita tensão, encurtam-se e perdem a flexibilidade, resultando na redução do comprimento e da força7, 8.
A primeira consequência de uma mecânica respiratória insatisfatória é um bloqueio inspiratório, com diminuição do volume expiratório e da capacidade inspiratória6,8,9. Porém, a biomecânica da caixa torácica não funciona de forma isolada, estando inserida numa mecânica corporal global; qualquer desequilíbrio respiratório trará reflexos sobre a organização global8,10.
Dada a complexa biomecânica da postura, que possibilita a integração funcional de vários segmentos através de compensações, é necessário buscar evidências científicas sobre possíveis alterações presentes em asmáticos para melhor direccionar os rumos da sua reabilitação.
O objectivo desse estudo é realizar uma revisão sistemática de estudos que analisaram a associação entre asma e postura estática, sumarizando os dados existentes sobre as áreas respiratórias e de avaliação postural, como também sugerir enfoques científicos para pesquisas futuras nessas áreas.
Material e métodos
Realizou-se uma revisão sistemática de artigos científicos sobre alterações posturais em asmáticos, indexados nas bases de dados MEDLINE (literatura internacional em ciências da saúde), LILACS (literatura latino-americana e do Caribe em ciências da saúde) e SCIELO Brasil (Scientific Electronic Library Online). Para busca, foram utilizados as seguintes palavras-chave: asthma, posture e suas correspondentes em português. Estas palavras-chave poderiam estar no título ou no resumo. Uma estratégia complementar utilizada foi a busca manual em listas de referências dos artigos seleccionados. Os títulos e resumos dos artigos foram analisados e incluíram-se os estudos que tiveram como desfecho as alterações na postura estática, publicados entre 1980 e 2008. Quando o título e o resumo não eram esclarecedores, o artigo era lido na íntegra para que estudos relevantes não fossem excluídos da revisão.
A busca foi conduzida em Dezembro de 2008 por dois pesquisadores de forma independente, seguindo os critérios de inclusão e exclusão. Foi revisada em Janeiro de 2009 e não foram encontrados artigos adicionais que estivessem nos critérios de inclusão.
Foi realizada uma análise descritiva de dados extraídos dos estudos seleccionados que foram: autor, ano de publicação, país onde a pesquisa foi realizada, número da amostra, gravidade da asma, faixa etária avaliada, objectivos, principais resultados observados.
Resultados
A busca aos artigos, segundo a estratégia definida, resultou em 142 artigos, e, de acordo com os objectivos do estudo e os critérios de inclusão, apenas 4 artigos foram selecionados. Os 138 artigos descartados investigavam apenas respiradores orais, técnicas de tratamento para a asma, impedância do sistema respiratório, depuração mucociliar, mudança de decúbitos, posicionamentos nos testes de função respiratória e pico de fluxo expiratório, algumas patologias associadas (neurológicas, psíquica, endógenas, cardíacas, digestivas, nutricionais, odontológicas, distúrbios do sono), não contendo avaliação da postura estática de indivíduos asmáticos.
O Quadro I apresenta um resumo dos estudos incluídos. Desses estudos, três foram desenvolvidos no Brasil11,12,13, sendo um no estado de Minas Gerais12 e dois no estado de São Paulo11,13, e apenas um na Finlândia14. Em relação ao género, apenas um estudo utiliza o género masculino13, enquanto os demais11,12,14 apresentam ambos os géneros. Quando verificamos a faixa etária, observamos uma distribuição não uniforme, dois estudaram crianças12,13, um adolescentes 14 e outro adultos11. Mellin14 comparou 35 adolescentes asmáticos com 35 saudáveis, pareados em relação ao género, idade, peso e altura, e observou que não houve diferenças significativas entre os grupos estudados em relação às curvaturas sagitais da coluna vertebral (cifoses e lordoses). Alterações de mobilidade da coluna também foram investigadas e os asmáticos apresentaram melhor mobilidade, tanto torácica quanto lombar.
Quadro I – Características dos estudos seleccionados
Robles-Ribeiro et al.11 estudaram 19 doentes asmáticos, sendo 14 com asma moderada e 5 com asma grave, e 20 voluntários saudáveis adultos. Verificaram que o grupo asmático apresentou aumento significativo da protracção dos ombros e que quanto menor o pico de fluxo expiratório maior será essa protracção (p<0,001).
Azevedo et al.12 avaliaram 36 crianças: 10 asmáticas, sendo 4 com asma moderada, 3 com asma leve persistente e 3 com asma intermitente; e 26 não asmáticas. Não observaram diferença estatística no grau de inclinação pélvica nem no índice de lordose lombar entre os grupos estudados.
Lopes et al.13 compararam três grupos de crianças do género masculino: 20 sem história de asma ou alergias (controlo), 20 com asma moderada e 20 com asma grave. Verificaram que os grupos com asma apresentaram maior incidência de protracção e elevação da cintura escapular quando comparados com o grupo-controlo. O grupo com asma grave apresentou uma maior semi flexão do braço, protracção da cabeça, rectificação torácica e expansão torácica limitada quando comparado com o grupo-controlo, mas apenas os dois últimos dados foram estatisticamente significativos. O grupo com asma moderada apresentou valores intermediários.
Discussão
Os artigos seleccionados apresentaram heterogeneidade quanto à metodologia aplicada o que impede a união dos diferentes estudos sob uma única medida, inviabilizando a realização de uma metanálise. Neste caso, será realizada apenas uma apresentação descritiva dos dados.
Dois estudos apresentados nessa revisão mostraram alterações na postura estática causadas pela asma11,13 enquanto os demais não encontraram alterações posturais significativas12,14. Esta contradição pode estar atribuída aos diferentes métodos utilizados para avaliação postural, diferentes objectivos de estudo, as amostras distinguiam tanto na faixa etária quanto na gravidade da asma, além de outras variáveis não verificadas em todos os estudo, como a realização de actividade física, tratamento fisioterápico, frequência das crises e internações, rinite, respiração oral.
Os artigos que avaliaram a cintura escapular obtiveram resultados similares, mesmo estudando diferentes faixas etárias, onde a gravidade da asma esteve directamente relacionada com uma maior protracção dos ombros11,13, propondo que esse aumento na protracção dos ombros seja decorrente da asma e que a idade per si não promova essa alteração postural.
Como vimos, existem poucos estudos que tenham descrito alterações da postura estática em asmáticos. Só em 2007, um estudo caracterizou o padrão postural de crianças com asma grave, incluindo protracção da cabeça e elevação e protracção da cintura escapular, e, aditivamente, constatou uma maior semiflexão do braço, rectificação torácica e expansão torácica limitada, quando comparado com o grupo-controlo13. Além disso, verificaram que crianças com asma moderada apresentavam apenas algumas dessas alterações, sugerindo que existe uma correlação entre o estado clínico da asma e as adaptações posturais.
Quanto às curvaturas da coluna vertebral, constatamos que dos quatro artigos avaliados nessa revisão três consideraram esse segmento corporal no estudo12,13,14; destes apenas um apresentou alterações significativas13 e os demais não encontraram diferenças posturais entre os grupos estudados12,14. Mellin14 afirma que os resultados encontrados podem ser decorrentes da faixa etária estudada, uma vez que os adolescentes podem estar em fases de puberdade diferentes, e a avaliação da postura ter sido realizada durante um curso de Verão para asmáticos, encontrando-se estes adolescentes a praticar exercícios físicos, exercícios respiratórios e fisioterapia pulmonar.
O outro estudo que também não apresentou diferença significativa nas curvaturas da coluna vertebral em crianças asmáticas, quando comparadas com crianças não asmáticas, foi o de Azevedo12. Este estudo sugere que tais alterações posturais só seriam significativas em crianças com asma grave, que não foi a população-alvo do estudo, e que a pequena amostra de asmáticos pode ter prejudicado a extrapolação dos resultados obtidos para a população.
Diferentemente aos estudos de Mellin14 e Azevedo12, Lopes13 e colaboradores observaram alterações posturais nos segmentos do esqueleto axial; no entanto, é preciso ressaltar que a amostra foi compreendida apenas no género masculino e a metodologia empregada para avaliar a coluna vertebral foi diferente das utilizadas pelos demais autores; ambos os aspectos metodológicos e amostrais poderiam justificar os resultados obtidos.
Ao abordarmos os aspectos referentes à gravidade da asma, dois estudos mostraram que esta variável está directamente relacionada com as alterações posturais encontradas11,13. Apenas um não encontrou nenhuma correlação entre essas variáveis clínicas e posturais12, o que pode ser explicado pela diferença amostral e pela técnica de avaliação. Um dos artigos não considerou a gravidade da asma14.
Uma das razões do interesse em se estudar a associação entre a asma e a postura decorre da elevada prevalência da asma e da necessidade de que factores agravantes, como alterações na mecânica respiratória, possam ser controlados, melhorando assim a qualidade de vida do asmático.
Desta forma, a realização de estudos cuidadosamente desenhados, com recrutamento de doentes asmáticos e indivíduos não asmáticos (aparentemente saudáveis) devidamente pareados em relação ao género, idade, peso, altura, e outras possíveis variáveis de confusão, podem contribuir para a produção de novas evidências acerca da relação entre asma e postura estática.
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Recebido para publicação/received for publication: 09.04.22
Aceite para publicação/accepted for publication: 09.09.16