Introdução
A educação popular em saúde consiste numa práxis político-pedagógica que visa a construção de processos educativos não convencionais através da valorização das experiências e do conhecimento da comunidade. Esta capacitação para a autonomia dos sujeitos, promove a aproximação entre o saber popular e o saber técnico-cientifico, a formação da consciência crítica, a cidadania participativa, o respeito das diversas formas de vida e por essa via a superação das desigualdades sociais e de todas as formas de estigma, violência e opressão (Brasil, 2014; Freire, 2003). Nesse sentido, tal proposta está em consonância com os atuais paradigmas de cuidados em saúde mental que visam promover o empoderamento e protagonismo dos sujeitos através da valorização das subjetividades e das particularidades dos mesmos (Brasil, 2015) Entretanto, algumas barreiras como hegemonia do conhecimento técnico-científico, as relações de poder entre profissionais e a população e a desvalorização do saber popular dificultam consolidação do protagonismo e da autonomia dos usuários e seus familiares nos serviços de saúde. Tais questões apontam para a necessidade de se repensar a formação dos profissionais da saúde e as práticas educativas desenvolvidas nas instituições de saúde. A fim de superar estas dificuldades deve ser acrescentada aos projetos políticos-pedagógicos, uma perspectiva integradora e holística do ser humano e do processo educativo, pois, o mesmo deve ser visto como um caminho para a emancipação e a humanização dos sujeitos e dos povos. Deve ainda considerar-se a capacidade da população construir histórias e transformar a realidade, partindo do princípio que as trocas e o diálogo são fundamentais nos processos de promoção e educação em saúde (Pulga, 2013). Sendo assim, torna-se importante a promoção de espaços de educação popular com foco na promoção da alfabetização funcional e da lieteracia para a saúde (Saboga-Nunes, Freitas, & Cunha, 2016), visto que, essa estratégia viabiliza a participação social, aproxima os profissionais e os utentes e promove a construção de saberes em diferentes vertentes do conhecimento. Neste âmbito, é objetivo deste estudo descrever a experiência de condução de um grupo de educação para a saúde, cujo alvo da intervenção formativa são os consumidores com uso problemático de drogas.
1. Métodos
Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, do tipo relato de experiência, realizado num Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas, localizado na regional II do município de Fortaleza, no estado do Ceará-Brazil. O período de realização das atividades ocorreu durante o mês de março de 2019.
A intervenção grupal foi estruturada e os procedimentos integram quatro (4) momentos: - o primeiro momento é de apresentação; - o segundo de problematização sobre o tema escolhido; - o terceiro designado de chuva de ideias, promove novas reflexões, seja por meio dos mediadores, seja dos participantes; - o quarto e último momento, é o de avaliação da atividade proposta e a escolha do próximo tema.
1.1 Participantes
Participaram no estudo oito (8) pessoas, selecionadas por conveniência. Como critérios de inclusão dos participantes, consideraram-se como eligíveis todos os indivíduos que estavam em acompanhamento regular no CAPS, isto é, todos aqueles que vinham sendo acompanhados individualmente em consultas médicas, ou de enfermagem ou de psicologia, sendo excluídos aqueles que, no ato da sessão de formação, apresentassem sinais ou sintomas clínicos sugestivos de intoxicação em decorrência do uso de substâncias psicoativas ou que se recusaram a participar da atividade.
1.2 Instrumento de recolha de dados
A recolha de dados foi realizada por meio da realização de um grupo focal, onde no decorrer dos 4 momentos, a saber: apresentação, problematização, chuva de ideias e avaliação, os participantes puderam expressar suas percepções. A partir do conhecimento prévio os profissionais e outros participantes contribuíam com novas percepções e ampliavam os sentidos atribuídos, tornando essa construção mais comunitária e funcional.
Durante a intervenção formativa, os investigadores foram tomando notas para posterior análise.
2. Resultados
Os temas abordados contemplaram: o conceito de saúde, utilizando as representações por meio de pinturas, um jogo de mitos e verdades sobre infecções sexualmente transmissíveis e a comemoração do dia internacional da mulher, por meio da exibição de um documentário.
Percebeu-se que os pacientes estão informados, no entanto, manifestam muitas dúvidas. Por se tratar de temas com os quais estão mais familiarizados, eles envolveram-se, colaboraram e tiveram grande interesse em participar no jogo de mitos e verdades com perguntas e respostas. Contribuíram ainda com histórias de conhecidos e familiares acometidos por alguma das doenças. Foram extremamente participativos, interessados e participantes na execução, sendo co-construtores do êxito de todas as atividades. O uso da metodologia ativa permitiu a reflexão, o pensamento crítico, a troca de ideias, de conhecimentos, de experiências e a expressão de sentimentos e inquietações.
Compreendendo a importância do cuidado integral à pessoa em sofrimento psíquico e considerando os diversos fatores que influenciam a qualidade de vida, a realização de encontros de educação para a saúde, mostrou ser uma ferramenta muito bem aceite pelos participantes. As metodologias ativas proporcionaram uma maior participação e autonomia dos participantes, porquanto através da partilha “horizontal do saber”, tornam o utente protagonista do seu tratamento.
3. Discussão
Os resultados decorrentes da implementação das acções educativas, vão de encontro à politica nacional de Educação Popular para a Saúde (EPS), do Sistema Único de Saúde do Brasil, pois, a mesma prevê que a problematização deve ser o elemento central das práticas educativas em saúde (Brasil, 2012).
A educação popular para a saúde, tendo como ênfase o sujeito práxico, que visualiza na ação de problematizar o caminho para a transformação e possibilidade de transformar o contexto vivido, produzirá conhecimento e cultura por intermédio das vivências (Freire, 2008). Além disso, a educação popular deve ser compreendida como um processo libertador e emancipatório, uma prática engajada no compromisso com a transformação da sociedade e com a construção de sujeitos individuais e coletivos, centrada na reflexividade, dispensando o autoritarismo, a persuasão e a imposição (Pulga, 2013). Ademais, as ações de educação popular para a saúde, podem ser uma estratégia importante para a qualificação das práticas nos serviços de saúde. Dado que a sua implementação induz a uma maior proximidade entre o saber dos profissionais e dos utilizadores, a educação popular para a saúde, assume-se como facilitadora da comunicação, da interatividade e da empatia, bem como do cuidado e da co-responsabilização entre ambos. (Silva, Matos, & França, 2017).
Conclusões
A educação popular para a saúde, ao adotar metodologias ativas, facilita o desenvolvimento cognitivo, psicossocial e interpessoal, pois, favorece uma discussão com mais efetividade devido à escolha de uma metodologia participativa. Sendo assim, que a educação popular para a saúde influencia, positivamente, a qualidade de vida e o bem-estar dos utilizadores. Constitui-se ainda como um importante espaço de aproximação entre o saber popular e o saber técnico-cientifico. Além disso, configura-se como uma proposta de interação entre os profissionais e os utentes. Para cumprir tais pressupostos e produzir ganhos em educação, a educação para a saúde com foco na cultura popular, necessita de maior aprofundamento na formação dos profissionais de saúde, carece também de mais estudos científicos e de maior valorização e visibilidade nos serviços de saúde.