Introdução
O Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, que tem como objeto de intervenção a questão social e demais expressões da sociedade. É uma profissão cuja formação exige capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, conforme preconizam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação em serviço social (ABESS/CEDEPSS, 1996).
A inserção do assistente social no mercado de trabalho ocorre em diversos e diferentes espaços sócio-ocupacionais, nos quais se manifestam as expressões da questão social, resultado da contraditória relação capital-trabalho, e que promove desigualdades sociais e humanas. Num contexto de elevada desigualdade social, como a realidade brasileira, a demanda por tais profissionais tem se tornado ainda mais evidente nas políticas públicas como saúde, educação, previdência social e assistência social, o que favoreceu o crescimento da oferta dos cursos de graduação em serviço social em todo o território nacional.
Em 2009, com a implantação da reestruturação e expansão das Universidades Federais (Reuni), foi criado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro-UFTM o curso de graduação em serviço social, o qual se tornou referência em termos de oferta em instituição pública na região do Triângulo Mineiro, no Estado de Minas Gerais. O curso atende às regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, além de também receber alunos provenientes de outros estados como São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Pará, Maranhão, Alagoas e Tocantins.
A implantação do referido curso relaciona-se com a realidade do Hospital Escola da UFTM, que atende cerca de 48 municípios da região, e de outras políticas públicas do município, nas quais a demanda por profissionais de serviço social e crescente.
A atuação do Assistente Social tem como fundamento central “a viabilização do acesso aos direitos sociais e a organização sociopolítica da população, considerando a realidade social e o seu processo de produção e reprodução” (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, 2017). Nesta direção e, em consonância com o projeto ético político da profissão, o curso de Serviço Social da UFTM busca oferecer uma formação profissional pautada numa perspectiva social crítica que possibilita a articulação dos conteúdos estudados com a vivência na prática, resultando na unidade teoria-prática, propiciando o exercício da práxis (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, 2017)
Impõe-se destacar que a expansão das universidades públicas e as políticas de acesso e permanência no ensino superior implementadas pelo Governo Federal contribuíram para o aumento da inserção de pessoas com deficiência em tais instituições de ensino. Os dados do Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontam que entre 2004 e 2014 houve um crescimento de 518,66 % no número de matriculas de alunos com necessidades educativas especiais em cursos superiores (Serger, 2016).
Esta realidade, de inserção de estudantes com deficiência no ensino superior, também se refletiu na implementação no curso de Serviço Social da UFTM através da presença de um aluno com deficiência visual na sua primeira turma de funcionamento do curso.
A garantia da inclusão e da permanência da pessoa com deficiência no ensino superior constitui um desafio que exige recursos humanos, materiais e abordagens pedagógicas capazes de atender às necessidades específicas desses estudantes. Assim, para enfrentar esse desafio, foi necessário um conjunto de ações envolvendo docentes, técnicos administrativos, discentes e instituição de ensino para que todos aprendessem a melhor forma de trabalhar/interagir com esse aluno. Buscou-se ainda não reproduzir formas de segregação e garantir uma formação profissional comprometida com uma sociedade emancipada, e com a devida fundamentação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa da profissão, articulada com a práticas pedagógicas inclusivas e que se consubstanciassem em acesso ao processo de aprendizagem e, consequentemente da construção do conhecimento.
Desse modo, na perspectiva de oferecer uma melhor preparação aos estudantes e aos futuros profissionais procura-se identificar e atender às necessidades da pessoa com deficiência, de modo a compreender os conceitos relativos à inclusão. Desse modo houve a criação e inserção da disciplina “Legislações Específicas da Educação Especial” na matriz curricular do curso de Serviço Social no segundo semestre de 2013, e para os demais cursos da área da saúde e Licenciatura em História, a partir de 2017.
Em articulação com o exposto é objetivo deste artigo relatar a experiência da oferta dessa disciplina e destacar que a inclusão da referida disciplina contemplou o desenvolvimento de competências e habilidades que estão diretamente vinculadas aos perfis de ingresso propostos pelo projeto político pedagógico do curso de serviço social, ou seja, um profissional com competência e fundamentação teórico-metodológica, ético-político e técnico-operativa para fazer a leitura crítica da realidade social, reconhecer e atuar cientificamente nas expressões da questão social, saber promover o exercício da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários do serviço social no conjunto das relações sociais (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, 2017), e seus impactos na formação dos assistentes sociais.
1. Métodos
A disciplina eletiva da educação especial “Legislações Específicas da Educação Especial” foi criada no curso de graduação em Serviço Social da UFTM a partir da experiência de uma das autoras como docente de Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS no referido curso, de modo especial na primeira turma de funcionamento do curso, na qual havia um estudante com deficiência visual.
Decorrendo proposta surgiu a criação de uma disciplina com vista a oferecer aos estudantes conhecimentos acerca das necessidades da pessoa com deficiência, a partir de vivências in loco e inclusão de conceitos relativos à inclusão. Estes conhecimentos são imprescindíveis para a interação dos estudantes com alunos deficientes, bem como para o futuro exercício profissional.
Desse modo, durante o segundo semestre de 2013, houve a aprovação da inclusão da disciplina “Legislações Específicas da Educação Especial” na matriz curricular do curso e a sua primeira oferta ocorreu no primeiro semestre de 2014, para alunos do 8º período. No ano de 2017, a referida disciplina passou a ser ofertada pelos cursos da área da saúde, como, por exemplo, Psicologia, Nutrição, Terapia Ocupacional, e também pelo curso de licenciatura em História.
O conteúdo proposto para a disciplina “Legislações Específicas da Educação Especial” contemplou aspectos gerais da deficiência, como conceitos e terminologia, aspectos históricos e tipos de deficiência. Integrou também a legislação brasileira e internacionais, e as políticas públicas para a pessoa com deficiência, com ênfase no papel da família e na luta pela cidadania e inclusão, de modo a superar a perspectiva de caridade e filantropia que marcaram as ações em prol dos deficientes na realidade brasileira.
No desenvolvimento dos conteúdos acima mencionados buscou-se criar oportunidades de aproximação com diversas pessoas com deficiência que se voluntariaram a estabelecer diálogos com os estudantes e docentes, proporcionando troca de experiências, relatos e pontos de vista. Outra forma de aproximar os estudantes às necessidades da pessoa com deficiência, foi por meio de visitas a instituições e aos serviços no município destinados ao atendimento dessa parcela da população. A realização dessas visitas possibilitou obter informações sobre os atendimentos oferecidos, dificuldades enfrentadas e estabelecer contato direto com os usuários desses serviços.
Foram também utilizadas dinâmicas com diversos exercícios práticos, voltados para provocar a inversão vivencial de papéis e perspectivas, com vistas à produção de auto-reflexões críticas facilitadoras e impulsionadoras da transformação de conceitos obsoletos sobre convivência com pessoas com deficiências. Em diversas situações planejadas, os discentes tiveram a experiência de “trocar de lugar” com pessoas com diversos tipos de deficiência, vivenciando, na prática, as aparentes limitações e possibilidades que perfazem o cotidiano de pessoas cegas, surdas e cadeirantes.
A avaliação da disciplina decorreu de forma processual, sendo composta por avaliações individuais, nas quais foram utilizados indicadores como participação, interesse, freqüência, iniciativa, o desenvolvimento de atividades solicitadas e auto avaliação. Houve também avaliações grupais utilizando como indicadores: atitudes, posturas propositivas e construções coletivas.
2. Resultados
Desde a sua criação e inserção na matriz curricular do curso de Serviço Social, a disciplina “Legislações Específicas da Educação Especial” foi ofertada em 6 semestres a cerca de 134 estudantes, os quais demonstraram compromisso com as atividades propostas. Um resultado importante foi a ampliação da oferta da disciplina para outros cursos da universidade, a saber: Psicologia, Nutrição, Terapia Ocupacional e Licenciatura em História.
A finalidade da disciplina foi contribuir para que cada participante se tornasse um multiplicador do conceito e da prática de uma sociedade inclusiva nas suas ações cotidianas, repercutindo positivamente em suas relações profissionais e sociais.
Outro resultado importante decorrente da experiência aqui relatada refere-se à realização de atividades com representantes de diversos segmentos da sociedade do município de Uberaba-MG, tais como imprensa, poder legislativo e executivo, conselhos e representantes da própria universidade, durante a qual os convidados também vivenciaram as dinâmicas e experiências de maneira similar às vivenciadas pelos estudantes durante o desenvolvimento da disciplina. Desse modo, as discussões, reflexões e conhecimentos produzidos pelos estudantes puderam ser compartilhados com outros segmentos da comunidade, de modo a sensibilizá-los quanto à inclusão das pessoas com deficiência.
A disciplina foi avaliada de forma positiva pelos docentes responsáveis e discentes, proporcionando a aproximação às necessidades da pessoa com deficiência, além de se constituir como espaço para reavaliação crítico-reflexiva de conceitos relativos à inclusão.
3. Discussão
As pessoas com deficiência nem sempre tiveram os seus direitos defendidos e assegurados pela legislação, pelo contrário, durante muito tempo na história da humanidade foram tratadas com atitudes de discriminação e preconceito, expressas inclusive na dificuldade de acesso às diversas políticas públicas como saúde, cultura e educação. A forma de tratar a pessoa com deficiência sofreu modificações, de modo especial em relação à aprovação de leis específicas voltadas para a garantia da cidadania a essa parcela da população. O Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde, destaca-se por possuir uma vasta legislação para resguardar os direitos dessas pessoas, que são assegurados por leis como a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Odem dos Advogados do Brasil, 2006).
É importante destacar que o Serviço Social é uma profissão reconhecidamente comprometida com a garantia de direitos e, nesse sentido, é fundamental que o estudante no seu processo de formação profissional tenha conhecimento das diversas legislações que prezam pela defesa dos direitos sociais, inclusive no que se refere aos direitos das pessoas com deficiência, uma vez que as demandas e necessidades apresentadas pelas mesmas certamente se farão presentes nos diferentes espaços ocupacionais do assistente social.
Desse modo, a inserção da disciplina “Legislações Específicas da Educação Especial” vem ao encontro de tal necessidade, contribuindo com a formação pessoal e profissional comprometidas com os princípios de uma sociedade inclusiva. Contudo, tal inserção não se deu sem que houvesse desafios a serem enfrentados, principalmente no sentido de viabilizar uma genuína reflexão sobre o processo inclusivo de qualidade, de modo a superar abordagens, ainda presentes no espaço universitário, que reproduzem formas de segregação não-explícita, principalmente no que refere à deficiência.
No desenvolvimento dos conteúdos ministrados pela houve lugar à discursão sobre a construção social do conceito de deficiência, que se refere a impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, associado a outras barreiras pode obstruir a efetiva e plena participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Brasil, 2015).
O contato dos estudantes com pessoas deficientes e a troca de experiências, viabilizados por meio de diálogos e visitas institucionais estimularam a adesão a um compromisso ético e político com a prática de posturas inclusivas, que por sua vez resultou em produtivo entendimento mútuo materializado em importantes sínteses conclusivas elaboradas ao final das atividades.
Conclusões
O desafio de garantir o acesso e a permanência da pessoa com deficiência no ensino superior ultrapassa o espaço das universidades, onde ainda é comum a situação de despreparo de docentes, discentes e técnicos para identificar e atender de modo adequado as necessidades do estudante com deficiência. É preciso superar costumes e concepções ultrapassadas, mas ainda presentes no espaço acadêmico, que não incentivam abordagens diferentes e inovadoras que possibilitem a revisão de conceitos relativos à inclusão.
Nesse sentido, a oferta de disciplinas específicas com abordagem da problemática da inclusão social de pessoas com deficiência na formação profissional de assistentes sociais, bem como de profissionais da área da saúde e licenciaturas, é entendida como necessária e desafiadora. Essa formação deve preparar os estudantes para que possam contribuir com o processo de inserção das pessoas com deficiência, seja na convivência com outros estudantes nessa condição, ou como futuros profissionais comprometidos em romper com o paradigma de segregação, de modo a adotar idéias e práticas de respeito à diversidade humana.
A experiência aqui relatada foi um caminho encontrado no curso de serviço social da UFTM para enfrentar esse desafio. A oferta da disciplina “Legislações Específicas da Educação Especial” constituiu-se como um espaço de formação onde foi possível a apreensão de conhecimento acerca da deficiência e da realidade vivenciada pelo cidadão deficiente, além de vislumbrar as latentes possibilidades de relações humanas mais inclusivas nas diversas dimensões da vida em sociedade.
Conclui-se por isso ser significativa e relevante a implementar este tipo de iniciativa, por meio da qual se constatou um movimento produtivo de ampliação da consciência inclusiva e do acolhimento das diversidades no espaço educacional e profissional. Ademais, a experiência possibilitou capacitação de futuros profissionais, os quais deverão promover o processo de multiplicação de conhecimentos e, sobretudo, de mudanças de paradigma com foco na promoção da inclusão social.