Introdução
Nos últimos anos, a preocupação das comunidades científicas e dos profissionais de enfermagem sobre se a prática dos enfermeiros está de acordo com a melhor e mais recente evidência científica disponível. A literatura é unânime em relatar uma clara disparidade entre os resultados da investigação e a prática clínica despoletando, por si só, uma lacuna merecedora de uma análise mais concisa e objetiva por parte da comunidade científica.
O facto de, nos dias que correm, os profissionais de saúde e as instituições onde exercem funções, serem fortemente observados e pressionados para “bem fazer” com o menor custo associado e com os maiores níveis de eficácia e eficiência. Por sua vez, a implementação de um plano sustentável de readaptação contínua face às realidades clínicas vivenciadas, porquanto a complexidade crescente das mesmas obriga precisamente ao desenvolvimento de intervenções diferenciadas promotoras da saúde no âmbito da prestação de cuidados de saúde que almejem a maior e melhor qualidade e segurança possível e, consequentemente a obtenção de ganhos positivos na saúde das pessoas.
Em conformidade e refletindo sobre o mandato social da profissão de enfermagem, está explícito com clareza que os enfermeiros têm como dever “exercer a profissão com os adequados conhecimentos científicos e técnicos, com o respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e bem-estar da população, adotando todas as medidas que visem melhorar a qualidade dos cuidados e serviços de enfermagem” (Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, 2015, Artigo 97.º, número 1, a), p.78). Corroborando, precisamente este pensamento, o Conselho Internacional de Enfermeiros (2012) afirma que cada vez mais são requeridos aos profissionais conhecimentos, competências e capacidades que possibilitem identificar, analisar e utilizar os resultados oriundos da melhor investigação produzida.
Alicerçado nestes postulados definiu-se a seguinte questão de investigação: Será o Questionário de Eficácia Clínica e Prática Baseada em Evidências, válido e fiável, para avaliar as práticas, atitudes e conhecimentos/habilidades e competências dos enfermeiros relativamente à PBE?
1. Enquadramento teórico
A PBE é definida como uma abordagem de solução à prática clínica pela integração da pesquisa sistemática e avaliação crítica das evidências mais atuais para responder a perguntas clínicas, considerando a experiência do profissional e as preferências e valores do paciente. Cada vez mais, a PBE é enfatizada internacionalmente como uma das disposições fundamentais de suporte aos cuidados de saúde de qualidade e da melhoria dos resultados de saúde, incluindo a qualidade das intervenções de enfermagem (Institute of Medicine, 2003; Melnik & Fineout-Overholt, 2015).
Esta definição vai de encontro à de Sackett (2003) citado por Chicória (2013), para o qual a PBE incorpora a habilidade clínica, isto é, capacidade para utilizar conhecimentos clínicos e experiências prévias na identificação do estado de saúde e diagnóstico, bem como os riscos individuais e os benefícios possíveis das intervenções propostas. Ou seja, é fundamental que a enfermagem no seu plano de atuação expansível a todos os contextos, crie uma base estrutural que se paute pela melhoria contínua da qualidade do exercício profissional dos enfermeiros (Ordem dos Enfermeiros, OE, 2001; Lopes & Santos, 2010; Alquhtani et al., 2020). Abreu (2011) salienta ainda que o enfermeiro deve assumir o dever de se comprometer no desenvolvimento de um ambiente conducente a práticas baseadas em evidência.
Nos dias que correm, cada vez mais os profissionais de saúde e as suas instituições se deparam com desafios clínicos de maior complexidade que exigem respostas com maior qualidade e elevada segurança, numa perspetiva articulada com restrições de recursos humanos, materiais e técnicos que colocam em causa, precisamente, os respetivos planos de eficiência, eficácia e efetividade nas intervenções de saúde realizadas e, consequentemente nos ganhos positivos da saúde dos doentes.
Numa tentativa demonstradora da realidade efetiva, um estudo realizado no Nepal com 273 participantes, procurou-se explorar as perceções e as atitudes dos enfermeiros e dos estudantes de enfermagem relativamente à PBE tendo os seus autores afigurado que cerca de 93% dos inquiridos referem não possuir o treinamento adequado relativo à PBE identificando, como principais barreiras: a falta de tempo e de recursos; a dificuldade em entender os artigos de pesquisa em toda a sua plenitude e a autonomia “limitada” na mudança da prática de enfermagem com base nas evidências mais recentes. Ainda que existam estas limitações, os respondentes consideraram que a existência de fatores motivacionais poderão fazer toda a diferença relativamente à abordagem da PBE destacando-se o enfoque/ênfase nos currículos académicos e/ou profissionais nesta área de estudo que permita obter a formação adequada com vista a adoção de técnicas inovadoras na prestação dos cuidados de enfermagem (Karki et al., 2015). Corroborando precisamente esta ideia, o estudo de Alquhtani et al. (2020) também refere que os enfermeiros carecem de conhecimentos e habilidade suficientes para a PBE, como recorrer corretamente às bases de dados científicas, identificar e formular questões de investigação, avaliação crítica das evidências científicas encontradas percebendo a sua relevância ou não e, acima de tudo, todo o processo inerentemente associado que consiste na integração e implementação dessas mesmas evidências na prática clínica (Melnyk & Fineout-Overholt, 2015; Alquhtani et al., 2020).
Por outro lado, e não menos importante sabe-se que a prática clínica atualizada, fundamentada nos resultados da investigação científica, está associada à segurança da decisão clínica, à qualidade dos cuidados e à confiança depositada na prática clínica que tornam a Enfermagem uma profissão mais desenvolvida, com um campo de atuação autónoma mais amplificado, distanciando-se da subordinação ao corpo médico, promovendo o aumento dos índices de satisfação dos doentes, da qualidade dos cuidados prestados e da autonomia em enfermagem.
2. Métodos
O estudo metodológico, de caráter psicométrico, teve por base a recolha de dados em corte transversal numa amostra não probabilística por conveniência de enfermeiros portugueses inscritos na Ordem dos Enfermeiros (OE).
2.1 Participantes
O estudo incluiu 738 enfermeiros, com idades compreendidas entre 21 e 67 anos e uma média de idades de 37,57 anos (Desvio Padrão - DP ± 9,83 anos), maioritariamente do género feminino (76,%), 75,1% com grau de bacharel/licenciado e 25,4% com grau de mestre/doutoramento.
O tempo de exercício profissional foi em média de 14,28 anos (DP ± 9,77 anos). As mulheres, em média, (M=14,40 anos±9,98) têm mais tempo de exercício profissional do que os homens (M=13,89±9,12).
O título profissional atribuído pela OE mais prevalente é que 61,2% têm o título de enfermeiro(a) e 38,8% de enfermeiro(a) especialista.
Os enfermeiros exercem funções, na sua maioria, em unidade de cuidados intensivos polivalentes (66,1%). Quanto à área de especialização em enfermagem, a maioria dos enfermeiros especialistas (42,7%) detém a especialidade em enfermagem médico-cirúrgica contudo, mais de metade da amostra exerce neste momento funções de enfermeiro generalista (67,6%), sendo de realçar que 22,5% exercem funções de enfermeiro especialista.
2.2 Instrumento de recolha de dados
O QECPBE - 20, versão original de Upton & Upton (2006), validado em português por Pereira, Guerra, Peixoto, Martins, Barbieri e Carneiro (2015) é um instrumento de autopreenchimento que é constituído por 20 itens avaliados através de uma escala de diferencial semântico, organizado em três dimensões. O primeiro componente avalia as Práticas e recorre a uma escala tipo Likert, que vai do 1 (nunca) ao 7 (frequentemente), integrando seis itens. No segundo componente avaliam-se as Atitudes, através do posicionamento de proximidade adotado para cada uma de questões, num total de três itens. Finalmente, o terceiro componente pretende avaliar Conhecimentos/Habilidades e Competências através de uma escala tipo Likert, que oscila entre 1 (pior) e 7 (melhor), num somatório de 10 itens (Pereira et al., 2015).
O somatório bruto esperado dos 19 itens do QECPBE distribuídos por 9 fatores, oscilou entre um mínimo de 19 e um máximo de 133, com um valor médio de 57.
Neste estudo optou-se por transformar os scores brutos dos fatores e dos totais numa escala de 0-100, facilitando assim a análise comparativa entre os fatores, sendo que quanto maior o score maior a eficácia clínica. Considera-se que resultados entre 0-49% revelam conhecimentos insuficientes, resultados entre 50 e 74% - conhecimentos razoáveis e resultados iguais ou acima de 75% resultados bons. Neste sentido, o QCIAEFDSCA foi transformado utilizando-se, precisamente, o mesmo procedimento para transformação da escala usado na escala de qualidade de vida WHOQOL-BREF (Vaz Serra et al., 2006) : [(score bruto-score mínimo bruto possível)/( score máximo bruto possível - score mínimo bruto possível)]X100.
O processo de construção desta escala teve por base uma análise semântica e de conteúdo por painel de peritos com posterior aplicação de pré-teste (António, Santos, Cunha & Duarte, 2019).
2.3 Procedimentos éticos
A aprovação da Comissão de Ética foi garantido pelo Parecer da Comissão de Ética do Instituto Politécnico de Bragança (Parecer N.º4/2019:RA001-2019/00151) e, igualmente, pelo Parecer de Autorização da OE para divulgação do questionário no site institucional e na sua maillist (Ref. SAI-OE/2019/27).
Todos os inquiridos assinaram o consentimento informado previamente à sua participação individual no estudo, via online na aplicação do Google Forms.
2.4 Análise estatística
As análises descritivas, correlacionais e o estudo da consistência interna foram realizadas através do software IBM SPSS Statistics, versão 24.0, pela determinação do coeficiente de correlação de Pearson e do alfa de Cronbach. Para análise da consistência interna foram considerados os seguintes valores de referência: >0,9 muito boa; 0,8-0,9 boa; 0,7-0,8 média; 0,6-0,7 razoável; 0,5-0,6 má; <0,5 inaceitável (Marôco, 2014).
O referencial para o coeficiente de correlação de Pearson, foram assumidas as seguintes associações: r < 0,2 muito baixa; 0,2 ≤ r ≤ 0,39 baixa; 0,4 ≤ r ≤ 0,69 moderada; 0,7 ≤ r ≤ 0,89 alta; 0,9 ≤ r ≤ 1 muito alta (Marôco, 2014).
O estudo da validade de constructo foi realizado, unicamente, através da análise fatorial confirmatória, uma vez que já existia informação prévia sobre a estrutura fatorial da escala. Recorreu-se ao software AMOS V.24.0 (IBM SPSS, Chicago, Illinois, USA).
Conforme recomendado, para aferir a qualidade de ajustamento do modelo, foram utilizados diferentes índices de ajustamento global, nomeadamente a razão entre o Qui-quadrado e os Graus de Liberdade (x2/gl), o Goodness-of-Fit Index (GFI), o Comparative-of-Fit Index (CFI), o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), o Root Mean square Residual (RMR) e o Standardized Root Mean square Residual (SRMR). Assume-se um bom ajustamento dos modelos quando: x2/gl < 3; os valores do GFI e o CFI > 0,90; os valores do RMSEA, RMR e SRMR < 0,06 são considerados ideais, embora valores entre 0,08 e 0,10 sejam aceitáveis (Marôco, 2014).
3. Resultados
3.1 Validade de Constructo - Análise Fatorial Confirmatória
Efetuou-se o estudo de consistência interna, nomeadamente os estudos de fiabilidade. Os resultados indicam as estatísticas (médias e desvios padrão) e as correlações obtidas entre cada item e o valor global o que possibilita obter informações de como o item se combina com o valor global. Ao analisar-se os valores de alfa de Cronbach, os mesmos podem ser classificados, na sua larga maioria de bons, na medida em que os valores mínimos e máximos oscilam entre os 0.586 no item 8 do fator 2 (práticas) e 0.934 no item 11 do fator 3 (conhecimentos/habilidades e competências). Os valores médios e respetivos desvios padrão dos diferentes itens permitem afirmar que, na globalidade, os itens se encontram bem centrados. Os coeficientes de correlação item total corrigido indicam que se está perante correlações positivas, sendo o valor mais baixo o do item 9 do fator 2 (práticas) (r=0.507) com uma variabilidade de 25,9%, e o mais elevado o item 16 do fator 3 (conhecimentos/habilidades e competências) (r=0.803), correspondendo-lhe uma variabilidade de 69,8% (cf. Tabela 1).
Foi-se de seguida analisar a estatística descritiva de cada item da escala (média e desvios padrão) e as correlações obtidas entre cada item e o total corrigido de cada subescala (com a exclusão do item), além disso estudou-se também a fidelidade da escala nomeadamente a consistência interna, calculando-se o Alpha de Cronbach de cada subescala e para o total global (cf. Tabela 1).
No Fator 1 - Práticas verifica-se, pelos valores médios, homogeneidade nas respostas dadas aos diferentes itens uma vez que se obteve uma pontuação que oscila entre os 4,97 no item 1 e 5,60 no item 4. O coeficiente de Alpha de Cronbach obtido neste fator foi de 0,881, indicando uma boa consistência interna. Constata-se ainda que nenhum dos itens ao ser eliminado conduz a um aumento da consistência interna do fator. O maior valor de correlação do item com o total do fator corrigido situa-se no item 2 (r=0,766) com uma variabilidade de 65,3% e o que apresenta menor correlação é o item 6 (r=0,601), com uma percentagem de variância explicada de 43,4% (cf. Tabela 1).
Em relação ao Fator 2 - Atitudes, infere-se, pelos valores médios, que a menor média se situa no item 7 “Não me agrada que a minha prática clínica seja questionada/ Acolho com agrado as perguntas sobre a minha prática” com 5,98 e a maior no item 8 com 6,50 “A prática com base em evidências é uma perda de tempo/ A prática baseada em evidências é essencial à prática”. Quanto aos valores da correlação de cada item com o total corrigido do fator (com exclusão desse item), o mais elevado é de r=0,536 no item 8 e o menor de r=0,507 no item 9, com uma variabilidade de 28,7% e 25,9%, respetivamente. O coeficientes de alpha de Cronbach neste fator é de α=0,701 revelando uma razoável consistência interna. Verifica-se ainda que nenhum item desta escala ao ser eliminado conduziria ao aumento do Alpha de Cronbach do fator (cf. Tabela 1).
Ao analisar-se o Fator 3 - Conhecimentos/habilidades e competências, pelos valores médios, constata-se que o item mais favorável recai é o 15 “Capacidade de identificar lacunas na sua prática profissional” e o menos favorável o item 13 “Conversão das suas necessidades de informação numa pergunta de investigação”. O Alpha total do fator (0,934) revela uma consistência interna muito elevada. Relativamente à correlação de cada item com o total do fator corrigido (com exclusão do item) o maior valor de correlação situa-se no item 16 (r=0,803) com uma variabilidade de 69,8% e o que apresenta menor correlação é o item 11 (r=0,603) com uma percentagem de variância explicada de 47,0% (cf. Tabela 1).
Média | SD | r/item total | r2 | α sem item | |
---|---|---|---|---|---|
Fator 1 - Práticas | 0.881 | ||||
1. Formulou uma pergunta de partida claramente definida, como início de um processo para preencher essa lacuna | 4.97 | 1.610 | .631 | .620 | .873 |
2. Localizou as evidências relevantes depois de ter formulado a pergunta | 5.16 | 1.467 | .754 | .701 | .850 |
3. Analisou criticamente e segundo critérios explícitos, qualquer literatura que tenha encontrado | 5.18 | 1.451 | .747 | .614 | .851 |
4. Integrou as evidências que encontrou na sua prática | 5.60 | 1.260 | .766 | .653 | .851 |
5. Avaliou os resultados da sua prática | 5.50 | 1.349 | .670 | .555 | .864 |
6. Partilhou essa informação com colegas | 5.49 | 1.406 | .601 | .434 | .875 |
Fator 2 - Atitudes | 0.701 | ||||
7. Não me agrada que a minha prática clínica seja questionada/ Acolho com agrado as perguntas sobre a minha prática | 5.98 | 1.105 | .509 | .260 | .621 |
8. A prática com base em evidências é uma perda de tempo/ A prática baseada em evidências é essencial à prática profissional | 6.50 | 1.051 | .536 | .287 | .586 |
9. Mantenho-me fiel a métodos testados e aprovados, ao invés de mudar para algo novo/ A minha prática mudou devido às evidências que encontrei | 6.15 | 1.048 | .507 | .259 | .621 |
Fator 3 - Conhecimentos/habilidades e competências | 0.934 | ||||
10. Competências de pesquisa | 5.36 | 1.000 | .744 | .623 | .927 |
11. Competências em TI (Tecnologias de Informação) | 5.46 | 1.064 | .603 | .470 | .934 |
12. Monitorização e revisão de competências praticas | 5.36 | 1.067 | .786 | .658 | .925 |
13. Conversão das suas necessidades de informação numa pergunta de investigação | 4.83 | 1.331 | .736 | .597 | .929 |
14. Percepção dos principais tipos e fontes de informação | 5.35 | 1.128 | .775 | .628 | .925 |
15. Capacidade de identificar lacunas na sua prática profissional | 5.74 | .962 | .655 | .476 | .931 |
16. Saber como obter as evidências | 5.39 | 1.096 | .803 | .698 | .924 |
17. Capacidade de analisar, de forma crítica, as evidências segundo normas definidas | 5.40 | 1.097 | .799 | .707 | .924 |
19. Capacidade de determinar a utilidade (aplicabilidade clínica) do material | 5.56 | .990 | .745 | .686 | .927 |
20. Capacidade de aplicar a informação a casos individuais | 5.36 | 1.000 | .744 | .623 | .927 |
Coeficiente alfa de Cronbach global | 0.930 |
Utilizando a análise fatorial confirmatória, com recurso a um software de modelização de equações estruturais, AMOS, procurou-se confirmar a estrutura fatorial de 3 fatores da escala original.
Foram testados dois modelos: um com a totalidade dos itens da escala original e outro com a eliminação do item 18. Constatou-se que com eliminação do item 18, as medidas de ajustamento melhoraram consideravelmente. A Figura 1 refere-se a uma análise fatorial confirmatória de 2ª ordem referente ao modelo sem o item 18. De seguida mostram-se as medidas de ajustamento dos dois modelos de forma a fundamentar a eliminação do item 18.
As medidas de ajustamento para a escala original (com o item 18) constatam que o valor do x2/gl revela um mau ajustamento (5,004) e o RMSEA também revela um valor inaceitável (0,104), os valores de CFI (0,864) e GFI (0,803) são considerados aceitáveis. Retirando o item 18 o valor do x2/gl torna-se aceitável (2,030), e o RMSEA bom (0,053). Os valores de CFI (0,967) e GFI (0,926) passam a traduzir um ajustamento bom ou muito bom. Optou-se assim, neste estudo, por retirar o item 18 do Fator 3 que se refere aos conhecimentos/habilidades e competências (cf. Tabela 2). Neste sentido, o estudo da consistência interna do instrumento, após eliminação do item 18, foi considerada muito bom através da obtenção do valor global de ( = 0,930 e, por fatores por ordem crescente, valores de ( = 0,881; 0,701 e 0,934, respetivamente.
Medidas de Ajustamento | Valores de Referência | Valores encontrados com item 18 | Valores encontrados sem item 18 |
X2 /gl | >5 - Ajustamento mau ]2;5] - Ajustamento aceitável ]1;2] - Ajustamento Bom ~ 1 - Ajustamento Muito Bom | X2 /gl= 5,004 | X2 /gl= 2,030 |
CFI GFI | <0,8- Ajustamento mau [0,8; 0,9[- Ajustamento aceitável [0,9; 0,95[- Ajustamento Bom ≥ 0,95- Ajustamento Muito Bom | CFI = 0,864 GFI = 0,803 | CFI = 0,967 GFI = 0,926 |
RMSEA | >0,10- Ajustamento inaceitável ]0,05; 0,10[- Ajustamento Bom ≤ 0,05- Ajustamento Muito Bom | RMSEA = 0,104 | RMSEA = 0,053 |
RMR | Quanto menor este valor, melhor o ajustamento, indicando um RMR = 0 um ajustamento perfeito | RMR = 0,085 | RMR = 0,064 |
A matriz de correlação de Pearson entre os diversos fatores da escala revela, na globalidade, valores positivos e significativamente correlacionados. Perante estes resultados, apura-se que o aumento ou diminuição dos índices da eficácia clínica e prática baseada em evidências num dos fatores se encontra associado ao aumento ou diminuição nos índices nos restantes fatores (cf. Tabela 3).
4. Discussão
A validade de constructo procura identificar se o instrumento mede realmente o que pretende medir e é simplesmente aceite, na medida em que as provas a seu favor vão sendo superiores às provas contrárias (Cunha et al., 2018).
O presente estudo teve como objetivo proceder à validação das propriedades psicométricas do Questionário de Eficácia Clínica e Prática Baseada em Evidências, focando-se na validade de constructo tendo-se apurado que o estudo de validação e de fiabilidade realizados, por intermédio, da técnica análise fatorial confirmatória revelou a manutenção da estrutura fatorial da escala, constituída por 3 fatores perfazendo um total de 19 itens, contrastando com os 20 itens propostos por Pereira et al. (2015), tendo-se obtido que a consistência interna do questionário, aferida através do alfa de Cronbach, no geral é classificado de muito bom (α=0,930). Os valores de alfa de Cronbach por subescala denotam uma consistência interna a oscilar entre o bom e o muito bom, nomeadamente: F1 - Práticas (α=0,881); F2 - Atitudes (α=0,701) e F3 - Conhecimentos/Habilidades e Competências (α=0,934). Estes resultados indicam ser mais consistentes do que o estudo original validado para a população portuguesa de Pereira et al. (2015) que evidenciou um valor de α = 0,740 e variância total explicada de 56,739% e, por fatores F1 com α = 0,740; F2 com α = 0,750 e F3 com α = 0,950. Pela exposição dos resultados exposto, é possível afirmar que o QECPBE-19 identifica a existência de uma estrutura válida e fiável para este instrumento de medida das práticas, atitudes e conhecimentos/habilidade e competências dos enfermeiros portugueses relativamente à PBE.
De modo a aprofundar o estudo de validade do questionário, realizou-se uma análise fatorial exploratória no sentido de se obter o valor da variância total explicada em função do valor de α obtido com a eliminação do item 18 (α = 0,930) e obteve-se o valor de 63,660%, valor também ele superior ao estudo de Pereira et al. (2015).
Face aos resultados poder-se-á referir que a PBE surge, portanto, como potenciadora da decisão clínica segura, da qualidade dos cuidados e da autonomia em enfermagem na medida que, os recursos são usados com maior eficiência, aumentando a satisfação dos pacientes e, por outro lado, os índices de efetividade e de segurança sentidos pelos enfermeiros aquando da realização das suas realizações é incomparavelmente maior, pois sentem que tudo o que fazem se encontra sustentado à luz da evidência científica mais atual (Melnyk & Fineout-Overholt, 2015).
Por outro lado, encontrando-se, motivados para o desenvolvimento destas competências, a PBE poderá ser vista pelos enfermeiros como um conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais que lhes permitirá lidar de modo mais eficaz e adequado perante as constantes e tendencialmente maiores exigências internas ou externas com que se deparam no seu dia-a-dia, as quais se poderão apresentar, inclusivamente, desafiantes e permitir o desenvolvimento contínuo dessas mesmas competências. A adoção de estratégias educativas, em melhoria contínua, alicerçadas num adequado processo de gestão de recursos e de tempo permitirão, por sua vez, o desenvolvimento e a capacitação dos profissionais para a PBE (Alqahtani et al., 2020).
Conclusões
Sendo um questionário relativamente breve, de aplicação simples, que utiliza uma linguagem facilmente compreendida pelos enfermeiros, este, demonstra-se adequado para utilização em amostras com características sociodemográficas diferentes com contextos de prestação de cuidados também eles diferentes o que, por si só, sustentou a nossa dúvida e/ou receio inicial de que isso não poderia ser concretizado. Corroborando esta afirmação, os resultados obtidos permitem concluir que a escala denota propriedades psicométricas adequadas, evidenciadas pelos índices de fiabilidade: alfa global de Cronbach (α = 0,930) e variância total explicada de 63,660%, ambos superiores ao da escala validada para a população portuguesa por Pereira et al. (2015).
Pela observação da estatística descritiva referenciada na Tabela 1, constatamos que no que concerne às implicações para o exercício profissional dos Enfermeiros, estes, assumem claramente o F2 - Atitudes como o fator mais valorizado relativamente à PBE revelando, neste sentido, a existência de interesse desta classe profissional na mudança e no aprimorar da prática de cuidados. No entanto, é fundamental que tanto as instituições de saúde como as instituições académicas e/ou formativas fomentem a prática de cuidados baseada em evidências, fazendo-se munir de todas as ferramentas necessárias para proporcionar todas as condições que se almejem ser favoráveis à instituição e ao desenvolvimento destes hábitos de trabalho de cariz investigador que, como vimos, melhoram substancialmente os índices de satisfação dos doentes e da qualidade e segurança dos cuidados prestados.
Por fim, almejamos que esperamos que este estudo reforce o alerta para a necessidade de investimento das instituições de saúde e dos profissionais de saúde nesta área de intervenção (por exemplo: acoplamento destas temáticas nos planos de formação institucionais), por forma a colmatar lacunas com a falta de tempo e de recursos que estimulem, precisamente, o desenvolvimento das práticas e dos conhecimentos/habilidades e competências que, como vimos, evidenciaram valores médios inferiores às atitudes preferencialmente reconhecidas pelos enfermeiros deste estudo.
Este estudo comporta algumas limitações, sendo a mais evidente a lacuna na referência a estudos sobre a problemática estudada, resultante da escassez de estudos que comtemplem a relação entre a eficácia clínica e os componentes estruturais da PBE (práticas, atitudes e conhecimentos/habilidades e competências), o que não permitiu uma explanação mais aprofundada dos resultados, de modo a discutir e comparar as inferências descritas. Todavia, é de salientar pela positiva: o estudo da análise fatorial confirmatória do instrumento de medida - QECPBE-20 e a análise da problemática numa amostra de 738 enfermeiros(as) originários de todo o território português, nos vários contextos de prestação de cuidados pese embora, só representem cerca de 1% do corpo de profissionais de enfermagem registados na OE em Portugal, sensivelmente.
Apesar destas limitações, considera-se que esta investigação se assume como um contributo, ainda que humilde, para futuros estudos sobre o conhecimento dos enfermeiros portugueses sobre a eficácia clínica e a PBE.