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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp5 Viseu jun. 2020  Epub 30-Jun-2020

https://doi.org/10.29352/mill0205e.14.00333 

Life and health sciences

O enfermeiro no pré-hospitalar: cuidar para a cura

The pre-hospital nurse: care for the cure

El enfermero pre-hospitalario: cuidar para la cura

Mauro Mota1 

Madalena Cunha2 

Margarida Reis Santos3 

1 Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal | Unidade Local de Saúde da Guarda, Guarda, Portugal

2 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, UICISA:E, SIGMA - Phi Xi Chapter, CIEC - UM, Viseu, Portugal

3 Escola Superior de Enfermagem do Porto, CINTESIS, Porto, Portugal


Resumo

Introdução:

A presença de enfermeiros no contexto pré-hospitalar português remonta ao ano de 1981. Em 2007, constituíram-se as Ambulâncias Suporte Imediato de Vida do Instituto Nacional de Emergência Médica, onde os enfermeiros assumem a função de team leaders. Esta reflexão tem como objetivo analisar o papel dos enfermeiros no socorro pré-hospitalar.

Desenvolvimento:

O contexto pré-hospitalar imprime fortes desafios à Enfermagem e à sua identidade profissional. Os enfermeiros conduzem as suas intervenções e tomam as suas decisões de acordo com a melhor evidência científica, seguindo protocolos terapêuticos predefinidos. Enquanto lideres da equipa de socorro, são responsáveis pela gestão dos diferentes intervenientes que prestam assistência no pré-hospitalar, garantindo a segurança dos cuidados de saúde. As pessoas socorridas no pré-hospitalar depositam no enfermeiro as esperanças não só de garantir a sua sobrevivência, como também, de que no decorrer do socorro, o cuidar, intimamente ligado à génese da Enfermagem, seja também salvaguardado. A produção e disseminação de conhecimento científico contribuirá para a otimização de todas as práticas autónomas e interdependentes.

Conclusões:

O papel do enfermeiro do pré-hospitalar assenta em três pontos fundamentais: administração de cuidados de Enfermagem no processo de cura/saúde; implementação de metodologias de gestão do risco e desenvolvimento de estratégias de gestão para a segurança do socorro; promoção de investigação no âmbito da prestação de cuidados de emergência que contribuam para a melhoria dos cuidados de Enfermagem prestados. A disseminação do conhecimento que corrobora as práticas vigentes no contexto pré-hospitalar contribuirá para que se perceba a importância da participação de enfermeiros no quadro da emergência e para a afirmação da imprescindibilidade e insubstituibilidade da sua intervenção no pré-hospitalar.

Palavras-chave: enfermagem; assistência pré-hospitalar; liderança; serviços de enfermagem

Abstract

Introduction:

The presence of nurses in the Portuguese pre-hospital context dates back to 1981. In 2007, the Immediate Life Support Ambulances of the National Institute of Medical Emergency were set up, where the nurses took on the role of team leaders. This reflection aims to analyze the role of nurses in pre-hospital setting.

Development:

The pre-hospital context presents strong challenges to Nursing and its professional identity. Nurses conduct their interventions and make their decisions according to the best scientific evidence, following predefined therapeutic protocols. As leaders of the rescue team, they are responsible for managing the different actors providing pre-hospital care, ensuring the safety of health care. People rescued in the pre-hospital expect from the nurses the guarantee of their survival, and also, during the assistance, the care, closely linked to the essence of Nursing, is also preserved. The production and dissemination of scientific knowledge will contribute to the optimization of all autonomous and interdependent practices.

Conclusions:

The role of the pre-hospital nurse is based on three fundamental points: nursing care administration in the healing/health process; implementation of risk management methodologies and development of management strategies for the safety of the rescue; promotion of research in the provision of emergency care that contribute to the improvement of the nursing care. The dissemination of knowledge that supports the current practices in the pre-hospital context will help to realize the importance of the participation of nurses in the framework of the emergency and to affirm the indispensability and irreplaceability of their intervention in pre-hospital setting.

Keywords: Nursing; prehospital care; leadership; nursing services

Resumen

Introducción:

La presencia de enfermeras en el contexto pre-hospitalario portugués se remonta a 1981. En 2007 se crearon las Ambulancias de Soporte Vital Inmediato del Instituto Nacional de Emergencias Médicas, en las que las enfermeras asumieron el papel de líderes de equipo. Esta reflexión tiene como objetivo analizar el papel de las enfermeras en la asistencia prehospitalaria.

Desarrollo:

El contexto prehospitalario presenta fuertes desafíos para la enfermería y su identidad profesional. Las enfermeras llevan a cabo sus intervenciones y toman sus decisiones de acuerdo a la mejor evidencia científica, siguiendo protocolos terapéuticos predefinidos. Como líderes del equipo de socorro, son responsables de la gestión de los diferentes actores que proporcionan cuidados prehospitalarios, garantizando la seguridad de la atención sanitaria. Las personas socorridas en el prehospital esperan de los enfermeros la garantía de su supervivencia, y también, durante la asistencia, se preservan los cuidados, estrechamente ligados a la esencia de la enfermería. La producción y difusión de conocimientos científicos contribuirá a la optimización de todas las prácticas autónomas e interdependientes.

Conclusións:

La función de la enfermera prehospitalaria se basa en tres puntos fundamentales: la administración de los cuidados de enfermería en el proceso de curación/salud; la aplicación de metodologías de gestión de riesgos y la elaboración de estrategias de gestión para la seguridad del socorro; la promoción de la investigación en la prestación de cuidados de emergencia que contribuyan al mejoramiento de los cuidados de enfermería. La difusión de conocimientos que respalden las prácticas actuales en el contexto prehospitalario ayudará a comprender la importancia de la participación de la enfermería en el marco de la emergencia y a afirmar la indispensabilidad e irreemplazabilidad de su intervención en el contexto prehospitalario.

Palabras Clave: enfermería; atención prehospitalaria; liderazgo; servicios de enfermeira

Introdução

A implementação de um sistema médico pré-hospitalar permite oferecer, nos primeiros minutos, à pessoa vítima de quadros clínicos complexos, patológicos ou traumáticos, diversos, uma resposta clínica adequada, e com isso promover uma estabilização hemodinâmica efetiva (Alarhayem et al., 2016; Silva, Tipple, Souza, & Brasil, 2010). Os benefícios deste socorro são, à partida, de grande importância, na medida em que contribuem para a diminuição da probabilidade de instalação de um quadro clínico de maior nível de gravidade em que a sobrevivência da vítima, na ausência de assistência rápida, ficaria seriamente comprometida ou a possibilidade de advirem sequelas/morbilidades de enorme impacto pessoal, social e económico muito agravada.

A presença de profissionais de saúde diferenciados nos meios de socorro pré-hospitalar permite que a assistência seja, além de precoce, mais ajustada às necessidades existentes, o que, naturalmente, permite otimizar a assistência global de todo o Serviço de Saúde. A assistência pré-hospitalar assegura cuidados de saúde complexos, como são exemplo as medidas de reanimação, suporte avançado de vida, ou o transporte mais seguro dos doentes em estado crítico (Rodrigues & Martins, 2012).

A gestão destes profissionais vai depender da política organizacional de cada país e, em cada país, da política organizacional de cada uma das diferentes regiões que o constituem. A presença de enfermeiros no contexto pré-hospitalar é uma realidade em diferentes países europeus como a Suécia, Finlândia, Bélgica, Inglaterra, País de Gales, Espanha, Holanda (Soren, Linda, & Veronica, 2015) e Portugal.

A inclusão de enfermeiros no pré-hospitalar em Portugal ocorreu em 1981, ano em que foram realizados os primeiros cursos de formação a médicos e enfermeiros sobre técnicas de Emergência Médica (Instituto Nacional de Emergência Médica, 2017). Depois de uma longa participação dos enfermeiros no socorro pré-hospitalar, nas Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação e nos Helicópteros do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), em 2007 foram implementadas as Ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (SIV), um novo meio de assistência pré-hospitalar constituído por um enfermeiro e por um técnico de emergência pré-hospitalar (Oliveira & Martins, 2013). As ambulâncias SIV, destinadas ao socorro das vítimas de acidente ou doença súbita, ao apoio diferenciado na prestação de cuidados no Serviço de Urgência e ao transporte inter-hospitalar de pessoas em situação crítica, cuja resposta se exige diferenciada (Ministério da Saúde, 2014a, 2014b), distinguem-se dos outros meios de socorro pelo facto de serem o primeiro meio onde o enfermeiro assume o papel de team leader - competência acrescida, que nos restantes meios é assumida pelo médico. A formação dos enfermeiros das ambulâncias SIV é específica e a sua atuação é protocolada, sob controlo médico e supervisão clínica da estrutura profissional do INEM.

Com esta reflexão, objetivou-se analisar o papel dos enfermeiros no socorro pré-hospitalar em Portugal.

1. Desenvolvimento

A Enfermagem, enquanto disciplina e profissão, precisa de manter os seus alicerces ao nível do cuidado em saúde a diferentes níveis e à escala mundial, vinculando, assim, a necessidade maior de manter firmes as suas bases disciplinares, direcionadas para o cuidado-cura-saúde (Watson, 2017). O contexto pré-hospitalar imprime, contudo, preocupações acrescidas à Enfermagem. A identidade profissional, ao nível do pré-hospitalar, deve assentar em três pontos fundamentais: gestão dos cuidados de Enfermagem em contexto de urgência/emergência; gestão das equipas pré-hospitalares assumindo os enfermeiros o papel de team leaders; produção e disseminação de conhecimento científico que otimize as práticas autónomas e interdependentes do enfermeiro.

Cuidados de Enfermagem no Pré-hospitalar

A ausência de um modelo teórico que dê suporte às práticas dos enfermeiros no pré-hospitalar fragiliza substancialmente a identidade destes profissionais, que se veem desprotegidos de um modelo conceptual que personaliza a Enfermagem enquanto disciplina e profissão. Os cuidados de Enfermagem assentes em protocolos terapêuticos e de intervenção são amplamente utilizados a diferentes níveis da prestação de cuidados de saúde, e no pré-hospitalar esta é também uma realidade. Diferentes algoritmos respondem a diferentes quadros clínicos. Os enfermeiros conduzem as suas intervenções e tomam as suas decisões de acordo com a melhor evidência científica, seguindo protocolos terapêuticos previamente delineados, e tendo em consideração a eficácia previsível da sua atuação (Oliveira & Martins, 2013). Os protocolos são construídos e fundamentados tendo em consideração a componente patológica de uma vítima, contudo, não respondem às necessidades humanas básicas que resultam do quadro patológico. A construção de uma visão holística da pessoa no decorrer de todo o socorro pré-hospitalar é a abordagem que se exige à Enfermagem, já que é essa abordagem que a distingue de outras profissões. A ausência de um modelo teórico de Enfermagem que norteie a totalidade das intervenções acaba por afastar os enfermeiros da sua verdadeira identidade, aproximando-os, por outro lado, da identidade de outros intervenientes do socorro pré-hospitalar. Assim, a necessidade de se implementarem cuidados emergentes com o objetivo de salvar vidas, oferece à Enfermagem um desafio tão ambicioso quanto arriscado - a construção de um modelo teórico que suporte a prática clínica da Enfermagem na emergência pré-hospitalar (Mota et al., 2019).

A inclusão de uma vítima, com um determinado quadro clínico, num ou em vários desses protocolos terapêuticos, redunda redutora e insuficiente para as reais necessidades do ser humano, e, por conseguinte, muitas das respostas necessárias são negligenciadas por deficiência da abordagem adotada. A Enfermagem ao evoluir para se adaptar às diferentes dimensões de cuidados e aos diferentes contextos de prestação de cuidados, deve procurar manter-se fiel à sua essência. Ela tem na sua génese o ato instintivo de cuidar, como garantia da proteção da pessoa, mas só a partir da organização e sistematização do seu saber foi possível cimentar a Enfermagem Moderna, oriunda de Florence Nightingale (Geovanini, Moreira, Schoeller, & Machado, 2019). Retirar à Enfermagem a visão unitária de mundo, onde a saúde se associa à justiça social e moral, num sistema de processos e resultados é roubar a sua verdadeira identidade (Watson, 2017). As teorias de médio e grande alcance permitem modular os cuidados de Enfermagem, contudo, a realidade pré-hospitalar assenta fundamentalmente na dicotomia saúde-doença, cuja necessidade maior é a implementação de intervenções imediatas, capazes de garantir a manutenção das funções vitais.

Conhecer as fronteiras que delimitam a prestação de cuidados com vista à recuperação da estabilidade hemodinâmica e nelas incorporar uma assistência suportada pelas pedras basilares que modelam a essência da Enfermagem - Pessoa, Saúde, Ambiente e Cuidados de Enfermagem - é oferecer às vítimas a garantia, não só, da sua sobrevivência como também da salvaguarda do respeito, dignidade, fragilidades e necessidades que “ultrapassam” o bom funcionamento das funções vitais. Se por um lado os protocolos de intervenção são fundamentais, por outro, a definição de um planeamento de cuidados à luz da singularidade de cada indivíduo pode e deve ser assegurada. Assim, a intervenção clínica do enfermeiro no meio pré-hospitalar inclui: a estabilização do indivíduo vítima de acidente e/ou doença súbita, no local da ocorrência, garantindo a manutenção das funções vitais; o acompanhamento e a vigilância durante o transporte primário ou secundário da vítima, desde o local da ocorrência até à unidade hospitalar de referência, garantindo a prestação de cuidados de enfermagem que se exigem para a manutenção das funções vitais durante o transporte; a informação e o acompanhamento à família da vítima de forma a minimizar o seu sofrimento (Ordem dos Enfermeiros, 2007).

O enfermeiro é o único profissional de saúde que incorpora todos os meios medicalizados do INEM. De acordo com o modelo de organização estrutural e funcional da carreira especial de enfermagem no INEM, os enfermeiros são responsáveis por dois níveis de intervenção: o da gestão e o da prestação de cuidados (Magalhães, 2014).

A gestão dos cuidados de Enfermagem não pode ficar enclausurada em protocolos, deve ser capaz de se reconstruir num novo modelo que contemple também a avaliação das necessidades da pessoa num contexto muito peculiar, que não se perderam com a instalação de um evento patológico ou traumático urgente/emergente. Se por um lado a rigidez dos protocolos constitui uma mais-valia na decisão terapêutica é, por outro lado, frágil quando resume o ser humano a uma doença ou a um traumatismo (Mota et al., 2019). A essência da Enfermagem no socorro pré-hospitalar é cuidar no processo de cura/saúde. Não o conseguindo, arrisca-se a ser transformada numa disciplina puramente tecnicista, infinitamente redutora para a condição humana, e com isso, cair inútil às mãos de outras profissões já existentes.

Por tudo isto, a Enfermagem, no pré-hospitalar, expõe-se a uma condição única na realidade portuguesa. A vítima deposita no enfermeiro a esperança de garantir a sua sobrevivência, não descurando, no decorrer de todo o processo, que o cuidar, intimamente ligado à génese da Enfermagem, seja também salvaguardado.

Gestão de Equipas no Socorro Pré-hospitalar

A gestão das equipas de socorro pré-hospitalar é parte integrante da função dos enfermeiros das Ambulâncias SIV. O enfermeiro das ambulâncias SIV tem, em muitas circunstâncias, a função de team leader, não apenas do meio que habitualmente lidera, mas também de outros meios de socorro que estejam a atuar no local da ocorrência, nomeadamente, as tripulações dos bombeiros.

A liderança em Enfermagem é uma matéria largamente estudada na academia, contudo, e à semelhança de outras, continua a não estar explorada no contexto pré-hospitalar. Aos enfermeiros com funções de gestão, são exigidos conhecimentos, habilidades e atitudes adequadas para implementar as suas funções com eficácia. Estes enfermeiros podem desenvolver as suas práticas de liderança durante a sua atuação, informando a equipa in loco do que precisa fazer, apelando aos valores das pessoas, motivando para que assumam responsabilidades, capacitando para a ação e encorajando a equipa para que esta se sinta motivada (Silva et al., 2017). O enfermeiro gestor é também responsável por garantir a segurança dos cuidados de saúde, através da implementação de metodologias de gestão do risco e do desenvolvimento de estratégias de gestão para a segurança dos serviços. Para o efeito, esta segurança terá que ser mais abrangente e complexa do que apenas a segurança do doente. Ela poderá estar dependente da própria segurança do enfermeiro (Correia, Martins, & Forte, 2020).

No contexto pré-hospitalar, e em ambientes particularmente hostis, como acidentes rodoviários com várias vítimas de trauma, pessoas em paragem cardiorrespiratória, e outras, a capacidade de gestão assume contornos mais complexos e de maior dificuldade, pelo que se impõem tomadas de decisão firmes, mas solidárias, suportadas pela melhor evidência científica, mas ajustadas às singularidades dos envolvidos. É ainda fundamental que a tomada de decisão seja sujeita à avaliação quanto à sua eficácia global. Sem um modelo de avaliação da qualidade dos cuidados implementados, todo este processo de gestão fica, em certa medida, negligenciado.

A tomada de posição enquanto gestor destas equipas implica que o enfermeiro team leader consiga orientar vários profissionais que, muito possivelmente, nem conhecia antes da ocorrência. Esta realidade acarreta desafios acrescidos. Importa referir que a função de gestor nestas circunstâncias, não inibe ao enfermeiro a obrigatoriedade de prestar cuidados urgentes e de alta complexidade às vítimas, pelo contrário, esta função mantém-se, também ela, como prioritária. A capacidade de gerir este processo não pode ser obtida sem que haja, na retaguarda, modelos de formação de base específicos e direcionados para esta realidade muito particular, e não pode ser mantida e otimizada sem que haja, periodicamente, formação contínua ministrada e supervisionada por entidades especializadas em matéria de gestão de risco.

A imprevisibilidade que caracteriza o socorro pré-hospitalar repercute-se numa expectável dificuldade acrescida dos enfermeiros para gerir em toda a ocorrência. O Nursing Leadership Institute categoriza as competências de gestão em Enfermagem em seis domínios: domínio pessoal; eficácia interpessoal; gestão financeira; gestão de recursos humanos; cuidados com os diferentes profissionais, com os doentes e consigo; e pensamento sistematizado (Sherman, Bishop, Eggenberger, & Karden, 2007). O perfil do enfermeiro pré-hospitalar deve agregar um conjunto de atributos pessoais e profissionais que o habilitem para ser capaz de responder, com eficácia, a todas a necessidades já apontadas.

Ao nível da gestão organizacional, importa frisar que estão previstas três categorias de intervenção, desde a direção até à gestão intermédia: enfermeiro diretor; enfermeiros, com funções de chefia, um por cada delegação regional; enfermeiros com funções de chefia na coordenação de meios, em cada delegação regional (Magalhães, 2014).

Investigação Científica em Enfermagem Pré-hospitalar

A pertinência de se fomentar investigação no âmbito da prestação de cuidados de emergência no pré-hospitalar é uma das estratégias mais relevantes para que a Enfermagem consolide o seu espaço. Seguir um modelo assente em protocolos de intervenção, não deve impedir a inclusão de modelos de planeamento de cuidados que promovam a saúde física, emocional e social das pessoas socorridas no pré-hospitalar. Para o efeito, contudo, é imperativo que a investigação procure como e porquê. A Enfermagem pré-hospitalar não pode nem deve continuar a receber de outras disciplinas as principais linhas de conhecimento para suportar as suas práticas. Esta posição poderá colocar em risco, numa primeira instância, a própria identidade da profissão no contexto pré-hospitalar, e em segundo, pôr em risco a própria existência de enfermeiros no pré-hospitalar.

A prática baseada na evidência assume-se como a metodologia mais coerente, segura e sistematizada de determinar as práticas profissionais. O resultado desta metodologia repercute-se na implementação das intervenções mais adequadas, com a melhor otimização dos recursos disponíveis, apoiando-se na melhor e mais recomendada tomada de decisão (Bandeira, Witt, Lapão, & Madruga, 2017). O desenvolvimento de investigação pelos enfermeiros do pré-hospitalar em Portugal reclama maior urgência, para que a profissão se solidifique como um todo, num campo cuja indefinição de profissões é, em si, uma preocupante ameaça. A investigação oferece identidade, na sua ausência, a identidade dilui-se numa incerteza preocupante. A emancipação de profissões tecnicistas tende a ocupar os espaços profissionais mais indistintos, e profissões como a Enfermagem arriscam-se a ficarem reduzidas à sua ineficaz resposta identitária. É emergente que a Enfermagem marque uma posição clara no contexto pré-hospitalar e a forma mais exequível de a fazer é com recurso à investigação científica, é com recurso à prática baseada na evidência.

A literatura contemporânea evidencia que a natureza do trabalho dos enfermeiros em cuidados pré-hospitalares é complexa e a competência destes profissionais foi identificada como um fator importante para a prestação de cuidados de alta qualidade e seguros, contudo, verifica-se que esta “competência” em cuidados pré-hospitalares continua a não ser explorada de forma mais detalhada (Nilsson, Johansson, Nordstrom, & Wilde-Larsson, 2020). Para os mesmos autores a investigação no domínio dos cuidados de saúde de emergência revela a necessidade de estratégias para avaliar o desenvolvimento de competências entre os enfermeiros. O desenvolvimento da disciplina de Enfermagem no âmbito do pré-hospitalar carece, portanto, de uma abordagem mais complexa e determinada, com linhas muito bem definidas de investigação. Manter fiel a arquitetura histórica da profissão sem fragilizar o seu próprio futuro.

A imagem disruptiva que parece emergir quando analisamos a literatura científica inerente à Enfermagem pré-hospitalar deverá servir de mote para explorar todos os cuidados de saúde relativos ao socorro. Deverá servir, também, para alavancar a própria construção da identidade profissional dos enfermeiros, em contexto dos cuidados de Enfermagem no pré-hospitalar, que teima em se esconder, ora por apatia, ora por inércia.

Conclusões

A Enfermagem pré-hospitalar deve assentar as suas premissas no cuidar durante o processo de cura/saúde, salvaguardar a segurança dos cuidados de saúde, através da implementação de metodologias de gestão do risco e do desenvolvimento de estratégias de gestão para a segurança do socorro e, por último, desenvolver, potenciar e estimular a investigação no âmbito da prestação de cuidados de emergência que potenciem toda a sua assistência.

No pré-hospitalar a Enfermagem não pode esgotar-se numa competência acrescida, é necessário que a diferenciação técnica e humana que lhe é pedida no quotidiano seja precedida por formação, também ela, diferenciada. Não é exequível exigir-se aos enfermeiros atributos e competências que ultrapassam a formação atualmente disponibilizada e formalmente exigida. Novos modelos de ensino devem ser desenvolvidos para que estes profissionais continuem a honrar as necessidades dos doentes, para que continuem a honrar a essência da Enfermagem na sua globalidade e, no fundo, para honrar o próprio futuro: o cuidar para a cura/saúde.

Importa também explorar qual a experiência profissional dos enfermeiros antes de iniciarem as suas funções nas ambulâncias SIV e qual o número médio de anos em atividade. Definir-se um perfil ideal de enfermeiro pré-hospitalar será uma enorme mais-valia para otimizar o socorro na sua globalidade.

Estudar a realidade pré-hospitalar é indispensável para garantir a qualidade dos cuidados prestados. Assim, recomenda-se que a discussão desta matéria seja promovida em todas as instâncias, clínica, científica, pedagógica e formativa, com o rigor e contraposições merecidas, e devolvida à clínica, onde, por certo, fará toda a diferença.

Referências bibliográficas

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Recebido: 23 de Abril de 2020; Aceito: 02 de Maio de 2020

Autor Correspondente Mauro Mota Unidade Local de Saúde da Guarda Av. Rainha Dona Amélia 19 6300-035 Guarda - Portugal enfermeiro.mauro@gmail.com

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